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Queda da imagem: a transmissão direta dos atentados de 11 de setembro de 2001

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Programa de Pós-graduação em Comunicação Social

Queda da imagem: a transmissão direta dos atentados de 11 de setembro de 2001

Viviane Maia Mendes Ribeiro

Belo Horizonte

Agosto de 2008

(2)

Viviane Maia Mendes Ribeiro

QUEDA DA IMAGEM

A TRANSMISSÃO DIRETA DOS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação Social.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Regina de Paula Mota

Belo Horizonte

Agosto de 2008

(3)

QUEDA DA IMAGEM: A TRANSMISSÃO DIRETA DOS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001

Viviane Maia Mendes Ribeiro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Comunicação Social, e submetida à banca composta pelos seguintes professores:

___________________________

Prof. Dra. Maria Regina de Paula Mota (Orientadora)

___________________________

Prof. Dr. Fernando Antônio Resende

_________________________

Prof. Dra. Miriam Chrystus de Melo e Silva

Belo Horizonte, 29 de agosto de 2008

(4)

Para Minha querida mãe, amor e apoio incondicional, e meu pai.

Meu filhote Igor, o sentido de tudo.

(5)

AGRADECIMENTOS

Impossível traduzir a gratidão e a admiração que tenho pela minha orientadora Regina Mota. Além de dar o tom e guiar o trabalho da pesquisa, suas intervenções foram fundamentais para que conseguisse enxergar além da superfície.

Regina é perspicaz, compreensiva e dura, tudo na medida certa. Do caminho que percorremos juntas, prazeroso e igualmente difícil, vai ficar a admiração, o carinho e o respeito. Obrigada por tudo.

Agradeço ao vovô José Américo, que sempre me deu apoio, incentivo, idéias, opiniões e carinho. Agradeço também à vovó Maria Stella, pela igual participação.

Aos professores que compõem a banca, Myriam Chrystus e Fernando Resende, pela disponibilidade e interesse no projeto.

Às professoras Patrícia Moran e Sandra Freitas, pela leitura atenta e sugestões durante a qualificação.

A todos os professores do curso, indispensáveis para a nossa formação, e em especial ao professor Oliver Fahle, que me apresentou autores e idéias novas para a pesquisa.

Às minhas queridas irmãs Zelda, Valéria e Alessandra que, com seu carinho e amor, tornam o caminho melhor.

À minha amiga Sabrina, que me salvou nos momentos finais e a todos os amigos, que de uma forma ou de outra estiveram presentes no percurso da pesquisa.

Aos colegas da minha turma de Mestrado (Alexandre, Isabel, Vanessa, Carla, Ivan, Hellen, Regiane, Janaina e Pedro) pelas sugestões em sala de aula e pelo companheirismo.

À equipe da Doxa, Luana, Miriam, Kátia, Dorinha e ao Sérgio, que me ajudou a manipular as imagens.

Ao meu amor Manoel, por tudo, e por encher meu coração de alegria.

(6)

RESUMO

Este trabalho investigou a transmissão televisiva do acontecimento 11 de setembro de 2001, o ataque terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. O corpus de pesquisa utilizado para a análise foi a cobertura “ao vivo” feita pela Rede Globo de Televisão, iniciada logo após o choque do primeiro avião, com duração de aproximadamente 4 horas. A investigação teve o seu foco no problema de pesquisa delimitado a partir dos procedimentos da linguagem do telejornalismo, a saber, a sua narrativa, a temporalidade e o estatuto da imagem diante do acontecimento catastrófico. A análise proporcionou a compreensão, sobretudo, dos limites dos códigos institucionais da instância enunciadora, submetida em todos os seus aspectos à prevalência do acaso. O sem números de erros, ruídos e infinitas quebras do protocolo jornalístico foram avaliados nas três categorias – relato, temporalidade e imagem, no intuito de apreender a novidade desse fato, constituído integralmente para sua materialização midiática. Exatamente por essa razão, foi impossível a sua domesticação, recorte e interpretação, por mais que fossem acionados os dispositivos da linguagem do jornalismo televisual, denunciando a sua falência juntamente com a queda do maior signo da potência do império americano.

Palavras chave: 11 de setembro, transmissão televisa, telejornalismo, acontecimento

catastrófico.

