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Daniel Laufer O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

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Academic year: 2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:

Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

Doutorado em Direito

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:

Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito sob a orientação do Prof. Dr. Guilherme de Souza Nucci.

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Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:

Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

Banca Examinadora

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Agradecimentos

Este trabalho não seria viável sem a intervenção de tantas e tantas pessoas que gentilmente me auxiliaram, me apoiaram, me suportaram e me acolheram. Estou ciente de que ao nominá-las corro o risco de esquecer alguns nomes, mas deixarei aqui anotado, desde já, o meu pedido de desculpas por eventuais falhas.

Agradeço às seguintes pessoas a gentileza, o apoio e a amizade: Daniel Montoya, José Planelles Gil, João Cláudio Mussi de Albuquerque, Gustavo Cestari Ravedutti, Enrico Batista da Luz, Luiz Henrique Costa Bonamin, Bruno Costa Bonamin, Fernando Pessôa Weiss, Guy Ubirajara Meyer, Cassio Luiz Wollman Meyer, Cheiene Meyer, Paulo André Lopes, Luciana Metzer Lopes, Miguel Angelo Fabro, Cristiano Solak, Fernanda Metzer Solak, Mauricio Cararo, Lidiane Cararo, Samuel Berger, Viviane Berger, Luiz Renato Brand, Hassan Annan, Cassiano Prado, Liguaru Espirito Santo Neto, Flavia Trevizan, Maria Francisca Accioly Fumagalli, Adriano Bretas, Juliana Colle Bretas, Guilherme Brenner Lucchesi, Tracy Reinaldet, Marlus H. Arns de Oliveira, Francisco Assis Monteiro Rocha Junior, Luiz Antonio Câmara, Décio Franco David, Bibiana Fontella, Camila Forigo, Gustavo Bitencourt, João Rafael de Oliveira, Augusto Assis, Alaor Leite, Heloisa Estellita, Edward Rocha de Carvalho, Paulo Busato, Alexandre Ramalho de Farias, Jacson Zilio, Marina Egydio de Carvalho, Sylvia Chaves Lima, aos amigos e colegas professores da PUCPR, bem como à Direção da Escola de Direito e ao Decanato da Escola de Direito.

Aos colegas do curso de doutorado da PUC-SP fica aqui meu registro de agradecimento e sincera admiração.

Agradeço igualmente:

Às minhas amigas Carla Domenico e Ana Lúcia Penón Gonçalves, por estarem ao meu lado, pela confiança e pela amizade.

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Aos amigos Benjamin Lins de Barros Lemos, Tiffany Lins de Barros Lemos, Érico Hack, Carolina Hack, Otávio Hack e Augusto Hack, pela irrestrita amizade, apoio e carinho.

Ao amigo Bernardo Strobel Guimarães, pelo companheirismo e irrestrito apoio.

Aos amigos Luis Felipe Echeverria Nasser, Lucas Dalmolin e Guilherme Luiz Meotti, por todo o incondicional apoio prestado a mim e aos clientes do escritório e por acreditarem em mim.

Aos professores Dirceu de Mello, Alessandra Greco e Waléria Garcelan Loma Garcia. Muito obrigado por compartilharem a experiência e o conhecimento.

Ao professor Dr. Tércio Sampaio Ferraz Junior, responsável por me fazer gostar ainda mais do Direito.

Às amigas e professoras, que muito admiro, Priscilla Placha Sá e Renata Ceschin Melfi de Macedo, e seus respectivos esposos, Jonathan Sá e Márcio Macedo, o meu muito obrigado, por tudo, sempre.

Ao amigo e professor Kleber Bez Birolo Candiotto, um mágico das ideias e um filósofo de mão-cheia, pelas palavras, críticas e sugestões num momento em que me encontrava num beco sem saída.

Aos professores Drs. Paulo Amador da Cunha Bueno e Gustavo Diniz Junqueira. As ponderações feitas na banca de qualificação foram de enorme valia para a conclusão e apresentação desta tese.

Ao Departamento de Direito Penal da Universidade de Salamanca, agradecimento este que faço na pessoa do Prof. Dr. Eduardo A. Fabian Caparrós, pela gentil e imediata acolhida e, em especial, por todo o acervo bibliográfico compartilhado.

Ao IBCCRIM por todo o apoio bibliográfico, agradecimento este que faço nas pessoas de suas talentosas e prestativas bibliotecárias.

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também a admirá-lo como um ser humano gentil e que só faz o bem a quem o cerca.

Para todos os familiares que tanto torceram por mim e me apoiaram, o que faço na pessoa do tio Jorge Brunetta.

Aos meus pais, sr. Irineu e sra. Geni, toda e qualquer palavra ou agradecimento sempre ficará por demais distante do justo e do adequado. Desde o meu nascimento até hoje nunca me deixaram faltar nada, de comida a carinho, de educação a amor, de atenção a caráter, muito embora isso tenha sido feito mediante inúmeros sacrifícios pessoais. Sorte, destino ou merecimento meu, pouco me importa. A verdade é que meu amor e minha gratidão por eles são irrestritos e incondicionais. Ao meu pai, um agradecimento adicional pela gentileza de revisar este trabalho.

Para a minha família querida, meu núcleo, meu ponto de apoio, minha base, minha fortaleza, Felipe, Flavia, Liz, Martina, Christian, Lorraine, Ivan, Maria, Eduardo, Vanessa, Luana e Marina. Perdoem-me a ausência, a falta de tato, de carinho e de tempo. Fica aqui o meu agradecimento por todo o apoio recebido durante o longo tempo dedicado à conclusão deste estudo.

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Resumo

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

O presente trabalho pretende realizar a releitura de aspectos típico-dogmáticos e de política criminal a partir da identificação da imparcialidade do servidor público a ser tutelado nos delitos de corrupção ativa e passiva, inclusive com propostas de alteração legislativa sobre o tema. A qualidade e a quantidade dos crimes praticados contra a administração pública em território brasileiro, notadamente a corrupção, acompanhados de legislação desatualizada, justificam sobremaneira esta investigação teórica. O estudo foi permeado pela análise das doutrinas brasileira e estrangeira, extraindo-se as consequências úteis à pesquisa que foi desenvolvida a partir da fixação de algumas premissas conceituais e da análise do momento atual da corrupção dentro e fora do Brasil. Em seguida foi estipulado o <<princípio da imparcialidade do servidor público>> como o bem jurídico a ser tutelado pelas figuras de suborno ativo e passivo. A partir daí foi possível não só criticar a legislação brasileira como também realizar uma releitura dos delitos previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal, inclusive apontando nova redação aos tipos penais, a partir de algumas constatações sobre a lei brasileira, tais como a indevida criminalização da corrupção passiva, a necessidade de manutenção do ato de ofício como elemento dos tipos de suborno e a desproporcionalidade das penas cominadas. Considerando, por fim, a atrofia da política criminal brasileira direcionada à corrupção, também foram analisadas as estruturas das medidas cautelares pessoais, das medidas cautelares reais, da colaboração premiada, da organização criminosa, dos crimes hediondos e do criminal

compliance, que, se devidamente aplicadas e interpretadas, podem reverter

em benefícios para a correta aplicação da norma penal sobre a corrupção.

