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Po(i)ética em movimento: a análise Laban de movimento como propulsora de realidades composicionais

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PROGRAMA DE P ´

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ETICA EM MOVIMENTO: A AN ´

ALISE LABAN DE MOVIMENTO

COMO PROPULSORA DE REALIDADES COMPOSICIONAIS

GUILHERME BERTISSOLO

Salvador

2009

(2)

PO(I) ´

ETICA EM MOVIMENTO: A AN ´

ALISE LABAN DE MOVIMENTO

COMO PROPULSORA DE REALIDADES COMPOSICIONAIS

Dissertac¸˜ao apresentada ao Programa de P´os-graduac¸˜ao em M´usica, Escola de M´usica, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenc¸˜ao do grau de Mestre em M´usica.

´Area de concentrac¸˜ao: Composic¸˜ao

Orientador: Prof. Dr. Wellington Gomes da Silva

Salvador 2009

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Agradecimentos

Os agradecimentos s˜ao in´umeros, mas vou fazer um esforc¸o em direc¸˜ao a uma s´ıntese. Ei-los: `a Lia, antes de tudo, companheira e amiga que me faz acreditar que as palavras n˜ao bastam para descrever as coisas;

aos meus pais, pela lic¸˜ao de vida e por n˜ao terem me dado o peixe, mas me ensinado a pesc´a-lo (no caso do meu pai n˜ao apenas no sentido figurado);

`a Tia Cela, sem medo de ser repetitivo, por ter ajudado a tornar poss´ıvel esse sonho; ao amigo Daniel Mendes, mais uma vez, camarada e conselheiro;

`a toda a minha fam´ılia, em especial aos meus irm˜aos queridos;

ao grande compositor Wellington Gomes, pelas precios´ıssimas dicas ao longo desses dois anos e por investir nesse trabalho de fronteira;

ao pessoal do Grupo Genos, especialmente o prof. Pedro Kroger, e os colegas Marcos di Silva, Cristiano Figueir´o, Givaldo de Cidra, Alexandre Reche;

aos amigos soteropolitanos R´aiden Coelho e Alexandre Espinheira, pela forc¸a e parceria; aos professores e funcion´arios do PPGMUS UFBa, em especial ao prof. Paulo Costa Lima, pelas decisivas contribuic¸˜oes te´oricas e tamb´em para o projeto dessa dissertac¸˜ao;

`a Ciane Fernandes, pelas diversas colaborac¸˜oes, desde o projeto, at´e a obra e a dissertac¸˜ao em si;

ao prof. Eloy Fritsch, pelas ajudas muitas e pela disponibilizac¸˜ao do cat´alogo de Paisagens Sonoras de Porto Alegre;

finalmente, ao CNPq-Brasil, pelo apoio que tornou poss´ıvel o escrito que ora apresento.

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Sum´ario

Agradecimentos iv

Lista de Figuras vii

Lista de Tabelas ix

Resumo x

Abstract xi

Introduc¸˜ao 1

1 O Campo e seus Conceitos 4

1.1 Sobre a noc¸˜ao de Sistema e Paradigma . . . 4

1.2 Sobre o Sistema Laban/Bartenieff . . . 11

1.2.1 O contexto hist´orico . . . 11

1.2.2 As categorias de An´alise do Movimento . . . 13

1.2.2.1 Harmonia Espacial: a categoria Espac¸o . . . 13

1.2.2.2 Eucin´etica: a Categoria Expressividade . . . 18

1.2.2.3 Modos de Mudanc¸a de Forma . . . 22

1.2.2.4 Corpo . . . 24

1.2.3 A Corˆeutica . . . 25

1.2.4 Motif X Labanotac¸˜ao . . . 27

1.2.5 Algumas assertivas sobre LMA e a m´usica . . . 28

1.3 Sobre a Composic¸˜ao Musical . . . 35

1.3.1 Conceitos . . . 35

1.3.1.1 Abordagens sobre a noc¸˜ao de Material Musical . . . 35

1.3.1.2 Processo composicional . . . 38 v

(7)

1.3.1.3 Pr´e-Composic¸˜ao . . . 40

1.3.2 Abordagens Sistem´aticas do Compor . . . 41

1.3.2.1 Serialismo . . . 41

1.3.2.2 O Time Point . . . 42

1.3.2.3 O Sistema de Estructuras por Permutaci´ones de Le´on Biriotti 43 1.3.2.4 A Teoria P´os-Tonal . . . 44

2 A obra Noite 46 2.1 A etapa pr´e-composicional de Noite: relacionando os Sistemas . . . 46

2.1.1 Algumas Considerac¸˜oes Iniciais . . . 46

2.1.2 O ´Impeto e o Planejamento . . . 48

2.1.3 Conectando Atmosferas, Estados, Impulsos e Gestos . . . 50

2.1.4 Por um tempo em relac¸˜ao: um elemento correlacionado . . . 52

2.1.5 Harmonias . . . 54

2.1.6 Quatro motifs e quatro id´eias musicais . . . 57

2.2 O universo Po´etico de Noite . . . 62

2.2.1 Coment´arios preliminares . . . 62 2.2.2 A obra . . . 62 2.2.2.1 Abertura Eletroac´ustica . . . 62 2.2.2.2 Ato I . . . 64 2.2.2.3 Ato II . . . 65 2.2.2.4 Ato III . . . 68 2.2.2.5 Ato IV . . . 74 2.2.2.6 Os Interl´udios . . . 80

2.2.2.7 Recursos Eletroac´usticos e Interativos . . . 82

Considerac¸˜oes finais 83

Referˆencias Bibliogr´aficas 87

Partitura Completa de Noite 90

Dvd com arquivos de Noite 163

(8)

Lista de Figuras

1.1 Cinesfera . . . 14

1.2 Cruzes Axiais - Padr˜ao, do Corpo e Constante . . . 14

1.3 Octaedro . . . 15

1.4 Direc¸˜oes relacionadas ao Octaedro . . . 15

1.5 Escala Dimensional iniciada pelo brac¸o esquerdo . . . 15

1.6 Cubo . . . 16

1.7 Diagonais – exemplo no de Fernandes (2006, p. 202) . . . 16

1.8 Escala Diagonal . . . 17

1.9 Icosaedro . . . 17

1.10 Escala Axial desviando da Diagonal 1 com brac¸o direito . . . 17

1.11 Escala Circular ao redor da Diagonal 1 com brac¸o direito . . . 18

1.12 A Cruz dos Fatores . . . 18

1.13 Fator fluxo . . . 19 1.14 Fator Espac¸o . . . 19 1.15 Fator Peso . . . 20 1.16 Fator Tempo . . . 20 1.17 Estados Expressivos . . . 21 1.18 Impulsos de Transformac¸˜ao . . . 22

1.19 Impulsos de Ac¸˜ao - Ac¸˜oes B´asicas de Expressividade . . . 22

1.20 Forma . . . 23 1.21 Forma Fluida . . . 23 1.22 Forma Direcional . . . 24 1.23 Forma Tridimensional . . . 24 1.24 Corpo . . . 24 1.25 Organizac¸˜oes Corporais . . . 25

1.26 S´ımbolos para as partes do corpo . . . 26 vii

(9)

2.1 Planejamento Inicial de Noite . . . 49

2.2 M´etrica b´asica dos passos de Jazz Dance usados em ensaio . . . 53

2.3 M´etrica variada para os passos de Jazz Dance escolhidos . . . 54

2.4 Projec¸˜ao do perfil intervalar de 4-7 - 0145 (A) . . . 55

2.5 Projec¸˜ao do perfil intervalar de ToI de 4-7 - 78B0 (B) . . . 55

2.6 Espac¸o harmˆonico resultante de A + B . . . 55

2.7 Tema do Corcunda - extrac¸˜ao da s´erie usada na obra . . . 56

2.8 Matrizes de rotac¸˜oes aplicadas para a escalas axial e circular . . . 57

2.9 Matrizes de rotac¸˜oes aplicadas para a escalas axial e circular excluindo sons . . 57

2.10 Motifs do Desconhecido, do Corcunda, do Mestre e do Monge . . . 59

2.11 Acordes Desconhecido . . . 60

2.12 Mapeamento do Acorde Desconhecido no espac¸o harmˆonico . . . 60

2.13 Acorde do Monge [II:49-50] . . . 61

2.14 Fundamentais . . . 69

2.15 Exemplo de escolha dos sons [III:18-20] . . . 69

2.16 Transcric¸˜ao da melodia de Se acaso vocˆe chegasse . . . 70

2.17 Bifonias realizadas a partir de 4-7 . . . 72

2.18 Durac¸˜oes engendradas com colcheia= 1 – a . . . 76

2.19 Durac¸˜oes engendradas com semicolcheia= 1 – b . . . 77

(10)

Lista de Tabelas

1.1 Equivalˆencias entre som e movimento (Gambetta, 2006, p. 48-9) . . . 34

1.2 Modelo num´erico para os SEP (Biriotti 1974, p. 154) . . . 44

2.1 Car´acteres definidos a priori para cada Ato . . . 50

2.2 Variac¸˜oes estado On´ırico e Desenhos Gestuais . . . 51

2.3 Variac¸˜oes para impulso Apaixonado e Desenhos Gestuais . . . 53

2.4 Padr˜oes de movimento dos motifs . . . 58

2.5 Esquema para escolha dos sons a partir de 4-7 (violoncelo [III:18-65]) . . . 69

2.6 Divis˜ao da melodia original para os grupos . . . 71

(11)

Resumo

Esta dissertac¸˜ao prop˜oe um relato a partir da investigac¸˜ao sobre as diversas possibilidades de relac¸˜ao dial´ogica entre a composic¸˜ao musical (e alguns de seus sistemas) e o movimento danc¸ado (a partir de noc¸˜oes abordadas pelo Sistema Laban/Bartenieff ), que culminou na criac¸˜ao da obra interdisciplinar Noite, buscando um olhar no contexto de um novo paradigma.