(7)

ABSTRACT

This research investigated the television coverage of the catastrophic incident of September 11, the terrorist attack on the twin towers of the World Trade Center, in New York. The body of the research utilized for the analysis was the live coverage made by the Brazilian Rede Globo Television, initiated soon after the impact of the first airplane, the coverage lasting approximately 4 hours. This investigation had its focus on the problem of research limited to the language of telejournalism, that is, its narrative, the timing and quality of the images in the face of the catastrophic incident. The analysis made possible the understanding, above all, of the limits of the institutional codes of the reporting agency, deferring in all of their aspects to the priority of the situation. The innumerable errors, rumors and infinite lapses in journalistic protocol were evaluated in three categories – reporting, timing and images, for the purpose of understanding this unforeseen occurrence, all with the aim of reporting it in the media. Exactly for this reason, the handling of the situation and proper interpretation were impossible, all the more because of the formal apparatuses of the language of television journalism, denouncing its own failure together with the fall of the greatest symbol of American power.

Keywords: September 11, television coverage, telejournalism, catastrophic incident.

(8)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Início da transmissão, vinheta do Plantão da Globo...72

Figura 2 - Final da transmissão, ficha técnica do Jornal Hoje...72

Figura 3 - Vinheta do Plantão da Globo...76

Figura 4 - Cena de abertura focalizando a cratera no edifício...76

Figura 5 - Imagem do apresentador, rapidamente retirada...77

Figura 6 - O edifício é o foco...77

Figura 7 - O prédio insiste em sair do quadro...80

Figura 8 - O prédio insiste em sair do quadro...80

Figura 9 - Variações de uma mesma imagem...80

Figura 10 - Variações de uma mesma imagem...80

Figura 11 - Ângulo excêntrico, ao jornalismo...81

Figura 12 - O avião invade o quadro...82

Figura 13 - A catástrofe irrompe a tela da TV...82

Figura 14 - O passado e o presente no mesmo tempo...85

Figura 15 - A reafirmação do direto na tela...86

Figura 16 - Tela granulada...88

Figura 17 - Tela granulada...88

Figura 18 - A imagem traço...88

Figura 19 - A imagem traço...88

Figura 20 - A ausência da imagem...88

Figura 21 - Identificação da agência fornecedora da imagem...88

Figura 22 - Linhas em movimento...89

Figura 23 - A imagem transparente...89

(9)

Figura 24 - A torre inclina-se, a imagem descontrola ...89

Figura 25 - O helicóptero também invade o quadro...90

Figura 26 - O helicóptero também invade o quadro...90

Figura 27 - O helicóptero também invade o quadro...90

Figura 28 - O helicóptero também invade o quadro...90

Figura 29 - Indicação da batida de um avião, após o segundo choque...90

Figura 30 - Um duplo acidente aéreo?...91

Figura 31- O acontecimento ganha nome...91

Figura 32 - Imagem sobre a voz do correspondente Edney Silvestre...91

Figura 33 - Imagem sobre a voz da correspondente Simone Duarte...93

Figura 34 - Imagem sobre a voz da testemunha Bruna Paixão...94

Figura 35 - Cena do pronunciamento do presidente George W. Bush...95

Figura 36 - O acontecimento parecia não ter mais limites, com a chegada do Pentágono..96

Figura 37 - Múltiplos presentes...98

Figura 38 -Tudo cabe, na tela da TV...98

Figura 39 - O evidente desabamento, a cegueira do apresentador...101

Figura 40 - A cidade sendo engolida pela nuvem...101

Figura 41 - O passado insiste...103

Figura 42 - A permanecer no presente...103

Figura 43 - A TV se perde no alterado tempo do direto...103

Figura 44 - O passado insiste em permanecer presente...104

Figura 45 - A nuvem de fogo explode na tela...105

Figura 46 - A imagem terrorista do cartão-postal...105

Figura 47 - Cenas da destruição...105

Figura 48 - Cenas da destruição...105

(10)

Figura 49 - A imagem, enfim, focaliza o homem...106

Figura 50 - O estrago irreparável...106

Figura 51- A movimentação de emergência...106

Figura 52 - A movimentação de emergência...106

Figura 53- A movimentação em Nova York...107

Figura 54 - Observando os ataques, testemunho e fuga...107

Figura 55 - A rotina alterada, o homem vai para a rua...107

Figura 56 - A rua é o lugar seguro ...107

Figura 57 - O repórter corre...108

Figura 58 - O jornalismo em perigo, fica acuado...108

Figura 59 - O carro vira abrigo...108

Figura 60 - As repórteres ficam no chão...108

Figura 61 - Sombras...109

Figura 62 - O quadro em movimento...109

Figura 63 - Filmar, simplesmente...109

Figura 64 - Captar o momento...109

Figura 65 - O encontro casual com o presente...109

Figura 66 - A câmera se perde no tempo...109

Figura 67 - O prédio é engolido...111

Figura 68 - A antena desce lentamente...111

Figura 69 - E se perde na fumaça...111

Figura 70 - Até desaparecer...111

Figura 71 - Yasser Arafat, abatido pela imagem...115

Figura 72 - O acontecimento transborda seu espaço...116

Figura 73 - A rotina alterada...117

(11)