Palavras-chave Direito penal Corrupção Suborno

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Abstract

Daniel Laufer

The Offense of Bribery: Criticisms and Proposals of Dogmatic Order and Criminal Policy

This present work intends to perform a new reading of typical-dogmatic aspects and criminal policy starting from the identification of public administrators impartiality to be protected in active and passive corruption offenses, including proposals for legislative alterations on the subject. The quality and quantity of crimes against the public administration in Brazil, notably corruption, accompanied by outdated legislation, greatly justify this theoretical investigation. The study was permeated by the analysis of Brazilian and foreign doctrines, extracting the consequences from it, useful to the research that has been developed from the establishment of some conceptual assumptions and analysis of the present situation of corruption within and outside Brazil. Following this, the <<imparciality principle concerning public administrators>> was stipulated as the legal right to be protected by active and passive bribery figures. From this point it was possible not only to criticize the Brazilian law but to reinterpret the offenses set forth in Articles 317 and 333 of the Penal Code, as well as pointing out a new vocabulary to criminal types, taking them from some observations on the Brazilian law, such as the improper criminalization of passive corruption, the need to maintain the official act as an element of bribery types and the disproportion of the stipulated penalties. As a final consideration, the atrophy of the Brazilian criminal politics aimed at the corruption, the structures of the personal precautionary measures were also analyzed, as well as those of real precautionary measures, of award-winning collaborations, of criminal organizations of heinous crimes and criminal compliance, which, if properly applied and interpreted, could benefit to the correct application of the criminal law on corruption.

Keywords Criminal law Corruption Bribery

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Sumário

Agradecimentos ... v

Resumo ... viii

Abstract ... ix

INTRODUÇÃO. ... 1

1. MOMENTO ATUAL. CONCEITO. TRATADOS INTERNACIONAIS. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO. ... 5

1.1. O conceito de corrupção. ... 5

1.1.1. O conceito léxico-semântico. ... 6

1.1.2. O conceito doutrinário. ... 7

1.1.3. Tomada de posição. ... 10

1.2. Breve histórico da corrupção, com ênfase ao Brasil. ... 11

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual. ... 18

1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância para a corrupção. ... 19

1.3.2. Alguns aspectos de crise do Estado atual. ... 27

1.3.3. O enfrentamento global da corrupção. Por que agora? ... 31

1.3.4. Tratados internacionais. ... 38

1.4. As apontadas como principais causas e consequências da corrupção. .... 49

1.4.1. Causas. ... 49

1.4.1.1. Especial referência ao Estado Brasileiro. ... 56

1.4.2. Consequências. ... 61

1.5. A corrupção e o delito de corrupção. O recorte necessário à analise do tema. ... 66

2. OS TIPOS PENAIS DE CORRUPÇÃO EM SENTIDO ESTRITO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL. ... 72

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2.2. Legitimidade da tutela penal. O bem jurídico tutelado nos delitos de

corrupção em sentido estrito. ... 76

2.2.1. Premissas. ... 76

2.2.2. O bem jurídico tutelado por meio do delito de suborno. ... 79

2.3. Posicionamento. ... 91

3. A ESTRUTURAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA NO DIREITO BRASILEIRO. ... 96

3.1. A estrutura típica dos delitos de corrupção ativa e passiva... 96

3.1.1. O aspecto real e o aspecto jurídico dos delitos de corrupção ativa e passiva. ... 97

3.1.2. A ausência de obrigatória bilateralidade entre os delitos de corrupção ativa e passiva. ... 99

3.1.3. A possível bilateralidade de algumas condutas. ...102

3.2. Tomada de posição. As consequências do modelo unilateral adotado pelo direito brasileiro. ...104

3.2.1. Tipos penais independentes. ...104

3.2.2. Atipicidade da conduta de dar ou entregar a vantagem indevida solicitada pelo funcionário público. ...105

3.2.3. Ato de ofício como elemento típico apenas está presente na corrupção ativa. ...109

3.2.4. A exigência normativa do ato de ofício para a conformação do tipo penal de corrupção passiva. ...113

3.2.4.1. Posicionamentos favoráveis à exigência. ...113

3.2.4.2. Posicionamentos contrários à exigência...119

3.2.5. Conclusões críticas ao inadequado modelo brasileiro e considerações sobre eventual inovação normativa. ...123

3.2.5.1. Conclusões críticas...123

(12)

3.3. O ato de ofício como elemento dos tipos penais de corrupção. ...142

3.3.1. Conceito. ...142

3.3.2. O grau de determinação do ato de ofício. ...152

3.4. As modalidades de corrupção ativa e passiva no direito penal brasileiro. Condutas típicas e possíveis lacunas de punibilidade. ...154

3.5. O sujeito ativo nos delitos de corrupção ativa e passiva. Especial atenção ao conceito de funcionário público. ...158

3.6. A vantagem indevida como elemento dos tipos penais de corrupção ativa e passiva. ...171

3.6.1. Conceito e tomada de posição...171

3.7. As penas cominadas aos delitos de corrupção ativa e passiva. Natureza e quantidades...181

4. MEDIDAS DE POLÍTICA CRIMINAL PARA O ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ... 195 4.1. As medidas cautelares pessoais. ...195

4.2. As medidas cautelares reais. ...212

4.3. Delação premiada e o desvelamento do lado oculto da corrupção. Possibilidades. Experiências do direito comparado. ...226

4.4. Organização criminosa e corrupção. ...241

4.5. Propostas de alteração legislativa: corrupção ativa e passiva como crime hediondo. ...255

4.6. Os programas de cumprimento de normas ou compliance. O rendimento desta categoria para os delitos de corrupção em sentido estrito. ...262

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INTRODUÇÃO.

O presente trabalho visa a releitura de aspectos típico-dogmáticos e de política criminal a partir da identificação da imparcialidade do servidor público como o bem jurídico a ser tutelado nos delitos de corrupção ativa e passiva, inclusive com propostas de alteração legislativa.

Para que o objetivo do trabalho pudesse ser atingido, foram abordados alguns aspectos conceituais no primeiro capítulo, justamente para tornar viável o desiderato proposto. Assim, foram apresentadas algumas definições e conceituações de corrupção, basicamente a partir da identificação dos conceitos léxico-semântico e dogmático para, ao final, ser apresentado um posicionamento a respeito que possibilitasse uma separação entre conceitos de corrupção em sentido amplo e em sentido estrito e, sobre este, se construiu o presente trabalho.

Também no capítulo primeiro foi realizado um breve histórico da corrupção, com ênfase na história brasileira para, num segundo momento, ser percorrida a discussão do assunto no atual contexto mundial. A apresentação da envergadura que a corrupção assumiu na agenda mundial, o que também redunda em analisar o motivo deste protagonismo, forçou investigar a concepção de Estado, os aspectos da atual crise do Estado e, também, os tratados internacionais incidentes sobre o tema. O caminho trilhado, no capítulo inicial, igualmente analisou as principais causas e consequências do atuar corruptivo para, ao final, realizar um recorte de modo a separar a corrupção como fenômeno (não obrigatoriamente penal) do delito de corrupção (este sim, penal).

