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A concepção de Estado e de administração pública e sua importância

1. MOMENTO ATUAL CONCEITO TRATADOS INTERNACIONAIS CAUSAS

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual

1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância

Falar a respeito de atos de corrupção significa ter em mente a noção de Estado. Em outras palavras, tratar de corrupção redunda falar imediatamente de Estado, de seu conceito e concepção atual, falhas, crises e também da noção de administração pública perante determinado governo. Veja-se que isso independe, até, da noção de corrupção que se esteja a tratar, quer-se dizer, pública ou privada, porquanto invariavelmente a concepção de Estado se fará presente e importante para a análise.

Nada obstante, de maneira a respeitar o intuito e objeto deste trabalho, não se fará um discurso reducionista sobre ser o Estado o ente necessário a combater (e criminalizar60) os atos de corrupção, como também não se adentrará ao mérito acerca da concepção de Estado e suas implicações à corrupção de natureza privada, sem desconhecer que neste caso se estaria mais a falar da intervenção estatal na economia61 do que qualquer outro aspecto da “teoria do Estado”.

60 De acordo com Miguel REALE, o “Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas

e os processos de execução coercitiva do Direito”, podendo-se afirmar que “em nossos dias, o Estado continua sendo a entidade detentora por excelência da sanção organizada e garantida, ...”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. 11ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 76. De maneira completar aduz Marçal JUSTEN FILHO: “Portanto, a monopolização da violência por um Estado é uma decorrência de seu poder e de sua autoridade, não a causa de sua existência.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 96.

61 Isso caso queira se respeitar o único (e ainda discutível) móvel de se criminalizar a

corrupção na atividade privada. A respeito vide NIETO MARTÍN, Adán. A corrupção no setor privado. Reflexões a partir do ordenamento espanhol à luz do direito comparado. In: Revista Bonijuris. Ano XV, n. 481, Dezembro de 2003, p. 23 a 25; BIDINO, Claudio. O problema específico da corrupção no setor privado (no Brasil e em Portugal). In: A corrupção. Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime Jurídico- Penal em Expansão no Brasil e em Portugal. SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Coimbra: Coimbra Editora, 2009; DE LA CUESTA ARZAMENDI, Jose Luis; BLANCO CORDERO, Isidoro. La criminalización de la corrupción en el sector privado: Asignatura pendiente del Derecho penal español. In: La ciencia del derecho penal ante el nuevo siglo. Libro homenaje al Profesor Don José Cerezo Mir. José Luis Díez Ripólles, Carlos María Romeo Casabona, Luis Gracia Martin e Juan Felipe Higuera Guimerá (coord.) Madrid: Editorial Tecnos, 2002; FOFFANI, Luigi. La <<corrupción privada>>. Iniciativas internacionales y perspectivas de armonización. In: Fraude y corrupción en el derecho penal económico europeo. Eurodelitos de corrupción y fraude. Luis Arroyo Zapatero y Adán Nieto Martin (coord). Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2006; GÓMEZ DE LA TORRE, Ignácio; CERINA, Giorgio D.M. Algunas observaciones sobre la corrupción entre particulares en el código penal español. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 97, julho de 2012; GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio

De outro canto, a corrupção pública é, sem dúvida, refém e dependente da noção de Estado. A corrupção pública envolve lesão (ou perigo de) à estrutura organizacional do Estado, seja tal conduta advinda de um servidor público, seja de um particular, seja de ambos. Já, de imediato, as noções de Estado e de corrupção estão vinculadas direta e de maneira não dissociável, sem a necessidade de se adentrar à historicidade da teoria do Estado, em especial de sua criação e desenvolvimento.

Deste modo, ainda que de maneira perfunctória e limitada no tempo (a partir do século XIX), tem-se o Estado de Direito como aquele que atribui à ordem jurídica a função de proteger direitos subjetivos individuais, de maneira a impedir a normal tendência de o poder político se agigantar e ser aplicado de modo arbitrário, sendo realizada tal função a partir dos princípios fundamentais de difusão do poder e de diferenciação do poder.62

A noção de Estado de Direito, a qual está submetida a um regime jurídico63 que limita a atividade estatal a desenvolver-se com escólio em um instrumental regulado juridicamente, previsto em lei, bem como

