• Nenhum resultado encontrado

Argumentos para atribuir o Regime Jurídico administrativo-civil da Le

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 12.846/2013 (LEI ANTICORRUPÇÃO) E

3.3. A Lei 12.846/2013 – Regime jurídico da Lei

3.3.2. Argumentos para atribuir o Regime Jurídico administrativo-civil da Le

No entanto, para a maior parcela da doutrina, as medidas sancionadoras trazidas pela Lei 12.846/2013, pertence ao regime administrativo-civil e, portanto, não são sujeitas às limitações impostas às normas de natureza penal.

81Ibidem. 82Ibidem.

83SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal jurídica: construção de um novo modelo

Por mais que se tenha condutas tipificadas pelo direito penal dentre aquelas previstas como atos lesivos à Administração Pública, tal fato, por si só, não implica na necessária interpretação desta como sanções de natureza penal. Em verdade, a leitura atenta do parágrafo introdutório da Lei 12.846/2013, aponta para a classificação dos dispositivos e sanções ali contidos como de natureza administrativo-civil84. O legislador, ao apontar claramente que a referida Lei trata de responsabilidade administrativo-civil, o fez para evitar as polêmicas surgidas a partir de eventual natureza penal das sanções a uma Pessoa Jurídica, facilitando a persecução da sanção pelo Estado.

Nesse sentido como aponta Osório (2006, p.148):

A existência de limites puramente dogmáticos e formais a separar ilícitos de Direito Administrativo e de Direito Penal, de fato, no lugar de buscar critérios filosóficos, sociológicos e históricos, não deveria causar maiores perplexidades, visto que resulta da essência do sistema de separação ou divisão dos poderes. No modelo de divisão de poderes políticos, sabe-se que o Poder Legislativo ostenta uma ampla e legítima discricionariedade no desempenho de suas funções, discrição muito mais ampla do que aquela reconhecida aos Poderes Executivo e Judiciário. Assim sendo, na repartição de poderes políticos, ao Legislativo competem tarefas extremamente abrangentes e intensas, conformando as fronteiras do lícito e do ilícito, ainda que balizado e limitado por uma série de condicionantes políticas e jurídicas, em face dos efeitos do constitucionalismo na redução desse Poder do Estado. Resulta possível ao Legislador escolher as vias mais adequadas, oportunas e idôneas para tutelar determinadas patologias sociais. Se essa tutela é efetivada pela perspectiva penal, ou administrativa, ou por ambas e ainda com recurso a outras modalidades, trata-se de espaços discricionários legítimos do Poder Legislativo, desde que respeite as normas constitucionais. 85

Desta forma, é faculdade discricionária do legislador estabelecer a via que julgar mais eficiente para a determinação de sanção pelo exercício de uma conduta

84Ao definir sobre o que trata a Lei 12.846/2013, o legislador afirma que a referida lei: “Dispõe sobre a

responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências”. Nota-se que em tal parágrafo inexiste qualquer menção direta à imposição de sanções penais ou penais-administrativas. (BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: set. 2016.).

85OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Editora Revista dos

juridicamente reprovável. No caso em tela, optou-se, como pode perceber desde o texto introdutório da Lei, pela criação de sanções administrativo-civis. Portanto, se o legislador tivesse a intenção de caracterizar as medidas sancionatórias previstas na Lei Anticorrupção como de natureza penal, teria o feito de maneira explícita como na Lei de Crimes Ambientais86. Assim, nos dizeres de Cuéllar e Pinho (2014, p. 138):

[...] responsabilidade penal à pessoa jurídica para demonstrar que ela ainda não possui aplicabilidade quanto aos crimes que atingem a Administração Pública, constituindo um dos motivos, segundo os elaboradores da proposta da Lei Anticorrupção, para previsão da responsabilização objetiva administrativa e cível da pessoa jurídica que cause danos ao ente público.87