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formatação das dimensões formal e material da norma penal. Por último, uma vez analisados os principais posicionamentos a respeito do bem jurídico protegido pela norma penal em casos de corrupção ativa e passiva, foi possível estabelecer uma tomada de posição que figurasse como vetor principal na reanálise da legislação penal e processual penal brasileiras direcionada à corrupção em sentido estrito.

O terceiro capítulo se dedica à promoção das análises dogmática e normativa dos tipos penais presentes nos artigos 317 e 333 do Código Penal brasileiro. Para tanto, se iniciou pela descrição da estrutura típica dos delitos de corrupção ativa e passiva, pelos aspectos real e jurídico dessas estruturas, que tornou obrigatória a perquirição de eventual bilateralidade obrigatória sobre as estruturas típicas.

A partir disso passou-se a confeccionar a leitura dos delitos que se pretende correta, a partir da identificação de uma estrutura equivocada, mas presente na legislação brasileira, denominada <<unilateralidade absoluta independente>> bem como as decorrências desta estrutura que, entre outras, incide frontalmente sobre o ato de ofício como elemento integrante (ou não) dos crimes em análise.

No mesmo capítulo foi ainda conceituado o ato de ofício e a real e concreta determinação deste para uma adequada interpretação das figuras penais. Ainda a partir do prisma do bem jurídico identificado no capítulo segundo, o capítulo terceiro tratou de demonstrar as condutas típicas e eventuais lacunas de punibilidade no direito brasileiro, permear uma acepção segura do sujeito ativo do delito de corrupção passiva (funcionário público) bem como lançar olhos tanto no veículo financeiro motivador dos crimes de corrupção (vantagem indevida) como nas respostas penais oferecidas pela legislação brasileira.

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Como leitura integral do sistema penal repressivo que recebe do bem jurídico <<imparcialidade do servidor público>> ao mesmo tempo seu objetivo e limite nas categorias processuais e político-criminais, foram analisadas as medidas cautelares pessoais, as medidas cautelares reais, a delação premiada, a organização criminosa (conceito e crime associativo), as propostas de tornar a corrupção ativa e passiva crimes hediondos e, por fim, os programas de compliance e sua capacidade de rendimento ao fenômeno da corrupção.

No primeiro subitem (4.1.) foi perpassada a categoria das medidas cautelares pessoais, com notória ênfase na prisão preventiva. Há a necessidade de retirar a atrofia inerente à parte das decisões jurisprudenciais que insistem em ver na segregação da liberdade do acusado uma arma de verdadeiro “combate” à corrupção. Pretendeu-se fixar limites para essa prática, sempre em busca de, analisado o bem jurídico a ser tutelado, reservar a limitação da liberdade a critérios mais seguros e concretos.

Não há como traçar a política criminal em desfavor da corrupção sem a utilização de medidas assecuratórias de natureza processual-real, ou seja, medidas cautelares que busquem a garantia de o responsável pelos atos de corrupção responder efetivamente, uma vez apenado, com medidas que o limitem e o atinjam patrimonialmente, seja em seu caráter reparador-indenizatório ao Estado e a demais intervenientes lesados, seja em seu caráter material-sancionador, tendo sido tais medidas reais tratadas no subitem 4.2.

A colaboração premiada, descrita no subitem 4.3., surge atualmente como importante ferramenta utilizada pelas agências repressoras, em especial pela capacidade de desvelar as ocorrências de corrupção, geralmente sigilosas. Buscou-se apontar a realidade das normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema bem como traçar alguns filtros para a sua correta aplicação, almejando com isso que a eficiência não dê lugar ao arbítrio, este já certamente verificado pelos operadores do Direito, obviamente em situações pontuais.

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que as Convenções da ONU de Palermo e de Mérida cuidaram, cada uma a sua maneira, de ambos os assuntos, inclusive conjuntamente. O enfretamento político criminal nesta matéria, como também em outras que tangenciam a corrupção, é precipuamente preventivo e faz o Estado antecipar suas barreiras de criminalização. Os delitos associativos, dentre os quais o delito de pertencer a uma organização criminosa, bem apontam para esta política criminal. O objetivo foi, porém, demonstrar que existem limites a serem ponderados neste emprego de métodos preventivos, limites estes que podem ser encontrados no objeto de tutela dos delitos associativos e na quantidade e qualidade da repressão penal empregada.

Como há tentativa legislativa em curso para tornar hediondos os delitos de corrupção ativa e passiva, o subitem 4.5. tratou de demonstrar a incoerência de tal proposta, haja vista se tratar de claro intento simbólico e de emergência penal, que nada trará de concreto ao tema a não ser a falsa noção de tutela adequada. Procurou-se evidenciar que a crise de legalidade incidente no Estado brasileiro não pode e nem deve proporcionar reformas legislativas que, além da repressão desmedida e inconsequente, não fazem mais do que confirmar a incapacidade de o Estado administrar a coisa pública e diminuir as ocorrências de corrupção a níveis satisfatórios sem que, para isso, tenha que recorrer obrigatoriamente ao recrudescimento das sanções de natureza criminal.

Por fim, o subitem 4.6. apresentou os programas de cumprimento, popularmente difundidos como compliance ou criminal

compliance, em especial o cunho preventivo destes e o consequente

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1. MOMENTO ATUAL. CONCEITO. TRATADOS INTERNACIONAIS. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO.

1.1. O conceito de corrupção.

Afirmar que o conceito de corrupção é polissêmico, poliédrico1 ou multifacetado2 é, para além de um lugar comum, um fato irretorquível. Contudo, não há como se desobrigar de seu enfrentamento, quanto mais se considerado o objetivo deste trabalho. Como era de se esperar, diante destas características, um conceito unívoco e consensual daquilo que se compreende por corrupção é tido por diversos estudiosos como inexistente.3 Aplica-se à corrupção à analogia do elefante: difícil de definir e, ao mesmo tempo, fácil de identificar quando se depara com um.4

Para os cidadãos brasileiros, talvez, a definição seja ainda mais difícil, uma vez que o Código Penal traz o tema corrupção encampado

1 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho

penal: nuevos perfiles, nuevas respuestas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 81. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov/dez 2009. p. 9.

2 Aduz Fernando FILGUEIRAS que “múltiplas práticas sociais e políticas podem ser

nomeadas como corrupção, de modo que o conceito se apresenta de forma árida aos instrumentais da ciência política e da sociologia.” FILGUEIRAS, Fernando. Comunicação política e Corrupção. In: Revista de Estudos Comunitários, Curitiba, v. 9, n. 19, maio/agosto de 2008. p. 78, ao que se pode incluir que o campo árido também se espraia para a ciência jurídica. Tal como FILGUEIRAS, vide ELLIOTT, Kimberly Ann. A corrupção como um problema de legislação internacional: recapitulação e recomendações. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (org.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002; VELASCO, Roberto. Las cloacas de la economía. Madrid: Catarata, 2012. p. 27; LASCANO, Carlos J. Funcionarios públicos corruptos, empresarios corruptores y derecho penal. In: La corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Cidade do México: Coyoacán, 2007. p. 95.

