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1. MOMENTO ATUAL CONCEITO TRATADOS INTERNACIONAIS CAUSAS

1.4. As apontadas como principais causas e consequências da corrupção

1.4.1. Causas

1.4.1.1. Especial referência ao Estado Brasileiro

No tocante ao Estado Brasileiro, é possível apontar algumas causas específicas das práticas corruptas que o assolam. São diversas, diga- se de passagem, muito embora algumas destas fontes geradoras ganhem maior relevo.

222 MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 18. 223 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 21. 224 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 23. 225 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 23 a 27. 226 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 27 a 31. 227 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 31 a 34. 228 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 34 a 36. 229 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 49 a 55. 230 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 55 a 66. 231 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 73 e seguintes.

Desponta, de início, a forma pela qual o Brasil foi colonizado, vez que aqueles que por aqui aportaram não traziam consigo um projeto de nação delineado e, muito menos, compromissos ou projetos ideológicos de coletividade.233 O molde de colonização utilizado pelos portugueses, justamente em razão de seu cunho eminentemente predatório e arrecadatório, resvalou na concessão de privilégios econômicos e fiscais àqueles que viessem explorar esta região.234

Tal realidade é bem retratada por Raimundo FAORO em obra obrigatória sobre o tema:

“Entre o Estado e o particular, na exploração dos tributos e dos monopólios, se fixa, densa e ávida, impiedosa e insaciável, uma camada de exploradores, alimentada pela Coroa. O primeiro representante da inquieta geração será dom Fernão de Loronha, arrendatário das riquezas da terra do Brasil, com direito a explorar o monopólio de pau-Brasil. Os contratadores virão na sua esteira, arrematando ou recebendo em concessão a cobrança de tributos, o negócio dos diamantes e os caminhos de bens e pessoas. Dos rendosos contratos sobrará muito para a corrupção – as luvas aos intermediários e governadores, na denúncia do maldizente autos das Cartas chilenas. Os próprios cargos do Brasil, reservados a premiar serviços e colocar a nobreza ociosa, passaram a ser vendidos, a partir do século XVIII. Burguesia e funcionários, afastados pelas atividades e preconceitos, se unem na mesma concepção de Estado: a exploração da economia em proveito da minoria que orienta, dirige, controla, manda e explora. A mistura das águas seria inevitável, diante da tarefa comum, com iguais proveitos para quem concede os benefícios e para quem os gere. A burguesia, fechado o caminho da revolução industrial no país, se converte em apêndice da nobreza, apêndice que sua rendimentos e se assenhoreia de privilégios.”235

Surge, com isso, a concepção patrimonialista do Estado, ou seja, aquela caracterizada por uma simbiose entre atividade pública e negócios de natureza privada, ou seja, “segundo a qual posições e cargos deveriam ser naturalmente explorados por governantes e funcionários, cujos recursos eram indistintos em relação aos do Estado ou advinham da exploração daquelas posições e cargos como prebendas que lhes permitiam extrair benesses

233 Cf. BARBOZA, Márcia Noll. O combate ..., p. 101 e 102.

234 Cf. HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira corrupção: graduação da influência ilícita

no Estado Brasileiro. In: Revista Ibero-americana de ciências penais, Porto Alegre, número 15, ano 8, 2007. p. 89.

235 FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 5ª ed.

pessoais.”236 HERINGER JÚNIOR outorga a esta característica própria da elite social brasileira o adjetivo de <<fermenteiro da corrupção>>.237

Interessantes as proposições de DOMINGUES:

“A tradição absolutista do período colonial implicava clara mistura do tesouro do Estado espanhol e português com o do rei e da nobreza (os principais funcionários do Estado), além de uma grande dificuldade da metrópole em controlar seus prepostos na remota América. Com as independências, Estados de feição formal moderna se estabeleceram, separando-se público e privado. Isso não implicou o desaparecimento absoluto das características desses Estados, transformou-as de forma decisiva.”238

Hoje, contudo, tal patrimonialismo convertido em neopatrimonialismo se revela de maneira obscura e implícita, tendo no Estado o seu ambiente de concretização, mais precisamente no desrespeito entre os limites públicos e privados nas mais diversas situações de desenvolvimento social e poderes públicos. 239

Assim, se é inegável a existência atual de uma herança patrimonialista a incidir no trato da coisa pública, também não se pode afirmar que esta é a única grande causa da corrupção no Estado Brasileiro. Ao menos, não fundamenta de maneira satisfatória a existência das práticas corruptas recém-desveladas ou em curso no Brasil. E, em especial, não traz argumentos a elucidar os motivos que levam à prática de atos ligados à grande corrupção.240

236 DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo e neopatrimonialismo. In: Corrupção:

ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 158.