Palavras-chave: m´usica, danc¸a, composic¸˜ao, Sistema Laban/Bartenieff, processos art´ısticos

(12)

Abstract

This dissertation proposes a report about the research on the different possibilities of dialogical relationship between the musical composition (and some of its systems) and dance movements (from notions addressed by the Laban/Bartenieff System), which culminated in the creation of the interdisciplinary work named Noite, looking an approach in context of a new paradigm.

Key-words: music, dance, composition, Laban/Bartenieff System, artistic processes

(13)

Introduc¸˜ao

N˜ao h´a m´usica sem movimento. Onde h´a vida, h´a movimento. N˜ao ´e novidade que as di-versas manifestac¸˜oes art´ısticas estabelec¸am pontos de convergˆencia entre seus criadores e suas est´eticas, auto-influenciando-se e correlacionando os seus fazeres. Tamb´em n˜ao ´e novidade que as diversas ´areas do conhecimento cient´ıfico importem conceitos para um melhor entendimento das suas realidades. Apesar de o movimento ser um elemento sem o qual a m´usica n˜ao pode existir e, a despeito dos diversos aspectos correlacionados entre a m´usica e a danc¸a, o estudo sistem´atico do movimento em m´usica tem sido negligenciado h´a muito tempo.

Em uma pr´atica comum de composic¸˜ao de m´usica para danc¸a – ou danc¸a para a m´usica – ´e comum vislumbrarmos uma transposic¸˜ao das realidades de uma manifestac¸˜ao aplicadas a outra, ou seja, a uma m´usica pr´e-concebida e gravada atribui-se uma coreografia, por exemplo. Por vezes, h´a o movimento inverso, menos comum ´e verdade, de se compor uma m´usica para uma coreografia. Algumas vezes o compositor ´e convidado a freq¨uentar os ensaios e a realizar a m´usica ao mesmo tempo em que a coreografia vai sendo criada. Entretanto, isso n˜ao implica na supress˜ao da compartimentalizac¸˜ao expressa nesse tipo de universo criativo.

Essa pesquisa versou sobre a criac¸˜ao musical tendo como ponto de partida o movimento, a partir dos aspectos analisados pelo Sistema Laban/Bartenieff. Propusemos uma abordagem onde o foco n˜ao partisse da danc¸a, tampouco da m´usica, mas de uma dial´ogica entre os dois saberes, que possibilitasse um outro modo de operar. Seria como pensarmos em um contexto situado no entre, na fronteira, se ´e que elas existem.

(14)

Mesmo o Sistema Laban/Bartenieff sendo um dos mais completos (se n˜ao o mais completo) sistemas de an´alise do movimento humano, no Brasil as suas aplicabilidades ainda n˜ao foram

exploradas na dimens˜ao que lhe ´e de direito1. Destarte, buscamos nessa pesquisa investigar as

possibilidades de criac¸˜ao de universos composicionais dial´ogicos entre a composic¸˜ao musical e o movimento danc¸ado, a partir dos aspectos analisados pelo Sistema Laban/Bartenieff.

Sendo assim, o objetivo principal desse trabalho foi a composic¸˜ao de uma obra, Noite, que pudesse estabelecer esses processos dial´ogicos. Mas relac¸˜oes entre o que? Entre os seus ma-teriais, seus processos, a partir de algumas de suas sistem´aticas. Em suma, propomos uma dial´ogica nos atos do compor em m´usica e danc¸a, buscando relativizar suas fronteiras.

O contexto em que se insere esse trabalho, nos remonta a in´umeros exemplos na hist´oria da

m´usica, passando pelas obras de Lully e Moli´ere2, passando por exemplos de diversos

compo-sitores ao longo dos per´ıodos Barroco, Cl´assico e Romˆantico3.

Citemos duas das obras consideradas pilares na m´usica do s´ec. XX e grandes respons´aveis pela constituic¸˜ao do pensamento musical atual, Pierrot Lunaire (1912), de Schoenberg e A Sagrac¸˜ao da Primavera (1913), de Stravinsky. Essas obras tˆem pelo menos um ponto em comum: as suas interpretac¸˜oes extrapolam o fazer exclusivamente musical. Durante o s´eculo XX houve uma eclos˜ao de obras compostas para danc¸a, especialmente a partir da atuac¸˜ao dos Bal´es Russos, com direc¸˜ao de Diaghilev e coreografias Nijinsky e Fokine (Bourcier 2006, p. 225). Diversos compositores do in´ıcio do s´eculo passado foram convidados por Diaghilev a escrever m´usica para danc¸a. Podemos citar De Falla, Satie, Strauss, Ravel, entre muitos outros. As parcerias mais celebradas resultantes dos Bal´es Russos foram Pr´elude `a l’apr`es-midi d’un Faune e Jeux, com Claude Debussy, bem como A Sagrac¸˜ao da Primavera e Petrouchka, com Igor Stravinsky.

1Como veremos na sec¸˜ao 1.2.5, at´e o momento s˜ao poucos os trabalhos que navegaram nessa direc¸˜ao.

2Jean Baptist Lully e Jean-Baptiste Poquelin (Moli´ere) estabeleceram uma parceria que marcou ´epoca, na

Franc¸a do s´eculo XVII (Bourcier 2006, p. 135). Um exemplo que poder´ıamos mencionar, entre muitas outras, ´e a obra L’Amour m´edecin, de 1665, um espet´aculo de Moli´ere, com m´usica de Lully. Para maiores detalhes ver “Hist´oria da Danc¸a no Ocidente” (Bourcier 2006).

3A grande maioria dos renomados compositores da m´usica ocidental, inclusive os da chamada “m´usica pura”

ou “absoluta”, como Beethoven, escreveram ´operas ou outras tipos de obras cˆenicas. Durante o per´ıodo romˆantico talvez o nome mais lembrado seja o de Piotr Ilitch Tchaikovsky. S˜ao t˜ao in´umeros os que roga-se ao leitor que busque as referˆencias em hist´oria da m´usica (Grout e Palisca 1994).

(15)

`A medida que avanc¸amos no s´eculo XX, mais recorrentes v˜ao se tornando as relac¸˜oes entre m´usica e danc¸a. Podemos citar o caso de John Cage e Merce Cunningham, que realizaram dezenas de obras em parceria (Bourcier 2006) e se tornaram paradigma na relac¸˜ao entre m´usica e danc¸a. Os exemplos passam a ser t˜ao recorrentes que Griffiths inclusive dedica um cap´ıtulo exclusivamente `a m´usica de extrac¸˜ao cˆenica em seu livro sobre a m´usica moderna (Griffiths 1998, p. 169-182).

O intento dessa pesquisa foi se inserir nesse contexto t˜ao prol´ıfico na m´usica atual, mas propondo um olhar conectado com a complexidade das realidades envolvidas. Buscamos um fazer que n˜ao compartimentalizasse o real, que levasse em conta as diversas determinantes e vari´aveis e propusesse um modo interativo para o compor em m´usica e danc¸a.

Como estamos mobilizando conceitos ligados `a territ´orios do saber que costumam ter as suas especificidades, julgamos necess´ario dividir esse trabalho de dissertac¸˜ao em trˆes partes. No primeiro cap´ıtulo, alguns conceitos e abordagens sistem´aticas s˜ao discutidos, de maneira a situar o leitor sobre o escopo dessa pesquisa. N˜ao se trata de esgotar as possibilidades so-bre cada t´opico, mas permitir que o leitor de m´usica e de danc¸a possam ter meios para ver nesse estudo um ponto de partida para seus fazeres, entendendo os conceitos mobilizados ao

longo da pesquisa e do ato criativo4. Nessa parte faremos uma breve introduc¸˜ao ao Sistema

Laban/Bartenieff e a algumas sistem´aticas da composic¸˜ao musical, bem como comentaremos os escritos existentes sobre as relac¸˜oes entre o Sistema Laban/Bartenieff e a m´usica.

J´a no segundo cap´ıtulo apresentaremos os principais processos e relac¸˜oes sistem´aticas em-preendidas na (e para a) composic¸˜ao Noite. O faremos em duas sec¸˜oes, uma relacionada `a etapa de pr´e-composic¸˜ao (onde s˜ao propostas relac¸˜oes mais sistem´aticas entre o Sistema La-ban/Bartenieff e a m´usica) e outra relativa ao processo em si (onde s˜ao descritos os processos de materializac¸˜ao sonora das relac¸˜oes empreendidas na etapa de pr´e-composic¸˜ao). Finalmente, ap´os as considerac¸˜oes finais, apresentamos a obra, a partitura completa, com as partes para bailarina inclu´ıdas.

4Buscamos aqui o que Boaventura de Sousa Santos chama solidariedade de conceitos. “A solidariedade ´e

o conhecimento obtido no processo, sempre inacabado, de nos tornarmos capazes de reciprocidade atrav´es da construc¸˜ao e do reconhecimento da intersubjectividade” (Santos 2007, p. 81).

(16)

Cap´ıtulo 1

O Campo e seus Conceitos

1.1 Sobre a noc¸˜ao de Sistema e Paradigma

Uma vez que estamos propondo uma relac¸˜ao entre som e movimento, a partir do Sistema La-ban/Bartenieff e de algumas sistem´aticas da composic¸˜ao musical, metodologicamente, o en-tendimento que se tem da pr´opria noc¸˜ao de sistema ´e de suma importˆancia para o escopo desse trabalho. A pr´opria escolha por um desenho in(ter)disciplinar manifesta uma concepc¸˜ao que brevemente exporemos aqui. N˜ao se pretende formular uma teoria geral dos sistemas ou ad-vogar em relac¸˜ao a uma ou outra abordagem, mas apenas situar o leitor sob a concepc¸˜ao apli-cada nesse trabalho.

Ressaltemos que a in(ter)disciplinaridade ´e destacada por diversos autores como uma das

estrat´egias primordiais para a superac¸˜ao dos axiomas epistemol´ogicos tradicionais1. Nesse

sen-tido, temas e teorias que se mostram eficazes em determinados contextos devem atravessar as noc¸˜oes disciplinares e os conhecimentos, por sua vez, devem buscar o estabelecimento de conex˜oes cada vez mais complexas.