3 SCHILLING, Flávia. Corrupção: ilegalidade intolerável?: comissões parlamentares de

inquérito e a luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). São Paulo: IBCCrim, 1999. p. 44; GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción y justicia democrática. Madrid: Clamores, 2000. p. 93; CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción en la contratación pública en Europa. Salamanca: Ratio Legis, 2009. p. 27, sendo que para este último o problema da definição da corrupção não se assenta em teorias incorretas, mas sim em razão de que cada teoria que se propõe a debater tal conceito parte de um pressuposto básico distinto (ora o mercado, ora o abuso de poder, ora a obtenção de um benefício extraposicional). CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción ..., p. 30; MILESKI, Helio Saul. O Estado contemporâneo e a corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 344 e 345, 359.

4 Cf. ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas y consecuencias de la

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sobre as vertentes de suborno e perversão.5 Inclusive, o fenômeno corrupção pode ser confundido e até resumido ao tipo penal de corrupção, seja ela ativa ou passiva (artigos 333 e 317 do Código Penal, respectivamente), providência esta que não está amparada por correção técnica, semântica ou dogmática.

1.1.1. O conceito léxico-semântico.

Nada obstante, pode-se partir inicialmente de um ponto de vista meramente semântico.

Deste modo, é fato que a palavra corrupção advém do termo latino rumpere6, que significa quebrar, romper, o rompimento de um estado de coisas que se encontrava, até então, correto.

Na mesma toada afirma José María SIMONETTI:

“Para nosotros, el término “corrupción” procedería, en cambio, de corrumpere. Esta es una composición lingüística que, aunque suena parecido, se ha desarrollado a partir de la partícula cum y otra forma verbal latina: el verbo rumpo, rumpis, rumpere, rupsi, ruptum, que literalmente significa romper. (...) Por esa doble estructura, la expresión corromper siempre reconoce la presencia de dos partícipes en el acto, que se corresponden con dos espacios o esferas; el corruptor y el corrupto; la fuerza que corrompe y aquella cosa, persona o proceso sobre el que recae y que, en definitiva, es lo que se echa a perder, se pudre, se corrompe.”7

Esta noção semântica da palavra pressupõe, segundo SCHILING, a existência de determinada natureza que seria retirada, roubada ou desviada de sua própria finalidade.

Assim, segundo a autora:

“Esta ideia supõe a existência de uma natureza que é arrebatada, retirada, roubada, desviada, transferida de seu próprio fim. Corromper é, desta forma,

5 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes de corrupção. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 38. Tanto é

assim que o termo corrupção é trazido no Código Penal para a definição de crimes contra a administração pública (v.g., corrupção passiva, art. 317 do Código Penal), de crimes contra a dignidade sexual (v.g. corrupção de menores, art. 218 do Código Penal) e de crimes contra a saúde pública (v.g., corrupção de água potável e de produtos alimentícios, arts. 271 e 272 do Código Penal).

6 Neste sentido MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción. Aspectos éticos, económicos,

políticos y jurídicos. Barcelona: Gedisa, 2002. p. 22; CARTOLANO SCHIAFFINO, Mariano J. Aproximaciones a una teoría de la corrupción. In: Problemas actuales de derecho penal. Gustavo Balmaceda Hoyos (coordenador). Santiago: Ediciones Jurídicas de Santiago, 2007. p. 506.

7 SIMONETTI, José María. Notas sobre la corrupción. In: Pena y Estado. Corrupción. Año 1.

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desnaturalizar, desviar uma coisa do fim para o qual naturalmente tende. No aspecto individual, supõe-se uma natureza humana sendo desviada de seu curso. No aspecto social, supõe-se uma sociedade com normas claras, gerais e operantes, com as leis homogeneamente compreendidas e aceitas e com o ato corruptor vindo a degradar o estado das coisas. Esta definição imprime sua força nas mais diversas orientações analíticas da corrupção, sendo dominante em estudos que seguem uma vertente “tradicional” ou “legalista”.”8

A definição semântica de corrupção, muito embora dê um contexto para a discussão, não resolve por completo a questão em torno do conceito do termo corrupção.

1.1.2. O conceito doutrinário.

Dessarte, dentro de um grande universo de definições conceituais, há três que muito se aproximam sobre o que pode ser entendido por corrupção em sentido amplo. Trata-se das definições trazidas por Ernesto GARZÓN VALDÉS, por Jorge F. MALEM SEÑA e por Joaquín GONZÁLEZ.

Ernesto GARZÓN VALDÉS apresenta a corrupção como “la violación limitada de un obligación por parte de uno o más decisores con el objeto de obtener un beneficio personal extraposicional del agente que lo(s) soborna o a quien extorsiona(n) a cambio del otorgamiento de beneficios para el sobornante o el extorsionado que superan los costes del soborno o del

pago o servicio extorsionado.”9

Por sua vez, Jorge F. MALEM SEÑA concebe a corrupção como sendo os atos “que constituyen la violación, activa o pasiva, de un deber posicional o del incumplimiento de alguna función específica realizados en un marco de discreción con el objeto de obtener un beneficio extraposicional,

cualquiera sea su naturaleza.”10

Já Joaquín GONZÁLEZ define prática corrupta como “toda acción u omisión tendente a obtener una ventaja ilícita de cualquier naturaliza, ya sea para sí o para otro, llevada a cabo con violación de un

8 SCHILLING, Flávia. Corrupção ..., p. 45.

9 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto de corrupción. In: La corrupción. Virgilio Zapatero

(compilador). Cidade do México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 23.

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deber jurídico por quien se halla en una posición singular, y de la cual se

deriva un perjuicio efectivo para tercero o el riesgo de su producción.”11

A mera leitura dos conceitos acima não evidencia os pressupostos básicos da corrupção. Urgem, pois, algumas explicações posteriores, em especial sobre os fatores determinantes desta conceituação assim expostos: violação de um dever posicional, sistema normativo de referência, inexistência de correlação imediata com o Direito Penal, obtenção de benefício adicional ao já obtido pelo agente em sua posição e a existência de sigilo e discrição nas práticas corruptas.

Assim é que um ato de corrupção redunda na violação de um dever posicional, dever este retirado de uma especial posição ostentada por determinada pessoa. Tal violação pode ocorrer de forma ativa ou passiva e também entre agentes públicos e privados.12

Segundo GARZÓN VALDÉS os deveres posicionais se distinguem dos deveres tomados por naturais:

“4. Los deberes posicionales deben ser distinguidos de los llamados deberes naturales. Estos valen para todos y con respecto a todos los individuos, sin que importe el papel social que ellos desempeñen. De estos deberes se ocupa la “moral natural”. En cambio, aquéllos se adquieren a través de algún acto voluntario en virtud del cual alguien acepta asumir un papel dentro de un sistema normativo; su ámbito de validez está delimitado por las reglas que definen la posición respectiva. La moral que se ocupa de los deberes posicionales suele ser llamada “moral adquirida”.13

Em seguida é passível de se apontar que a corrupção demanda um sistema normativo que lhe sirva de referência.14 Textualmente MALEM SEÑA pontifica que “la noción de corrupción es parasitaria de un sistema

normativo.”15 E tal sistema – aqui considerado como “todo conjunto de regras

que – em cada caso concreto – regulam uma prática social”16, pode ser de

ordem ética, jurídica, econômica, desportiva ou política e, inclusive, tocar mais de uma destas ordens.

