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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação de Évora Processo nº /17.2YIPRT-C.E1

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Tribunal da Relação de Évora

Processo nº 122900/17.2YIPRT-C.E1 Relator: FRANCISCO XAVIER

Sessão: 17 Dezembro 2020 Votação: UNANIMIDADE

GRAVAÇÃO DA PROVA GRAVAÇÃO DEFICIENTE

PRAZO PROCESSUAL SUPORTE DIGITAL DISPONIBILIDADE

ÓNUS DO RECORRENTE

NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DA PARTE

Sumário

I. A disponibilização, às partes, da gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, consiste na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma, a qual deve ocorrer no prazo de dois dias a contar do respectivo acto.

II. Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação, às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes.

III. A lei impõe à parte um especial dever de diligência na verificação do conteúdo da cópia da gravação que foi disponibilizada, por forma a poder arguir em tempo eventuais irregularidades e permitir a sua correcção antes de eventual recurso da sentença, obviando-se também os inconvenientes de

posterior anulação de decisões. (sumário do relator)

Texto Integral

Acórdam da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório

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1. S…, SA., R. nos autos de processo n.º 122900/17.2YIPRT, em que é A. T…, Lda., interpôs recurso do despacho de 3 de Novembro de 2019 (proferido após a decisão final), que julgou sanada a nulidade por si invocada, em 13 de Agosto de 2019, referente à deficiência das gravações da audiência realizada em 23 de Maio de 2019.

2. O despacho recorrido é do seguinte teor:

«A R. requer que seja declarada nula a audiência que se realizou no dia 23 de Maio de 2019, por serem inaudíveis os depoimentos prestados nessa data, requerendo ainda a nulidade da tramitação processual subsequente.

A A. opôs-se (fls. 390-392) alegando extemporaneidade.

Nos termos do artº 155º, nº 4, CPC, a falta ou deficiência da gravação da

audiência deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

“Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido (…).” António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, página 190, Almedina.

A audiência cuja nulidade a R. pretende ver declarada teve lugar a 23 de Maio de 2019, data em que ficou disponibilizada a gravação. Não tendo a R.

invocado a falta ou deficiência da gravação da audiência no prazo de 10 dias, que veio apenas a fazer em 13 de Agosto de 2019 (fls. 386-389), após ter solicitado cópia em 6 de Agosto de 2019 (fls. 383), fica sanada tal nulidade.

Termos em que, julgando sanada a nulidade invocada, se indefere o requerido.»

3. A R./recorrente pretende a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por decisão que julgue tempestiva a arguição da nulidade em causa, com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:

1.ª Nos termos do art. 155.º n.º 4, do CPC, a nulidade da gravação deve ser invocada no prazo de dez dias desde o momento da disponibilização da gravação.

2.ª O que significa que o dies a quo daquele prazo corresponde à data da disponibilização da gravação, e não à data da audiência.

3.ª Nos termos do n° 3 do artigo 155.° do CPC tal disponibilização das gravações deve ocorrer dentro de dois dias a contar da audiência,

4.ª Existe, por conseguinte, uma obrigação, ou pelo menos um ónus, por parte da Secretaria do tribunal, de informar as partes de que as gravações já se

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encontram disponíveis e de o fazer no prazo de dois dias,

5.ª Caso, no entanto, a secretaria não cumpra o referido ónus, a consequência do respectivo desrespeito não pode impender sobre as partes, como

aconteceria se se presumisse a prática de tal acto em dois dias, com a imediata contagem do prazo dos dez dias.

6.ª Apenas é legítimo entender que o prazo dos dez dias apenas pode começar a contar-se a partir do momento, seja em dois dias ou não, em que a secretaria disponibilize efectivamente as gravações às partes, ainda que a requerimento destas.

7.ª Subscreve-se assim, na integra, a jurisprudência deste douto Tribunal da Relação de Évora, em que se conclui que “[a] nulidade decorrente de uma deficiente gravação da prova produzida na audiência de Julgamento poderá ser arguida no prazo de dez dias a contar da sua efectiva disponibilização pela Secretaria do Tribunal” [Ac.do TRE, de 5/5/2016, proc. 104/09.4-B.E1].

