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O presente trabalho buscou investigar como a Lei 12.846/2013 enfrentou o fenômeno dos grupos de sociedades ao disciplinar as sanções ali previstas. Qual seria o meio escolhido pelo legislador para tornar efetiva as sanções administrativas impostas, por força da referida lei a sociedades plúrimas? Quais as consequências da adoção deste meio para os grupos de sociedades?

Em outras palavras, o presente trabalho se propôs a discutir a problemática trazida pelas disposições do §2º do artigo 4º da Lei Anticorrupção brasileira, que determinou ser solidária a responsabilidade entre as sociedades controladoras, controladas, coligadas, quanto aos atos contrários à administração pública praticada por uma pessoa jurídica a ela ligada, frente ao binômio da efetividade das sanções impostas pela Lei e da preservação da viabilidade da estrutura jurídico-organizativa do grupo de sociedades como forma de organização empresarial.

O que se buscou com a presente investigação, portanto, foi entender como as disposições da Lei Anticorrupção se amoldam ao fenômeno da empresa grupal. Como a estratégia adotada para efetivação de eventuais sanções impostas a empresas pertencentes a grupos de sociedade se desenvolve e qual a sua real efetividade.

Nesse sentido, esta obra teve como ponto de partida a análise do fenômeno da corrupção, principalmente em seu viés empresarial para, a partir de então, contextualizar escrutinar a Lei Anticorrupção, em seu aspecto teórico e prático, reservando um capítulo específico para tratar, com maior detalhe, da questão das empresas grupais.

Ao fim desse período e com base nos resultados produzidos, a pesquisa voltou seu olhar para o futuro apresentando uma possível alternativa que poderia acomodar a questão, equilibrando o aludido binômio de forma a garantir a preservação da efetividade das sanções e, por outro lado, não tornar inviável a utilização desta estrutura jurídico- organizativa tão cara à organização da grande empresa.

Assim, após ter-se percorrido este caminho, podemos, em síntese conclusiva, apontar que:

O fenômeno da corrupção, assim entendido em sua abrangência mais ampla, se traduz como relevante mal, quer pelo alcance mundial de tal fenômeno, quer pelo impressionante montante financeiro movimentado por este. Tal abrangência e relevância ficam ainda mais evidentes quando colocamos em perspectiva tais dados confrontando- os, por exemplo, com o PIB da Alemanha, quarta economia mais desenvolvida do globo, para averiguar que o movimento anual global da corrupção supera o montante das riquezas de tal país em um ano.

Nesse sentido, alguns ensaios realizados com base nos levantamentos da ONG Transparência Internacional, nos permitem afirmar que o mal da corrupção atinge indistintamente países desenvolvidos e em desenvolvimento, sem que haja a existência de uma correlação entre desenvolvimento e corrupção. Tal fato é referendado quando se lança luz à origem de diversas pessoas jurídicas que se beneficiaram de tais atos.

Dessa forma, parece ser salutar a criação de mecanismos que visem combater tal mal, garantindo a livre concorrência entre as empresas, preservando a eficiência do mercado, permitindo a correta alocação de recursos por governos e melhor aproveitamento desses pelas populações.

No entanto, como foi visto, o combate à corrupção em seu viés empresarial, ou seja, por meio da imposição de sanções às pessoas jurídicas que se vêm beneficiadas por tais atos, é algo recente e tem sua propagação ligada aos atentados de 11 de setembro de 2001 ocorridos nos Estados Unidos da América. Isto porque a partir da necessidade de se combater atos de terrorismo, surge a necessidade de combater a corrupção, uma vez que os recursos provenientes desta frequentemente são utilizados para o financiamento de tais atos. É nesse contexto que a política externa americana passa a exercer séria pressão sobre os organismos internacionais para a promulgação de proposições internacionais que determinassem uma agenda de implantação de diversas medidas de combate à corrupção aos países signatários de tais compromissos.

Em que pese a corrupção e seu combate não sejam um fenômeno recente em nosso país, é a partir da pressão exercida por meio de instrumentos de soft law que o sistema de combate à corrupção nacional foi aperfeiçoado, mormente para atender a necessidade de se criar mecanismos que permitam realizar a persecução de mal com relação às Pessoas Jurídicas por ele beneficiado. Essa pressão internacional, aliada à necessidade de formação de uma agenda positiva de combate à corrupção pelo Governo Federal em vista

das manifestações populares que varriam o país, formaram o contexto de promulgação da Lei 12.846/2013.

Referida Lei veio completar o sistema de combate à corrupção é permitindo a aplicação de sanções administrativas e civis às Pessoas Jurídicas pela prática de atos corrupção, tendo como principais inovações a (i) imposição da responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas sancionadas nos termos da lei, (ii) a presença de mecanismos de incentivo a adoção de programas de conformidade e (iv) a imposição da solidariedade às empresas controladas, controladoras e coligadas, ou seja, as empresas insertas no contexto grupal.

Em que pese a doutrina discuta à constitucionalidade do artigo 1º da Lei 12.846/2013, o presente estudo entende que, além de constitucional, a atribuição do caráter objetivo à responsabilidade das pessoas jurídicas é uma medida acertada para garantir a efetividade das sanções impostas pela Lei. Isto porque, por meio da presente imposição, evita-se a polêmica discussão sobre como aferir (ou mesmo se é possível atribuir) o elemento volitivo da culpabilidade, bastando que estejam presentes o dano e o nexo de causalidade.