11 GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción …, p. 104.

12 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 32; GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción …, p.

103 e 104.

13 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 15.

14 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33; GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto

..., p. 14.

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A relação entre violação de um dever imposto por determinado sistema normativo referencial outorga a obrigatoriedade de vigência e observância de tal sistema normativo. A conclusão a que se chega sobre um determinado comportamento corrupto demanda, sem dúvida, a existência de um sistema normativo vigente e cujas regras sejam observadas pelas pessoas por ele atingidas. Do contrário, se as práticas corruptas se tornam a regra e não mais a exceção não se teria um sistema normativo apto a desnudar as práticas corruptas daquelas que não o sejam.17

De outro canto, a corrupção e os atos derivados dela nem sempre se associam a algum ilícito jurídico-penal.18 A escolha de quais atos de corrupção serão tomados como delitos em sentido estrito, como infrações administrativas ou até como atos lícitos do ponto de vista jurídico é, como se sabe, privativa do legislador.19

O acima denominado benefício extraposicional, ou seja, um benefício adicional à posição ostentada por determinado agente público ou privado, se apresenta como a quarta característica ínsita ao conceito de corrupção. Grosso modo pode-se afirmar que os atos de corrupção estão vinculados à obtenção de tal benefício, o qual, se por um lado em regra de natureza econômica, também poderá ser de índole política, sexual, profissional, moral, entre outras.20

Neste pormenor reside um aspecto relevante. Se o objetivo da prática corrupta envolve a obtenção de um benefício não programado e,

17 GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción y justicia ..., p. 95. Da mesma forma GARZÓN VALDÉS,

Ernesto. El concepto ..., p. 22 e 23.

18 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33. Em idêntico sentido, mas ressaltando o

caráter residual do direito penal, vide DÍAZ Y GARCIA CONLLEDO, Miguel. El derecho penal ante la corrupción política y administrativa. In: La corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Cidade do México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 118.

19 A exemplo do que ocorre nas distinções entre a lei de improbidade administrativa (Lei n.

8429/92) e as figuras típico-penais de corrupção presentes no Código Penal. Sobre a diferença entre a sanção administrativa e a sanção penal vide, em sentido obrigatório, OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 192 a 197. Sob a racionalidade das leis penais vide DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais: teoria e prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005 bem como AROCENA, Gustavo. La racionalidad de la actividad legislativa penal como mecanismo de contención del poder punitivo estatal. In: Política

criminal, Talca, n. 6, A 1-6, pp. 1-15, 2008, disponível em

www.politicacriminal.cl/n_06/a_1_6.pdf, acesso em 27 de outubro de 2014, às 23h05min.

20 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33; GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto

(22)

assim, adicional, o corrupto se encontra em um conflito de motivações e interesses, eis que “el corrupto suele desear conservar su posición en el sistema, ya que es ella la que permite obtener tanto la remuneración regular

como la ganancia adicional.”21

Por fim, a corrupção tende a desenvolver num marco de segredo, sigilo e discrição.22 Tal característica é um tanto óbvia ante a corrupção revelar o descumprimento de um dever – trazendo consigo o signo de deslealdade – isto é, a quebra de uma obrigação que poderá trazer consequências àquele que assim proceder.

1.1.3. Tomada de posição.

Ora, do ponto de vista de ocorrência fática ou fenômeno, a corrupção realmente se enquadra nas definições acima retratadas, mais especificamente com as seguintes características:

(i) o exercício do poder público em benefício próprio, desviando-o de suas finalidades, é tãdesviando-o antigdesviando-o quantdesviando-o a própria existência da sociedade23, de modo que são inúmeras as abordagens conceituais para a definição da corrupção;

(ii) o fenômeno da corrupção não resulta em plena identificação com figuras típicas do ponto de vista penal24; pelo contrário, não existe um delito de corrupção (muito embora exista problema25 de definição linguística na legislação brasileira a ser explicada mais a frente), mas sim no conceito amplo de corrupção se inserem condutas que, podendo ou não vulnerar

21 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 19. Adiciona o citado autor: “Dicho con

otras palabras: el problema práctico con el que se ve enfrentado el corrupto es el de cómo conciliar la existencia simultánea del sistema normativo relevante y del subsistema de corrupción que tan provechoso le resulta.” El concepto ..., p. 20.

22 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 34.

23 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho

penal: …, p. 11.

24 Cf. CARTOLANO SCHIAFINO, Mariano. J. Aproximaciones …, p. 538.

25 Bem apontado também por SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>. Teoria e riforma

(23)

interesses penalmente protegidos26, acabam por desfigurar finalidades institucionais para que se privilegiem interesses particulares27;

(iii) isso posto, torna-se possível estipular a diferença entre corrupção como fenômeno social e normativo (corrupção lato sensu) e corrupção como delito; e, dentro do âmbito penal, os diversos delitos de corrupção, dentre eles os delitos de corrupção ativa e passiva (corrupção

strictu sensu);

(iv) a essência do conceito da corrupção lato sensu reside na conduta de determinada pessoa que, vinculada normativamente com interesses alheios, públicos ou privados, os descumpre em detrimento de interesses particulares, próprios ou de terceiros28.

1.2. Breve histórico da corrupção, com ênfase ao Brasil.

A corrupção é um traço distintivo das sociedades humanas ao

largo do tempo e do espaço, sendo muito numerosos os casos que

corroboram esta afirmação.”29 Esta afirmação de Roberto VELASCO resume

a certeza de que a corrupção acompanha o homem30 a tal ponto de poder se afirmar que a corrupção sempre infligiu a vida em sociedade, de modo que a análise historiográfica da corrupção daria azo a uma sede própria de investigação e discussão.

26 KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos de la corrupción punible el en Estado, la economía y la

sociedad. Los delitos de corrupción en el Código penal alemán. In: Política criminal, Talca, n. 3, A1, disponível em http://www.politicacriminal.cl/n_03/a_1_3.pdf, p. 2, acesso em 25 de novembro de 2015, às 00h33min.

27 QUERALT, Joan J. Reflexiones marginales sobre la corrupción. In: Revista Crítica Penal y

Poder, Observatorio del sistema penal y los derechos humanos, Barcelona, n. 02, 2012. p. 22.

28 Cf. CARTOLANO SCHIAFFINO, Mariano. J. Aproximaciones …, p. 537.

29 VELASCO, Roberto. Las cloacas …, p. 27. Tradução livre. No mesmo sentido COSTA,

António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção. Coimbra: Coimbra Editora, 1987. p. 05; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 3. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 469.

