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NA PENÍNSULA DO BORORÉ, NA BILLINGS

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DORA NOGUEIRA PORTO

A METRÓPOLE E A NATUREZA:

REPRESENTAÇÕES, SOCIABILIDADES E MOBILIZAÇÃO

NA PENÍNSULA DO BORORÉ, NA BILLINGS

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DORA NOGUEIRA PORTO

A METRÓPOLE E A NATUREZA:

REPRESENTAÇÕES, SOCIABILIDADES E MOBILIZAÇÃO

NA PENÍNSULA DO BORORÉ, NA BILLINGS

Tese apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica – PUC-SP,

como exigência parcial para a

obtenção do título de DOUTOR em

Ciências Sociais, sob a orientação

da Profa. Dra. Lúcia Bógus.

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho contou com a colaboração, esforço e afeto de várias pessoas, às quais gostaria de manifestar meus sinceros agradecimentos. Correndo o risco de deixar de citar algumas, desde já me desculpo.

Em primeiro lugar, quero agradecer e ressaltar o privilégio de ter recebido contribuições e sugestões preciosas da dupla orientação das professoras Lucia Bógus na parte final e conclusiva do texto e Helena Ribeiro na maior parte do percurso.

Aos membros de minha Banca de Qualificação, Profa. Bader Buriham Sawaia e Prof. Élvio Rodrigues Martins, agradeço pelas valiosas sugestões.

Obrigada ao Prof. Ricardo Maranhão, pela leitura crítica, estímulo e amizade. Meus agradecimentos à Adriana, minha paciente professora de informática e ao Vasco, pela elaboração do Abstract.

Agradeço às minhas queridas filhas Sofia, pelo incentivo e apoio afetivo, Joana e Mathieu que, além do carinho, contribuíram para a realização das imagens. Neste grupo incluo minhas irmãs, Suzana e Cornélia, sempre presentes em todos os momentos e a todos os meus queridos amigos, com quem gostaria de partilhar os resultados deste trabalho.

Agradeço, especialmente, a disponibilidade e generosidade dos moradores do Bororé em me receber e fornecer as informações que tanto almejava desde o início da pesquisa.

Finalmente, agradeço o apoio material da PUC-SP que, através do Programa Dissídio, estimula a formação de seu quadro docente e, com isso, viabilizou a realização deste trabalho.

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RESUMO

“Eu moro na Ilha do Bororé. É mais chique! Nos sentimos diferente!”.

Silvana – moradora e Diretora da Escola

O objetivo desta pesquisa é compreender as articulações sociais responsáveis pelas representações e processos de mobilização dos moradores da Península do Bororé, suas implicações futuras e alternativas de ação. A territorialização e o imaginário da comunidade, que vive processos contraditórios – centro/periferia, natureza/urbanização, global/local, construção/descontrução – levou-nos ao questionamento do processo de identificação e de alteridade espacial e individual. A intervenção destas dimensões na vida das pessoas acaba por gerar respostas na elaboração e organização da sociabilidade, nas representações e lutas, num contexto social novo, próprio das grandes metrópoles.

As sensibilidades emergentes nos sonhos, no imaginário e no cotidiano culminam com a emergência de novas forças sociais e canais de participação na busca da inclusão social ou, como dizem, na participação cidadã. Os níveis e formas diferenciadas de participação, que vão dos menos aos mais atuantes, foram se delineando em tipos que identificamos como apáticos, acomodados, lutadores e

militantes.

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ABSTRACT

“ I live in Ilha Bororé! It’s more chic! We feel differents!” Silvana,resident and local school’s director

The aim of this study is to understand the social movements responsible by the representation and mobilizing processes of the inhabitants of the Bororé Peninsula, future implications and alternatives for action. The “territorialization” and the imaginary of the community, which has undergone contradictory processes – center/periphery, Nature/urbanization, global/local, construction/deconstruction – led us to questioning the process of identification and the spatial and individual alterity. Intervening in these dimensions leads to generating responses for the elaboration and organization of sociability, representations and struggles, in a new social context, very specific to large metropolis.

The emerging sensibility in dreams, in the imaginary and in daily life ends up with the emergence of new social forces and participation channels in the search for social inclusion or, as they say, for citizen participation. The different levels and forms of participation, which range from the less to the more active ways, began to be delimited in types which we identified as being apathetic, accommodated, fighters

and militants.

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS...IX LISTA DE GRÁFICOS...X LISTA DE MAPAS...XI LISTA DE SIGLAS...XII

INTRODUÇÃO ...14

CAPÍTULO I – PROPOSTA E ABORDAGEM TEÓRICA...19

1.1. SITUANDO A QUESTÃO...20

1.2. ABORDAGEM SOCIOLÓGICA: A COMPLEXIDADE ANTROPOSSOCIAL...26

1.2.1 Modernidade e Pós-Modernidade: Iluminismo e Sociedade Intervalar ... 29

1.2.2. Sociabilidade e Complexidade: Subjetividade e Institucionalização... 34

1.2.3. Conexões e Desconexões: Espaço-Tempo e Global-Local ... 39

1.2.4. Utopias em Construção ... 45

CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E

PROCEDIMENTOS ...51

2.1. REPRESENTAÇÃO SOCIAL: O SIMBÓLICO E O IMAGINÁRIO...52

2.1.1. Teoria Social: da Sociologia Clássica à Discussão Atual ... 52

2.1.2. Identificação Social e Mediações da Representação Social ... 56

2.2. REPRESENTAÇÃO DA NATUREZA E DO MEIO AMBIENTE...60

2.3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS...62

2.4. ETAPAS DA COLETA DE DADOS...63

CAPÍTULO III – O LÓCUS DA PESQUISA: PENÍNSULA DO BORORÉ ....67

3.1. A QUESTÃO DAS ÁGUAS NO MEIO AMBIENTE URBANO...68

3.1.1. Os Mananciais na Bacia da Billings ... 77

3.1.2. O Processo de “Artificialização” da Natureza... 80

3.1.3. Os Atores Sociais: População e Ocupação do Solo... 87

3.2. CARACTERÍSTICAS DA PENÍNSULA DO BORORÉ...99

3.2.1. Dados Geofísicos... 99

3.2.2. Dados Populacionais... 101

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CAPÍTULO IV – OS MORADORES DA “ILHA” EM SUAS

REPRESENTAÇÕES SOBRE A NATUREZA E LUTAS SOCIAIS,

SEUS SONHOS E PRÁTICAS COTIDIANAS ...108

4.1. IDENTIFICAÇÃO...109

4.2. O BAIRRO DO BORORÉ...124

4.2.1. Problemas do Local e da Cidade Global ... 124

4.2.2. Sociabilidade: Festas Locais, Vizinhanças e Amizades ... 130

4.3. MOBILIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO...133

4.3.1. Envolvimento e Ação ... 134

4.3.2. Lutas Sociais: Passado e Presente ... 146

4.4. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS...154

4.4.1. Natureza ... 154

4.4.2. Identificação Territorial ... 164

4.4.3. Sonhos... 167

4.4.4. Realidade ... 174

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...178

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Características dos sistemas de abastecimento...72

Tabela 2: Densidade demográfica na bacia da Billings (1980-1996)...73

Tabela 3: População rural e urbana residente na bacia da Billings (1980-2000) ...74

Tabela 4: População residente da bacia Billings, por sexo (2000)...75

Tabela 5: Domicílios localizados em favelas, cômodos e improvisados. Município de São Paulo (1991- 2000) ...89

Tabela 6: População residente na bacia do Billings, por grupos de idade...90

Tabela 7: Domicílios particulares permanentes, por forma de abastecimento de água...92

Tabela 8: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, na Bacia da Billings ...93

Tabela 9: Domicílios particulares permanentes, por forma de destino do lixo, na Bacia da Billings ...93

Tabela 10: População alfabetizada (10 anos ou mais) e taxa de alfabetização na Bacia da Billings ...94

Tabela 11: Matrículas, estimativa de evasão e pessoas sem instrução (10 anos ou mais) – 2003 ...95

Tabela 12: Rendimento médio dos ocupados no trabalho principal (em R$ - abril 2004) e nível de instrução na região sul 2 (jan/abr)...96