Berdugo; CERINA, Giorgio M.D., Sobre la corrupción entre particulares. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011; MENDOZA BUERGO, Blanca. El nuevo delito de corrupción entre particulares (art. 286 bis del CP). In: Estudios sobre las reformas del código penal. Julio Díaz-Maroto y Villarejo (director). Madrid: Civitas, 2011, p. 425-452; FARALDO CABANA, Patricia. Hacia un delito de corrupción en el sector privado. In: Estudios penales y criminológicos, Santiago de Compostela, n. XXIII, 2001-2002; Corrupção entre particulares: Só agora? E por que agora? In: Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 238, setembro de 2012; REALE JR., Miguel. Corrupção privada. Jornal O Estado de São Paulo, dia 01 de setembro de 2012. Página A2; FORTI, Gabrio. La corruzione tra privati nell´orbita di disciplina dela corruzione pubblica: un contributo di temmatizzazione. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, fascículo 04, ano XLVI, dezembro de 2003; DAVID, Décio Franco. Compliance e corrupção privada. In: Compliance e direito penal. Fábio André Guaragni e Paulo César Busato (coordenadores). Décio Franco David (organizador). São Paulo: Atlas, 2015. p. 203 a 234.

62 De acordo com ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: O Estado de

Direito: história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 31. Assinala ainda o autor: “O “princípio de difusão” tende a limitar, com vínculos explícitos, os poderes do Estado para dilatar o âmbito das liberdades individuais. Ele implica, por isso, uma definição jurídica dos poderes públicos e da sua relação com os poderes dos sujeitos individuais, também eles juridicamente definidos.” Teoria ..., p. 31. Já o princípio da diferenciação “se expressa seja como diferenciação do sistema político-jurídico com relação aos outros subsistemas, em particular o ético-religioso e o econômico, seja como critério de delimitação, coordenação e regulamentação jurídica de distintas funções estatais, sumariamente correspondentes à posição de normas (lex latio) e à aplicação de normas (legis executio).” Teoria ..., p. 32.

63 Nomeadamente de direito público que “tem a complexa missão de regular, de modo

equilibrado, as relações entre o Estado – que exerce a autoridade pública e o consequente poder de mando – e os indivíduos – que devem se sujeitar a ele, sem perder sua condição de donos do poder e titulares de direitos próprios.” SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 110.

oferecer ao cidadão mecanismos jurídico-normativos para se proteger de determinada ação indevida do Estado64, noção na qual o pessimismo potestativo e o otimismo normativo desempenham particular função65, teria como postulados fundamentais a separação dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, a generalização do princípio da legalidade66 e a universalidade da jurisdição.67

Sobre o Estado de Direito se seguiram modelos adjetivados de liberais, sociais e, agora, democrático-constitucionais de direito. No Estado de Direito liberal se enxergavam as características de separação entre o Estado e a sociedade civil intermediada pelo Direito; a garantia das liberdades individuais e uma função estatal mínima, ou seja, um Estado mínimo que assegurasse apenas e tão-somente a liberdade para seus cidadãos.68

Ao Estado de Direito liberal seguiu-se o modelo social. O Estado, assim considerado uma “forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a distinguem de outros ´poderes´ e ´organizações

de poder´”69, nas palavras de STRECK e MORAIS, sem negar as importantes

características e conquistas originadas pelo liberalismo burguês, assume a postura de corrigir o individualismo liberal por meio de garantias coletivas70, devendo ser observado que as regulações estatais devem traçar “limites ao egoísmo e ao ímpeto desenvolvimento dos indivíduos para que a liberdade de

uns não interfira em medida insuportável com a liberdade dos outros.”71

A inexistência de intervenção Estatal, o que redundava no liberalismo puro e radical de Estado mínimo, teve de ser alterada para uma intervenção estatal sob a égide de que, ao lado da limitação do poder estatal

64 Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do

estado. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 92.

65 Danilo ZOLO afirma que a ideia da periculosidade do poder político (pessimismo

potestativo) e a convicção de que o direito seria suficiente e adequado para conter tal perigo (otimismo normativo) figuram como princípios fundamentais para a afirmação do sujeito individual, de sua liberdade e autonomia. Teoria ..., p. 34.

66 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 92. 67 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 98.

68 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 95.

69 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed.

Coimbra: Almedina, 2003. p. 89.

70 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 97.

71 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste

também se faz interessante e incidente que o Estado atue como um “instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e social”.72 A consequência disso foi, sem dúvida, a alteração da conformação interna do Estado, pois este se viu obrigado a aumentar-se no tocante a funções desenvolvidas, objetivos, metas e políticas públicas. Não por outro motivo que o quadro de funcionários/servidores públicos viu-se aumentado, conforme já visto.

Assim, ao menos a partir da análise do tamanho do Estado73, com o aumento do número de servidores públicos se vê uma maior possibilidade de ocorrência de atos de corrupção. Daí a interrelação, ainda que preparatória para os temas a serem desenvolvidos no capítulo 02, que se pretende aqui construir. Linhas acima foi dito que o conceito de corrupção é dependente e parasitário de um sistema normativo, independente de qual este seja.