30 ACOSTA, Alberto. Prólogo a la obra Corrupción, corregida y aumentada de José María

(24)

Neste trabalho é despiciendo ir tão longe. Basta referenciar fatos, acontecimentos e momentos históricos primordiais (com destaque ao Brasil) – associados às normas penais então em vigor – para lançar-se uma das premissas deste trabalho, qual seja o motivo do porquê e do agora (item 2.3. infra) da corrupção bem como apoiar-se na história das “organizações institucionais, legislativas, judiciais, dentre outras, que se revelaram como fomentadoras de práticas corruptas no passado e, assim, vislumbrar linhas

orientativas para alterações da realidade presente.”31

Deste modo, a corrupção não ocupava espaço normativo no Código de Hamurabi, no Egito, nem tampouco para os hititas e para os hebreus.32 Já para os gregos, em que pese tenha ocorrido um tratamento jurídico mais acurado, tampouco a corrupção ocupava lugar de maior destaque. Menciona Edmundo OLIVEIRA:

“A partir da fase clássica, houve três tipos de delitos de funcionários contra a administração pública:

a) o peculato (Klopês); b) a corrupção (Dóron);

c) o abuso de autoridade (Ádikía).

Klopês é nome genérico dos crimes contra o patrimônio; Dóron significa dádiva e corresponde à corrupção de funcionário público, ativa ou passiva; Ádikía, em sentido genérico, é injustiça; no caso específico é o abuso de autoridade.

Esses nomes provinham da denominação conferida às ações populares (Graphè) concedidas aos cidadãos em cada caso. Graphè klopês, Graphè dóron, ádikía. Essas ações eram facultadas não propriamente como um direito subjetivo público, mas como arma de defesa da pólis (cidade, no sentido de Estado).

Mais tarde aparece um delito específico de corrupção dos juízes e a respectiva ação (graphè dekasmou). Dekasmós significa suborno.”33

Foi em Roma, mais precisamente na fase do Império34, que a corrupção obteve, nas palavras de Edmundo OLIVEIRA, “tratamento

31 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção na história do Brasil: reflexões sobre suas

origens no período colonial. In: Temas de Corrupção & Compliance. Alessandra Del Debbio, Bruno Carneiro Maeda e Carlos Henrique da Silva Ayres (coordenadores). São Paulo: Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 02.

32 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 05 a 15; LIVIANU, Roberto. Corrupção e direito penal.

Um diagnóstico da corrupção no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 34-36. Obrigatória é a menção à obra Subornos de NOONAN JR. John T. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 3 a 37, oportunidade em que faz a análise histórica do tema entre os anos de 3000 a.c. e 1000.d.c.

33 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 17 e 18.

(25)

exaustivo”.35 Ao combate do declínio dos costumes foram paulatinamente surgindo as leis contra a corrupção. O ponto de partida tinha a natureza de ação civil e não penal. Seriam os repetundae, e que tinham por objetivo oportunizar a repetição dos valores e bens apropriados pelos corruptos.36

Seguiram-se a Lei Calpurnia (L. Calpurnio Pisão), a Lex Acilia (C. Gracchus) e a Lex Servilia (C. Servilius Glaucia). Contudo, “só na época imperial o crimen repetundarum ganhou verdadeira natureza pública, ocasionando a aplicação de autênticas sanções penais, como o banimento, a

confiscação do património ou a pena de morte.”37

Como características38 do sistema romano imperial de combate à corrupção pode-se destacar:

a) um espectro de punibilidade maior do que ao que hoje se entende por suborno, ou seja, abrangendo as figuras atualmente conhecidas por corrupção, concussão e até peculato;

b) o caráter preventivo daquele sistema, muitas vezes “recuando a punição para hipóteses onde se verificava o simples <<perigo>> de violação do bem jurídico em causa, ou estabelecendo presunções iure et de

iure no tocante à respectiva prova”;

c) uma autonomização do delito de concussão (concussio),

abrangendo casos de dádivas ou promessas de dádivas conseguidas

mediante intimidação ou abuso dos poderes conferidos pelo cargo”;

d) a ausência de uma definição clara – ao contrário do que ocorreu com a concussão – das condutas de corrupção, a qual “não surgia diferenciada no direito romano, antes se confundindo com a aceitação de

donativos globalmente considerada”;

e) a proibição de atividades lucrativas por parte dos funcionários diante da matriz preventiva adotada pelo aludido sistema.

A influência romana para os futuros regimes europeus foi notória39 e, a exemplo do preconizado por Antonio Manuel de Almeida

35 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 18.

36 Vide, neste sentido, OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 21 e 22; COSTA, António Manuel

de Almeida. Sobre o crime ..., p. 07.

37 COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 08 e 09. 38 Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 09 a 12.

(26)

COSTA, pode-se, ainda mais se considerado o breve escorço histórico aqui pretendido, analisar as ordenações portuguesas que diretamente incidiram nos fatos ocorridos no Brasil a partir do ano de 1500.

Não há dúvida de que o estudo jurídico-penal mais profundo sobre a história da corrupção no Brasil seja o desenvolvido por Sérgio HABIB em sua obra intitulada “Brasil: quinhentos anos de corrupção”.40 Muito embora realize, como o próprio subtítulo de sua obra indica (enfoque sócio-histórico-jurídico-penal), análises de outra ordem, o aspecto histórico é deveras bem apontado e desenvolvido, abarcando os estágios da história brasileira: Colônia, Império e República.

No Brasil-colônia a corrupção se associa, isto é, deriva das dificuldades que a Metrópole possuía em coordenar e administrar a colônia, seja pela forma de controle empregada, seja pelos motivos e objetivos da colonização, seja pela ausência de vinculação política, social e moral dos portugueses que vieram ao Brasil para desenvolver as atividades de colonização.41

As normas penais atinentes à corrupção durante o período colonial estavam contidas nas ordenações Filipinas42. Assim, regras existiam. Em que pese a existência de tais regras, de acordo com HABIB, tamanha era a avidez e o intuito de lucro fácil com que chegavam os portugueses a ocupar a colônia que as situações envolvendo a corrupção cresciam vertiginosamente.43

Alguns fatores sugestionavam a ocorrência da corrupção na etapa colonial. Veja-se.

Em primeiro lugar, a administração colonial realizada pelos portugueses, quanto mais se considerada o quão novo era o Estado

40 Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.

41 Neste sentido vide COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 07.

42 Regras que, no entender de COSTA, eram vagas: “Não se ignora o carácter vago que as

Ordenações, no presente contexto, as mais das vezes apresentavam, limitando-se a proibir, de forma genérica, a aceitação de vantagens. Afigura-se, contudo, possível detectar, para além dos casos em que surgia indiferenciadamente <<misturada>> com hipóteses de corrupção, disposições onde, fora de dúvida, se contemplava a concussão a título principal.” COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 18.