Tabela 13: Chefes de Família, por classe de rendimento em número de salários mínimos (1991 – %) ...96

Tabela 14: Situação de ocupação por setor de atividade, comparativamente ao Estado de São Paulo (1995) ...97

Tabela 15: Faixas de renda per capita familiar no Distrito do Grajaú (% –2000) – Município de São Paulo ...102

Tabela 16: Massa salarial de emprego formal por setor e atividade econômica – Distrito do Grajaú – Município de São Paulo (% – 2000)...103

Tabela 17: Coeficiente de urbanização e de vegetação em 1989 e 1999 ...103

Tabela 18: Estado civil e número de filhos ...109

Tabela 19: Local de nascimento ...110

Tabela 20: Tempo de permanência no bairro e no domicílio...111

Tabela 21: Escolaridade ...115

Tabela 22: Faixa de renda pessoal e familiar, em números absolutos e percentuais...116

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Lista de Gráficos

Gráfico 1: Taxa média de crescimento populacional ...71

Gráfico 2: Variação da densidade – municípios da bacia da Billings (1980-1996) (%) ...73

Gráfico 3: Taxa geométrica de crescimento anual da população da bacia da Billings - 1991 a 2000 (%) ...74

Gráfico 4: Área localizada em área de proteção aos mananciais no Grande ABC (%) ...79

Gráfico 5: População urbana, rural e favelada - 1991 e 1996 ...89

Gráfico 6: População da bacia da Billings por grupos de idade (%)...91

Gráfico 7: Forma de abastecimento de água por domicílio (%)...92

Gráfico 8: Nível de instrução (1995-2003) – região sul 2 (%) do município de São Paulo...95

Gráfico 9: Mortalidade Infantil – bacia Billings (1980 e 1994) ...98

Gráfico 10: Faixas de renda per capita familiar no Distrito do Grajaú (% –2000) – município de São Paulo ...102

Gráfico 11: Variação de urbanização e de vegetação em 1989 e 1999(%) ...104

Gráfico 12: Faixa etária ...109

Gráfico 13: Estado civil Gráfico 14: Número de filhos...110

Gráfico 15: Local de nascimento...110

Gráfico 16: Tempo de moradia...111

Gráfico 17: Escolaridade ...115

Gráfico 18: Faixas de renda...116

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Lista de Mapas

Mapa 1: Região Metropolitana de São Paulo, no Estado de São Paulo e no Brasil...69

Mapa 2: Expansão urbana na bacia hidrográfica da Billings (1989 – 1999)...75

Mapa 3: Limites municipais – bacia hidrográfica da Billings...79

Mapa 4: Evolução da cobertura florestal nativa (1989 - 1999) – bacia da Billings ...82

Mapa 5: Uso do solo em 1999 – bacia hidrográfica da Billings...87

Mapa 6: Uso do solo em 1989 – bacia Hidrográfica da Billings...88

Mapa 7: Eixos de expansão da urbanização – bacia hidrográfica da Billings...104

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Lista de Siglas

AIH – Autorização de Internação Hospitalar APA – Área de Proteção Ambiental

APM – Associação de Pais e Mestres

Amib – Associação dos Moradores da Ilha do Bororé Amvib – Associação de Moradores da Vila Bororé

APRM – Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CBH-AT – Conselho de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê

Cetesb – Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo

Comase – Comitê Coordenador de Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico. Comitê Técnico Industrial

DUSM - Departamento de Uso do Solo Metropolitano Emae – Empresa Metropolitana de Águas e Energia

Hidroplan – Plano Integrado de Aproveitamento e Controle de Recursos Hídricos

IAN – Índice de Antropização

Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICPH – Índice de Comprometimento de Produção Hídrica ISA – Instituto Socioambiental

MOVA – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos ONG – Organização Não-Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas PED – Pesquisa Emprego e Desemprego

PERH – Plano Emergencial de Recursos Hídricos

PMDI – Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo

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Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo Seade – Sistema Estadual de Análise de Dados

Semasa – Serviço Municipal de Água e Saneamento de Santo André Sempla – Secretaria Municipal de Planejamento

SES – Secretaria de Energia e do Estado de São Paulo SMA – Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo SVE – Sistema de Vigilância Epidemiológica

SVMA – Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente UBS – Unidade Básica de Saúde

UGRHI – Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos

Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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Introdução

“Cheguei com mochila na mão, pote de farinha e um monte de filho. Tomei consciência que era gente! Consegui tudo nesse espaço”.

Eraldo, mais de 60 anos, aposentado da antiga Eletropaulo e morador do Bororé a mais de 30 anos.

Os processos em curso no espaço de metrópoles como São Paulo, cujo meio ambiente está em perene construção e desconstrução, sem centro nem periferia claramente definidos – ou, se quisermos, com diferentes centros e periferias –, estabelecem uma dinâmica específica de relações e lutas em simbiose com este espaço construído, com esta natureza artificializada.

Ao não existir mais um único núcleo decisório – local, nacional ou internacional –, e sim espaços de deliberação espalhados pelo mundo, a noção de centro alterou-se, mesmo que, como no caso de São Paulo, ainda incorpore escritórios de empresas multinacionais e corporações transnacionais, partidos políticos, organizações administrativas e científicas, que interferem nas decisões.

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crescentemente urbanizadas, de outro, criam uma natureza cada vez mais artificial, uma tecnosfera.

A artificialidade da razão instrumental já era apontada por Weber como constituinte da tragédia cultural da modernidade ocidental, uma vez que a racionalização dos fins e sentidos das ações humanas evidenciava o desencantamento e a falta de sentido da vida, cada vez mais dominada pelo cálculo contábil, em detrimento dos valores e da ética cultural. Mais tarde, na crítica da razão clássica, Adorno e Horkheimer reforçaram este feitio instrumental das ações na era industrial, em que o que mais vale é o aspecto prático. A modernidade que se instalou no Ocidente propicia, dessa forma, uma crescente dissociação entre o mundo da razão, do exterior – objetos, técnicas, mercados, sinalizações, informações – e o mundo interior do indivíduo, da subjetividade, produtora de uma crise no processo identitário, pela falta de conteúdo significativo.

A sociabilidade pós-moderna, própria das grandes metrópoles – fluida, efêmera, com imagens híbridas de máquinas e organismos obscuros –, tem de dar conta da sensibilidade social que emerge, integrando-a nos diferentes espaços-tempos, seja no âmbito global, seja no local. Essa nova sensibilidade pode vir a gerar uma tendência ao fechamento, uma volta às raízes, à natureza e à comunidade, propiciando a criação de um mundo próprio, com significações que lhes são específicas. Ao criar magmas de significação (CASTORIADIS, 1996) que assumem as funções de estruturação das representações do mundo, a sociedade designa a finalidade das ações e estabelece os tipos de afetos.

O enfraquecimento ou deslocamento do processo de identificação com instituições sociais (o habitat, a família, o local de trabalho) acaba por gerar, no entender de Castoriadis (1996), uma crise identitária. Esses processos, enquanto espaços constitutivos de sentido, ao estabelecer o diálogo entre representações sociais, sonhos e práticas cotidianas, podem contribuir para a compreensão das novas utopias que atuam na construção de uma nova totalidade social.

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dentro da aglomeração – o que dificulta a relação entre a cidade-meio ambiente construído e a cidade-máquina econômica. As cidades globais e suas contrapartidas regionais são os locais específicos em que as múltiplas atividades e interesses da globalização econômica se realizam. Estas contêm a história das atividades que se efetivam na cidade: do emprego, das classes, da divisão do trabalho e outras, ou seja, a história da socialização na cidade e pela cidade.

Buscaremos contextualizar o espaço urbano da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP como próprio das cidades globais de países não-centrais, onde o crescimento industrial e econômico combinou processos desiguais de desenvolvimento: modernização cosmopolita, divisão internacional do trabalho, estradas, energia, portos e zona agrícola próxima, com entorno caracterizado como de “padrão periférico” ou subordinado de urbanização.