1Como afirma Morin “uma teoria que se quer fundamental, escapa ao campo das disciplinas (...). Significa

dizer que a perspectiva aqui ´e transdisciplinar. Transdisciplinar significa hoje indisciplinar” (Morin 2006, p. 51), ou, para falarmos com Sousa Santos, “A fragmentac¸˜ao p´os-moderna n˜ao ´e disciplinar e sim tem´atica. Os temas s˜ao galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros” (Santos 2002, p. 76).

(17)

Numa acepc¸˜ao tradicional, os sistemas s˜ao tratados como um conjunto fechado com um n´umero limitado de elementos e um n´umero limitado de operac¸˜oes. Essa concepc¸˜ao est´a na

base do paradigma estrutural/organicista2, que “controlou a aventura do pensamento ocidental

desde o s´ec. XVII” (Morin 2006, p. 11). Destarte, o que ´e interno e o que ´e externo a um determinado sistema pode ser conceitualmente distinguido.

Uma arqueologia do conceito de sistema fechado nos remete `aquele conceito de extrac¸˜ao

saussuriana3, da l´ıngua como sistema fechado, que tem seu germe no Curso de de Lingu´ıstica

Geral (Saussure 2001). Um sistema fechado pressup˜oe um conjunto de regras em sincronia (tempo = 0), em oposic¸˜ao ao processo (hist´oria), como n´ıveis interno e externo da l´ıngua, res-pectivamente. Nesse caso, um sistema seria determinado por um conjunto de estruturas in-dependentes do tempo, abstra´ıdas de um contexto hist´orico, podendo-se realizar operac¸˜oes a elementos retirados de seu contexto original. Os desdobramentos do pensamento saussuriano apontaram para o uso de “seu modelo ling¨u´ıstico como padr˜ao geral no estudo das ciˆencias humanas” (N¨oth 2005, p. 111). Outros te´oricos revisaram essas abordagens, como Jakobson, que via como incompat´ıvel a oposic¸˜ao sistema/hist´oria e pensava a l´ıngua em um processo de

dupla articulac¸˜ao4.

A crenc¸a dos te´oricos estruturalistas ´e que em qualquer sistema de pensamento poder-se-ia extrair estruturas independentes do contexto, abstra´ıdas dentro do conjunto interno de operac¸˜oes.

Por consequˆencia, seria poss´ıvel vislumbrar um n´ıvel interno e outro externo5.

2Ou para falarmos com Sousa Santos, o paradigma dominante (Santos 2002; Santos 2007, p. 20 e 60,

respecti-vamente), ou com Morin, o paradigma simplificador da “inteligˆencia cega” (Morin 2006, p. 12).

3Ferdinand de Saussure ´e um pioneiro dos estudos em lingu´ıstica e um dos pilares do pensamento estruturalista

que viria a se consolidar com um discurso vigente pelo menos at´e a d´ecada de 1960. Sobre o projeto saussuriano ver “Saussure e o projeto semiol´ogico” (N¨oth 2005, p. 13-46).

4Para maiores detalhes sobre essa dupla articulac¸˜ao da l´ıngua, bem como outros desenvolvimentos que se

seguiram, ver “A semi´otica no s´eculo XX” (N¨oth 2005). Para discuss˜ao sobre a problem´atica considerac¸˜ao de um modelo ling¨u´ıstico nas artes, na danc¸a de maneira mais espec´ıfica, inclusive trac¸ando pontos comparativos com a dupla articulac¸˜ao de Jakobson ver Gil (2005, p. 89 e ss.).

5Veja-se por exemplo o trecho de Ferreira: “ao definir o conceito de l´ıngua, Saussure vai operar com um

certo n´umero de filtros que v˜ao distinguir os elementos internos e os externos. A definic¸˜ao saussuriana de l´ıngua afasta tudo o que for estranho a seu organismo, a seu sistema, eliminando, assim, todas as causas e determinac¸˜oes exteriores que podem afet´a-la. Exemplo: fatos de etnologia, de hist´oria pol´ıtica, de hist´oria das instituic¸˜oes, fatos geogr´aficos, todos fatores que n˜ao dizem respeito ao organismo interior do idioma’. Saussure ilustra ainda essa distinc¸˜ao com o c´elebre exemplo do jogo de xadrez: elementos externos seriam a origem do jogo, a mat´eria ou a forma das pec¸as; e internos, aqueles elementos relacionados com as regras mesmas do jogo, enfim, seu ordenamento” (Ferreira 1999, p. 126 - grifo nosso).

(18)

Em m´usica alguns sistemas podem ser distinguidos nessa acepc¸˜ao. Citemos como exemplo mais recorrente e, n˜ao s´o por isso, muito eficaz: o sistema tonal. Parafraseando Wuorinen, “o que seria um sistema musical”? O pr´oprio nos d´a uma resposta:

It may most simply be conceived as a set of defined operations on a set of defined elements.(...) A musical system requires some conceptual justification in its asser-tions and thus possesses a flavor of the analytic. Usually it is general in nature and

is intended to embrace a large number of pieces6 (Wuorinen 1979, p. 14 - grifo

original).

Wuorinen ainda avanc¸a e radicaliza a quest˜ao ao afirmar que existem apenas dois sistemas musicais na m´usica ocidental: o sistema tonal, ou diatˆonico, e o dodecafˆonico, ou crom´atico. Assim o diatonismo abarcaria a m´usica pr´e-tonal (modal) bem como a aventura em direc¸˜ao `a dissoluc¸˜ao da tonalidade. O cromatismo, por sua vez, daria conta da ´ultima m´usica tonal (j´a no limiar do sistema), da m´usica altamente crom´atica e da dita m´usica “atonal” (Wuorinen 1979, p. 15).

`A noc¸˜ao de “sistema”, com uma justificativa te´orica com um quˆe anal´ıtico, o autor contrap˜oe a noc¸˜ao de “m´etodo”, sendo este o dado emp´ırico, o processo do ato compor, a Modelagem no

dizer laskeano7. Wuorinen faz algumas definic¸˜oes e ponderac¸˜oes, como considerac¸˜ao de uma

divis˜ao apenas contextual entre som e ru´ıdo, a considerac¸˜ao do tempo e da altura como predomi-nantes na percepc¸˜ao (em detrimento do timbre e das intensidades), e, j´a em direc¸˜ao ao contexto da Teoria P´os-Tonal, conte´udo intervalar, classes de notas, registro, equivalˆencia de oitava, segmentos, total crom´atico e operac¸˜oes. Estamos diante de uma tentativa de definic¸˜ao dos parˆametros de um sistema de relac¸˜oes que ir´a possibilitar a aplicac¸˜ao de operac¸˜oes (transposic¸˜ao, invers˜ao, retrogradac¸˜ao, rotac¸˜ao, etc) a elementos tamb´em determinados (os doze sons da escala

crom´atica, vislumbrados como classes de notas e agrupados em conjuntos)8.

6“Um sistema pode ser simplificadamente concebido como uma classe de operac¸˜oes definidas sobre uma classe

definida de elementos. Um sistema musical requer algumas justificativas conceituais em suas asserc¸˜oes e por isso possui um sabor (flavor) anal´ıtico. Usualmente ele ´e geral por natureza e ´e destinado a abrac¸ar um grande n´umero de pec¸as”.

7Ver sec¸˜ao 1.3.1.2, p. 38.

(19)

A teoria da m´usica constantemente tem reivindicado o status de sistema para a tonalidade. Assim, alguns autores discutem a pr´opria noc¸˜ao de sistema tonal. Al´em do j´a citado Wuorinen, podemos destacar o texto introdut´orio do seu antol´ogico livro Harmonia, onde Schoenberg pergunta: “harmonia: teoria ou sistema expositivo?” (Schoenberg 2001, p. 41). O autor nos alerta para o perigo de uma teorizac¸˜ao que esteja alheia ao fazer do compositor, atribuindo `a teoria um conjunto de leis “naturais” que sirvam como padr˜ao de julgamentos est´eticos de uma obra de arte. Schoenberg manifesta um esforc¸o conceitual que se aproxima de uma noc¸˜ao mais aberta de sistema:

Estes sistemas! (...) Mostrarei que nunca s˜ao o que sempre deveriam ser: sistemas de representac¸˜ao! (...) Demonstrarei como tal sistema ´e pouco depois insuficiente, como logo tem que ser rompido, sendo preciso remend´a-lo com um segundo sis-tema que tampouco ´e um sissis-tema suficiente para mal acomodar alguns novos resul-tados (Schoenberg 2001, p. 46).

Veremos a seguir como a virada paradigm´atica minou a noc¸˜ao de sistema e como essa fenda entre sistemas que se conectam, como relata Schoenberg, pode pertencer `a noc¸˜ao de sistema aberto.

A partir do final da d´ecada de 1970, diversos autores apontam para uma crise do paradigma vigente nas ciˆencias. Com isso, um novo paradigma estaria emergindo. Diversos aspectos podem ser apontados nessa tal “crise”, entre eles destacamos a impossibilidade de fechamento conceitual da noc¸˜ao de sistema. A arte e, mais especificamente a m´usica, n˜ao ficaram alheias a esse movimento e j´a na d´ecada de 1960 vemos a reformulac¸˜ao do pr´oprio conceito de obra, com os c´elebres textos de Obra Aberta (Eco 2003) e A Arte no Horizonte do Prov´avel (Campos 1977). S˜ao t˜ao in´umeros os exemplos de obras abertas e implicac¸˜oes desse conceito que cit´a-los aqui seria no m´ınimo enfadonho. Roga-se ao leitor que procure a “aplicac¸˜ao ao discurso musical” (Eco 2003, p. 125 e p. 164) e o “paralelismo com o que ocorre na m´usica” (Campos 1977, p. 45-7).