237 HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira ..., p. 89. E complementa: “Cuida-se da

rapinagem que assume variadas formas: acesso a informações privilegiadas, destinação de verbas a fundo perdido para currais eleitorais, desvios de recursos públicos, socorro financeiro público a empresas privadas deficitárias, empreguismo, lobbies escusos, contratação de serviços ou aquisição de produtos de empresas determinadas, fraudes em licitações e renúncia fiscal abusiva, a que se ligam tantas ações ilícitas que se tornaram famosas como a máfia da previdência, as cestas da LBA, o esquema PC, os anões do orçamento, o escândalo dos precatórios, o caso Marka, o prédio do TRT de São Paulo, e, mais recentemente, o valerioduto e a máfia das ambulâncias.” HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira ..., p. 89 e 90.

238 DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo ..., p. 159. 239 Cf. DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo ..., p. 160.

240 A distinção é trabalhada por COSTA, Sylvia Chaves Lima em dissertação apresentada

como requisito parcial para aprovação no Mestrado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2013.

As outras causas que fomentam a corrupção no Brasil residem no sistema político e na legislação eleitoral241 e na intervenção estatal na economia e decorrente burocracia envolvida.

Tal como em outros países, o Estado Brasileiro intervém claramente na economia e em outros setores por meio de regulamentações e subsídios, com o que diversos setores da sociedade tornam-se reféns de decisões administrativas e políticas estatais.242 Obviamente que não se trata de causa propiciadora da corrupção exclusivamente incidente em solo brasileiro, mas sim de causa que, aliada à herança patrimonialista, revela-se bastante esclarecedora.

Portanto, embora cientes de que em outros países a intervenção do Estado na economia se dá de maneira até mais presente, é fato que a intervenção do Estado brasileiro na economia é fonte de corrupção. Assim esclarecem Barbara GUEDES e Artur RIBEIRO NETO:

“Mantendo-se as demais condições, é de se esperar que a corrupção aumente na medida em que o setor privado se torne mais dependente do Estado, que haja maior interação entre empresários e funcionários públicos, e que a intervenção se torne mais meticulosa e discricionária. No Brasil, muitas empresas dependem há muito do governo para sustentar sua lucratividade. Nos escândalos recentes, destacaram-se especialmente as grandes empreiteiras de obras públicas, que tiveram papel crucial no financiamento das campanhas.”243

Em termos de sistema político e estruturação eleitoral pode-se afirmar que as alterações na legislação eleitoral e também em dispositivos constitucionais acabaram por aumentar a viabilidade de práticas corruptas vez que tanto reduziram a força do Poder Executivo para tornar suas coalizões estáveis e afiançar a fidelidade de seus apoiadores nas Casas Legislativas como, também, resultaram num aumento do poder do Congresso Nacional que propicia a corrupção e o clientelismo.244

241 Vide, neste sentido, GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes institucionais da

corrupção no Brasil. In: Corrupção e reforma política no Brasil: o impacto do impeachment de Collor. Keith S. Rosenn e Richard Downes (organizadores). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 63.

242 Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 61. 243 Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 61.

244 Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 56. Especificamente a

respeito da corrupção eleitoral e do clientelismo destaca PONTE: “O clientelismo político estimula a troca de votos por favores dos mais variados, que embora situem no campo da legalidade, por vezes, atingem a ética e a própria moral. Em tal prática há uma relação de

Segundo Leonardo AVRITZER:

“O sistema político brasileiro, no que diz respeito à sua organização eleitoral, passou por poucas mudanças durante o processo de elaboração da Constituição de 1988. O governo autoritário instituído em 1964, em vez de suspender o funcionamento das instituições políticas, reformou-as, estabelecendo fortes distorções no sistema político brasileiro, entre as quais vale a pena mencionar: a mudança na proporcionalidade das representações estaduais, o aumento do número de membros do Congresso e a forte implantação de critérios políticos na divisão de recursos do orçamento da União. Todos esses elementos levaram a uma lógica de financiamento do sistema político por meio de recursos públicos, que não foi desfeita durante a elaboração da Constituição de 1988.