Plantada numa área de mananciais, a cidade de São Paulo integra o espaço das cidades globais, em que as atividades estratégicas dominantes estão organizadas em redes de decisão e de troca que conectam desde mercados financeiros até mensagens audiovisuais. A análise da questão das águas – mananciais na bacia da Represa Billings – nesse meio ambiente urbano (RMSP) em constante processo de transformação passa pela consideração da convivência da cidade industrial com a global, seus fluxos e ritmos, que concretizam, nas práticas do cotidiano, o todo e o particular, o universal e o singular próprio de cidades mundiais. Essa atmosfera exprime a diversidade e a polissemia das sociedades complexas, em que cada coisa e seu contrário podem existir simultaneamente.

Para atingir os objetivos expostos, estruturamos o trabalho da seguinte maneira:

No Capítulo I, apontamos os aspectos considerados relevantes para o presente trabalho, situando o contexto de análise e a leitura sociológica realizada, a partir dos sistemas auto-eco-organizados e de sua multidimensionalidade complexa. A discussão dos diferentes espaços-tempos na modernidade e na pós-modernidade, suas conexões e desconexões com o global e o local, situa-se no âmbito de abordagem da complexidade antropossocial. Entendemos, ainda, ser necessário, refletir sobre seus impactos na sociabilidade e na subjetividade, envolvidos nas práticas cotidianas e na construção de utopias.

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refere aos significados e ao imaginário, subjacentes a elas. Para a compreensão desses elementos que compõem a subjetividade, pareceu-nos importante retomar alguns aspectos da teoria social, no que se refere aos processos identificatórios. Tendo em vista o espaço em questão – ecossistema urbano em área de proteção de mananciais – reflexões sobre representações da natureza e do meio ambiente foram avaliadas como suporte necessário para o entendimento dos aspectos levantados. Estes, em nosso entender, só poderiam ser captados através de pesquisas de caráter qualitativo – entrevistas semi-estruturadas, em profundidade; participação em reuniões; observações etc. – cuja quantidade não aumentaria, necessariamente, a capacidade explicativa almejada, dado que pretendia captar as subjetividades, dos sonhos, a imaginação em confronto com a realidade e a prática cotidiana. A seleção do espaço – Península do Bororé, na bacia da Billings – se deu em função da sua especificidade, qual seja, parte da RMSP que integra uma área de proteção ambiental aos mananciais. Vivendo num espaço privilegiado desta cidade-região, seus moradores participam do entorno caracterizado por uma urbanização “periférica” de que ainda estão protegidos pelas dificuldades de acesso.

O Capítulo III é composto por uma descrição deste espaço urbano e do perfil de seus moradores, para dar suporte à análise da pesquisa. Fizemos, assim, um breve relato das transformações físicas desse território, do processo de ocupação da área e da urbanização periférica, das condições de vida de seus moradores, no referente ao nível educacional e socioeconômico, valendo-nos de dados secundários de fontes oficiais.

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às perspectivas foram buscadas, na tentativa de acompanhar o caminho percorrido por esses moradores, contrapondo os sonhos e as utopias com as suas possibilidades de realização. A apropriação, domínio e produção deste espaço são sempre afirmados como dependentes da participação de todos da comunidade.

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Capítulo I

Proposta e abordagem

teórica

Fonte: fotografia de Matthieu Rougé.

“Essa consciência é política, politizada, o assunto é a desigualdade social no Distrito do Grajaú.”

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1.1. Situando a questão

O espaço a que nos referimos situa-se na área de mananciais do Reservatório Billings, integrando os chamados “centros regionais novos“. Estes, enquanto nódulos da sociedade em rede, ao participarem do processo de globalização, ainda que de modo incompleto, alteram a qualidade nas relações do Homem com o meio ambiente urbano em função das novas referências do espaço e do tempo, das noções de local e global.

Entendemos ser necessário um aprofundamento da reflexão sobre as dimensões espaço e tempo das cidades globais e das tecnopólis – redes de nódulos urbanos e centros de inovação –, para a captação dessas “novas” relações dialógicas do Homem com seu meio ambiente. A integração desse conhecimento passa por incessantes idas e vindas entre: certeza-incerteza, individual-global, separável-inseparável, ordem, desordem, reorganização. Ao interiorizar as transformações constantes do meio, as “tecnicidades” próprias das cidades mundiais e subjetivá-la no imaginário e no simbólico, os indivíduos se expressam através de representações sociais e em diferentes formas de sociabilidade e mobilização, respostas a essa lógica espacial de que é co-participante.

Confrontando as manifestações desse impacto com as visões de meio ambiente, expressas em representações e práticas sociais, o presente estudo pretende apreender as respostas a esse contexto: abertura e mobilização social para sua alteração ou imobilismo e fechamento no individualismo. Essas posturas em face das mudanças de que participam talvez nos permitam captar o diálogo entre a subjetividade e a sociabilidade dos atores sociais que pesquisamos.

A apreensão da multidimensionalidade complexa de um sistema auto-eco-organizado, conforme conceituação de Morin (1998), exige a captação de diversos ecossistemas urbanos com dinâmicas assemelhadas que também estejam vivenciando a compressão espaço-tempo da pós-modernidade. A busca de pistas para a construção de mapas da subjetividade que possam se constituir em emancipatórios deve se centrar no cotidiano, no lócus das manifestações, enquanto expressões das representações sociais.

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tempo de moradia, condições econômicas – tipo de atividade e ganhos – e escolaridade.

Os significados referentes às tecnicidades – objetivos e técnicas do mundo instrumental – e à natureza – água e mananciais – enquanto representações do mundo cotidiano que erigem identidades social e territorial podem nos auxiliar na construção de perfis de visões ambientais, estratégias de lutas e perspectivas de gestão ambiental. Nessa busca, tentar-se-á verificar as possíveis relações entre áreas ou espaços degradados e precariedade socioambiental no processo de exclusão social.

A captação da relação dialógica entre espaço e tempo, pressupõe a análise das seguintes dimensões, referidas por Lefebvre (apud HARVEY, 1992):

a do vivido – as práticas espaciais materiais representadas pelos fluxos, transferências e interações físicas e materiais que ocorrem no e ao longo do espaço, garantindo a produção e a reprodução social;

a do percebido - as representações do espaço pelos signos e significados, códigos etc. que nos permitem falar e nos compreender;

a do imaginário – os espaços de representação, as invenções mentais que imaginam novos sentidos e possibilidades para práticas espaciais.

Nestas práticas espaciais e processos materiais que servem para a reprodução da vida social, precisamos, ainda, ponderar quatro aspectos, que discriminamos abaixo:

acessibilidade e distanciamento, quando a distância é, ao mesmo tempo, barreira e defesa contra a interação humana;

apropriação do espaço, pelo modo como é ocupado por objetos – casas, fábricas, ruas, atividades, usos da terra, indivíduos, classes ou grupos sociais. A apropriação sistemática e organizada pode envolver formas territorialmente determinadas de solidariedade social;

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específico se confrontam com o universal e o urbano tangencia o rural, constituem-se em objetos deste estudo;

produção do espaço, pela maneira como novos sistemas – reais ou imaginários – do uso da terra, transportes, comunicações, organizações territoriais são produzidos e como surgem novas modalidades de representação. Esse processo de descontinuidades e de hibridismo, que constrói e desconstrói paisagens e identidades, pode nos ajudar a mapear esse mundo interior. A integração desigual e combinada da lógica espacial e seus reflexos sobre a sociabilidade podem conter respostas de caráter político e de mobilização social para o enfrentamento das tensões resultantes da convivência na cidade dual, em que a exclusão e a desigualdade social se inscrevem, e as reações à imprevisibilidade das “tecnicidades” nas sociedades de risco.

Essas dimensões não independem umas das outras, havendo uma fricção implícita entre a apropriação persistente do espaço por um grupo particular que o domina e a redução do tempo e da distância na sua produção que vem a permitir a acumulação flexível. Assim como espaço e tempo não podem ser compreendidos independentemente da ação social, pois as relações de poder sempre estão implicadas em práticas temporais e espaciais.

Enquanto os especialistas confinam os termos perigo e risco a uma combinação de magnitude e probabilidade de efeitos adversos, os leigos os associam a uma variedade de critérios, tais como possibilidade de controle pessoal, familiaridade, ânsia e desejo de certeza científica. A atual ambigüidade reside no fato que a técnica aparece, ao mesmo tempo, como perigo e como elemento de salvação da humanidade. Ao respaldar-se na razão instrumental, manipulando fenômenos naturais, vai, gradativamente, autonomizando-se em relação à sociedade como esfera autodiretiva.