Sousa Santos define o que ele chama de “paradigma emergente das ciˆencias” pela primeira vez em Um discurso sobre as ciˆencias (Santos 2002), e chega mais recentemente ao

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con-ceito de paradigma transicional (Santos 2007). O autor estabelece uma genealogia da crise do paradigma dominante (estrutural/organicista) e aponta quatro teses a serem consideradas em um novo paradigma, sobre o qual trataremos brevemente a seguir.

“Todo o conhecimento cient´ıfico-natural ´e cient´ıfico-social” (Santos 2002, p. 61): a dicoto-mia t˜ao citada entre as ciˆencias ditas sociais e naturais ´e superada a partir de uma nova noc¸˜ao de cultura e conhecimento. Assim, “todas as ciˆencias s˜ao sociais” (Santos 2007, p. 89). O autor aponta para uma superac¸˜ao das dicotomias em direc¸˜ao a uma revalorizac¸˜ao das humanidades.

A superac¸˜ao da dicotomia ciˆencias naturais/ciˆencias sociais tende assim a revalori-zar os estudos human´ısticos. (...) O ghetto a que as humanidades se remeteram foi em parte uma estrat´egia defensiva contra o ass´edio das ciˆencias sociais, armadas do vi´es cientista triunfalmente brandido. (...) Foi assim nos estudos hist´oricos com a hist´oria quantitativa, nos estudos jur´ıdicos com a ciˆencia pura do direito e a dogm´atica jur´ıdica, nos estudos filol´ogicos, liter´arios e lingu´ısticos com o estrutu-ralismo (Santos 2002, p. 71).

Foi assim tamb´em com a m´usica e a tentativa de se abstrair uma “m´usica pura”, uma noc¸˜ao de regras em sincronia em uma obra ou conjunto de obras. A teoria musical reivindicava as-sim status de ciˆencia natural. O ato criador por natureza supera essas dicotomias e estabelece

conex˜oes mais antenadas com esse novo paradigma emergente9.

“Todo conhecimento ´e local e total” (Santos 2002, p. 73): aqui partimos para uma noc¸˜ao do conhecimento que supera as noc¸˜oes disciplinares. Nesse sentido, o conhecimento nesse novo paradigma ´e total, no sentido que est´a atento aos diversos liames epistemol´ogicos, e ao mesmo tempo local j´a que busca temas adotados por determinados grupos, como no caso da composic¸˜ao musical. Aqui vemos a impossibilidade da noc¸˜ao disciplinar manifesta por essa perspectiva epistemol´ogica transicional, onde ´e necess´aria uma constante transgress˜ao metodol´ogica.

“Todo o conhecimento ´e autoconhecimento” (Santos 2002, p. 80): vemos aqui o conheci-mento expresso pela palavra do sujeito ligado ao compor, ao dado emp´ırico. Parece que mais

9No dizer de Schoenberg “A tentativa de construir leis art´ısticas a partir de particularidades comuns, assim como

a comparac¸˜ao, n˜ao deve faltar em nenhum tratado de arte. Mas n˜ao se deve pretender que resultados t˜ao pobres sejam considerados como leis eternas, como algo semelhante `as leis naturais. (...) As teorias da arte comp˜oem-se, antes de tudo, de excec¸˜oes” (Schoenberg 2001, p. 46).

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do que nunca a atividade art´ıstica, ou mais especificamente o compor, esteve t˜ao alinhado com o “estado das coisas” do pensamento cient´ıfico. Como afirma Santos:

No paradigma emergente, o car´acter auto-biogr´afico e auto-referenci´avel da ciˆencia ´e plenamente assumido. (...) Para isso ´e necess´aria uma outra forma de conheci-mento, um conhecimento compreensivo e ´ıntimo que n˜ao nos separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos (...) A criac¸˜ao cient´ıfica no paradigma emergente assume-se como pr´oxima da criac¸˜ao liter´aria ou art´ıstica, porque `a semelhanc¸a destas pretende que a dimens˜ao activa da transformac¸˜ao do real (o escultor a traba-lhar a pedra) seja subordinada `a contemplac¸˜ao do resultado (a obra de arte) (Santos 2002, p. 85-7).

Assim, em ´ultima an´alise, o pr´oprio recorte de um trabalho de memorial em que se relacionam diferentes sistem´aticas constitui-se num esforc¸o em direc¸˜ao ao autoconhecimento.

“Todo conhecimento cient´ıfico visa constituir-se em senso comum”(Santos 2002, p. 88): estamos aqui diante de uma valorizac¸˜ao do saber de ac¸˜ao, da pr´atica de uma pessoa ou grupo de pessoas. O que poderia ser mais relacionado ao compor do que a id´eia de que:

o senso comum (que pode ser visto aqui como a atividade do compor em si) ´e indisciplinar e imet´odico; n˜ao resulta de uma pr´atica especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente (...), privilegia a ac¸˜ao que n˜ao pro-duza rupturas significativas no real. (...) Deixado a si mesmo, o senso comum ´e conservador e pode legitimar prepotˆencias, mas interpenetrado pelo conhecimento cient´ıfico pode estar na origem de uma nova racionalidade (Santos 2002, p. 91).

A teoria sistˆemica, que lida com uma noc¸˜ao aberta de sistema desdobrada do pensamento cibern´etico, ´e apontada por Morin como um m´etodo em direc¸˜ao ao que ele denomina “paradigma complexo” (Morin 2006, p. 57). Para o autor n˜ao h´a o simples, apenas o simplificado. Os sis-temas s˜ao encarados como entidades em um todo “auto-eco-organizador”. Alguns conceitos s˜ao emprestados da termodinˆamica e da biologia, de maneira a se criar um discurso que con-sidere a complexidade do real. Um exemplo dado por Morin ´e o ego que “´e um sistema aberto ao mesmo tempo sobre o id e o superego” (Morin 2006, p. 23).

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A noc¸˜ao de sistema aberto est´a no seio da virada paradigm´atica. Nessa acepc¸˜ao, a ambi-g¨uidade e a incerteza tem lugar e o acaso passa a ser considerado como parte importante em

qualquer sistema de pensamento10.

Percebemos o Sistema Laban/Bartenieff como complexo: ele distingue id´eias sem separ´a-las, associa in´umeros elementos sem reduz´ı-los e reconhece o mundo como um sistema aberto de interac¸˜oes e revitalizac¸˜oes. O que n˜ao quer dizer que seja her´etico. Ao contr´ario, existe nele uma simplicidade que n˜ao recusa a clareza, mas a percebe insuficiente, e que aspira a um conhecimento multidimensioanal (Miranda 2008a, p. 39 - grifo nosso).

Mas que seria um sistema aberto em m´usica? Durante muito tempo (e, em alguns casos, at´e hoje) a noc¸˜ao de estrutura composicional, derivada do paradigma estrutural/organicista (domi-nante, como diria Sousa Santos) foi considerada como o ideal composicional vigente. Nesse sentido, a t´ecnica composicional ´e posta a servic¸o da estrutura. Contudo, em um contexto art´ıstico, como n˜ao considerar o caos como elemento constitutivo? N˜ao parece l´ogica a im-possibilidade de tratar o ato criativo como um sistema fechado? Incoerente desconsiderar a incerteza dentro de um processo/contexto composicional?

Nesse sentido, encaramos nesse trabalho o Sistema Laban/Bartenieff como um sistema aberto, assim como todas as relac¸˜oes sistem´aticas mobilizadas na criac¸˜ao de Noite em seus mais di-versos n´ıveis. Todas as tentativas de relac¸˜ao sistem´atica s˜ao legitimadas dentro do escopo da obra. N˜ao que n˜ao possam ser abstra´ıdas do seu contexto e partirem para noc¸˜oes mais gerais, o que n˜ao ´e descartado, apenas n˜ao ´e a intenc¸˜ao aqui se criar um grande sistema (fechado e inequ´ıvoco) de relac¸˜oes entre som e movimento, mas estabelecer um contexto composicional que possibilite essa dial´ogica. Acreditamos que o Sistema Laban/Bartenieff deva ser entendido como um sistema aberto, n˜ao apenas em sua relac¸˜ao com a m´usica, mas per se.

10Parafraseando Morin: “num sistema formalizado (fechado), existe ao menos uma proposic¸˜ao que ´e indecidida:

esta indecidibilidade abre uma brecha no sistema, que ent˜ao torna-se incerto. ´E fato, a proposic¸˜ao indecid´ıvel pode ser demonstrada num outro sistema (...), mas este comportar´a tamb´em sua brecha l´ogica. H´a a´ı uma barreira intranspon´ıvel para a finalizac¸˜ao do conhecimento. Mas pode-se ver a´ı tamb´em uma incitac¸˜ao `a superac¸˜ao do conhecimento, `a constituic¸˜ao de uma metassistema, movimento que, de metassistema em metassistema, faz avanc¸ar o conhecimento (...). Aqui podemos ver de que modo esta incerteza est´a ligada `a teoria do sistema aberto. De fato, o metassistema de um sistema aberto s´o pode ser ele pr´oprio aberto, e por sua vez necessita de um metassistema. (...) Tudo isso nos incita a uma epistemologia aberta” (Morin 2006, p. 46).

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Estamos partindo em direc¸˜ao `a noc¸˜ao de “sistema obra” (Cerqueira 1991), que parece trazer uma acepc¸˜ao aceit´avel em nosso contexto. Para o autor

No instante que uma obra ´e criada, um novo sistema de certo modo nasce – o sistema obra –, incorporando e re-funcionalizando em seu eixo outros macro e micro-sistemas. Assim, todo material e suas leis (naturais ou n˜ao) se relativizam e subordinam `a autoridade da obra. Esta, tomando o lugar do autor, termina por criar o seu pr´oprio mundo (Cerqueira 1991, p. 1 - grifo nosso).

Em ´ultima an´alise ´e o mundo de Noite que est´a em jogo aqui. As relac¸˜oes propostas ao longo desse trabalho lidam com um universo aberto, tomando todas as sistem´aticas como possibilida-des de implementac¸˜ao. Metodologicamente isso faz com que o resultado possibilida-dessas relac¸˜oes sejam menos literais na obra, mesmo estando em um n´ıvel que se pretende perceptivo.