Ao mesmo tempo, o sistema proporcional implantado no Brasil criou o chamado “presidencialismo de coalisão”245, um fenômeno que pode ser

descrito da seguinte forma: o presidente do Brasil se elege com uma quantidade muito maior de votos que seu partido recebe nas eleições para o Congresso, criando a necessidade de alianças políticas. Por sua vez, as negociações para a conquista da maioria no Congresso têm como moeda de troca os recursos públicos alocados no orçamento da União ou a distribuição de cargos entre os ministérios”246 cujo resultado é “um conjunto de

negociações no interior do Congresso que, como é amplamente sabido, favorece casos de corrupção e o popular “caixa dois”.”247

À guisa de conclusão segue parte do voto proferido pelo Exmo. Min. Luis Roberto Barroso248 em sua primeira manifestação na Ação Penal n. 470 (Mensalão);

“2. A sociedade brasileira está exausta do modo como se faz política no país. A catarse representada pelo julgamento da Ação Penal 470 é um dos muitos sinais visíveis dessa fadiga institucional. Sintonizado com esse sentimento, o julgamento desta ação pelo Supremo Tribunal Federal, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um modelo político, aí incluídos o sistema eleitoral e o sistema partidário. A inquietação social pela

satisfação imediata dos problemas dos eleitores pelo candidato, que atua frente a uma morosa e complexa máquina estatal, cuja burocracia justifica sua presença. Se o Estado for eficiente, independente e objetivo na solução dos problemas sociais, o clientelismo perde sua força, comprometendo sua própria existência.” PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 168.

245 Complementam Barbara GEDDES e Artur RIBEIRO NETO: “O principal problema com

que se defronta o Executivo num sistema presidencial é garantir apoio suficiente dos parlamentares para aprovar leis importantes. Esse problema ganha vulto sobretudo quando o partido do presidente não controla o Legislativo ou quando o partido do presidente é pequeno. Agrava-se também quando são muitos os partidos com cadeiras no Legislativo, o que obriga a negociar muitos pactos diferentes, e quando a falta de disciplina partidária exige que se negociem acordos com muitos parlamentares individualmente, e não com um número pequeno de lideranças partidárias.” GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 63.

246 AVRITZER, Leonardo. Governabilidade, sistema político e corrupção no Brasil. In:

Corrupção e sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras (orgs.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 45.

247 AVRITZER, Leonardo. Governabilidade, ..., p. 45.

248 Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-

content/uploads/2013/11/Introdu%C3%A7%C3%A3o-ao-voto-na-AP-470_Necessidade-de- reforma-pol%C3%ADtica.pdf, acesso em 22 de agosto de 2015, às 16h30min.

qual tem passado o Brasil nos últimos meses se deve, em parte relevante, à incapacidade da política institucional de vocalizar os anseios da sociedade. 3. As principais características negativas do modelo político brasileiro são: (i) o papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas; (ii) a irrelevância programática dos partidos, que funcionam como rótulos vazios para candidaturas, bem como para a obtenção de recursos do fundo partidário e uso do tempo de televisão; e (iii) um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações caso a caso a cada votação importante no Congresso Nacional. (Nada do que estou dizendo é novidade ou desconhecido. Por ocasião da minha sabatina, tive oportunidade de conversar com as principais lideranças do Congresso, quando pude constatar que esta percepção é geral, transpartidária).

4. Tome-se um exemplo emblemático. Uma campanha para Deputado Federal em alguns Estados custa, em avaliação modesta, 4 milhões de reais. O limite máximo de remuneração no serviço público é um pouco inferior a 20 mil reais líquidos. De modo que em quatro anos de mandato (48 meses), o máximo que um Deputado pode ganhar é inferior a 1 milhão de reais. Basta fazer a conta para descobrir onde está o problema. Com esses números, não há como a política viver, estritamente, sob o signo do interesse público. Ela se transforma em um negócio, uma busca voraz por recursos públicos e privados. Nesse ambiente, proliferam as mazelas do financiamento eleitoral não contabilizado, as emendas orçamentárias para fins privados, a venda de facilidades legislativas. Vale dizer: o modelo político brasileiro produz uma ampla e quase inexorável criminalização da política.

5. A conclusão a que se chega, inevitavelmente, é que a imensa energia jurisdicional dispendida no julgamento da AP 470 terá sido em vão se não forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político, tanto do sistema eleitoral quanto do sistema partidário. Após o início do inquérito que resultou na AP 470 – com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança –, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade.”