O incentivo à adoção dos programas de compliance efetivo pelas empresas por meio da previsão do estabelecimento de uma vantagem àquelas empresas que assim o fizerem ao invés de se estabelecer um agravamento de punição àquelas que assim não procederem, permanece como um grande ponto obscuro. Não por conta do estabelecimento do que se entenderia pela efetividade do programa, uma vez que as doutrinas nacionais e internacionais já exploraram bastantes os elementos de um programa de integridade eficiente, mas, porém, pela aplicação da Lei na prática.

Como apontado, os primeiros dados coletados na breve incursão empírica não apontam para a adoção de tais programas pelas empresas brasileiras. Entretanto, pode-se notar que, ao menos no que tange às maiores empresas nacionais os programas são uma realidade que pode ser irradiada ao resto do mercado. Não obstante, tal fato só será uma realidade se, em conjunto com o incentivo legal e das maiores empresas, a Administração lance mão do ferramental produzido na Lei e realmente imponha as sanções ali previstas o que, até o presente momento, não é uma realidade.

Já no tocante à responsabilidade solidária prevista no §2º do Art. 4º da Lei, conclui-se que a imposição direta, fria, do artigo de lei, tem o potencial de causar inúmeros danos à sociedade, elevando de sobremaneira os riscos pelos quais as sociedades grupais estão expostas, tendo o potencial de tornar inviável a escolha dessa estrutura jurídico-organizativa para determinadas atividades, o que acarretará a perda de investimentos e, porque não, em prejuízos a toda a sociedade brasileira.

Partindo desse diagnóstico é que essa pesquisa procurou desenvolver uma alternativa para acomodar a efetividade legal projetada pelo legislador e a realidade da empresa grupal, de forma a garantir a convivência equilibrada de ambos.

Para tanto, assumiu-se como premissa a conservação do texto legal, garantindo a efetividade imediata deste. Portanto, a construção proposta deveria ser interpretativa e construída de modo modular os efeitos da solidariedade prevista no §2º do Art. 4º da Lei Anticorrupção, sem que fosse necessária a alteração do texto legal.

Da mesma forma, a solução proposta não poderia atribuir efeito diverso ao previsto em lei. Nesse sentido, deveria se respeitar a opção do legislador em atribuir como solidária a responsabilidade, não podendo substituí-la, simplesmente pela subsidiariedade pela qual essa se “encaixaria” melhor no problema.

Estabelecidas as bases de trabalho, foi a partir da inspiração na construção jurisprudencial francesa denominada Doutrina Rozenblum que se construiu uma proposta de modulação dos efeitos da solidariedade prevista em lei, a ser realizada em duas fases: a primeira destinada à avaliação da existência de uma sociedade plúrima no caso concreto e a segunda para, uma vez existindo, determinar o caminho que deverá ser percorrido pelo aplicador da sanção.

Portanto, para que solidariedade da prevista na lei seja aplicada, as sociedades, controladas, controladoras e/ou coligadas devem:

(i) ter entre si estabelecida uma estrutura sólida de grupo;

(ii) apresentar uma atuação concertada orientada com o objetivo de garantir o desenvolvimento de uma política econômica única, ou seja, a comprovação da direção unitária, que tão bem caracteriza os grupos de sociedades;

(iii) possuir um equilíbrio entre os ônus e bônus aos quais a sociedade se submete em prol da estrutura grupal.

Comprovado que estamos diante de um grupo de sociedade, pela presença cumulativa dos três requisitos acima, a solidariedade será cogente. No entanto, como forma de assegurar que as sanções recaiam primeiramente sobre aqueles que tiveram melhor proveito do ato ilícito, o sancionador, deve seguir as seguintes premissas para aplicação da pena:

(i) direcionar a cobrança às sociedades controladoras diretas da empresa sancionada e àquelas em que, comprovadamente, usufruíram de benefícios direitos e/ou indiretos do ato contrário à administração pública;

(ii) em não sendo satisfeita a obrigação através dos meios ordinários de cobrança, a autoridade administrativa poderá direcionar esta às demais empresas do grupo. No entanto, essa nova cobrança deve sujeitar as sociedades conforme a cadeia de controle disposta a partir da sociedade infratora;

A aplicação da estratégia acima proposta visa trazer um racional para a questão, garantindo que seja comprovada a existência do vínculo grupal e, ao mesmo tempo, estabelecendo um racional de aplicação das sanções conforme o benefício obtido com tal ato contrário à administração pública. Não obstante, como não poderia deixar de ser, as regras acima propostas comportam uma exceção no que toca à sociedade coligada cuja participação seja adquirida (e mantida) em mercado.

Em sendo configurado a coligação nos termos da Lei das S/A’s, a sociedade investidora pode requerer o afastamento dos efeitos da solidariedade prevista em lei, desde que demonstre:

(i) não exercer qualquer influência na decisão da sociedade investida;

(ii) não ter obtido qualquer benefício direto com o ato lesivo que ensejou a multa e/ou a reparação de danos pela sociedade investida;

(iii) não ter tido conhecimento do referido ato antes de este ter ido a público ou, caso tenha tido conhecimento prévio deste, tenha levado o fato ao conhecimento das autoridades competentes.

Todavia, a falha na comprovação de tais requisitos, acarretará na aplicação das sanções conforme os ditames da modulação proposta, sem qualquer benefício ou privilégio.

Por fim, ressalta-se a aplicabilidade imediata da solução proposta neste trabalho. Esta poderá ser aplicada de imediato, bastando que seja demonstrada no ato administrativo ou judicial que imporá a sanção e respectivas indenizações. Garante-se, portanto, a efetividade das medidas sancionadoras da lei e, ao mesmo tempo, a preservação da estrutura jurídico-organizativa dos grupos de sociedades como meio atrativo para a organização da empresa. Em suma, preserva-se o binômio existente entre tais temas.