43 HABIB, Sérgio. Brasil: quinhentos anos de corrupção: enfoque

(27)

centralizado português44, tinha como característica a confusão e a complexidade.45

Em segundo lugar, na colônia prevalecia a ausência de regras claras para a definição de funções e competências dos administradores. Associe-se a isso, de igual forma, a vigência de uma legislação confusa e tumultuada tal como “as Ordenações Filipinas, de 1643, as cartas de leis, alvarás, cartas de provisões régias, acórdãos, assentos, além de parte da

legislação anterior às ordenações, que não foi revogada.”46

Como terceira característica do período colonial pode-se apontar a transmissão de funções estatais a determinados particulares, sendo estes obrigados a administrar e desenvolver as capitanias a partir de recursos próprios (privados), sem que, ao final, obtivessem direito de propriedade sobre aquelas.47

A quarta característica fica por conta da ausência de fiscalização e controle da metrópole sobre os atos promovidos pelos funcionários localizados na colônia. Tal fiscalização, quando exercida, estava sedimentada, nas palavras de Helena Regina Lobo da COSTA, sob “fundamentos paradoxais”: “por um lado, buscava-se estender o poder dos governadores, em razão das dificuldades práticas do controle absoluto de todas as decisões da Metrópole; por outro, limitava-se tal poder, para prevenir abusos e excessos, até porque a repressão a tais abusos era difícil de ser

realizada pela Metrópole.”48

Em quinto lugar, tem-se a inexistência de limites entre o público e o privado, em especial nas relações atinentes ao comércio, podendo-se afirmar resumidamente que “o comerciante resolvia suas questões mercantis com base em sua rede de relações pessoais, seja por meio de influências

44 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 03. 45 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 03. 46 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 04. 47 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 05.

48 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 05. A autora realiza tal afirmação com

(28)

com os burocratas, seja por meio de contatos na Corte, seja subornando

agentes públicos.”49

Em sexto lugar, tem-se que não existia um relevante compromisso entre o agente público com a Colônia, sendo o seu objetivo permanecer pouquíssimo tempo no Brasil e logo retornar a Portugal.50 Como sétima característica há de ser apontado o baixo nível dos salários pagos aos funcionários, sendo este um claro fator de propensão à corrupção, tornando inclusive “tácita a possibilidade de complementação com ganhos relacionados

à sua atividade”51. E, por fim, a baixa escolaridade da população residente na

colônia fazia com que os súditos muito pouco compreendessem a administração aqui realizada, com o que raramente conseguiam identificar e compreender os atos de corrupção.52

À guisa de conclusão sobre o período colonial acidamente assevera HABIB que:

“ao contrário do que ocorreu em outras colonizações, no caso específico do Brasil, os colonizadores não se preocuparam em construir o estofo moral do povo, muito menos não se preocuparam com o seu destino, enquanto nação.” (...) “Certo é que, Portugal não permitia o aprimoramento moral da raça brasileira, na medida em que temia perder o domínio sobre a Colônia e, por via de consequência, ser enormemente prejudicada em seus lucros ultramarinos. Prova disso é que nenhum esforço dispendia no sentido de melhorar a qualidade de vida do aqui residente, nem lhe oferecia condições de ensino satisfatórias, além das primeiras letras, o que fazia por intermédio dos jesuítas.”53

49 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09.

50 Vide, neste sentido, COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09. Complementa a

autora no sentido de que a maior parte dos cargos a serem preenchidos no Brasil demandava formação universitária, o que exigia que viessem portugueses (pois apenas estes tinham formação universitária) ao Brasil. Estes, por sua vez, apenas enxergavam o trabalho na metrópole como uma maneira de ascensão social. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09.

51 FIGUEIREDO, Luciano Raposo. A corrupção no Brasil Colônia. In: Corrupção: ensaios e

críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 176. Esclarecedoras e diretas as palavras de Evaldo Cabral de MELLO: “Como compreensão pelos modestos ordenados pagos às autoridades ultramarinas, o recrutamento em Portugal de governadores, magistrados e outros funcionários já pressupunha que a coroa fecharia os olhos às irregularidades cometidas por seus agentes, desde que atendidas duas condições implícitas: a primeira, a de não atentar contra as receitas régias; a segunda, a de agiram com um mínimo de discrição.” MELLO, Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial. In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 183.

52 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 14.

53 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 12. O autor relembra um dos casos célebres de corrupção na

(29)

No Brasil-império não se percebeu uma diminuição da corrupção, mas sim a sua mutação. Deixar-se-iam as formas de corrupção até então praticadas na etapa colonial para, no Império, a partir das características de investimento público em áreas como economia, moradia e condições de saúde, passar-se a se falar em uma corrupção agora praticada por servidores tais como ministros, demais integrantes do governo e a classe aristocrata.54

Não há dúvidas sobre as mudanças operadas no país. O centro do poder antes concentrado em Portugal passaria a estar sediado no Brasil. Como dito, fatos concretos alusivos à corrupção não faltaram, tais como as acusações de corrupção envolvendo a firma dos Loyos, cujo envolvido diretamente seria o ministro João Alfredo55; a acusação contra o ministro Cotegipe56, este acusado de manter relações de amizade e assim quiçá acobertar um funcionário da alfândega que teria praticado contrabando; o caso envolvendo o senador João Lins Cansanção de Sinimbu57, tendo este sido presidente do Banco Nacional e sido o responsável pela falência fraudulenta da instituição.

Mais importante, talvez, do que apontar os casos de corrupção que remontam à época do Império seja demonstrar que a corrupção, aliada a outros fatores de descontentamento da população em geral, tenham sido os responsáveis pela proclamação da República. Eis o referendado por SCHWARCZ:

“A partir da década de 1880, porém, o Império seria assolado por questões que inaugurariam uma nova agenda de acusações, estando na linha de frente a própria idoneidade do sistema. Se o conceito de corrupção está vinculado ao ato de “corromper”, e à ação de “subornar”, o fato é que pela primeira vez o regime seria caracterizado por esse tipo de prática. Num momento em que o monarca e seu governo mostravam fragilidades, uma série de casos começava a aparecer na imprensa e causava escândalo.

Não se quer dizer com isso que antes não existissem exemplos de descontentamento; mas o mais importante é que nesse contexto eles saíam do espaço privado e ganhavam o espaço público. Ao mesmo tempo,

capitania se encontravam envolvidos com atos de corrupção e improbidade, chegando, ao final de 02 anos de investigação, à pronúncia do então governador da capitania de Goiás juntamente a outros funcionários e particulares. HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 05 a 07. Episódio também relatado por COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 06. Outros casos de corrupção envolvendo daí o governo de Pernambuco são citados por MELLO, Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial, p. 183 a 190.

(30)

passavam a se constituir como demarcadores poderosos a sinalizar os limites deste sistema, crescentemente associado a expedientes que implicavam subornar funcionários e cidadãos, ou evitar que a lei vingasse. Pela primeira vez, também se questionava o poder do monarca, e a imprensa passava a se imiscuir em sua vida privada.”58

Da proclamação da república até os dias atuais não se pode, infelizmente, apontar a corrupção como assunto alheio ao Estado Brasileiro. Aliás, bem pelo contrário. Aponta estudioso sobre o tema de que “nenhuma outra fase do Brasil-República, decerto, terá suplantado a que se instalou a partir dos anos sessenta, chegando até aos dias atuais, tal o nível de corrupção a que se atingiu e tamanha a indignação popular, face à postura

cínica dos que nela se envolveram.”59

Já nos dias atuais, qualquer digressão específica a respeito do julgamento da Ação Penal 470 perante o Supremo Tribunal Federal ou, ainda, sobre a denominada operação Lava-Jato (em curso em Curitiba, em Brasília e em outros estados da federação) tornar-se-ia repetitiva. Digno de nota o resultado do julgamento da Ação Penal 470, principalmente pela envergadura e dimensão dos fatos levados a julgamento e também em razão de a decisão ter transitado em julgado com consequente cumprimento de pena pelos implicados.