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(1996), é reconhecível não só pelos problemas objetivos, que apresentam perigo físico e biológico, mas, fundamentalmente, pelo princípio do individualismo, segundo o qual os agentes se tornam cada vez mais livres das expectativas normativas das instituições sociais.

A “reflexividade” pode ser entendida nos seguintes sentidos:

como resultado e problema em si mesmo: os perigos globais fundam mutualidades também globais, delineando o contorno de uma esfera pública mundial a ser moldada;

como globalidade percebida enquanto autocomprometimento de civilizações, ao criar cooperativas internacionais, além das bases sociais de segurança ideais;

remoção possível das fronteiras do político e aparição de constelações subpolíticas globais e diretas, que relativizam e circunscrevem políticas de Estado-nação e que podem levar a um mundo mais amplo de alianças de crenças mutuamente excludentes;

desintegração, desencantamento e exaustão das fontes de significados coletivos e expectativas de grupos.

A “reflexividade” das sociedades de risco adentra o habitat, o lugar em que se constrói e se define a territorialidade de uma cultura, a espacialidade de uma sociedade e de uma civilização e, também, lugar de constituição dos sujeitos sociais que “projetam o espaço geográfico apropriando-se dele, habitando-o com suas significações e práticas, com seus sentidos e sensibilidades, com seus gestos e prazeres” (LEFF, 2001a, p. 283).

Tomamos como uma de nossas hipóteses que a alternativa atual para uma metrópole globalizada, fragmentada e excludente, como é o caso de São Paulo, é a afirmação e apropriação do seu território cultural, através da participação da comunidade na gestão e na resolução de conflitos sobre os vários usos da água – abastecimento público, lazer, energético, irrigação, controle de enchentes e outros.

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isolamentos, integram um contexto de análise que supomos de caráter complexo, característico de sociedades auto-eco-organizadas.

Na linha da abordagem de Pedro Jacobi (1999a), buscaremos adentrar a subjetividade através do imaginário dos diferentes atores sociais, para captar percepções, símbolos e imagens formadores de representações sociais e em conexão com a vida social de um mundo instrumental, inserido numa natureza artificializada, que convive com os riscos inerentes a tais espaços. Quanto à sociabilidade, tentaremos compreender, através das relações cotidianas dos diferentes atores, as reações, as respostas ao lócus de urbanidade: seja de negação e luta para a construção de melhores condições de vida, de laços de afetividade e segurança, seja de aceitação e adaptação ao meio. Tais posturas podem nos auxiliar a compreender os processos de identificação social, territorialidade e hibridismo atuantes na construção de símbolos e significados.

Analisando o vínculo entre o simbólico e o imaginário, Castoriadis (1996) aponta a conexão destes com o componente racional-real, que representa o real, compondo um imaginário central e um periférico, em que se processam outras elaborações imaginárias dos símbolos e se expressam as representações sociais. Gestadas na subjetividade e exteriorizadas no convívio, as representações sociais estabelecem essa ligação entre o simbólico e o imaginário, exprimindo o componente racional-real na sociabilidade. Estas dimensões da sociabilidade, aliadas às novas formas de mobilização social e participação política, produzem e são produzidas pelas descontinuidades espaço-temporais e pelas desigualdades sociais próprias deste tipo de cidade. A exclusão se manifesta na crescente associação entre natureza artificializada e degradação ambiental e social do espaço urbano.

(25)

particularismos e integrismos. Paradoxos para que concorrem múltiplas causas: econômicas, sociais, políticas, epistemológicas etc., numa enorme fragmentação.

Beck (1996), assim como Jacobi (1999a), afirma que há uma lógica de distribuição de riscos, ou seja, o quadro de risco existente afeta desigualmente a população. Reportando-se especificamente a cidades de grande porte, como São Paulo, Jacobi aponta a existência de diferenças e desigualdades entre as zonas das cidades. Esta heterogeneidade exprime-se na precariedade socioambiental dos setores mais pauperizados da população, em que os aspectos nocivos do ambiente acabam por se relacionar com as condições de acesso ao serviço público e a riscos ambientais em função da precariedade do atendimento urbano das áreas onde se situam muitos assentamentos. Desse modo, acaba ocorrendo uma convergência entre riscos de caráter socioambiental e problemas de natureza urbana.

Entendemos, ainda, que as pistas ou sinais de construção de novas utopias podem ser captadas nos confrontos e cruzamentos espaciais e temporais, tanto nas abordagens globais quanto nas vivências locais em espaços mutantes, em que a razão instrumental e a tecnologia recriam a natureza – revertendo rios e transformando-os em represas –, mudando suas funções naturais e pervertendo seus usos comuns. Tais utopias supõem relações dialógicas entre natureza e sociedade, numa troca igualitária e democrática, em que o respeito à biodiversidade alie-se à aceitação da sociodiversidade, em que degradação ambiental não se associe à exclusão social e em que a vida urbana adquira melhor qualidade em termos de sustentabilidade e salubridade.

Nessa perspectiva, sugere Leff (2001), é possível pensar o ambiente como um espaço no qual se articulam processos de diferentes ordens de materialidade e racionalidade e que são capazes de gerar um potencial ambiental de desenvolvimento. Touraine (1998) nota em suas análises sobre igualdade e diversidade certa tendência à mudança de uma visão vertical hierarquizada para uma horizontal – que confronta centro-periferia, dentro-fora, globalizado-excluído e concentração do capital-descentralização da produção –, que cria distâncias crescentes entre o mundo objetivado e o mundo subjetivado.

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sociabilidade em ecossistemas urbanos, como o da RMSP, incorporam a reflexibilidade global-local e a imprevisibilidade dos efeitos da globalização.

Vivemos juntos no mundo instrumental, da tecnologia, dos instrumentos e das mensagens presentes em toda parte e em lugar nenhum, porque não se ligam à sociedade e à cultura, atuando em separado dos valores, do mundo simbólico. Em face do movimento concomitante e inverso de comunicação global e de volta à comunidade com reforço dos grupos de referência, Touraine (1999) se questiona e nos questiona: podemos viver juntos e separados, enquanto indivíduos iguais e diferentes? Como horizonte, discerne a possibilidade de uma refazer a comunidade, em que a perda da socialização anterior da cultura de massa busca a defesa da identidade com base na reprivatização de parte ou da totalidade da vida pública, para o restabelecimento do equilíbrio entre leis e costume, razão e crença.

1.2. Abordagem Sociológica: a Complexidade Antropossocial

O fim das certezas e do futuro previsível, o fim da historicidade e da ética de convicção, o indeterminismo e a persistente idéia de decadência vêem a exigir, nos fins do século XX e inícios do atual, a reinvenção do futuro, a busca de uma nova lógica global e local. Lógica esta que compreenda a inteligibilidade da natureza e do humanismo, pondo fim à dicotomia Homem–natureza, à linearidade do tempo e ao modelo cientificista que Morin (1998) qualifica como determinista, mecanicista e reducionista, que desconhece a eventualidade e a bifurcação das múltiplas dimensões de convivência espaço-temporais.

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através do domínio científico da natureza, busca-se a satisfação das necessidades, libertação da escassez e das arbitrariedades das calamidades naturais.

À crescente especialização, Morin (1998) propõe a abertura à complexidade antropossocial, que permite a apreensão da multidimensionalidade e da complexidade das realidades sociais. A visão da sociedade enquanto sistema auto-eco-organizado deve pressupor: reintrodução do princípio dialógico, concepção sistêmica, consideração de causalidades recursivas complexas entre indivíduos e sociedade, integração observador-conceptor e reintegração da interrogação e da reflexão filosófica no trabalho sociológico.

Nesse “caldo cultural”, a integração do caos com a aceitação da incerteza, do imprevisível, da desordem e da efervescência social são as precondições, segundo Maffesoli (1998), para a apreensão de um “saber dionisíaco” e compreensão da “socialidade” impregnada de sensibilidade e de comunicação verbal. Torna-se, portanto, necessário voltar à matéria humana, à vida humana, ao domínio do sensível, rompendo com a postura racional e abstrata dominante.

