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A corrupção e o delito de corrupção O recorte necessário à analise do

1. MOMENTO ATUAL CONCEITO TRATADOS INTERNACIONAIS CAUSAS

1.5. A corrupção e o delito de corrupção O recorte necessário à analise do

Para além de uma confusão conceitual em torno daquilo que se deve compreender como corrupção, tal como exposto no item 1.1. supra, existe também a necessidade de evidenciar uma diferença entre os conceitos propriamente penais de corrupção.

273 MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174.

274 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 42. No mesmo sentido PÉREZ CEPEDA,

Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política …, p. 204.

275 RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 247. 276 MALEM SEÑA, Jorge F. Corrupción …, p. 174.

277 Disponível em http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/relatorio-

corrupcao-custos-economicos-e-propostas-de-combate/, acesso em 09 de maio de 2015, às 22h46min.

Ora, muito embora a língua portuguesa não favoreça de imediato a conclusão, até porque iguala fenômeno corruptivo e crimes de corrupção, é consabido que corrupção não é (ou não deveria ser) um crime em si, mas sim uma forma por meio da qual as condutas humanas acabam por atingir interesses protegidos pelo Direito penal. Não há, portanto, um tipo geral de corrupção a ser aplicado indistintamente, mas sim formas de corrupção expressas em tipos penais, sendo que estes adquirem relevância apenas quando são atingidos ou colocados em perigo bens dignos de proteção jurídico-penal.278

QUERALT alerta que não existem:

“... tipos penales de específicos de corrupción. Ello en principio no es ni extraño ni inconveniente; la corrupción se manifiesta mediante comportamientos punibles desde el paradigmático cohecho activo y pasivo hasta otros más ocultos, pero no menos insidiosos, como la colusión o el blanqueo de dinero.”279

Portanto, a fim de sistematizar o horizonte dos próximos capítulos, há de se ter em mente a separação entre corrupção como fenômeno, corrupção como forma de delito lato sensu e corrupção como forma de delito strictu sensu.

Classificações são inócuas quando se desconectam de fins práticos. Se assim é, veja-se.

Quanto ao fenômeno da corrupção, consoante já disposto, sabe- se ser impossível a associação automática entre aquele e o Direito penal. O recorte penal daquilo que faz parte da corrupção como fenômeno está a cargo do legislador, sendo evidente que só parte das condutas tomadas por corruptas revelam-se crimes previstos no Código penal e legislação extravagante.

Já no tocante ao Direito penal propriamente dito, a noção do que é comumente compreendido por corrupção dá lugar a diversos delitos acobertados por este signo. Assim é, v.g., em relação ao peculato, à concussão e à prevaricação, isso se considerados os delitos funcionais contra

278 KINDHAUSER, Urs. Presupuestos de la corrupción punible en el Estado, la economía y la

sociedad. Los delitos de corrupción en el Código penal alemán. In: Política criminal, n. 03, 2007, p. 2. Disponível em http://www.politicacriminal.cl/n_03/a_1_3.pdf, acesso em 22 de agosto de 2015, às 16h40min.

a administração. De outro vértice, pode-se incluir aí o tráfico de influência como outro delito a evidenciar esta tendência, porém associado ao particular como autor do delito.280 Em matéria de legislação especial ganha destaque a corrupção eleitoral281 insculpida no artigo 299 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65).

Vale a advertência há muito proposta por Fernando Henrique Mendes de ALMEIDA:

“Peculato, concussão e corrupção passiva formam o tríptico constitutivo de poderosos índices de dissolução moral de um povo, no que concerne à esfera dos delitos do funcionário público. São, todavia, delitos que não se devem confundir, já porque não há razão para baralhá-los, como também porque não aproveita ao método dispensar o discernimento que os distancia e os delimita. Há, sem embargo do que foi dito, uma nota dominante nos três delitos: é que êles revelam atmosfera de corrupção geral na burocracia em que acontece a repetição dos fatos em que se manifestam. Entrementes, sem dúvida, necessário é esclarecer ab ove que, embora os três delitos contenham a nota de corrupção no sentido geral e não específico, o peculato e a concussão não se confundem, nem se podem confundir, com a infração a que o legislador chamou corrupção passiva, a qual envolve suborno ou peita.”282

A grande questão, ao menos nos dias atuais, é demonstrar não apenas a diferença entre os tipos penais de corrupção lato sensu e strictu sensu, mas sim a ampliação das figuras típicas anotadas sob a rubrica mais ampla. Sim, esta concepção alterou-se.

Bem mencionam GÓMEZ DE LA TORRE e FABIÁN CAPARRÓS no sentido de que as condutas hoje catalogadas como corrupção apenas se vinculavam ao funcionário que, utilizando-se das facilidades e qualidades de servidor, obtinha benefícios materiais que o favoreciam ou favoreciam terceiros.283 Hoje, contudo, esta noção se vê alterada, a partir de critérios de

280 Não se desconhece, contudo, ter o legislador pátrio associado o termo corrupção a

diversos outros delitos, a saber, entre outros: corrupção de menores (art. 218 do Código Penal), corrupção desportiva (arts. 41-C e 41-D da Lei 10671/2003), corrupção concorrencial (art. 195, inciso X, da Lei 9279/96), corrupção eleitoral (art. 299 da Lei 4737/1965). Assim também vide SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A ideia penal sobre a corrupção no Brasil. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011. p. 411.

281 Sobre o tema vide obrigatoriamente PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São

Paulo: Saraiva, 2008.

282 ALMEIDA, Fernando Henrique Mendes de. Dos crimes contra a administração pública.

São Paulo: Saraiva, 1955. p. 62.