Ora, o conceito típico-penal de corrupção pública e suas implicâncias normativas, objeto deste trabalho, são absolutamente dependentes do tamanho do Estado e da importância atribuída a este. Portanto, uma breve conclusão é viável: sem querer atribuir ao próprio Estado a pecha de causador da corrupção, o tamanho deste Estado, quanto maior for a sua intervenção na vida social por meio de servidores públicos, maior a chance de vir a se verificar o ato de corrupção, isso sem se atrelar à criminalização ou não de tal atividade.74

Não sem razão afirma Fabrício MOTTA75 que no Direito administrativo76 se revelou um claro crescimento das atividades

72 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 99.

73 Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. Corrupción y delitos contra la administración

pública. Especial referencia a los delitos cometidos en la contratación. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009. p. 57-65.

74 Por outro lado não há como dar razão ao entendimento de ZIPPELIUS, muito embora não

analise diretamente os fatos entendidos como corrupção, mas sim o problema da teoria do Estado: “No movimento pendular da evolução histórica entre o Estado-providência e o liberalismo torna-se notório – com uma nitidez quase de tipo ideal – o risco perante o qual se coloca permanentemente o Estado. Conceder liberdade a menos, sufocando, desta forma, uma necessidade elementar, ou deixar liberdade a mais, abrindo assim demasiado a porta às possibilidades de abuso a que se está sempre disposto a recorrer.” ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria ..., p. 381.

75 MOTTA, Fabricio. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Editora

administrativas estatais, o que passou a amparar novos institutos e alterações no papel do Estado, por meio de uma própria dinâmica de seus agentes e atuações em setores antes não atingidos pelo Estado e, quando atingidos, eram em menor escala.

Neste pormenor aponta ainda Luigi FERRAJOLI:

“O Estado social desenvolveu-se na Europa muito mais do que nas formas da sujeição à lei, típicas do Estado de Direito, através da progressiva expansão dos aparelhos públicos, dos aumentos dos seus espaços de discricionariedade política e da acumulação desorgânica de leis especiais, medidas setoriais, práticas administrativas e intervenções clientelistas que se inseriram e deformaram as antigas estruturas do Estado liberal. Disso derivou uma pesada e complexa intermediação burocrática nos serviços públicos que é responsável pela sua ineficiência e, como a experiência não apenas italiana ensina, por suas degenerações ilegais.”77

Como posterior e atual conformação assume-se a noção de Estado democrático de Direito bem sintetizada nas palavras de STRECK e MORAIS:

“O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, na qual a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do problema das condições materiais de existência.”78

Este denominado Estado democrático de Direito, considerado por CANOTILHO como uma “ordem de domínio legitimada pelo povo”79 que possibilita que o poder se organize e se exerça em termos democráticos80, ostenta as características de vinculação do Estado Democrático de Direito a uma Constituição, de organização democrática da sociedade, pela existência e reconhecimento de um sistema de direitos fundamentais e coletivos, pela 76 Aqui considerado como o “conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam

as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 90.

77 FERRAJOLI, Luigi. O Estado de direito entre o passado e o futuro. In: O Estado de Direito:

história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 451. No mesmo sentido FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudos de casos e lições para o futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 56.

78 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 98. 79 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 98.

justiça social, pela vigência e observância do princípio da igualdade, pela divisão dos poderes e das funções públicas bem como pela vigência do princípio da legalidade e de segurança jurídica.81

Sem relevar os avanços do Estado Social – este nunca82 verificado verdadeiramente no Brasil – a característica da democracia associada ao Estado teria a função de trazer algo de utópico, de transformação da realidade83, a partir da objetivação da igualdade e da concepção das normas como instrumentos de <<transformação da sociedade>>84, ultimando-se, a bem da verdade, a alteração e criação de novas estruturas para as relações sociais.85 O Estado democrático de Direito se conforma, ademais, em um Estado constitucional86 democrático de Direito, porquanto a supremacia da constituição e da soberania popular são suas ínsitas características87, associando três fatores em um só, sendo esta a associação buscada e defendida: Estado constitucional, Estado de Direito e Estado democrático.

O modelo de Estado atual a ser defendido deve, portanto, para além da participação integral e democrática dos cidadãos, primar por extrair seus fundamentos de uma Constituição e que esta propugne, garanta e elenque direitos fundamentais do cidadão, revelando-se, nos dizeres de STRECK e MORAIS, em um núcleo forte e acolhedor das conquistas associadas à democracia e aos direitos humanos e sociais fundamentais.88

81 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 99 e 100.

82 “O intervencionismo estatal confunde-se historicamente com a prática autoritária/ditatorial,

construindo-se o avesso da ideia de Estado Providência, aumentando as distâncias sociais e o processo de empobrecimento das populações. Assim, a tese de que em países periféricos, de desenvolvimento tardio, o papel do Estado deveria ser o de intervenção para a correção das desigualdades não encontrou terreno fértil em terras latino-americanas." STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 81.