Multidimensionalidade e diversidade do espaço-tempo de convivência, ao serem incorporados pela subjetividade e objetivados na sociabilidade, supõem a reintegração da acima referida interrogação e reflexão filosófica. Esta reincorporação deve se dar numa relação dialógica que exponha as ligações, sem impor a uniformidade, entre os paradigmas da modernidade e os da pós-modernidade para superação da crise identitária, enquanto momento de totalidade social e possibilidade de criação de magmas de significação. Sociabilidade esta que, em vez do enclausuramento – clôture –, do fechamento em pequenas comunidades e individualidades, participe de utopias com vistas à autonomia, numa sociedade com relações igualitárias e democráticas, em que está pressuposta a aceitação da alteridade nas relações inter-humanas, numa autêntica conversação.

Acreditamos que a abordagem sociológica de Morin (1998), ao propor a abertura à complexidade antropossocial, permite a apreensão da multidimensionalidade e da complexidade das realidades sociais, sendo, assim, a mais adequada aos presentes propósitos. A visão de sociedade enquanto sistema auto-eco-organizado, segundo a referida proposição, supõe:

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uma concepção sistêmica que integre relações complexas entre as partes e o todo, substitutivo do reducionismo e do holismo;

autonomia do sistema aberto e auto-eco-organizador como ponto de partida;

a consideração de causalidades recursivas complexas entre indivíduos e sociedade, assim como entre o sociológico, o político, o econômico, o cultural, o psicológico;

integração observador-conceptor; e

reintegração da interrogação e da reflexão filosófica no trabalho sociológico.

As análises das questões ambientais em proposição se prestam a este tipo de abordagem, pois, através do referido remembramento sistêmico, enquanto sistema de causalidades recursivas complexas, as interações das condições geográficas, físicas, climáticas, vegetais, humanas são autoproduzidas e auto-reguladas, recobrindo competências de várias e variadas disciplinas. Enquanto objeto sistêmico da sociologia, articula uns aos outros os conhecimentos separados e divididos em subdisciplinas e em outras ciências sociais, permitindo a reintegração da interrogação e da reflexão filosófica, através do princípio dialógico e da integração observador-conceptor.

Complexo antropossociológico, dependente e autônomo, o meio ambiente permite e exige o restabelecimento de comunicações e articulações com outras ciências, em geral, e as humanas, em particular. Essa abordagem acrescenta, ainda, uma dimensão vivencial da sociabilidade no cotidiano, do reconhecimento da subjetividade num saber que alia a explicação e a compreensão na construção de um diagnóstico e de possíveis prognósticos da relação do Homem com seu habitat.

Ao redescobrir a complexidade, o mistério, a riqueza, a beleza, a crueldade, vida e humanidade, a referida abordagem permite que a sociologia ressuscite o Homem e o Sujeito que negara e promova a ligação de todo o sistema vivo, do humano, do social no meio ambiente.

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potencialidades de autonomia humana que podem manifestar, enquanto atores e seres conscientes, construtores de utopias.

O caráter dialógico da atividade científica envolve, segundo essa linha de pensamento, a conflituosidade, e não o esmagamento de uma tese pela sua antítese. Compreende a concorrência e o antagonismo de várias teses, estabelecendo um diálogo, num movimento dinâmico das idéias. A apreensão, pela subjetividade dos indivíduos, da noção de concomitância e aceleração do espaço-tempo na pós-modernidade, bem como suas formas de manifestação na sociabilidade, privilegiam este tipo de análise, que tenta compreender a relativa autonomia e indeterminismo que atravessam a construção e a desconstrução de utopias ambientalistas e de visões e interpretações do mundo instrumental e simbólico, em detrimento de uma concepção mais determinista. Estes processos apontam as tensões e contradições do mundo moderno, ou seja, os confrontos da globalização e da localização.

“As polideterminações são mais favoráveis à reflexão e à inovação, à hibridização e às sínteses, às superações e aos progressos” (MORIN, 1998, p. 41). A ocorrência de rupturas e descontinuidades na vida cotidiana e nos projetos de vida é correlata à acumulação de riscos insuperáveis e à coexistência de excessos – como ordem e desordem – que, de tão freqüentes, torna-se rotina – e esta se torna catastrófica.

É nesta ambientação de uma sociedade intervalar (SANTOS, 1996) que caminharemos, como num bosque onde os caminhos se bifurcam e podemos traçar a própria trilha e, portanto, criar seus símbolos, atribuir significados e desenvolver identificações, optando por inúmeras bifurcações, na escolha das formas particulares de manifestação social e de elaboração de representações sociais e de utopias em luta pela autonomia, pela transformação e pela renovação cultural da política.

1.2.1 Modernidade e Pós-Modernidade: Iluminismo e Sociedade Intervalar

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ética e do direito – constituíram-se num projeto ambicioso e revolucionário, cheio de contradições.

Ao instrumentalizar a ciência, a lei, o governo e a própria língua, o Iluminismo reduziu a diversidade à igualdade, a espontaneidade à uniformidade e a diferença a objetos multiformes sob seu controle, criando a utopia do progresso e a “civilização” e, ao mesmo tempo, a alienação e o encarceramento, em vez da satisfação.

No projeto de autonomia da Idade Moderna, a razão – sociedade industrial – marcou a ruptura com a verdade e com a imprevisibilidade do destino dos homens, fundamento da atividade humana na Idade Média. O mito pré-racional e a magia preservaram a unidade do Homem com a natureza até ela ser destruída pela razão que ele passou a usar para determinar sua própria vida e dominar tudo o que parecia separado dele e da razão humana, isto é, o outro.

A tensão e a oposição entre dois significados nucleares no capitalismo – autonomia individual e social e dominação racional –, que criaram a imagem do progresso e da possibilidade de felicidade e emancipação humana, começaram a ruir e a ser dominadas pelo conformismo. Conformismo e apatia que foram se construindo a partir das oposições velocidade/letargia, publicização/privatização, participação/despolitização, individualismo/massificação e outras, geradoras de resignação e impotência.

As formas de organização social e os modos racionais de pensamento que prometeram o fim das irracionalidades – mito, religião, superstições, uso arbitrário do poder e do próprio lado sombrio da nossa natureza humana – com o estabelecimento da ordem negavam o acaso e a contingência. Weber, nos primórdios da modernidade ocidental, apontava para o desencantamento da vida cultural do mundo, pelo domínio crescente da racionalidade instrumental. No exato momento de sua fundação, o racionalismo estabeleceu os próprios limites, contraditórios e complementares, entre os extremos de racionalidade e irracionalidade, ignorando o simbólico, a experiência vivida e a sensibilidade.

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e estruturas de sentido da cultura – fundem-se. Desse modo, o aparelho de dominação administrativa e política estende-se por todas as esferas da vida social, com técnicas organizacionais cada vez mais eficientes e previsíveis, desenvolvidas por instituições como a fábrica, o exército, a burocracia, as escolas e a indústria de cultura. Essa manipulação não é só externa, ela é interiorizada através das relações interpessoais, penetrando na natureza interna dos indivíduos. Ao fragmentar os processos de trabalho e de produção, atomiza a vida social, obrigando o indivíduo a, para sobreviver, adaptar-se ao aparelho.

A ambição da ciência é conquistar e subordinar a natureza às necessidades humanas, visão que objetiva o controle de um objeto passivo, sem propósito próprio. A natureza, na concepção moderna, opõe-se à humanidade, é o outro, não tem objetivo, significado e é maleável à liberdade do Homem. Assim, a vontade da humanidade é a única com direito de legislar, estabelecer significados e padrões de bondade; qualquer coisa que comprometa a ordem e a harmonia liga-se à natureza e é tratada como tal, tornando-se natural, num argumento circular inexpugnável.

Nesse esforço para produzir e sustentar a existência, a modernidade acaba por manipular a capacidade de gerenciar e administrar, definindo a ordem e colocando de lado o caos. Mas a dominação da natureza acaba por voltar-se contra o próprio Homem que, ao buscar acabar com a ambivalência – o vazio –, coloca limites à incorporação e assimilação e gera a intolerância. Existe, assim, uma relação de amor e ódio entre existência e cultura moderna, na medida em que essa complementaridade é de oposição – harmonia/desarmonia – e de inconclusividade endêmica.