1.2 Sobre o Sistema Laban/Bartenieff

1.2.1 O contexto hist´orico

Rudolf von Laban (1879-1958) nasceu na Bratislava, na ´epoca Imp´erio Austro-H´ungaro (hoje Slovakia), e ´e considerado at´e hoje como um dos principais te´oricos do movimento humano. Suas teorias s˜ao aplicadas em diversas ´areas do conhecimento, desde a danc¸a e o teatro at´e estudos culturais, passando pela filosofia, a pol´ıtica entre outros (Miranda 2008b; Kov´arov´a e Miranda 2006).

O Sistema Laban/Bartenieff ´e um sistema de an´alise e notac¸˜ao do movimento humano de-senvolvido inicialmente na Europa do alvorecer do s´ec. XX, primeiramente pelo pr´oprio Laban e logo ap´os desdobrado por diversos dos seus colaboradores. Em seus primeiros escritos, ainda na d´ecada de 1920, Laban formulou o que chamou de Coreuthics Theory, ou simplesmente Corˆeutica, como um conjunto de princ´ıpios geom´etricos de orientac¸˜ao do corpo em movimento no espac¸o, em uma “vis˜ao do espac¸o dinˆamico”. Esse era o eixo de suas preocupac¸˜oes te´oricas na ´epoca, juntamente com a notac¸˜ao de movimento (Tanzschrift) e a Expressividade, ou Teoria

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dos Esforc¸os11, (Eukinetics, ou em portuguˆes, Eucin´etica). A uni˜ao da Corˆeutica com a

Eu-cin´etica resultou no que Laban denominou Dinamosfera (Laban 1976, p. 27), que ´e a uni˜ao da Expressividade com os princ´ıpios do espac¸o dinˆamico.

Posteriormente, ao agregar outras Categorias para an´alise do movimento12, Laban separa

o que hoje conhecemos como Harmonia Espacial (princ´ıpios de orientac¸˜ao espacial e escalas

derivadas de determinadas formas cristalinas ao redor do corpo)13 da Corˆeutica. Esta passa a

ser um conceito mais amplo ao incluir, al´em da Harmonia Espacial, Expressividade, Forma e, mais recentemente, Corpo em um todo inter-relacionado a partir do que hoje conhecemos por

afinidades14.

O que hoje chamamos de Sistema Laban/Bartenieff ou An´alise Laban de Movi-mento (at´e os anos 80 denominado Sistema Effort/Shape, Expressividade-Forma) consiste, de fato, em uma s´erie de desenvolvimentos realizados at´e o momento por profissionais das mais variadas localidades, atualizados e divulgados em congressos e publicac¸˜oes peri´odicas. (...) A An´alise Laban de Movimento ´e usada como forma de descric¸˜ao e registro de movimento cˆenico ou cotidiano (teatro, danc¸a, musical), coreogr´afico, diagn´ostico e tratamento em danc¸a-terapia (Fernandes 2006, p. 28).

As teorias de Laban operam a partir da superac¸˜ao das dicotomias relacionadas ao corpo, tais como interno/externo, corpo/mente, teoria/pr´atica, imaginando estes extremos como as su-perf´ıcies de uma Banda de Moebius, ou lemniscate, onde n˜ao ´e poss´ıvel identificar o que interno

e o que ´e externo (Laban 1976, p. 98)15.

Entre seus seguidores destaquemos Irmgard Bartenieff, que ajudou a sistematizar e divulgar suas teorias, especialmente nos Estados Unidos, Lisa Ullmann, que editou e organizou muitos

11Laban usava o termo do alem˜ao Antrieb, que em inglˆes assumiu a forma Effort. Nas traduc¸˜oes para o

por-tuguˆes resultou em Esforc¸o (Laban 1990; Laban 1998), bem com em livros sobre o Sistema Laban/Bartenieff em portuguˆes (Miranda 2008a; Miranda 1979, p. 20). Entretanto a palavra n˜ao parece ser a mais adequada para o termo labaniano, j´a que em portuguˆes poderia conotar algo que demandaria “todas as forc¸as”, algo forc¸oso. O termo Ex-pressividade parece dar conta melhor do significado, tem sido usado com freq¨uˆencia na literatura (Fernandes 2002; Fernandes 2006; Valle 2005) e ´e o que doravante usaremos.

12Ver sec¸˜ao 1.2.2, p´ag. 13.

13Para maiores detalhes sobre a Harmonia Espacial ver o item 1.2.2.1, p´ag. 13.

14Ver item 1.2.3, p´ag. 25.

15Veja-se por exemplo o trecho de Miranda: “a fita de Moebius, uma figura topol´ogica que se tornou bastante

representativa das inter-relac¸˜oes entre conceitos em Laban/Bartenieff (...) opera deslizando sentidos e anulando oposic¸˜oes entre o verso e reverso, instiga o olhar para as regi˜oes do entre e para a instabilidade de afirmac¸˜oes” (Miranda 2008a, p. 58 - grifo original).

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de seus escritos na Inglaterra, Maria Duschenes, que trouxe suas id´eias para o Brasil, entre muitos outros.

1.2.2 As categorias de An´alise do Movimento

O Sistema Laban/Bartenieff decomp˜oe o movimento humano em quatro categorias didatica-mente distintas, mas conceitualdidatica-mente relacionadas: Espac¸o (Harmonia Espacial),

Expressivi-dade (Esforc¸o), Forma e Corpo16. A uni˜ao de todas essas categorias e as poss´ıveis afinidades

decorrentes dessa combinac¸˜ao s˜ao atribuic¸˜oes da Corˆeutica. Descreveremos a seguir as catego-rias em ordem cronol´ogica do seu aparecimento no Sistema e, em seguida, a Corˆeutica:

1.2.2.1 Harmonia Espacial: a categoria Espac¸o

Com o seu interesse nas artes voltado inicialmente para a arquitetura (Preston-Dunlop 1994), Laban comec¸ou suas teorias por buscar uma “arquitetura” do corpo em movimento. Para isso lanc¸ou m˜ao da geometria euclidiana para estabelecer o que ele chamava “harmonia” do corpo em movimento. O conceito de cinesfera estabelece uma noc¸˜ao sobre o qual as outras podem ser desdobrados. Vejamos a definic¸˜ao do pr´oprio Laban:

The kinesphere is the sphere around the body whose periphery can be reached by easily extended limbs without stepping away from that place which is the point of support when standing on one foot, which we shall call the “stance”. (...) Outside the kinesphere lies the rest of space, which can be approached only by stepping away from the stance. When we move out of the limits of our original kinesphere

we create a new stance, and transport the kinesphere to a new place17 (Laban 1976,

p. 10 - traduc¸˜ao nossa).

Assim o corpo em movimento pode assumir diversos alcances na sua cinesfera. Em LMA, movimentos em alcance pr´oximo est˜ao em Cinesfera Pequena, ou Proximal, alcances medianos

16Em inglˆes ´e comumente utilizada a sigla BESS (Body, Effort, Space e Shape).

17 “A cinesfera ´e a esfera ao redor do corpo na qual a periferia pode ser alcanc¸ada facilmente extendendo os

membros sem se deslocar do lugar que ´e o ponto de suporte quando estamos sobre um p´e, que n´os podemos chamar “posic¸˜ao”. (...) Do lado de fora da cinesfera est´a o resto do espac¸o, que pode ser alcanc¸ado apenas nos deslocando da nossa posic¸˜ao. Quando nos movemos para al´em dos limites da nossa cinesfera original n´os criamos uma nova posic¸˜ao, e transportamos a cinesfera para um novo lugar”.

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em Cinesfera M´edia, ou Medial, e alcances distantes em Cinesfera Distante, ou Distal (Ver Figura 1.1).

Figura 1.1: Cinesfera

Para estabelecer um conjunto de relac¸˜oes espaciais ao redor do corpo, Laban leva em conta trˆes Padr˜oes Axiais (Ver Figura 1.2), que podem ser tomados como referˆencia (j´a que o espac¸o ´e relativo). A Cruz Axial Padr˜ao ´e a que leva em conta a pessoa que se move. Ent˜ao quando eu me viro levo comigo a minha frente, j´a que nesse padr˜ao a frente ser´a sempre a de quem ´e tomado como referˆencia. A Cruz Axial do Corpo leva em conta o corpo independente do espac¸o. Ent˜ao embaixo dos meus p´es ser´a sempre abaixo (mesmo de pernas pra cima), as costas sempre atr´as, e assim por diante. J´a a Cruz Axial Constante leva em conta o espac¸o do local. Ent˜ao o teto ´e

sempre acima, o ch˜ao ´e sempre abaixo e assim por diante18.

Figura 1.2: Cruzes Axiais - Padr˜ao, do Corpo e Constante

Para uma an´alise dos padr˜oes espaciais do corpo, Laban usa cinco poliedros regulares como formas cristalinas assumidas pela cinesfera. S˜ao eles o tetraedro, o octaedro, o cubo, o icosae-dro e o dodecaeicosae-dro (Laban 1976; Fernandes 2006, p. 103-5 e p. 190, respectivamente). Va-mos realizar a seguir uma breve exposic¸˜ao sobre o octaedro, o cubo e o icosaedro (formas cristalinas que possuem escalas espaciais). Roga-se ao leitor que procure um aprofundamento maior (inclusive sobre o tetraedro e o dodecaedro, formas que n˜ao possuem escalas) consultar o Guidebook to Choreutics (Laban 1976) e o cap´ıtulo A Arquitetura de Espac¸os em Movimento (Fernandes 2006, p. 177-239), j´a que tal empresa foge ao escopo desse trabalho.

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O octaedro (figura 1.3) ´e o pol´ıgono formado pela junc¸˜ao dos seis pontos extremos das trˆes dimens˜oes espaciais, vertical (cima/baixo), horizontal (direita/esquerda) e sagital (frente/tr´as). No bal´e os movimentos tendem a obedecer `as seis direc¸˜oes do octaedro (ver figura 1.4, onde s˜ao apresentados os s´ımbolos para o centro e as seis direc¸˜oes do octaedro). Para Laban o bailarino deveria ser capaz de extrapolar essas seis direc¸˜oes, a partir do treinamento com as diversas

escalas espaciais19.