8.ª No caso concreto, não tendo a secretaria disponibilizado oficiosamente a gravação da audiência em momento anterior, o dies a quo dos dez dias para arguição da nulidade apenas começa a correr a partir do momento em que a ora recorrente procedeu à solicitação de cópia da gravação da audiência e esta lhe foi disponibilizada, a 8 de Agosto de 2019.

9.ª Torna-se assim de fácil compreensão que o requerimento apresentado pela Recorrente no qual se invoca a nulidade, de 13 de Agosto de 2019, foi

apresentado em tempo.

4. Contra-alegou a A., pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, sendo admitido, pela improcedência do mesmo, sustentando que o prazo para arguir a nulidade decorrente das deficiências da gravação da audiência se inicia com a disponibilização das gravações pela secretaria, que é de 2 dias a contar de cada uma das gravações da audiência final.

5. O recurso foi inicialmente rejeitado pelo Tribunal a quo, mas veio a ser admitido na sequência do provimento da reclamação apresentada pela parte interessada, nos termos do artigo 643º do Código de Processo Civil, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

Remetido a esta Relação o apenso de recurso devidamente instruído, colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

II – Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

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Em face das conclusões do recurso a questão essencial a decidir consiste em saber quando é que se inicia o prazo de 10 dias, previsto na norma do n.º 4 do artigo 155º do Código de Processo Civil, para a parte interessada arguir a falta ou deficiência da gravação da audiência de julgamento.

*

III – Fundamentação A) - Os Factos

Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos.

*

B) – O Direito

1. A R., pretendendo recorrer da sentença proferida nos autos, requereu, em 6 de Agosto de 2019, cópia das gravações da prova produzida nas audiências de julgamento, e constatando a existência de deficiências na gravação da

audiência da sessão de 23 de Maio de 2019, arguiu perante o tribunal a quo, em 13 de Agosto de 2019, a respectiva nulidade.

Sobre esta pretensão recaiu o despacho recorrido que, sob o entendimento de que a nulidade em causa não foi arguida no prazo de 10 dias a contar da

disponibilização da gravação da audiência, mas apenas em 13 de Agosto de 2019, após a parte ter solicitado cópia das gravações, a mesma encontrava-se sanada.

A R./recorrente discorda, sustentando, em síntese, que, não tendo a secretaria informado as partes de que as gravações se encontravam disponíveis, o dies a quo para arguição da nulidade apenas começa a correr a partir do momento em que a recorrente procedeu à solicitação de cópia da gravação da audiência e esta lhe foi disponibilizada.

Esta conclusão da Recorrente tem subjacente o entendimento de que a secretaria deve informar as partes de que as gravações já se encontram disponíveis e de o fazer no prazo de 2 dias, e quando não cumpra este dever de informação, o prazo previsto no n.º 4 do artigo 155º do Código de Processo Civil, apenas começa a correr quando a secretaria disponibilize/entregue efectivamente as gravações, ainda que a requerimento da parte interessada.

Vejamos:

2. Sobre a matéria em causa dispõe-se no artigo 155º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Gravação da audiência final e documentação dos demais actos presididos pelo juiz”, na redacção à data vigente, o seguinte:

«1 - A audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na acta o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respectiva

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resposta, despacho, decisão e alegações orais.

2 - A gravação é efectuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor.

3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo acto.

4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

(…)»

3. Não subsistem dúvidas de que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 155º do Código de Processo Civil, a audiência final nas acções é sempre gravada, o que inclui necessariamente a gravação dos depoimentos e declarações nela prestados, e que pretendendo o recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, com fundamento nos depoimentos gravados, a faltar ou existirem deficiências nas gravações dos depoimentos está o recorrente impedido de dar cumprimento aos ónus de especificação exigidos no artigo 640º n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, ficando coarctado de exercer plenamente o seu direito de recurso sobre a matéria de facto, e o tribunal ad quem fica impedido de proceder à reapreciação de tal matéria por falta de registo da prova ou de registo válido.

A falta ou a falha na gravação da prova constitui, assim, nulidade processual, nos termos definidos no n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil, pois trata-se de irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, desde logo por retirar ao recorrente a possibilidade de impugnar em sede de recurso o julgamento da matéria de facto, com fundamento na prova gravada.