O projeto certeza da modernidade, ao unir ordem racional e universal, mescla ordem política e conhecimento verdadeiro num mundo sem contingência e sem ambivalência. A imagem mais acabada do Homem moderno é o personagem de Kafka – do livro O Processo –, que luta entre os extremos da racionalidade e da irracionalidade, num tormento emocional, desorientado, perdido, num mundo sem sentido.

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orientadas pela linearidade do progresso – que, inevitavelmente, levará à descoberta da verdade e à ordem.

Destronada pela física, a ordem, ao reencontrar a multiplicidade dos tempos, enuncia a reversibilidade e a formação de estruturas dissipativas, constitutivas do acaso e das significações aleatórias. A orientação no tempo expressa na imagem da

flecha do tempo é eliminada pela convivência do diverso e do mutante com o idêntico e o permanente. A ocorrência de rupturas e descontinuidades na vida cotidiana e nos projetos de vida é correlata à acumulação de riscos insuperáveis.

Para Harvey (1992), no pós-modernismo ocorre uma total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico, mas que, em vez de transcender e opor-se, justapõem-se, proliferam e promovem a disjunção. Assim, prefere-se o positivo e múltiplo à uniformidade e à diferença, o fluxo às unidades e os arranjos móveis aos sistemas, considerando-se produtivo o nômade, e não o sedentário. É importante, no pensamento pós-moderno, a continuidade da condição de fragmentação e efemeridade, descontinuidade e mudança caótica. A incerteza gera desconforto e ansiedade, a que se tenta escapar livrando-se do diferente. A idéia de emancipação implica a de aceitação do outro e da própria contingência como razão suficiente para viver e pôr fim ao horror, à alteridade e à ambivalência, enquanto destino comum.

Enquanto construções teóricas e técnicas, a certeza e a verdade têm caráter político de dominação que explica o mundo: um mundo ordeiro, mundo este que, no entender de Bauman (1999), possibilita o cálculo dos eventos, das probabilidades e das ligações de ações com eficiência, facilitando a capacidade de aprender e memorizar.

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Reportando-se a esses tipos de tensões e contradições, Santos (1996) acredita serem próprias da sociedade intervalar de transição paradigmática, em que predomina o desassossego, a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente que termina e um futuro que não nasceu. Esta inquietação deriva, em seu entender, do excesso de determinismo e de indeterminismo: no primeiro caso, a aceleração das rotinas faz que as continuidades acumulem-se e, pela repetição, aumentem a aceleração, causando a vertigem da velocidade que coexiste com o bloqueamento; no segundo caso, o excesso de indeterminismo desestabiliza as expectativas, tornando a eventualidade de catástrofes pessoais e coletivas cada vez mais provável.

Na existência moderna, essa luta ordem versus caos transforma-se numa verdadeira obsessão ordenadora – contra a ambivalência, a ambigüidade, a obscuridade e a confusão. O caos é a indeterminação, o imprevisível, a incerteza, a incoerência, a irracionalidade, a ilogicidade e a incongruência. Mas sem caos não há ordem, ou melhor, sem a negatividade do caos não há a possibilidade da ordem.

O poder, a repressão e a ação realizada entre a natureza e a ordem socialmente estabelecida tornam natural a artificialidade. Enquanto partícipes da modernidade, socialistas e marxistas partilham também dessa visão estática da natureza, considerando-a apenas em virtude da ação transformadora do Homem em seu processo de trabalho (proporcionando-lhe as condições naturais de trabalho e o arsenal dos meios de subsistência). Na explicação das relações sociais de produção do sistema capitalista, a natureza não é mais reconhecida como poder, como nas sociedades tradicionais, e sim como mercadoria, objeto de consumo ou meio de produção nas sociedades capitalistas.

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1.2.2. Sociabilidade e Complexidade: Subjetividade e Institucionalização

Ao construto teórico associa-se o simbólico e o imaginário, que se entrelaçam em todas as relações sociais como uma rede de ordem simbólica que o indivíduo já encontra pronta e que continua a edificar sobre as construções precedentes.

Se pensarmos que o conteúdo da vida social só é definível numa estrutura e que esta sempre comporta uma instituição, como sugere Castoriadis (1996), podemos vislumbrar a(s) resistência(s) do imaginário nesta estrutura. Esta, enquanto rede simbólica socialmente sancionada, combina, em proporções e relações variadas, componentes funcionais e imaginários. A autonomização e a dominação do imaginário na instituição propiciam o mesmo, ou seja, a autonomização e a dominação da instituição em relação à sociedade, materializando-se na vida social.

A partir de tais considerações, perguntamo-nos: o significado imaginário do capitalismo e o domínio do racional são um projeto autônomo, acabado, como acredita Habermas, ou ainda está inacabado? A superação do temor da natureza no imaginário do Homem realmente se concretizou, tornando possível uma interlocução igualitária? Como atuam, no imaginário e no simbólico, as novas temporalidades e dimensões espaciais das sociedades em rede? Como se exteriorizam na sociedade e na política?

A existência moderna não ordenada, segundo Bauman (1999), é inadequada para a vida humana – que não deve confiar na natureza, visto ser esta algo a ser dominado, subordinado e remodelado às necessidades humanas. Assim, viver conforme a natureza exige planejamento, e nada é mais artificial do que a naturalidade, isto é, estar ao sabor da natureza. O poder, a repressão e a ação, colocados entre a natureza e a ordem socialmente estabelecida, tornam natural a artificialidade. Do domínio e destruição da natureza advêm a artificialidade, a preponderância do instrumental e o ambiente de risco, ou seja, novos temores gerados pela exacerbação da racionalidade instrumental.

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deslocamento temporal e espacial com o instrumentalismo universal e abstrato, estruturando, assim, a oposição bipolar – rede e ser.

As descontinuidades e perdas de valores e crenças correm pela perda da temporalidade, em que a ruptura da ordem temporal, com a evaporação de todo sentido de continuidade e memória histórica, leva ao colapso dos horizontes temporais. O fim da temporalidade, aliada ao impacto do instantâneo, provoca a perda do sentido de profundidade, a fixação nas aparências, nas superfícies e nos impactos imediatos – que, em longo prazo, não têm poder de sustentação, gerando idéias de decadência, devido à sua conexão com o significado e a natureza do tempo. Há como um “derretimento dos sólidos” – no entender de Bauman (2001), traço permanente da modernidade.

Esta idéia faz sua última aparição no movimento ambientalista moderno, que aponta o medo da tecnologia, de um lado, e a degeneração e falta de confiança, de outro, como uma ameaça mortífera. Para Morin (1998), o desregramento econômico moderno (e o processo de solidarização e concomitante “balcanização”) está levando à agonia planetária.

O crescimento contínuo da tecnologia, no entender de Freeman (2000), ao mesmo tempo em que liberta os Homens das restrições passadas – criando uma mobilidade revolucionária que viaja à velocidade da luz, está sempre disponível e é cada vez mais fácil de aprender –, constitui-se também numa força destruidora. Suas previsões para o século XXI, no que se refere às novas tecnologias (engenharia genética, inteligência artificial e colonização do espaço) e às novas formas de visão do mundo e mesmo de organização da vida social nos levam ao que Horgan (1998) chama de vida artificial forte, na qual as simulações dos seres vivos no computador têm vida própria. Frankenstein, de Mary Shelley, é o protótipo da natureza irracional do Homem que quer dominar os segredos da vida e de sua criação, rejeitando a ciência positiva e se voltando para a alquimia e magia medievais. Contudo, devemos ponderar que, se, por um lado, o terror do

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Como antes referido, a crise da sociedade contemporânea reproduz e agrava, no entender de Castoriadis (1996), a crise do processo “identificatório”, que se constitui em momento de totalidade social. Ao criar o próprio mundo através de significações que lhes são específicas, a sociedade cria também os magmas de significação, que assumem três importantes funções: estruturar representações do mundo, designar a finalidade das ações e estabelecer tipos de afetos. A instauração destas três dimensões – representações, finalidades e afetos – está ligada à sua concretização através do tipo de instituição particular mediadora e por toda uma série topológica, incluídas umas nas outras ou interseccionadas.