Não se pode dimensionar que estes casos concretos agora mencionados signifiquem maior grau de corruptibilidade dos governantes ou ainda dos particulares que aderem e participam da corrupção. O que há é sim certeza de maior transparência e independência das instituições responsáveis pela investigação, ajuizamento e julgamento.

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual.

58 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Corrupção no Brasil Império. In: Corrupção: ensaios e críticas.

Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p.192 e 193.

(31)

1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância para a corrupção.

Falar a respeito de atos de corrupção significa ter em mente a noção de Estado. Em outras palavras, tratar de corrupção redunda falar imediatamente de Estado, de seu conceito e concepção atual, falhas, crises e também da noção de administração pública perante determinado governo. Veja-se que isso independe, até, da noção de corrupção que se esteja a tratar, quer-se dizer, pública ou privada, porquanto invariavelmente a concepção de Estado se fará presente e importante para a análise.

Nada obstante, de maneira a respeitar o intuito e objeto deste trabalho, não se fará um discurso reducionista sobre ser o Estado o ente necessário a combater (e criminalizar60) os atos de corrupção, como também não se adentrará ao mérito acerca da concepção de Estado e suas implicações à corrupção de natureza privada, sem desconhecer que neste caso se estaria mais a falar da intervenção estatal na economia61 do que qualquer outro aspecto da “teoria do Estado”.

60 De acordo com Miguel REALE, o “Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas

e os processos de execução coercitiva do Direito”, podendo-se afirmar que “em nossos dias, o Estado continua sendo a entidade detentora por excelência da sanção organizada e garantida, ...”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. 11ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 76. De maneira completar aduz Marçal JUSTEN FILHO: “Portanto, a monopolização da violência por um Estado é uma decorrência de seu poder e de sua autoridade, não a causa de sua existência.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 96.

61 Isso caso queira se respeitar o único (e ainda discutível) móvel de se criminalizar a

(32)

De outro canto, a corrupção pública é, sem dúvida, refém e dependente da noção de Estado. A corrupção pública envolve lesão (ou perigo de) à estrutura organizacional do Estado, seja tal conduta advinda de um servidor público, seja de um particular, seja de ambos. Já, de imediato, as noções de Estado e de corrupção estão vinculadas direta e de maneira não dissociável, sem a necessidade de se adentrar à historicidade da teoria do Estado, em especial de sua criação e desenvolvimento.

Deste modo, ainda que de maneira perfunctória e limitada no tempo (a partir do século XIX), tem-se o Estado de Direito como aquele que atribui à ordem jurídica a função de proteger direitos subjetivos individuais, de maneira a impedir a normal tendência de o poder político se agigantar e ser aplicado de modo arbitrário, sendo realizada tal função a partir dos princípios fundamentais de difusão do poder e de diferenciação do poder.62

A noção de Estado de Direito, a qual está submetida a um regime jurídico63 que limita a atividade estatal a desenvolver-se com escólio em um instrumental regulado juridicamente, previsto em lei, bem como

Berdugo; CERINA, Giorgio M.D., Sobre la corrupción entre particulares. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011; MENDOZA BUERGO, Blanca. El nuevo delito de corrupción entre particulares (art. 286 bis del CP). In: Estudios sobre las reformas del código penal. Julio Díaz-Maroto y Villarejo (director). Madrid: Civitas, 2011, p. 425-452; FARALDO CABANA, Patricia. Hacia un delito de corrupción en el sector privado. In: Estudios penales y criminológicos, Santiago de Compostela, n. XXIII, 2001-2002; Corrupção entre particulares: Só agora? E por que agora? In: Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 238, setembro de 2012; REALE JR., Miguel. Corrupção privada. Jornal O Estado de São Paulo, dia 01 de setembro de 2012. Página A2; FORTI, Gabrio. La corruzione tra privati nell´orbita di disciplina dela corruzione pubblica: un contributo di temmatizzazione. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, fascículo 04, ano XLVI, dezembro de 2003; DAVID, Décio Franco. Compliance e corrupção privada. In: Compliance e direito penal. Fábio André Guaragni e Paulo César Busato (coordenadores). Décio Franco David (organizador). São Paulo: Atlas, 2015. p. 203 a 234.

62 De acordo com ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: O Estado de

Direito: história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 31. Assinala ainda o autor: “O “princípio de difusão” tende a limitar, com vínculos explícitos, os poderes do Estado para dilatar o âmbito das liberdades individuais. Ele implica, por isso, uma definição jurídica dos poderes públicos e da sua relação com os poderes dos sujeitos individuais, também eles juridicamente definidos.” Teoria ..., p. 31. Já o princípio da diferenciação “se expressa seja como diferenciação do sistema político-jurídico com relação aos outros subsistemas, em particular o ético-religioso e o econômico, seja como critério de delimitação, coordenação e regulamentação jurídica de distintas funções estatais, sumariamente correspondentes à posição de normas (lex latio) e à aplicação de normas (legis executio).” Teoria ..., p. 32.

63 Nomeadamente de direito público que “tem a complexa missão de regular, de modo

(33)

oferecer ao cidadão mecanismos jurídico-normativos para se proteger de determinada ação indevida do Estado64, noção na qual o pessimismo potestativo e o otimismo normativo desempenham particular função65, teria como postulados fundamentais a separação dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, a generalização do princípio da legalidade66 e a universalidade da jurisdição.67

Sobre o Estado de Direito se seguiram modelos adjetivados de liberais, sociais e, agora, democrático-constitucionais de direito. No Estado de Direito liberal se enxergavam as características de separação entre o Estado e a sociedade civil intermediada pelo Direito; a garantia das liberdades individuais e uma função estatal mínima, ou seja, um Estado mínimo que assegurasse apenas e tão-somente a liberdade para seus cidadãos.68

Ao Estado de Direito liberal seguiu-se o modelo social. O Estado, assim considerado uma “forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a distinguem de outros ´poderes´ e ´organizações

de poder´”69, nas palavras de STRECK e MORAIS, sem negar as importantes

características e conquistas originadas pelo liberalismo burguês, assume a postura de corrigir o individualismo liberal por meio de garantias coletivas70, devendo ser observado que as regulações estatais devem traçar “limites ao egoísmo e ao ímpeto desenvolvimento dos indivíduos para que a liberdade de

uns não interfira em medida insuportável com a liberdade dos outros.”71

A inexistência de intervenção Estatal, o que redundava no liberalismo puro e radical de Estado mínimo, teve de ser alterada para uma intervenção estatal sob a égide de que, ao lado da limitação do poder estatal

64 Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do

estado. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 92.

65 Danilo ZOLO afirma que a ideia da periculosidade do poder político (pessimismo

potestativo) e a convicção de que o direito seria suficiente e adequado para conter tal perigo (otimismo normativo) figuram como princípios fundamentais para a afirmação do sujeito individual, de sua liberdade e autonomia. Teoria ..., p. 34.

66 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 92. 67 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 98.

68 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 95.

69 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed.

Coimbra: Almedina, 2003. p. 89.

70 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 97.

71 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste

Referências

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