4. Quanto ao prazo de arguição da aludida nulidade, não havia no regime anteriormente vigente unanimidade na jurisprudência, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 14/01/2010 (proc. n.º

4323/05.4TBVIS.C1.S1), e, mais recentemente, o Acórdão da Relação do Porto de 10/03/2015 (proc. n.º 1277/12.4TBFLG.P1), disponíveis, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt.

Assim, uns defendiam que o prazo de arguição da dita nulidade era de dez dias (cf. artigo 153.º n.º 1 do anterior Código de Processo Civil), contados imediatamente após o termo da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal (cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 22/2/2001, 24/5/2001, 6/7/2006, 18/11/2008, 12/2/2009 e de 14/5/2009, proferidos nos processos n.ºs 3678/00-7.ª, 1362/01-7.ª, 1899/06-7.ª, 3328/08-6.ª, 47/09-6.ª e

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40/09.4YFLSB-6.ª).

Outros, ainda, proclamavam que esse prazo de dez dias começava a contar da data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação, nos termos do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro (v.g. acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 8/7/2003, na revista n.º 2212/03 e de 16/9/2008, na revista n.º 2261/08, ambas da 7.ª Secção).

Finalmente, outros entendiam que a aludida nulidade podia ser arguida dentro do prazo da alegação de recurso, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo, podendo tal arguição ter lugar nessa própria alegação, por não ser exigível à parte (ou ao seu mandatário) que proceda à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso (relativo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto), sendo que é no decurso deste prazo que surge a

necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação de recurso entretanto interposto (v.g. acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 9/7/2002, na CJ - Acs. STJ - Ano X, tomo II, págs. 153 a 155, de 15/5/2008, de 1/7/2008, de 23/10/2008 e de 13/1/2009, estes proferidos nos processos 08B1099, 08A1806, 08B2698 e 08A3741, para além do já citado acórdão de 14/1/2010, no processo n.º

4323/05.4TBVIS.C1.S1, e da Relação do Porto de 27/03/2006, de 27/11/2008 e de 16/12/2009, proferidos nos processos n.ºs 0651069, 0836973 e

217/05.1TJVNF.P1).

5. Porém, ao contrário do que antes sucedia, agora o legislador tomou posição expressa sobre esta matéria no actual Código de Processo Civil (aplicável aos autos porque já vigente à data em que a acção foi instaurada), estipulando no artigo 155º que “a gravação [no caso da audiência de julgamento] deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo acto”

(n.º 3), e que “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (n.º 4).

Deste modo, parece-nos claro que face ao aludido preceito as irregularidades ou deficiências da gravação dos depoimentos das testemunhas devem ser invocadas no prazo de 10 dias, a contar da disponibilização da gravação, a qual deve ocorrer nos 2 dias seguintes a contar da realização do acto, e tal irregularidade, que, como acima se referiu, constitui nulidade, deve, como tal, ser arguida perante o tribunal onde a mesma se verificou.

Do aludido preceito ressalta, não só o dever de o tribunal disponibilizar com brevidade a gravação da audiência, como, ao fixar-se o prazo de 10 dias para a

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arguição de eventuais irregularidades da gravação, torna-se clara a posição do legislador nesta matéria, com as inegáveis vantagens de certeza e segurança jurídicas, impondo-se ainda à parte um especial dever de diligência na

verificação do conteúdo da cópia da gravação que lhe foi disponibilizada, por forma a poder arguir em tempo tais irregularidades e permitir a sua correcção antes de eventual recurso da sentença, obviando-se também os inconvenientes de posterior anulação de decisões.

Efectivamente, como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/12/2014 (proc. n.º 927/12.7TVPRT.P1), «… o novo Código de Processo Civil fixou expressamente prazo para as partes arguirem o vício decorrente da falta ou deficiente gravação da prova, que, ao contrário do que antes sucedia, é sempre obrigatória em sede de julgamento, sendo esse prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo da gravação - que temporalmente poderá não corresponder ao levantamento pela parte do respectivo suporte -, devendo essa disponibilização ocorrer no prazo de dois dias contados de cada um dos actos sujeitos à gravação.

O vício em causa deve, assim, ser arguido em primeira instância, e no prazo peremptório agora legalmente estabelecido, sob pena de ocorrer, por decurso desse prazo, a sua sanação.