Através destas formas se institui, a cada vez, um tipo de indivíduo e de sociedade particular. As mais importantes são as referidas a ela mesma, à própria sociedade, ou seja, à representação de si como qualquer coisa. Esta representação está indissoluvelmente ligada a um se querer como sociedade e como esta sociedade aí e se amar como sociedade e como esta sociedade aí, quer dizer, trata-se de um investimento conjunto da coletividade concreta e das leis pelas quais esta coletividade é o que é. Mas a correspondência externa, social de sua representação de si mesma, de uma identificação final de cada indivíduo como nós ou um nós outros, exige que as significações que institui sejam investidas pela coletividade como perenes, imperecíveis, negando, em última instância, a mortalidade, a morte.

Se, por um lado, a identidade consiste basicamente na aceitação de ser alguma coisa, na aquiescência de ser isso ou aquilo, advindo tardiamente no devir humano ou social, o que predomina nos momentos de fundação é o pluralismo das possibilidades, a efervescência das situações, a multiplicidade de valores e experiências, constituindo-se em causa e conseqüência da perda do sujeito, que é

dionisíaca e em que cada um participa do “nós”global, produto do caldo cultural. O culto do efêmero, a ambivalência entre o falso e o verdadeiro, a crescente apatia, o triunfo da sociedade de consumo instauram uma crise das significações imaginárias da sociedade moderna – em síntese, uma crise do sentido. Aprofundando a análise desta crise, Castoriadis (1996) reporta-se à época atual como de decomposição, em que elementos opostos se combatem justamente no momento em que a sociedade se caracteriza pelo desaparecimento do conflito social e político ou, se preferirmos, o quase desaparecimento das lutas sociais.

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perda das significações imaginárias da sociedade, em que ninguém mais sabe o que é ser cidadão, homem ou mulher, em que os papéis sociais se dissolvem. A esta fluidez se contrapõe o fechamento – clôture – num mundo restrito de significados, em que as questões formuladas ou encontram resposta ou se tornam sem sentido. Mas, mesmo considerando que quase todas as sociedades conhecidas se institucionalizaram por meio de uma clôture e criaram em seu interior um nicho de sentido metafísico, na sociedade contemporânea percebe-se uma tendência ao enrijecimento do caráter dessa clôture – seja material, pela delimitação rigorosa dos limites ou do território, seja de sentido, do sentido específico atribuído, com ênfase no familiar em oposição ao estrangeiro, ao de fora destas significações. Esse fechamento e enrijecimento levam, no entender de Maffesoli (1998a), à constituição de comunidades com um caráter neotribal. Tribos estas formadas pela multiplicidade de atos individuais de auto-afirmação, com adesão fraca e rápida dissipação, mas cuja fidelidade se dá a partir de decisão individual e de esforço de autoconstrução e autodefesa inconclusivos.

Diferentemente da conceituação etnográfica de tribo – corpos estruturados com filiação controlada, poderes de inclusão-exclusão e sem escolhas individuais –, as neotribos são formações frouxas, que não se constituem em lugar de permanência seguro, mas de trabalho árduo com horizonte que recua sem fim, tendo como único consenso a aceitação da heterogeneidade e das dissensões. Nestas, o todo se exprime no “nós”que, ao cimentar as relações, ajuda a sustentar o conjunto da existência social que está alienada e submissa às injunções de um poder multiforme. Assim, a sociabilidade em contraposição ao social, ou seja, o predomínio das ligações ao mesmo tempo flexíveis e firmes, próprias de estruturas complexas ou organizações da pós-modernidade, aponta seu deslocamento e tensão em face das estruturas mecânicas, características da modernidade.

A construção do sujeito individual, na concepção de Touraine (1999), envolve o reconhecimento da presença de si mesmo, junto com a vontade de ser sujeito e de reconhecer a natureza nele. Quando o indivíduo-cidadão toma consciência de que é condicionado pelo meio ambiente material e social (e com isso consegue transformar uma história pessoal, unindo subjetividade e objetividade com autonomia e liberdade), torna-se capaz de dar sentido ao conjunto de sua experiência de vida.

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à sua transformação parcial em sujeito. Este, por sua vez, jamais se identifica com uma coletividade, qualquer que seja, uma vez que cada um tem sua singularidade, que é o próprio processo de constituição do sujeito. A autonomia só se realiza na relação com o outro, enquanto condição para liberdade.

Prosseguindo na análise do processo de identificação, Castoriadis (1996) entende que este se inicia com os objetos imediatos e, depois, sob diversas formas, transfere-se às coletividades instituídas e às significações que as anima, os quanta

de investimentos prevalecentes, ou seja, são investimentos iniciais de si. A identificação com a coletividade fornece um substituto à perda da mônada psíquica e, concomitantemente, desculpabiliza e desinibe as pessoas, tornando possível o desdobramento sem freios de uma destrutividade mortífera, tais como as guerras, as multidões enlouquecidas e afins. Em tais momentos, os indivíduos como que reencontram seu saber, sua certeza na fonte, na origem da instituição, que é o coletivo anônimo, capaz de colocar novas regras e suprimir antigas interdições.

Nessas explosões ou nas recusas da mônada psíquica de aceitar o estrangeiro, o outro, a raiz comum da aversão ao outro é o ódio a si – embora não apareça como tal – enquanto indivíduo socializado que foi obrigado a se revestir, enquanto indivíduo social que é obrigado a aceitar a coexistência. Ao impor ao ser humano uma sujeição intransponível, Castoriadis (1996) aponta para a eliminação de qualquer idéia de sociedade transparente ou qualquer projeto político de reconciliação universal imediata. As dimensões do ódio domadas nos processos sociais manifestam-se dramaticamente nas tendências de diferentes formas destrutivas dos fins sociais, da exploração da natureza, na competição e na individualização.

Como horizonte utópico, a autonomia, em sua significação política, supõe uma instituição da sociedade que seja obra de um imaginário coletivo radical, paralelo à do imaginário criador radical do indivíduo. A clôture do sujeito psíquico – indivíduo ou sociedade – cria um mundo próprio em que só se entra se houver uma transformação de acordo com os princípios deste mundo. Esta vida psíquica e a sociedade humana não são identitárias, porque enquanto uma é magmática, é fluxo, a outra é totalidade que em tudo interfere.

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estruturação das representações do mundo em geral, indicam as finalidades das ações, dizendo o que deve e o que não deve ser feito, e estabelecem os tipos de afeto característicos da sociedade.

1.2.3. Conexões e Desconexões: Espaço-Tempo e Global-Local

As categorias espaço e tempo, segundo Harvey (1992), são básicas para a existência humana, marcando a passagem do tempo em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, décadas e séculos, como se tudo tivesse lugar numa única escala temporal objetiva. Nossos processos e percepções nos enganam, fazendo os segundos parecerem anos e horas agradáveis passarem em extrema rapidez.

Antes de 1848, o sentido iluminista de tempo estabelecia a luta contra o

tempopermanente e ecológico das sociedades tradicionais e o tempo retardado das formas recalcitrantes de organização social. Em 1847/8, a representação do espaço e do tempo sofreu uma crise, tornando-se explosiva. Essa crise tem origens no reajuste radical do sentido de espaço e tempo na vida econômica, política e cultural. As certezas sobre a natureza do espaço e da integração espaço-tempo foram abaladas e substituídas pela insegurança. O espaço em mudança tornou-se relativo, os eventos de um lugar passaram a ter efeitos em outro, havendo uma ruptura radical do sentido cultural referente a espaço, lugar, passado, presente e futuro. Tem-se, assim, um mundo inseguro e com horizonte espacial em rápida expansão, transformando, inclusive, o mapa do domínio dos espaços no mundo e promovendo constantes territorializações e desterritorializações.

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Harvey (1992) nos diz, ainda, que, na sociedade moderna, muitos sentidos de tempo entrecruzam-se em movimentos cíclicos e repetitivos – café, almoço, jantar, ida e volta do trabalho, aniversários, férias, festas –, oferecendo uma sensação de segurança num mundo em que o impulso para o progresso é sempre para frente e para o alto, em direção ao desconhecido. Assim como Harvey, Giddens (1991) entende que o tempo se torna o ponto de organização e de reestruturação do mundo dos indivíduos, através da penetração em todos os setores da vida social. Quando o sentido de progresso é ameaçado por ciclos de recessão, guerras ou depressões, refugiamo-nos na idéia de tempo cíclico como uma espécie de fenômeno natural.