283 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y

derecho penal: nuevos perfiles, nuevas respuestas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 81, novembro/dezembro de 2009. p. 11.

natureza econômica e de natureza territorial284, sendo o caso de se alocar sob a noção de corrupção os delitos de organização criminosa, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, fraudes licitatórias, entre outros.

Mas, para além de uma diferença conceitual entre a corrupção

lato sensu, sendo caracterizada por uma indeterminação285 inerente a ela e

dependente de um contexto cultural, político e econômico, e a corrupção strictu sensu, que a bem da verdade no Brasil poderia assumir outra nomenclatura tal como <<suborno>>, pois facilitaria muito a compreensão jurídica e principalmente leiga do assunto, é fato que existe uma diferença de natureza jurídica.

Não há dúvida de que tanto a corrupção lato sensu quanto o próprio delito de <<suborno>> envolvem a desconsideração do público em favor do privado, mais precisamente a apropriação do âmbito e do interesse público por interesses unicamente de índole privada. Tanto o peculato, expressão quiçá maior da corrupção lato sensu, quanto o suborno passivo ou ativo, figuras típicas aqui objeto de dissecação, flagrantemente demonstram atos da esfera pública ou até em detrimento desta que obedecem a interesses privados mediante a destruição do público, seja como conceito, seja como patrimônio inerente à cidadania.286

Todavia, para além desta similitude, algumas características incidem sobre o delito de suborno que o distinguem dos demais e o torna merecedor de existência típica própria.

Quiçá o principal deles seja o bem jurídico, retratado no próximo capítulo, sendo que este bem jurídico decorre de características inerentes às ocorrências corruptivas strictu sensu.

284 “Si se pretende sintetizar las características claves que hoy presenta la corrupción, se ha

de tomar como punto de partida el hecho innegable que las conductas que incluimos dentro de este término no afectan sólo al bien jurídico que constituye el normal funcionamiento de la Administración Pública, sino que, en sus manifestaciones más graves, sus efectos sobre las relaciones económicas la llevan al ámbito de la delincuencia socio-económica y que, por otra parte, la dimensión internacional de algunos de estos comportamientos lleva a que el interés de su prevención trascienda a los Estados individualmente considerados y vaya a la comunidad internacional.” GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción …, p. 24 e 25.

285 Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 05. 286 Cf. VIRGOLINI, Julio. Las determinaciones …, p. 87.

Uma interessante definição genérica do delito de suborno (corrupção strictu sensu) é a de que ele revela uma “patologia das

decisões”.287 In casu, no suborno que atinge a administração pública, trata-se

de uma patologia das decisões dos servidores públicos que assume a forma de um acordo delitivo288, de uma relação de duas partes no formato de um contrato289, relação esta que se baseia na ideia de o particular oferecer, prometer ou dar dinheiro, valor ou qualquer outra vantagem indevida a determinado servidor público.

REISMAN fornece a seguinte definição precisa da corrupção strictu sensu:

“La condición fundamental previa de carácter social para que exista el soborno es un grado de reglamentación eficaz y normativa por un actor que controla (AC) una transacción cuyo resultado es valorado por un actor externo (AE). AE intenta obtener el resultado que prefiere en violación de la norma apropiada, ofreciéndole una recompensa privada a AC.”290

Esta perspectiva favorece à demonstração de que o delito de suborno envolve sempre uma dualidade de agentes, um particular e um funcionário, ainda que apenas um deles possa efetivamente cometer o delito de suborno ativo ou passivo. Há sempre uma zona de contato com o privado, seja porque este buscou a corrupção do agente público mediante a oferta de vantagens indevidas, seja porque o agente público solicitou a vantagem indevida da vítima, aqui o particular. E a partir desta identificada realidade dos fatos se pode quebrar a máxima, absolutamente incorreta, representada de um lado pela população bondosa, correta e cumpridora de seus deveres e de outro pelos funcionários públicos e representantes eleitos, estes sempre potencialmente corruptos, o que também torna possível “a argumentação de que as pessoas corretas e honestas não entram na política porque não

aguentam a podridão do mundo político.”291

287 REISMAN, W. Michael. Remedios contra la corrupción? Cohecho, cruzadas y reformas.

Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1981. p. 21.

288 Cf. KINDHAUSER, Urs. Presupuestos ..., p. 05. 289 Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20. 290 REISMAN, W. Michael, Remedios …, p. 72.

291 PINTO, Celi Regina Jardim. A banalidade da corrupção. Uma forma de governar o Brasil.

Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 50. A mesma autora ainda relata sobre a realidade brasileira: “O problema que deve ser enfrentado na análise da relação público-privado no Brasil é o da privatização do público, tanto pelos agentes privados como pelos próprios agentes públicos.” A banalidade ..., p. 64.

Mas não é só. Além desta ideia de dação de valores/vantagens os modelos de incriminação da corrupção strictu sensu podem fundamentar- se em um aspecto mercantil ou num aspecto de patrocínio. No primeiro, os valores ou vantagens são transacionados para a prática de determinado ato de ofício individualizado no âmbito de atuação do servidor público. Já no segundo o pagamento, oferecimento ou inclusive a solicitação se daria não em função de um ato particularizado, mas sim em razão da função exercida pelo servidor público.292

Sem reducionismos, é certo que a escolha entre uma destas modalidades é privativa do legislador, muito embora diversas críticas possam ser endereçadas ao modelo de patrocínio ora descrito, o qual é empregado no tipo penal de corrupção passiva previsto no caput do artigo 317 do Código Penal.

Com isso, mesmo que fazendo o suborno parte do grande rol dos delitos assim colacionados sob o signo da corrupção, a ele são reservadas características muito próprias a seguir analisadas.

2. OS TIPOS PENAIS DE CORRUPÇÃO EM SENTIDO ESTRITO NA