Daí afirmar-se que “a omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, um problema que deve ficar definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa do juiz que preside ao acto quer mediante arguição dos interessados”[Acórdão da Relação de Guimarães de 11.09.2014, processo nº 4464/12.1TMGMR.C1], deixando de ser admissível que a parte interessada na arguição o possa fazer no prazo de interposição do recurso – 30 ou 40 dias -, nas respectivas alegações.».

Idêntico entendimento é sufragado, entre outros, nos Acórdãos desta Relação de Guimarães, de 19/06/2014 e de 14/05/2015 (proc. n.º 1224/11.0TBVVD.G1 e n.º 853/13.2TBGMR.G1).

Este é também o entendimento defendido por Abrantes Geraldes, para quem

“[o] artigo 155º, n.º 4, veio resolver as dificuldades, impondo à parte o ónus de invocação da irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (disponibilização que deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar do acto, nos termos do n.º 3), (…). Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso.” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 130).

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6. Ora, no caso em apreço, a Recorrente arguiu a dita nulidade no tribunal a quo, mas só o fez após a secretaria lhe ter entregue, a seu pedido, a cópia das gravações, defendendo, como se disse, a tempestividade da arguição da

nulidade em causa no facto de a secretaria não ter antes dado conhecimento às partes da disponibilização das gravações da audiência.

Salvo o devido respeito, a tese defendida pela recorrente assenta num lapso interpretativo: o de que o comando ínsito na norma do n.º 3 do artigo 155º do Código de Processo Civil, onde se consigna que “[a] gravação deve ser

disponibilizada às partes, no prazo de 2 dias, a contar do respectivo acto”, implica que se dê conhecimento (comunique) às partes dessa disponibilidade, pelo que, na falta dessa comunicação, o prazo de 10 dias para arguir a

deficiência da gravação se conta da entrega à parte da respectiva cópia.

Ora, como se concluiu no acórdão da Relação de Évora, de 12/10/2017 (proc.

n.º 1382/14.2TBLLE-A.E1):

«1 – A disponibilização, às partes, da gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC, consiste na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma.

2 – Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação, às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes.» (sublinhado nosso)

Como se diz neste aresto:

«…, em parte alguma a lei impõe que a secretaria realize a notificação referida pelo recorrente. Além de resolver as dúvidas que o regime anterior suscitava, foi intenção do legislador que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, sem necessidade de

realização de qualquer notificação pela secretaria e tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido com rapidez, no tribunal de primeira instância. Se fosse intenção do legislador que a secretaria notificasse as partes de que a gravação está disponível,

certamente o teria estabelecido expressamente. Todavia, não é, manifestamente, isso que o n.º 3 do artigo 151.º faz.

Por outro lado, disponibilizar não é entregar o suporte digital da gravação às partes. Desde logo, porque, na língua portuguesa, estas duas palavras não são sinónimas. Disponibilizar é colocar algo à disposição de outrem, ainda que o terceiro assuma uma atitude de inércia e não aproveite tal disponibilidade.

Entregar é mais que isso, é transferir algo para o poder, para as mãos de outrem. Na hermenêutica jurídica, tem de se partir do princípio de que o

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legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Código Civil, artigo 9.º, n.º 3, in fine), pelo que o verbo “disponibilizar” deve ser

interpretado em sentido próprio e não como sinónimo de “entregar”. A tese do recorrente parte do princípio de que o legislador não se exprimiu

adequadamente, utilizando o verbo “disponibilizar” quando queria dizer

“entregar”. Ora, tal desconformidade entre a intenção do legislador e a forma como este se exprimiu não está demonstrada. Pelo contrário, a ponderação do resultado a que conduziria a interpretação proposta pelo recorrente confirma que o legislador se exprimiu correctamente ao utilizar o verbo

“disponibilizar”. Como bem nota a decisão recorrida, se a contagem do prazo fixado no n.º 4 do artigo 155.º do CPC só se iniciasse a partir da entrega da gravação à parte, tal início ficaria na dependência do arbítrio desta. Bastaria que a parte não solicitasse a entrega da gravação ou, fazendo-o, não

diligenciasse, depois, no sentido de ir recebê-la, para que aquela contagem não se iniciasse. Dessa forma, ficaria, na prática, a parte com a possibilidade de invocar a falta ou deficiência da gravação quando lhe aprouvesse, até à interposição de recurso da sentença. Ora, não foi, seguramente, isto que o legislador quis ao estabelecer os apertados prazos que as normas que vimos analisando estabelecem. Convém, a propósito, lembrar novamente o disposto no citado artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: O intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Atento o resultado a que conduz, a segunda tese que o recorrente propõe é tudo menos acertada.