Analisando o que chama de fim da modernidade (ou “desmodernização”), Touraine (1998a) refere-se às mudanças que estão ocorrendo em nossa vida, que misturam submissão à cultura de massa e retorno à vida privada. Se a modernização é a gestão da dualidade, da produção racionalizada, da liberdade interior do sujeito e da sociedade nacional, a “desmodernização” é a defesa da ruptura dos laços que unem liberdade pessoal e eficácia coletiva. Não cremos mais no progresso e não somos mais o que fazemos; ao dissociar o universo das leis naturais do mundo físico do sujeito, o Iluminismo dissociou razão instrumental e vida individual.

Nesse sentido, o dinamismo da modernidade se deve a dois fatores: a separação do tempo e do espaço e sua recombinação em formas que permitem o zoneamento do tempo-espacial preciso da vida social e o desencaixe dos sistemas sociais. Fenômeno este vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço, que podem ser entendidos como “o deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (GIDDENS, 1991, p. 29).

O horizonte temporal afeta materialmente o tipo de decisão que tomamos, ou seja, se esta é sobre o futuro das gerações, dos filhos, ou relativa a prazeres imediatos, as considerações temporais são bem diferentes. Apesar dessas diversidades conceituais e de conflitos sociais, a tendência é, ainda, considerar as diferenças como de percepção ou interpretação em relação ao que deveria ser, basicamente, compreendido como um único padrão objetivo da inelutável flecha de movimento do tempo.

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direção, área, forma, padrão, volume e distância das coisas, que podem ser medidos e apreendidos. A experiência subjetiva pode (pela percepção, imaginação, ficção e fantasia) produzir mapas mentais como miragens de coisa supostamente real; assim como no referente ao tempo, existem diferentes concepções de espaço, que interferem no sentido de seu uso regular na vida social e nos direitos territoriais – fonte de conflitos potenciais –, embora algum sentido amplo e objetivo de espaço permeie tudo.

Harvey (1992) contesta a idéia de um sentido único e objetivo de tempo e espaço, como base para medir a diversidade de concepções e percepções humanas, mas não defende uma distinção total objetiva/subjetiva. Acredita ser necessário reconhecer a multiplicidade das qualidades objetivas que o espaço e o tempo podem exprimir e o papel das práticas humanas em sua construção. Essas práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social é que criam as concepções de espaço e tempo, uma vez que, como dizem os físicos, não têm existência antes da matéria e suas qualidades objetivas só podem ser compreendidas através das qualidades dos processos materiais.

Enquanto amplia seu campo de análise para o exame de espaços e tempos individuais na vida social, introduzindo categorias subjetivas, Giddens circunscreve sua análise às instituições sociais, numa abordagem mais macrossocial. No seu entender, as descontinuidades que separam as instituições sociais modernas das ordens sociais tradicionais caracterizam-se por um ritmo, escopo de mudança e natureza intrínsecas às instituições modernas.

Ao incorporar um agregado particular de práticas e conceitos de espaço e tempo, o modo de produção capitalista produz constantes mudanças nessas concepções, atribuindo novos sentidos a materializações mais antigas do espaço e do tempo, em vez de apenas aceitá-los em sua acepção inicial. A modernização é a disrupção perpétua dos ritmos espaciais e temporais, que produz novos sentidos para o espaço e o tempo, num mundo de efemeridade e fragmentação. Harvey (1992) destaca que o espaço fundamental para a memória é a casa, pois é “dentro desse espaço que aprendemos a sonhar e a imaginar” (PALÁCIO, 2000, p. 230).

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própria noção. A ênfase está na temporalidade, no processo do vir-a-ser, em vez de no ser, no espaço e no lugar. Enquanto o espaço se reporta à ordem das coisas que convivem, o tempo se relaciona à ordem das coisas que se sucedem.

Na microssociologia, a periodização do tempo expressa os tempos sociais, quando blocos de tempos indicam como as sociedades se representam, para designar, articular, ritmar e coordenar as principais atividades sociais, às quais atribui uma importância particular. Assim, é através da “relação dialética entre o corpo e uma organização estruturada do espaço e do tempo, que as práticas e representações comuns são determinadas” (HARVEY, 1992, p. 198). A partir dessa experiência é que se impõem esquemas duradouros da percepção, pensamento e ação e, num nível mais profundo, a organização do tempo e do grupo em sua essência e existência.

Essas estruturas temporais e espaciais organizam, assim, não só a representação do mundo do grupo, mas o próprio grupo que organiza a si mesmo, enquanto elemento determinante do ser propriamente dito, de acordo com essa representação e com as formas de existência no espaço e no tempo. Enquanto construção do real a partir de práticas sociais, organiza-se ao redor de um tempo dominante que polariza o conjunto dos tempos sociais em relação à sua própria estrutura. Os critérios quantitativos e qualitativos de determinação do tempo dominante são: longevidade, categorias sociais, modo de produção e valores dominantes e representação social, que pode ser coletiva e social, também chamada de discurso social sobre o tempo, que é uma representação da representação coletiva.

A aceleração do tempo e o deslocamento espacial na pós-modernidade levam às seguintes conseqüências, no entender de Harvey (1992):

aceleração da volatilidade e efemeridade da moda, produção, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas;

ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade e descartabilidade, com obsolescência instantânea. Dificuldades de planejamento em longo prazo, devido à volatilidade, alta adaptabilidade a mudanças rápidas e busca de ganhos imediatos.

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tão próxima da perfeição que é impossível perceber a diferença entre o original e a cópia.

Em reação, há, muitas vezes, uma afirmação da identidade histórica ou reconstruída, expressa em termos fundamentais de identidade nacional, territorial, regional, étnica, religiosa, de gênero e até pessoal, no qual o “eu” se afirma como identidade irredutível. A emergência do fundamentalismo é o espelho simétrico do progressivo esvaziamento do conteúdo dos significados, das experiências de vida, das contradições sociais no espaço de fluxos que se expressam nas redes de poder global.

A pluralidade de identidades territoriais e culturais deslegitima a idéia de representação nacional, gerando processos conflitantes. A nova gestão das cidades necessita articular a dicotomia fluxos de poder versus particularismos da experiência. A idéia de cidade, de comuna, ligada à de cidadania, divisão do trabalho e sociedade, decompõe-se e passa tanto a nos atrair quanto a nos amedrontar, fazendo-nos voltar à pequena aldeia, à comunidade. Discutindo a questão do global e do local, Borja e Castells (1997) apontam a interdependência assimétrica das atividades econômicas, sociais etc. que se articulam em tempo real por novas tecnologias de informação e comunicação.

Esse processo produtivo exige, simultaneamente, integração e concentração global e dispersão espacial, através de uma rede de fluxos que cria novo papel estratégico para as grandes cidades. A globalização mudou nossa maneira de produzir, consumir, gerir, informar e pensar, mas temos que considerar que nem toda atividade econômica ou cultural no mundo é global.

A imensa maioria das atividades (no que se refere relação ao número de pessoas particulares) é de âmbito local (particular) ou regional (singular), mas as atividades estratégicas dominantes estão organizadas em redes globais de decisão e troca, desde mercados financeiros até mensagens audiovisuais.

Mesmo que ainda se constitua no setor mais produtivo e na base material de riqueza das nações, as novas tecnologias vão criando nova distribuição espacial e formatos urbanos diferentes. O espaço dos lugares, como forma territorial de organização da cotidianidade e de experiência de vida da grande maioria dos seres humanos, continua a existir.

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Gráfico 1: Taxa média de crescimento populacional  00,511,522,533,544,55
Gráfico 2: Variação da densidade – municípios da bacia da Billings  (1980-1996) (%)
Gráfico 3: Taxa geométrica de crescimento anual da população da  bacia da Billings - 1991 a 2000 (%)  -1-0,500,511,522,5 %  ao ano
Tabela 4: População residente da bacia Billings, por sexo (2000)
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Referências

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