83 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 100. 84 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 101. 85 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 101.

86 “No Estado constitucional de Direito, as leis são submetidas não só a normas formais

sobre a produção, mas também a normas substanciais sobre o seu significado. De fato, não são admitidas normas legais, cujo significado esteja em contraste com normas constitucionais.” FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 425.

87 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 101.

88 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 109. A respeito da

conceituação e evolução dos direitos fundamentais vide DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 377 e ss.

reside a legitimidade do atuar do Estado e das funções tripartidas endereçadas a ele.

Não se trata de elucidar minuciosamente a teoria da repartição dos poderes, mas apenas de reforçar, dentro da noção de separação dos poderes e não de divisão de poderes89, a concepção de função pública que, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de MELLO ganha o significado de “atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela

ordem jurídica”.90

Esta função pública é desempenhada sob o argumento e objetivo, como já visto, de atingir positivamente os direitos fundamentais91, sejam eles de pretensão de resistência à intervenção estatal, de pretensão de prestações por parte do Estado ou ainda políticos ou de participação.92 Já o exercício desta função pública, dividida classicamente93 entre as funções legislativa, judiciária e executiva, se estrutura e se desenvolve internamente sob a égide de direitos e regras de direito, em sua grande maioria de Direito administrativo, direcionadas ao agente ou servidor público.

Portanto, a ilação anteriormente lançada a respeito da proximidade entre Estado e corrupção se verifica como verdadeira, uma vez que, sendo o Estado (constitucional democrático) de Direito um modelo de garantia da mínima ordem política capaz de garantir uma ordem política estável e ao mesmo tempo os direitos fundamentais e sem o qual os Estados

89 Assevera CANOTILHO: “O princípio da divisão como forma e meio de limite do poder

(divisas de poderes e balanço de poderes) assegura uma medida jurídica ao poder do estado, e consequentemente, serve para garantir e proteger a esfera jurídico-subjectiva dos indivíduos e evitar a concentração de poder. O princípio da separação na qualidade de princípio positivo assegura uma justa e adequada ordenação das funções do estado e, consequentemente, intervém como esquema relacional de competências, tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais de soberania.” Direito constitucional ..., p. 250.

90 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2014. p. 29.

91 Os quais no esquema de Marçal JUSTEN FILHO se dividiriam em gerais (liberdade,

igualdade, democracia republicana, federação, procedimentalização e eficiência administrativa), sociais (solidariedade e direitos sociais em sentido estrito), políticos e econômicos (propriedade privada, livre iniciativa e livre concorrência). JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 162.

92 Sobre a diferenciação destas categorias vide detalhadamente DIMOULIS, Dimitri;

MARTINS, Leonardo. Teoria ..., p. 57 a 61.

93 Sobre a inexistência de uma separação estanque e cartesiana entre as funções estatais e

os poderes Executivo, Judiciário e Executivo vide, por exemplo, JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 115.

ocidentais transparecem obrigatoriamente depender94, deixa-se aberta a possibilidade da ocorrência de atos de corrupção, ilícitos ou não, bem como se retroalimenta e fundamenta a necessidade de punição, administrativa e/ou criminal, daqueles atos de corrupção mais lesivos aos interesses individuais. Dizem-se individuais porque o Estado existe unicamente para a satisfação e salvaguarda de interesses e direitos dos cidadãos e não propriamente estatais. Independentemente da função pública exercida, muito embora isso fique mais claro nas funções públicas atreladas ao exercício do Direito penal e processual penal, é fato, nas palavras de Paulo BUSATO, que “tudo o que o Estado exige de cada um não é de seu próprio interesse, mas de interesse dos demais indivíduos. Assim, o Estado não é detentor de direitos, é mero

gestor de direitos alheios (dos indivíduos).”95

Daí que a corrupção possua característica particular no quesito “tipificação penal”. Se a vida humana é garantida por diversos princípios e normas jurídicas de larga aceitação e, por conseguinte, de improvável refutação, imanentes ao sujeito e apenas verificáveis e chancelados pelo Estado, a criminalização e enfrentamento da corrupção dependem obrigatoriamente da concepção de que o Estado não existe por si só, mas que é um instrumento garantidor para a verificação e realização de políticas públicas (aqui em sentido lato) e que os prejuízos (verificáveis por lesão ou perigo de lesão) ao Estado conformam a fundamentação da punição por este mesmo Estado.

Outra questão incipiente à corrupção é a tutela do Estado por parte dele próprio.96 São as instituições e parcelas do poder as legitimadas a tutelar os valores preconizados na Constituição da República como aqueles a