Figura 1.3: Octaedro

Figura 1.4: Direc¸˜oes relacionadas ao Octaedro

A Escala Dimensional (figura 1.5) ´e a combinac¸˜ao sequencial dos seis pontos do octaedro, representando as trˆes dimens˜oes e suas seis direc¸˜oes (Fernandes 2006, p. 198). Note-se que

sempre h´a um retorno ao centro antes de se iniciar o deslocamento em uma nova direc¸˜ao20.

Figura 1.5: Escala Dimensional iniciada pelo brac¸o esquerdo

19Como veremos na sec¸˜ao 1.2.5, Brooks sugere que as escalas de Laban podem assumir o mesmo papel que as

escalas e suas digitac¸˜oes espec´ıficas assumem para o treinamento de um instrumentista em m´usica (Brooks 1993).

20A lateralidade da escala (direita ou esquerda) pode ser invertida conforme a parte do corpo que a executa. A

escala sempre deve ser executada inicialmente pelo lado cruzado do corpo, assim, se tomarmos o brac¸o esquerdo como referˆencia, o lado direito ser´a o primeiro (como representado na figura 1.5), e vice-versa. Para maiores detalhes sobre a lateralidade das escalas ver “Bodily Perspective” (Laban 1976, p. 83).

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O cubo (figura 1.6) ´e uma figura de seis lados e oito pontas, portanto complementar ao oc-taedro, que possui oito lados e seis pontas (Fernandes 2006, p. 201), j´a que pode ser obtida somando-se as trˆes dimens˜oes deste. Se imaginamos um cubo ao redor do corpo teremos quatro dos seus cantos no alto, pr´oximo `a cabec¸a e quatro abaixo, pr´oximo aos p´es.

Figura 1.6: Cubo

A figura 1.7 ´e um exemplo extra´ıdo de Fernandes (2006, p. 202) e mostra a uni˜ao dos pontos que resultam em cada uma das oito quinas do cubo. Note que os pontos combinados trˆes a trˆes s˜ao extra´ıdos das direc¸˜oes espaciais do octaedro (cima-baixo, esquerda-direita, frente-tr´as, figura 1.4). A ligac¸˜ao de dois cantos opostos dentro do cubo (por exemplo, alto-direita-frente baixo-esquerda-tr´as) resulta em uma diagonal. Como existem ao todo oito quinas, conseq¨uen-temente, existem o cubo possui quatro diagonais. Por sua vez, a uni˜ao dos oito pontos das diagonais resulta na Escala Diagonal. Veja que essa escala n˜ao necessariamente deve voltar ao

centro ao trocar de diagonal, como ocorre com a dimensional (Fernandes 2006, p. 203)21.

Figura 1.7: Diagonais – exemplo no de Fernandes (2006, p. 202)

21Mais uma vez, a lateralidade da escala depende da parte do corpo que a executa. A escala diagonal comec¸a

sempre com o lado aberto do corpo. No caso da figura 1.8 o lado tomado como referˆencia foi o direito, por isso a primeira diagonal ´e alto-direita-frente. Maiores detalhes ver a clara descric¸˜ao da “escala diagonal com o brac¸o direito” (Fernandes 2006, p. 206).

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Figura 1.8: Escala Diagonal

O icosaedro (figura 1.9), segundo Laban, ´e a forma cristalina que mais se adequa ao movi-mento humano. ´E formado por vinte lados e doze v´ertices, resultantes da combinac¸˜ao dos trˆes

planos (vertical, horizontal e sagital - 3x4=12)22. ´E a forma mais complexa na harmonia

espa-cial, sendo a ´unica que possui mais de uma escala. Ao todo temos nele pelo menos doze escalas

diferentes23. Citaremos duas dessas escalas que foram as mais utilizadas na obra Noite.

Figura 1.9: Icosaedro

Figura 1.10: Escala Axial desviando da Diagonal 1 com brac¸o direito

A figura 1.10 mostra a Escala Axial desviando da Diagonal 1 (Ver Figura 1.7). Essa escala ´e complementar `a Escala Circular ao redor da Diagonal 1 (Figura 1.11). A escolha dessas escalas tem uma motivac¸˜ao po´etica que ser´a explicitada em momento oportuno (ver sec¸˜ao 2.1). Por

22Cada plano ´e resultante da intersecc¸˜ao de duas dimens˜oes. Por exemplo o plano vertical - porta - ´e a somat´oria

das dimens˜oes vertical e horizontal, portanto, n˜ao possui profundidade. Os outros planos s˜ao horizontal - mesa -, dimens˜oes horizontal mais sagital; e sagital - roda -, dimens˜oes sagital mais vertical. Cada plano possui os seus dois diˆametros, relacionados `as diagonais do cubo, agora achatadas em duas dimens˜oes. Para maiores detalhes ver “O Icosaedro (e seus trˆes planos)” (Fernandes 2006, p. 209).

23S˜ao elas: B Esquerda, B Direita, A Esquerda, A Direita, as quatro Axiais, as quatro Circulares, al´em dos An´eis

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agora esclarec¸amos apenas que as duas escalas est˜ao relacionadas pela Diagonal 1, realizando

a tripla relac¸˜ao diagonal, axial, circular24.

Figura 1.11: Escala Circular ao redor da Diagonal 1 com brac¸o direito

1.2.2.2 Eucin´etica: a Categoria Expressividade

A Categoria Expressividade est´a ligada aos aspectos qualitativos do movimento. ´E o “como” do nosso movimento, as suas qualidades dinˆamicas. “Configura (...) o territ´orio das intensidades e ritmos dinˆamicos e como eles se inscrevem nas frases de movimento” (Miranda 2008a, p. 20). Dentro dessa Categoria, podemos analisar um movimento de acordo com quatro fatores: fluxo,

espac¸o, peso e tempo25. Cada um desses fatores ´e dividido em duas qualidades conceitual e

hipoteticamente opostas, dois p´olos relacionados como as superf´ıcies de uma Fita de Moebius,

podendo haver nuances infinitesimais entre eles26. A figura 1.12 mostra a representac¸˜ao gr´afica

da Categoria Expressividade atrav´es da Cruz dos Fatores.

Figura 1.12: A Cruz dos Fatores

Observe na figura 1.12 a ´unica linha inclinada, no centro da figura. Essa linha ´e chamada Trac¸o de Ac¸˜ao. ´E sobre ela que os s´ımbolos de Expressividade s˜ao escritos, de maneira que cada

24Mais detalhes vide “As Formas Cristalinas” (Fernandes 2006, p. 191).

25Al´em desses quatro fatores, a Expressividade tamb´em trata de aspectos tais como fraseados, ˆenfases e

Pr´e-Expressividade. Por quest˜oes metodol´ogicas nos deteremos nos fatores expressivos. Para maiores detalhes ver Fernandes (2006).

26Mais uma vez o Sistema apresenta uma tentativa de superac¸˜ao das dicotomias, nesse caso pela constante

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vez que ela aparece h´a uma variac¸˜ao da Expressividade. Note tamb´em que na representac¸˜ao gr´afica de cada fator veremos sempre o trac¸o de ac¸˜ao mais duas linhas em direc¸˜oes opostas, indicando as duas polaridades.

O fator fluxo determina a tens˜ao aplicada a cada movimento, tornando-o livre ou controlado. A figura 1.13 mostra a representac¸˜ao gr´afica do fator fluxo. “O fator fluxo relaciona-se com o ’como’ do movimento, o sentimento, a emoc¸˜ao e a fluidez ao realiz´a-lo. (...) Por ser subliminar aos demais - espac¸o, peso, tempo - n˜ao possui uma afinidade espacial espec´ıfica” (Fernandes 2006, p. 124).

Figura 1.13: Fator fluxo

O fator espac¸o (figura 1.14) n˜ao deve ser confundido com o que foi descrito em Harmonia

Es-pacial27. Aqui, o espac¸o est´a mais relacionado ao “foco”, `a atenc¸˜ao ao realizar um movimento,

por vezes relacionada com o olhar28. Se nos direcionamos a algum objeto diretamente, com

foco, realizamos um movimento direto, entretanto, se realizamos a mesma ac¸˜ao com diferentes focos simultˆaneos no espac¸o, ent˜ao realizamos um movimento indireto.

O fator espac¸o relaciona-se com o “onde” do movimento, o pensamento, a atenc¸˜ao ao realiz´a-lo. Em termos de afinidade espacial, o fator espac¸o associa-se `a Di-mens˜ao Horizontal, Direita e Esquerda. Isto porque tendemos a fechar com foco direto e abrir com foco indireto, ao longo dessa dimens˜ao (Fernandes 2006, p. 127).

Figura 1.14: Fator Espac¸o

27Ver sec¸˜ao 1.2.2.1.

(32)

O fator peso (figura 1.15) est´a relacionado `a forc¸a de um determinado movimento. Dessa forma, podemos ter uma ac¸˜ao ou gesto que seja leve (com pouca forc¸a) ou forte (com muita forc¸a).

O fator peso relaciona-se com o “O Quˆe” do movimento, a sensac¸˜ao, a intenc¸˜ao ao realiz´a-lo. Em termos de afinidade espacial, o fator peso associa-se `a Dimens˜ao Vertical, Alto e Baixo. Isto porque tendemos a descer com peso forte e subir com peso leve, ao longo desta dimens˜ao, que ´e tamb´em a da gravidade, respons´avel pela sensac¸˜ao de peso corporal (Fernandes 2006, p. 131).

