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Grupos de Sociedades – Multiplicidade de entidades jurídicas

4. A LEI ANTICORRUPÇÃO E ESTADO BRASILEIRO – UMA ANÁLISE

5.1. Breves Considerações sobre os Grupos de Sociedades

5.1.1. Grupos de Sociedades – Multiplicidade de entidades jurídicas

O primeiro elemento característico dos grupos de sociedades é a multiplicidade de entes jurídicos que os compõem, cada qual guardando sua respectiva personalidade jurídica. Nesse sentido, em que pese a existência de um laço que as unem formando um arquétipo uniforme característico desse tipo societário, as sociedades componentes da empresa plúrima guardam suas respectivas personalidades, cada qual podendo ser titular

145ANTUNES, José Engrácia. Os Grupos de Sociedades: estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2002. p. 109.

de direitos e contrair obrigações. Nos dizeres de Rodière (2002), “com os Grupos de Sociedades, o direito societário transita da era atômica para era molecular” 146.

Antunes (2002, p. 30) explicita de maneira clara a aludida característica dos grupos de sociedades:

O primeiro traço distintivo do grupo societário reside na independência

jurídica das sociedades componentes. Não obstante a sua integração

numa unidade econômica mais vasta e a sua subordinação a uma estratégia e interesse econômicos exteriores, as sociedades agrupadas conservam a respectiva personalidade jurídica própria e distinta, mantendo formalmente desse modo, quer sua autonomia patrimonial, quer a sua autonomia organizativa.

Alçando mão da metáfora de Rodière, a figura abaixo busca representar graficamente a distinção entre as sociedades monossocietárias e as empresas grupais:

FIGURA 4-SOCIEDADE MONOSSOCIETÁRIAS VS,SOCIEDADES GRUPAIS.

Na reprodução proposta acima, o círculo à esquerda representa as sociedades atomísticas, ou seja, arquétipo empresarial formado por uma única sociedade, sendo esta titular de direitos e obrigações perante terceiros e tendo tal empresa suas respectivas relações sociais restritas àquela sociedade, ou seja, a relação entre seus sócios e entre estes e os administradores da sociedade está restrita àquela Pessoa Jurídica.

146RODIÈRE, René apud ANTUNES, José Engrácia. Os Grupos de Sociedades. Estrutura e

Já a figura à direita representa os grupos de sociedades. Nesta, pode se notar a formação da estrutura jurídico-organizativa por diversas sociedades ligadas entre si, formando um todo uniforme. Nota-se, no entanto, que não se trata de uma divisão departamental, como se verifica normalmente nas empresas. Mais do que isso, trata-se da união de diversas sociedades, cada qual com a sua personalidade jurídica (e, portanto, titulares de direitos e obrigações) que atuam de forma concertada e uniforme, formando um todo único. A empresa é, em verdade, o conjunto das sociedades.

Como corolário da presente característica das sociedades grupais, percebe-se a existência de autorização, ainda que tácita, para que haja o controle de uma sociedade por outra. Tal fato, “por estranho que possa parecer para os juristas de nossos dias” 147, nem sempre fora autorizado, afinal o que se permite neste caso é que uma criação do direito e, portanto, uma ficção, seja capaz de criar e controlar uma outra ficção. Nesse sentido, os ordenamentos jurídicos erigidos a partir do modelo francês do século XVIII apresentavam limitações à participação de sociedades em sociedades, sendo que a doutrina via com muita restrição essa experiência148.

Todavia, a própria pressão do mercado empresarial fez com que a questão ganhasse, paulatinamente, novos rumos, de forma a sedimentar um entendimento contrário ao difundido pelos oitocentistas. No entanto, mesmo em nossos dias, ainda é possível perceber resquícios de tal entendimento, como, por exemplo, em algumas restrições impostas no ordenamento jurídico brasileiro para adesão a benefícios

147ANTUNES, José Engrácia. Os Grupos de Sociedades. Estrutura e Organização Jurídica da

Empresa Plurissocietária. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2002. p. 108.

148Ao abordar o tema, Antunes (2002, p. 109) aponta que: “Na verdade, é necessário recordar aqui que, por

estranho que isso possa parecer ao jurista de nossos dias, as ordens jurídico-societárias saídas do movimento de codificação oitocentista vedavam em absoluto a participação de sociedades em sociedades, impedindo, por conseguinte, a emergência de qualquer forma de coligação ou controlo intersocietário: sugestivamente proclamava confiante Gustav Kempim em 1883 ser ‘obviamente uma anomalia inconcebível o facto de uma sociedade ser controlada por outra sociedade. Todavia, sob pressão do mundo dos negócios, esta proibição originária (de resto, afinal, perfeitamente coerente com o modelo legal da sociedade como pessoa coletiva-corporação) haveria de começar a ser progressivamente abandonada pelos legisladores societários da “Common Law” e da “Civil Law”, à medida que estes foram legitimando e consagrando a existência de mecanismos de controlo intersocietário de natureza vária, desde instrumentos de natureza financeira (‘maxime’, participações intersocietárias de capital) até instrumentos de natureza contratual (‘maxime’, os chamados contratos de empresa, v.g., contratos de domínio, contratos de transferência de lucros), de natureza pessoal (os chamados interloking board directors, personales Verflechutungen, unions pernsonnelles) de natureza organizacional (v.g. mecanismos de divergência capital-voto, acordos parassociais, ‘golden shares’, ‘proxy rights’) ou até de natureza puramente fática (v.g. determinados contratos de direito civil e comercial comum, posições estratégicas de mercado)”.

tributários como o “Programa Simples”, que não permite empresas controladas por outras sociedades.

É importante ressaltar também que a presente característica permite diferenciar a estrutura jurídica da empresa plúrima de outros métodos de concentração econômica, como as fusões e incorporações societárias.

Isto porque, como visto, em ambos os fenômenos o ato de concentração faz com que a sociedade incorporada ou as sociedades fundidas percam suas respectivas personalidades para assumir a personalidade da sociedade incorporadora, no caso de uma operação de incorporação, ou para assumir uma nova personalidade que conglomerará o acervo de ambas as sociedades, quando estamos diante de um ato de incorporação. A conservação da personalidade jurídica diferencia, pois, o fenômeno dos grupos de sociedade de tais métodos de concentração.

Em resumo, a empresa plurissocietária é formada pelo conjunto de sociedades, cada qual dotada de personalidade jurídica independente, patrimônio próprio e titular de relações internas (relação entre os seus sócios/acionistas) e externas (relações obrigacionais com terceiros), mas que, contudo, detém um laço em comum que as ligam, direta ou indiretamente, à Sociedade Controladora.

Verifica-se, assim, uma sobreposição de duas visões do direito societário: a primeira preocupada com a relação interna das sociedades (sociedades atômicas) e a segunda preocupada com a relação entre as sociedades sujeitas a um controle comum, (sociedades moleculares). Assim, o controle societário “constitui fonte energética do fenômeno de grupos de sociedades” 149.

Note-se, por fim, que no grupo de sociedades inexiste qualquer obrigação para que haja padronização nos atores ou nas regras que ditam o funcionamento interno da sociedade, podendo elas serem as mais variadas, desde que seja preservado o elemento de ligação de uma das empresas com o restante do grupo.