• Nenhum resultado encontrado

4. A LEI ANTICORRUPÇÃO E ESTADO BRASILEIRO – UMA ANÁLISE

5.1. Breves Considerações sobre os Grupos de Sociedades

5.1.2 Grupos de Sociedades – Direção Unitária

A segunda característica distintiva da empresa plurissocietária é justamente o laço que une tais sociedades formando um conjunto único. É o elo que, para além das ligações jurídicas, faz com que seja possível vislumbrar, no conjunto de empresas, um ente único.

Esse fenômeno se consubstancia na direção unitária e é o instrumento difusor da cultura empresarial do grupo que permite que, de maneira mais ou menos uniforme, seja possível perceber a cultura da empresa grupal em cada uma das sociedades que a compõe.

Não obstante, a conceituação do fenômeno da direção econômica não é tarefa fácil, uma vez que existe uma grande carga de subjetividade em seus elementos, como aponta Antunes (2002, p. 114):

A intersecção mais significativa entre os fenômenos do controle intersocietário e do grupo societário é nos dada pela chamada direção

unitária. Verdadeiro centro de gravidade operário da estrutura

organizacional da empresa de grupo, o conceito de direção unitária (‘central direction’, ‘einheitliche Leitung’, ‘direzione unitária’) permanece, ainda, todavia, altamente vago e controverso. Gozando a sociedade individual de um poder de autodeterminação sobre o rumo a seguir na condução da respectiva atividade econômico-empresarial, a sua integração no contexto de um grupo societário provoca a perda de tal independência econômica originária, mediante a transferência para sociedade de topo das competências de gestão empresarial que constituem justamente o núcleo dessa mesma independência. Em termos muito gerais, a ideia de direção unitária surge assim comumente utilizada na doutrina especializada para designar este processo de transferência da soberania decisória individual das várias sociedades agrupadas para a respectiva sociedade mãe, e a consequente centralização (em maior ou menor grau) do poder último de direção sobre a atividade empresarial dessas mesmas sociedades junto ao núcleo dirigente da cúpula grupal.

De maneira sintética, portanto, pode-se definir o fenômeno da direção econômica unitária como sendo o processo de transferência do poder detido por uma sociedade de autodeterminar a condução de seus interesses a um ente externo, a Sociedade Controladora. Esta passa a dirigir a empresa segundo o seu interesse, e não mais, necessariamente, conforme os interesses dela, Sociedade Controlada, o que pode ocorrer em maior ou menor grau. Tal, processo pode se dar por meio de instrumentos mais ou menos formais, trazendo reflexos econômicos e jurídicos.

Sob o ponto de vista econômico, a direção unitária se evidencia por meio da existência de uma política empresarial geral capaz de determinar as condições pela qual a sociedade plúrima irá empreender, de forma a assegurar o andamento uniforme orquestrado pelo poder central, ou seja, pela sociedade controladora do grupo.

Dessa forma, a existência de políticas financeiras, comerciais, ou mesmo de compliance, são evidências que demonstram a existência do grupo de sociedades, uma vez que se constituem as linhas mestras pelas quais se estabelecerá as ferramentas de exercício de controle central e difusão da cultura perpetrada pelo grupo. Outro sinal é a existência de hierarquia entre departamentos de sociedades controladas e sociedades controladoras, onde o poder decisório final encontra-se na mão deste, demonstrando a clara mitigação da autonomia da sociedade controlada em prol do grupo, o que é bastante comum nos grupos transnacionais.

A estratégia global de um grupo, que pode abranger todos os departamentos, as políticas e, por que não, os empregados do grupo, pode não se traduzir em um melhor aproveitamento da Sociedade Controlada que, por exemplo, pode auferir lucro menor do que seu potencial ou mesmo amargar prejuízo em favor dos interesses do grupo. Mais do que isso, por questões econômicas ou tributárias uma sociedade controlada pode ser esvaziada de seu patrimônio podendo causar reflexos negativos à sociedade.

Portanto,

[...] a direção unitária traduz-se, fundamentalmente, na existência de uma política econômico-empresarial geral e comum para o conjunto das sociedades agrupadas (a chamada “corporate planning process”, “Konzern Politik”). Tal direção unitária, incidindo potencialmente sobre diversos aspectos setoriais do respectivo funcionamento [...], assegura a coordenação das atividades das várias sociedades componentes e a coesão econômica do conjunto através da submissão das respectivas políticas individuais a uma política econômica geral do núcleo dirigente do grupo.

[...]