Nesse sentido, sob a ótica administrativo-civil, a Lei Anticorrupção apresenta uma série de sanções administrativas e cíveis que serão impostas à pessoa jurídica que praticar uma das condutas previstas no artigo 5º da referida lei. Tais sanções são impostas por meio de processos administrativos e judiciais sancionadores, sem que estes estejam vinculados ao Direito Penal. “Caberá ao legislador estabelecer a titularidade dos poderes para sancionar (quer a Administração diretamente quer o Poder Judiciário) tendo em conta o princípio da livre configuração legislativa de ilícitos e sanções.” 88

Trata-se, pois da escolha do legislador em atribuir ao Poder Judiciário o poder de sancionar determinadas condutas previstas em Lei. Isso, no entanto, não significa a sujeição destes aos mandamentos da esfera penal; a natureza das medidas é administrativo-civil, como bem clarificou o Legislador. Bertoncini, Cambi e Guaragni (2014, p.47) asseguram:

86Por exemplo, dispõe o art. 3º da Lei 9.605/1998: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas

administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade. Parágrafo Único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.” (BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e

dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm> Acesso em: fev. 2017).

87CUÉLLAR, Leila; PINHO Clóvis Alberto Bertolini. Reflexões sobre a Lei Federal 12.846/2013 (Lei

Anticorrupção). Revista de Direito Público da Economia (RDPE), Belo Horizonte, ano 12, n.46, abr./jun. 2014. p. 138.

88OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Editora Revista dos

[...] o legislador infraconstitucional, pela gravidade das sanções, exige que sejam impostas pelo Poder Judiciário. [...]. Tem-se: 1 – que, pela Constituição, sanções não necessariamente são penais; 2 – que a imposição de processo judicial pelo legislador infraconstitucional coliga-se antes à pretensão de que tais sanções não-penais sejam impostas dentro de um ambiente de garantias consistente, mesmo que alheias ao direito e ao processo penal; 3 – que a adoção de uma tal estrutura de respostas para o tema da improbidade administrativa pode servir para interpretar a pretensão legislativa também na Lei Anticorrupção 12.846/13, até pela familiaridade e mesmo complementaridade que são visíveis entre a Lei de Improbidade e o novel diploma legal. Então, há um apelo a um direito sancionador judicial, que cerca a responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas, em face de atos lesivos de corrupção, de garantias que transcendem aquelas que usualmente acompanham as sanções administrativas tradicionais. Tais garantias são apoiadas na exigência de juiz e processo judicial, separando o órgão julgador daquele que capitaneia o órgão que sofreu a lesão, tendo em conta o maior gravame imposto pelas sanções contidas no art. 19, quando cotejadas com aquelas de menor vulto – autoexecutáveis – do art. 6º. Mais: conquanto a pessoa jurídica de direito público lesada tenha a iniciativa da ação judicial, esta também é dada ao Ministério Público. Cinde-se, aqui, a unidade entre persecutor e vítima, que, de certo modo, ocorre no tocante à imposição das sanções do art. 6º.

Com efeito, cumpre ressaltar que tais penalidades aplicadas à pessoa jurídica são autônomas e não impedem ou de qualquer forma atrapalham a persecução penal dos autores de eventuais ilícitos penais praticados por agentes em favor da pessoa jurídica. A responsabilização (civil e criminal) dos agentes autores de atos contrários à Administração Pública deve ser conduzida de forma autônoma e independente pelo Estado, na forma do artigo 3º89 da Lei. Nesse sentido, vincular a aplicação das penalidades previstas na lei a necessária condenação de pessoas naturais que contribuíram para o ato seria desvirtuar o propósito da Lei, que visa estabelecer penalidades civis e administrativas às pessoas jurídicas envolvidas em atos contrários à administração.

89 Art. 3º. A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes

ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

§1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput;§2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida de sua culpabilidade, (BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: set. 2016.).

Com efeito, inexiste qualquer empecilho para que o Direito Administrativo Sancionador reconheça a punibilidade da Pessoa Jurídica, sem que tal fato implique na discussão da necessidade de uma conduta volitiva para se configurar a culpabilidade, nos moldes atribuídos no Direito penal. Como afirma Osório (2006, p. 357), a “culpabilidade é uma exigência genérica, de caráter constitucional, que limita o Estado na imposição de sanções à pessoa físicas e não a jurídicas” e, portanto, inexiste qualquer “exigência constitucional de culpabilidade das pessoas jurídicas, especialmente no Direito Administrativo Sancionador”.