Figura 1.15: Fator Peso

Finalmente, o fator tempo (figura 1.16) est´a relacionado com a variac¸˜ao de velocidade em um determinado movimento. Assim podemos fazer uma ac¸˜ao acelerada, ou s´ubita; ou desacel-erada, ou sustentada. Por ´obvio, o fator tempo est´a relacionado ao “Quando” do movimento. Sua Dimens˜ao ´e a Sagital, j´a que, segundo Laban, naturalmente tendemos a ir `a frente em desacelerac¸˜ao e atr´as em acelerac¸˜ao.

Figura 1.16: Fator Tempo

Esses fatores podem ser combinados dois a dois, resultando no que Laban chamou “Estados Expressivos”; ou trˆes a trˆes, denominados “Impulsos Expressivos”.

S˜ao seis os Estados Expressivos, resultando cada um deles em quatro combinac¸˜oes entre os dois fatores envolvidos (1.17). O Estado On´ırico, por exemplo, resultado da combinac¸˜ao peso e fluxo, possui as variac¸˜oes leve-livre, forte-livre, leve-controlado e forte-controlado. Os seis

(33)

Estados s˜ao: Alerta ou Acordado (tempo e espac¸o), On´ırico (peso e fluxo), Remoto (fluxo e

espac¸o), Pr´oximo (peso e tempo), Est´avel (peso e espac¸o) e M´ovel (fluxo e tempo)29. Laban

define caracter´ısticas para esses Estados e os agrupa dois a dois, por complementac¸˜ao, como Acordado e On´ırico; Remoto e Pr´oximo; Est´avel e M´ovel (Laban 1998, p. 127-8).

Figura 1.17: Estados Expressivos

Existem dois tipos de Impulsos Expressivos, os Impulsos de Transformac¸˜ao (com o fa-tor fluxo) e os Impulsos de Ac¸˜ao ou Ac¸˜oes B´asicas de Expressividade (sem o fafa-tor fluxo). Os dois tipos resultam de combinac¸˜oes de trˆes fatores, com a diferenc¸a que os Impulsos de Transformac¸˜ao Incluem o fator fluxo.

Os Impulsos de Transformac¸˜ao (figura 1.18) possuem cada um com oito variac¸˜oes decor-rentes da combinac¸˜ao de suas qualidades intr´ınsecas. S˜ao eles: Apaixonado (peso, tempo, fluxo), M´agico (peso, fluxo, espac¸o) e Visual (tempo, fluxo, espac¸o) (Fernandes 2006, p. 148-51).

29Para um diagrama completo dos Estados com suas variac¸˜oes lado a lado ver “Corpo-Espac¸o”(Miranda 2008a,

p. 21-2). Para uma descric¸˜ao de cada um deles, bem como das principais caracter´ısticas dos Impulsos de Transformac¸˜ao “O movimento expressivo” (Miranda 1979, p. 39 e ss).

(34)

Figura 1.18: Impulsos de Transformac¸˜ao

Os Impulsos de Ac¸˜ao (figura 1.19), ou Ac¸˜oes B´asicas de Expressividade, (Laban 1990, p. 61) como resultado da combinac¸˜ao de peso, tempo e espac¸o, consistem em oito movimentos caracter´ısticos relacionados `a atividades do cotidiano. Essas oito ac¸˜oes correspondem, pelas

afinidades espaciais caracter´ısticas de cada qualidade, aos oito pontos da Escala Diagonal30.

Figura 1.19: Impulsos de Ac¸˜ao - Ac¸˜oes B´asicas de Expressividade

1.2.2.3 Modos de Mudanc¸a de Forma

Em LMA, os Modos de Mudanc¸a de Forma31, ou simplesmente Categoria Forma, tratam do

corpo em relacionamento com outros corpos, objetos, com o espac¸o ou apenas consigo mesmo, determinando certos padr˜oes de “mudanc¸a no volume do corpo em movimento” (Fernandes

30Por exemplo: a ac¸˜ao Flutuar possui as qualidades indireto (aberto), leve (alto) e desacelerado (frente). Por

associac¸˜ao das afinidades, tendo o lado direito do corpo como referˆencia, essa ac¸˜ao est´a no ponto direita-alto-frente.

(35)

2006, p. 159). Esses Modos de Mudanc¸a no Corpo podem ser com Forma Fluida, Forma Direcional (Linear ou Arcada) e Tridimensional. Assim como a Ac¸˜ao de Expressividade ´e marcada pela linha inclinada no centro da cruz, a Forma ´e marcada pelas duas linhas paralelas inclinadas, tamb´em no centro do diagrama, chamada Marca de Ac¸˜ao de Forma (Figura 1.20).

Figura 1.20: Forma

A Forma Fluida (figura 1.21) ´e introspectiva, no sentido de relac¸˜ao do corpo consigo mesmo, n˜ao se relacionando com o espac¸o, objetos ou pessoas. Essa forma n˜ao apresenta nenhuma intenc¸˜ao espacial ou preocupac¸˜ao externa ao contexto do pr´oprio corpo. Essa forma permite ao corpo, consigo mesmo, crescer, abrir e desdobrar; ou encolher, fechar e dobrar, conforme o

volume que o corpo assumir32.

Figura 1.21: Forma Fluida

A Forma Direcional (figura 1.22) ´e uma forma predominantemente bidimensional, que rela-ciona o corpo com o espac¸o. Conforme o percurso espacial que um movimento pode assumir, ele pode ter uma forma Direcional Linear ou Arcada, em cada uma das trˆes dimens˜oes.

Na Forma Tridimensional (figura 1.23) ou esculpindo (shaping) o corpo est´a em total relac¸˜ao com o meio, seja o espac¸o, objetos ou outros corpos. Essa forma ´e uma forma que privile-gia os movimentos de rotac¸˜ao, j´a que eles atuam nas trˆes dimens˜oes ao mesmo tempo. Essa

32Para outros s´ımbolos e um detalhamento maior sobre os Modos de Mudanc¸a de Forma, Relacionamento

e Formas Espec´ıficas criadas pelo corpo ver “A Plasticidade Corporal In-Forma o Relacionamento” (Fernandes 2006, p. 159-75).

(36)

Figura 1.22: Forma Direcional

forma tamb´em pode ter mudanc¸as de volume com ˆenfase vertical (ascendendo ou descendo), horizontal (fechando ou espalhando) ou sagital (avanc¸ando ou recuando).

Figura 1.23: Forma Tridimensional

1.2.2.4 Corpo

A Categoria Corpo (figura 1.24) foi a ´ultima a ser integrada na LMA e constitui uma colaborac¸˜ao de Imrgard Bartenieff, disc´ıpula de Laban. Essa categoria prop˜oe uma s´erie de Princ´ıpios de

Movimento33, os chamados Fundamentos Corporais Bartenieff34e a Imers˜ao Gesto/Postura35.

Figura 1.24: Corpo

Destaquemos aqui os Padr˜oes Neurol´ogicos B´asicos (PNB), que possibilitam a Organizac¸˜ao do Corpo consonante com os padr˜oes de desenvolvimento do corpo humano, indo do mais simples ao mais complexo (figura 1.25). As Organizac¸˜oes decorrentes desses padr˜oes s˜ao a

33Esses princ´ıpios s˜ao a respirac¸˜ao e as correntes de movimento, o suporte muscular interno, a dinˆamica

pos-tural, os padr˜oes neurol´ogicos b´asicos, as conex˜oes ´osseas, a transferˆencia de peso para locomoc¸˜ao, a iniciac¸˜ao e seq¨uenciamento de movimentos, a rotac¸˜ao gradual, a Expressividade para a conex˜ao corporal e a intenc¸˜ao espacial. Como o tema ´e demasiado complexo e n˜ao faz parte do escopo desse trabalho esgotar o assunto, mais uma vez roga-se ao leitor buscar a literatura espec´ıfica sobre o assunto (Fernandes 2006; Guest 1995, p. 51-117 e p. 102-25, respectivamente).

34Os Seis Fundamentos s˜ao uma proposic¸˜ao para uma abordagem do treinamento corporal a partir de princ´ıpios

de alinhamento e conex˜oes no corpo.

(37)

Respirac¸˜ao Celular, formas simples relacionadas ao encher, esvaziar; Irradiac¸˜ao Central, movi-mentos discretos que irradiam do umbigo; Espinhal, movimovi-mentos a partir da coluna; Hom´ologo, parte superior contra parte inferior do corpo; Homolateral, lado direito contra esquerdo e Con-tralateral, lado superior-direito contra esquerdo e superior-esquerdo contra inferior-direito (Fernandes 2006, p. 56 e ss.). Al´em dessa organizac¸˜ao, h´a a possibilidade de se grafar partes do corpo e ac¸˜oes corporais (Figura 1.26)

Figura 1.25: Organizac¸˜oes Corporais

1.2.3 A Corˆeutica

A Corˆeutica em LMA prop˜oe a uni˜ao das quatro Categorias a partir do que Laban chamou de Afinidades. As afinidades s˜ao tendˆencias de relac¸˜ao entre as Categorias em um dado movi-mento. A partir da Corˆeutica pode-se praticar as escalas de Laban experimentando as tendˆencias decorrentes de cada ponto no espac¸o. Essas afinidades podem ser treinadas de maneira a instru-mentaliz´a-las, mas isso n˜ao implica em uma obrigatoriedade de execuc¸˜ao dessas caracter´ısticas espec´ıficas. Assim, j´a que a arte move-se muitas vezes a partir das excec¸˜oes (parafraseando Schoenberg), muitas vezes podemos conscientemente contrapor as afinidades ora apresentadas em um contexto composicional, ou mesmo jogar com essa tens˜ao.

Cada movimento de cada escala apresenta uma orientac¸˜ao espacial, da qual pode ser

desdo-brada a Expressividade36; em relac¸˜ao com uma parte do corpo, da qual pressup˜oe um organizac¸˜ao

36Lembremos que: a dimens˜ao vertical apresenta afinidade com o peso, sendo alto relacionado ao leve e baixo

relacionado ao forte; a dimens˜ao horizontal apresenta afinidade com o espac¸o, sendo cruzado (em relac¸˜ao ao corpo) relacionado ao espac¸o direto e o aberto ao indireto; e a dimens˜ao sagital apresenta afinidade com o tempo, sendo a frente relacionada ao desacelerado e atr´as relacionada ao acelerado.