Desde logo podemos falar do exercício de uma direção unitária ao nível de política comercial das sociedades agrupadas. Constituindo a unidade da política comercial a condição mínima de existência de um grupo (sob pena de estarmos perante coligações intersocietárias em que as sociedades participantes perseguem mera finalidade de investimento e de aplicação de capitais), encontramo-nos perante um domínio que escapa crescentemente à autonomia da sociedade-filha e que, graças a fenômenos tais como a internacionalização do consumo e a explosão

dos ‘mass media’ (associada a crescente mobilidade dos consumidores), se torna o objeto privilegiado de uma decisão centralizada: assim, os grupos possuem frequentemente uma imagem de marca uniforme, não raro mundial, condicionando a estratégia da marca (estandardização dos sinais, embalagens nome comercial) de vendas (identidade das prestações, repartição geográfica dos mercados) e mesmo indiretamente da própria produção da sociedade agrupada [...]. (ANTUNES, 2002, p. 114)

No campo jurídico, a questão principal que emerge é a construção de um conceito que consiga abranger a variedade de formas pela qual a direção unitária se materializa, sem que tal conceito se torne impreciso. Talvez por tal dificuldade não haja consenso doutrinário sobre a conceituação do fenômeno.

Em verdade, a doutrina tem se preocupado muito mais em tentar determinar qual seria o conteúdo mínimo do poder de autodeterminação das sociedades controladas que deve ser transferido para sociedade controladora que nos permitiria decretar a existência de uma direção unitária. Em outras palavras, “a questão crucial consiste em identificar aquele limiar mínimo de centralização das competências decisórias empresárias, aquém do qual existirá uma simples relação de domínio interssocietário, e além do qual já se poderá falar de grupo” (ANTUNES, 2002, p. 121). Duas são as principais posições doutrinárias acerca do tema:

A primeira, de caráter estrito, aponta que para que se tenha presente o fenômeno da direção unitária basta que haja concentrado nas mãos da sociedade controladora a política financeira do grupo. Assim, parte-se do princípio de que quem “controla o caixa controla a empresa” de forma que bastaria a existência de uma política financeira central para a configuração da direção unitária e, consequentemente, do grupo de sociedades. Neste sentido,

Partindo da identidade funcional entre a empresa de grupo (empresa plurissocietária) e a empresa unissocietária, os defensores (da concepção estrita) sublinham que, tal como as competências em matéria de gestão financeira são indelegáveis pelos administradores ou diretores de uma sociedade individual em escalões hierárquicos inferiores (já que tal domínio se revela verdadeiramente estratégico para solvabilidade, rentabilidade e futuro da própria empresa social) assim também a centralização das decisões financeiras deverá ser vista como o derradeiro e irredutível reduto dos poderes do núcleo dirigente da empresa plurissocietária. (ANTUNES, 2002)

Por sua vez, a corrente de caráter amplo, entende que a centralização das finanças pode caracterizar a existência de uma direção unitária, todavia aquela não é elemento imprescindível para existência desta. Ao contrário, a direção unitária pode ser configurada pela centralização do poder de decisão sobre qualquer área departamental da empresa, desde que tal fato implique na perda da condução econômica do negócio pela Sociedade Controlada em favor da Sociedade Controladora.

Nesse sentido, podemos ter configurado o fenômeno da direção unitária mesmo que não haja uma centralização absoluta da política financeira do grupo, bastando para tanto que haja a concentração de determinadas questões e/ou departamentos que, em conjunto, sejam capazes de determinar a condução econômica da empresa.

Assim, por exemplo, o controle central pode ser exercido através da concentração das políticas de controladoria, auditoria e vendas, outorgando maior autonomia à gestão financeira da sociedade controlada. Tal estrutura de controle parece se adequar de sobremaneira para aquelas sociedades inseridas no grupo, mas que possuem sócios minoritários e que, portanto, devem respeitar condições específicas financeiras e de investimento. Convém aqui lembrar que essa modalidade de joint venture é comumente utilizada pelas empresas transnacionais para ingressar em mercados novos, ainda incertos, e o fazem através do estabelecimento da empresa em conjunto com um parceiro local.

Portanto, em que pese à relevância do controle financeiro pelo poder central do grupo, parece não ser este um elemento indispensável para configuração da empresa grupal. De fato, a questão guarda extrema subjetividade, dada a multiplicidade de estruturas grupais utilizadas para o exercício da empresa. Dessa forma, não há como não relegar à casuística a análise da existência de uma estrutura que possa, ainda que minimamente, configurar a direção unitária buscada.

Dessa forma, o que se deve procurar é a existência de mecanismos que permitam a condução do negócio de forma uniforme pelo poder central. Tais mecanismos não necessariamente são de controle direto, mas podem estar consubstanciados em normas, políticas e determinações que compõem à cultura da sociedade. Mais ainda, esses mecanismos podem variar de acordo com a estrutura interna adotada pelo grupo que, conforme o crescimento da difusão das empresas plúrimas, notadamente as

multinacionais, podem ser extremamente complexos e com diversos focos de poder dominante.

5.2. A regulamentação dos Grupos de Sociedade pela Lei brasileira e seus reflexos