Assim, portanto, não há razão para que não se permita a convivência entre os institutos da responsabilidade jurídica e das medidas administrativas sancionadoras, nos moldes do existente no novel legal analisado.

Ademais, respeitadas a nuanças da matéria, o que se percebe é que a legislação em análise institui um típico processo administrativo, devendo, portanto, estar sujeito aos princípios norteadores da administração pública aliados com as garantias inerentes a todo o procedimento, seja ele judicial ou administrativo.

Assim, a garantia constitucional do devido processo legal e seus corolários da ampla defesa e do contraditório, devem ser respeitados pelo procedimento administrativo da Lei 12.846/2013, não porque este tem natureza Penal, mas sim porque tais garantias abarcam todo o direito processual, inclusive no tocante ao processo administrativo como se denota do inciso LV do Artigo 5º90 da Constituição Federal. Nesse sentido, Silva (2014, p.157), analisando o referido inciso da Constituição Federal, afirma que:

Pelo que já se disse acima, ‘por processo judicial’, assim constitucionalmente qualificado, se há de entender qualquer processo de partes qualquer feito judicial de natureza contenciosa, pois só nestes podem existir litígios, para que possa falar, a respeito deles, em ‘litigantes’ e ‘acusados’. Essa ideia serve também para definir a

90 Art. 5º. todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]. (BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: nov. 2016).

natureza do processo administrativo referido no inciso constitucional em exame, ou seja, processo administrativo disciplinar. 91

Igualmente, o procedimento previsto na Lei Anticorrupção, como toda a Administração Pública direta e indireta, deve respeitar os mandamentos do artigo 3792 da Constituição da República e as inúmeras normativas infraconstitucionais, como bem aponta Lucon (2014, p.274):

Não bastasse a previsão expressa dessas garantias no texto da Constituição, que se observadas caracterizam o que poderia denominar de devido processo legal administrativo, uma série de normas infraconstitucionais também as disciplinam. O artigo 3º da Lei 9.784/1999, norma geral que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, por exemplo, confere aos administrados o direito de obterem todas as informações necessárias dos processos administrativos em que tenha interesse e a possibilidade de reagir a elas, formulando alegações e apresentando documentos que deverão ser objeto de consideração pelo órgão competente. O binômio informação-reação, como se sabe, é tradicionalmente utilizado pela doutrina para caracterizar o contraditório. É de Élzio Fazzalatri o conceito moderno de processo: procedimento realizado em contraditório. O procedimento é elemento essencial do processo e o contraditório é que lhe garante legitimidade. 93

Portanto, a simples existência de condutas tipificadas como crime no rol daquelas atividades que são consideradas como atos lesivos à Administração Pública quando praticados em favor de uma pessoa jurídica, não pode ser suficiente para classificar as sanções por tais atos como afetas ao Direito Penal. Tampouco a existência da atuação do Poder Judiciário na imposição de determinadas sanções não implica, por si só, na classificação de tal procedimento como penal.

Mais ainda, ressalta-se que o processo administrativo criado pela referida Lei Anticorrupção está sujeito a uma série de garantias constitucionais e infraconstitucionais

91SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 9. ed., São Paulo: Malheiros, 2014. p.

157.

92Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]. (BRASIL, 1988).

93LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Procedimento e Sanções na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 103, vol. 947, set. 2014, p. 274.

ofertadas a todos os administrados (sejam eles pessoas naturais ou jurídicas) que possibilitam sua ampla defesa, em prestígio aos mandamentos constitucionais.

Dessa forma, o presente trabalho se alinha com a parcela da doutrina que entende ser de natureza administrativo-civil os mandamentos da Lei 12.846/2013, o que implica em uma leitura menos restrita de disposições como a responsabilidade objetiva imposta pela Lei às Pessoas Jurídicas, o que será abordado a seguir.