(38)

Figura 1.26: S´ımbolos para as partes do corpo

corporal37, com uma ˆenfase bi ou tridimensional38. Esse exerc´ıcio consiste em uma eficiente

forma de treinamento corporal, possibilitando a expans˜ao do repert´orio de movimentos, seja para danc¸a ou para tocar um instrumento musical.

A Escala Dimensional possui uma organizac¸˜ao corporal hom´ologa (decorrente do desloca-mento no plano vertical) e homolateral (decorrente dos outros deslocadesloca-mentos), apresenta as qualidades Expressivas hipoteticamente uma a uma (forte, leve, etc) e uma forma Direcional

ora Linear, ora Arcada39.

37As partes do corpo que se movem sugerem um padr˜ao de organizac¸˜ao espec´ıfico conforme o seus

desloca-mentos.

38A escala Dimensional est´a relacionada `a forma Direcional, j´a que esta possui apenas duas dimens˜oes. J´a as

escalas Diagonal e as do Icosaedro, como lidam com as trˆes dimens˜oes ao mesmo tempo, tem por natureza uma vocac¸˜ao para a forma Tridimensional. Lembremos que a forma Fluida n˜ao possui nenhuma ˆenfase espacial.

39Para maiores detalhes sobre as Afinidades dessa Escala ver o “Quadro de Afinidades nas Dimens˜oes do

(39)

J´a a Escala Diagonal apresenta a Organizac¸˜ao Corporal Contralateral (por ´obvio, j´a que no cubo h´a sempre a oposic¸˜ao dos pontos, como por exemplo direita-frente-cima para esquerda-tr´as-baixo) e a Forma Tridimensional (j´a que sempre estamos mobilizando as trˆes dimens˜oes ao mesmo tempo); sua Expressividade est´a relacionada com as Ac¸˜oes B´asicas de Expressivi-dade, j´a que os pontos s˜ao intersecc¸˜oes de trˆes dimens˜oes ao mesmo tempo (ver sec¸˜ao 1.2.2.2,

especialmente a figura 1.19, p. 22)40.

Finalmente, nas Escalas do Icosaedro a Organizac¸˜ao Corporal tende a ser Contralateral (tamb´em, pela oposic¸˜ao dos diˆametros dos planos), a Forma Tridimensional e a Expressivi-dade aparece combinada em Estados Expressivos, com as qualiExpressivi-dades expressas duas a duas, j´a que os planos s˜ao intersecc¸˜ao de duas dimens˜oes (ver sec¸˜ao 1.2.2.2, especialmente a figura

1.17)41.

1.2.4 Motif X Labanotac¸˜ao

Existem pelo menos duas possibilidades de notac¸˜ao de movimento propostas a partir das noc¸˜oes

abordadas por Laban. Uma delas ´e a Labanotation42que consiste em um tipo de descric¸˜ao

quan-titativa do movimento, abordando muitos dos seus aspectos de maneira objetiva e detalhada. A

outra possibilidade ´e a notac¸˜ao por Motifs, que s˜ao descric¸˜oes qualitativas do movimento43, que

notam apenas os seus aspectos mais importantes, deixando grande margem para interpretac¸˜ao e para improvisac¸˜ao de cada bailarino (Guest 1995; Fernandes 2006). Optamos por ora pela segunda estrat´egia de notac¸˜ao, em vista da natureza aberta que buscamos no nosso trabalho composicional e na pr´opria abordagem que aplicamos para a noc¸˜ao de sistema.

Precisamos destacar duas especificidades no tratamento que dispendemos aos motifs nesse trabalho. Primeiramente, foi necess´aria uma adaptac¸˜ao na escrita, j´a que essa pressup˜oe uma

40Para maiores detalhes sobre as Afinidades dessa Escala ver o “Quadro de Afinidades nas Diagonais do Cubo”

(Fernandes 2006, p. 251).

41Para maiores detalhes sobre as Afinidades dessa Escala ver o “Quadro de Afinidades nos Planos do Icosaedro

- Brac¸o Direito” e “Brac¸o Esquerdo” (Fernandes 2006, p. 253-4).

42A Labanotation ´e desenvolvida por centros como o Dance Notation Bureau de Nova Iorque e Ohio e, sem o

filtro de Bartenieff, o Centro Laban de Londres.

43A notac¸˜ao por motifs ´e desenvolvida em centros como o Laban/Bartenieff Institute of Movement Analysis

(40)

leitura vertical decorrente do fato de que o motif ´e escrito de baixo para cima. Como a partitura musical ´e lida da esquerda para a direita, no sentido horizontal, fizemos a sobreposic¸˜ao da escrita de movimento, levando em conta a verticalidade da escrita dos motifs . Por isso, quem ler a partitura musical ver´a a escrita dos motifs “deitada”, e quem ler os motifs ver´a a partitura

musical “de lado”44.

A segunda especificidade ´e que, como a durac¸˜ao temporal dos motifs ´e determinada pela proporcionalidade dos s´ımbolos (como na escrita proporcional em m´usica), tivemos que realizar um esforc¸o para que as durac¸˜oes temporais de m´usica e danc¸a pudessem ser correspondentes, j´a que a proporcionalidade n˜ao ´e um pressuposto para toda a escrita musical e os programas de editorac¸˜ao eletrˆonica n˜ao obedecem essa prerrogativa. Por isso, determinamos um tempo aproximado para cada sistema da partitura (entre 30 e 40 segundos) para que fosse garantida a proporcionalidade na escrita dos motifs .

1.2.5 Algumas assertivas sobre LMA e a m´usica

Algumas tentativas mais sistem´aticas vˆem sendo feitas na direc¸˜ao a uma inter-relac¸˜ao entre o Sistema Laban/Bartenieff e a m´usica. O pr´oprio Laban nos sugere algo nessa direc¸˜ao, quando afirma que

the parallel between the rhythm of music and dance is an accepted fact. The art of dancing has developed a conception of agogics which is founded on spatial ideas. (...) Between the harmonics components of music and those of dance there is not only an outward resemblance, but a structural congruity, which although hidden at first, can be developed and verified, point by point. A real counterpoint can be

developed in this way45 (Laban 1976, p. 122-3).

.

44Destaquemos que a notac¸˜ao de Fraseados Expressivos (Effort Motifs) ´e realizada horizontalmente. Entretanto,

ela n˜ao foi usada de maneira espec´ıfica na obra Noite. Para maiores detalhes sobre as quest˜oes de notac¸˜ao ver Fernandes (2006).

45 “o paralelo entre o ritmo da m´usica e da danc¸a ´e um fato aceito. A arte da danc¸a tem desenvolvido uma

concepc¸˜ao de ag´ogica que se baseia em id´eias espaciais. Entre os componentes harmˆonicos da m´usica e os da danc¸a existe n˜ao apenas uma semelhanc¸a externa, mas uma congruidade estrutural, que embora escondida `a primeira vista, pode ser desenvolvida e verificada, ponto a ponto. Um contraponto real pode ser desenvolvido nesse sentido”.

(41)

Laban expressava preocupac¸˜oes com a noc¸˜ao de equil´ıbrio (“sensac¸˜ao de equil´ıbrio que n´os podemos chamar harmonia” Laban 1976, p. 29) do corpo no espac¸o dinˆamico, em relac¸˜ao com as proporc¸˜oes entre os intervalos na corda pitag´orica, por exemplo (1/2=oitava, 2/3=quinta, etc), bem como das proporc¸˜oes entre unidades de tempo em um fluxo. Na Corˆeutica, Laban pon-dera que a danc¸a possui sete “cortes transversais” (cross-sections), que s˜ao na verdade as trˆes dimens˜oes do octaedro e as quatro diagonais do cubo 1.2.2.1. A essas sete “inclinac¸˜oes” o autor compara a escala maior da harmonia musical ocidental no temperamento igual (Laban 1976, p. 118). Avanc¸ando na quest˜ao, Laban prop˜oe que as intersecc¸˜oes entre os n´ıveis e diagonais

resul-tariam nos doze pontos do icosaedro46, e os compara `a escala crom´atica, sempre considerando o

temperamento igual. O autor sugere que, psicologicamente, existe um consider´avel paralelismo entre os modos maior e menor da harmonia tonal e as atitudes de ataque e defesa na danc¸a (Laban 1976, p. 122).

Alguns exerc´ıcios notados em pauta musical s˜ao propostos por Laban, estabelecendo defi-nic¸˜oes/ conceitos para tempo, ritmo, m´etrica e andamento (Laban 1998, p. 74-5), mostrando uma atitude em direc¸˜ao ao estabelecimento de relac¸˜oes sistem´aticas. Buscamos nesta pesquisa estabelecer esse contraponto entre as realidades de m´usica e danc¸a. Nos debruc¸amos na busca por aquilo que Laban chamou afinidades, planejando isso dentro do escopo de uma obra musi-cal. Uma outra afinidade a ser destacada, al´em desses componentes harmˆonicos e relac¸˜oes de tempo, ´e a tendˆencia de associac¸˜ao do peso forte (n´ıvel baixo) a sons graves (robustos) e, por

conseguinte, peso leve (n´ıvel alto) a sons agudos47.

A literatura encontrada sobre a relac¸˜ao entre a m´usica e a LMA ´e t˜ao pouco numerosa que podemos coment´a-la na sua totalidade nessa sec¸˜ao. As nossas primeiras fontes de con-sulta foram os Anais das Conferˆencias Laban Performing Arts (Kov´arov´a e Miranda 2006) e Laban 2008: artes cˆenicas e novos territ´orios (Miranda 2008b), bem como os resumos das comunicac¸˜oes apresentadas nas Conferˆencias Bienais da International Council of Kinetography

46Na verdade, nesse ponto, o autor cita o dodecaedro, mas com os pontos dos planos do icosaedro e as ligac¸˜oes

por ele chamadas “cadeia diaf´ormica” Laban 1976, p. 117.

Referências

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