Não se objecte com o argumento de que, na hipótese de a secretaria não disponibilizar (em sentido próprio) a gravação no prazo de dois dias a contar do acto, as partes ficariam injustamente penalizadas por verem comprimido o prazo para a reclamação prevista no n.º 4. Nessa hipótese, a parte terá o ónus de, através de requerimento dirigido ao juiz, suscitar a questão. Caso se

confirme o incumprimento do prazo do n.º 3, o prazo do n.º 4 só começará a contar-se a partir do momento em que a secretaria passe a ter a gravação ao dispor das partes. É isto que decorre do n.º 4, ao estabelecer que o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação começa a contar-se no “momento em que a gravação é

disponibilizada”.

Veja-se, neste sentido, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.02.2015 (processo n.º 8/13.6TCFUN.L1-2), o qual, além do mais, enfatiza, bem, o dever das partes de cooperarem com o tribunal no sentido de eventuais irregularidades da gravação que possam comprometer a desejável celeridade no andamento dos autos serem remediadas o mais cedo possível.

Estamos, portanto, perante um regime que, visando resolver eventuais situações de falta ou insuficiência da gravação com celeridade e de forma a

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evitar, em toda a medida do possível, a anulação de actos processuais

subsequentes, é, ainda assim, equilibrado, na medida em que, através do n.º 4, salvaguarda as partes quando a secretaria não cumpra o prazo fixado no n.º 3.

(…)»

7. No mesmo sentido, veja-se, ainda, o acórdão da Relação de Coimbra, de 25/09/2018 (proc. n.º 7839/15.0TBLSB-A.C1), e demais jurisprudência nele referida, onde se concluiu que:

«(…)

II - A disponibilização, às partes, da gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC, consiste na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma.

III - Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes. (sublinhado nosso)

IV – Foi intenção do legislador que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, sem necessidade de realização de qualquer notificação pela secretaria e tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido, com

rapidez, no tribunal de primeira instância. (…)»

8. Em suma, como resulta destes arestos, a cuja fundamentação aderimos, com a reforma de 2013, o legislador processual civil pretendeu esclarecer a controvérsia existente à luz do regime processual pretérito no que concerne ao prazo para arguir a nulidade decorrente da omissão ou deficiência da gravação, afastando o entendimento de que o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos fica dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (para além da que decorreria do prazo de apresentação do recurso da decisão final).

O estabelecimento na lei de que a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respectivo acto, não envolve a realização de qualquer notificação às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes, quando estas o requeiram.

O prazo previsto no n.º 4 do artigo 155º do Código de Processo Civil, a contar da referida disponibilização, faz recair sobre as partes um dever de diligência

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que as onera com o encargo de diligenciarem pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos, que são disponibilizados no prazo máximo de 2 dias, a contar do acto em causa, e, num prazo curto (10 dias), averiguarem se tal registo padece de vícios, a fim de que os mesmos sejam sanados com celeridade perante a primeira instância.

9. Assim, verificando-se que, no caso, estão em causa as gravações da audiência de 23/05/2019, que foram gravadas, como consta indicado na respectiva acta, e ficaram disponíveis na mesma data, como se consignou no despacho recorrido, o prazo de 10 dias para arguir a nulidade decorrente da

“deficiência das gravações” iniciou-se naquela data, pelo que tendo a dita nulidade sido apenas invocada em 13/08/2019 (cf. fls. 386-389), após se ter solicitado cópia das gravações 06/08/2019, a mesma foi invocada após o decurso do prazo legal, estando, por conseguinte, sanada, como se decidiu.

Deste modo, improcede a apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

IV – Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da Apelante.

*

Évora, 17 de Dezembro de 2020 Francisco Xavier

Maria João Sousa e Faro Florbela Moreira Lança

(documento com assinatura electrónica)

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