Figura 74 - O presidente parado, na frente da televisão...117

Figura 75 - O primeiro ministro britânico Tony Blair. ...117

Figura 76 - A repercussão nos centros de poder ocidental. ...117

Figura 77 - A imagem da Globo chega. ...118

Figura 78 - Os correspondentes ganham corpo. ...118

Figura 79 - Os apresentadores no estúdio: o predomínio da informação e o fim do acontecimento imagem...118

Figura 80 - Fundo com a letra H estilizada do Jornal Hoje...120

Figura 81 - Fundo com imagem de Nova York daquele dia...120

Figura 82 - Fundo azul, a inviabilidade da imagem...120

Figura 83 - Testemunha estrangeira não-identificada...121

Figura 84 - Testemunha brasileira não-identificada...122

Figura 85 - Graziela Azevedo da Fiesp, em São Paulo...122

Figura 86 - A repórter entrevista o ministro Celso Lafer...122

Figura 87 - As relações exteriores na voz do ministro...123

Figura 88 - Alan Severiano repercute o acontecimento...123

Figura 89 - O repórter Marco Antônio Sabino e a Bovespa fechada...123

Figura 90 - A repórter Priscila Brandão do aeroporto de Guarulhos...123

Figura 91- A TV perdida no complexo tempo da catástrofe e do direto...126

Figura 92 - A TV perdida no complexo tempo da catástrofe e do direto...127

Figura 93 - A TV perdida no complexo tempo da catástrofe e do direto...127

Figura 94 - O retorno à cena traumática para assimilar o choque...127

Figura 95 - O tempo insistia em não progredir...128

Figura 96 - Cena de socorro reprisada, filmada em Washington...128

Figura 97 - A torre desaba, mais uma vez...129

(12)

Figura 98 - A câmera desce, vai para o chão...129

Figura 99 - E completa o sentido da queda da imagem...129

Figura 100 - Imagem de arquivo do atentado de 1993...130

Figura 101 - Imagem de arquivo do atentado de 1993. A tragédia anunciada...130

Figura 102 - Imagens de arquivo do atentado de 1993...131

Figura 103 - O cartão-postal fica na memória...131

Figura 104 - Imagem de arquivo, sem identificação temporal...131

Figura 105 - Imagem de arquivo, sem identificação temporal...131

Figura 106 - Entrada gravada do repórter Edney Silvestre...131

Figura 107 - Repetição do pronunciamento do presidente Bush...134

Figura 108 - A legenda já aparece no quadro...134

Figura 109 - A expressão não apresenta grandes alterações...134

Figura 110 - A tela invisível...135

Figura 111 - A opacidade no discurso da imagem...135

Figura 112 - Uma imagem já vista?...136

Figura 113 - O helicóptero insiste em aparecer...137

Figura 114 - Ofuscando a tela...137

Figura 115 - Prédios aos pedaços...137

Figura 116 - Prédios aos pedaços...137

Figura 117 - O edifício cortado...138

Figura 118 - Imagem sem referente...138

Figura 119 - Imagem sem referente...138

Figura 120 - Sombra do edifício?...138

Figura 121 - Sombra do edifício?...138

(13)

Figura 122 - Abstração...138

Figura 123 - Quadro descomposto...139

Figura 124 - Uma faixa amarela corta o quadro. ...139

Figura 125 - O homem que vê encobre o visível. ...139

Figura 126 - A rua perdida na imagem. ...139

Figura 127 - Ausência em tempo presente...139

Figura 128 - Faíscas eletrônicas permanentes. ...139

Figura 129 - Imagem passante...140

Figura 130 - Incompreensão...140

Figura 131 - Índices de emergência...140

Figura 132 - Índices de emergência...140

Figura 133 - Índices de emergência...141

Figura 134 - Índices de emergência...141

Figura 135 - Índices de emergência...141

Figura 136 - Índices de emergência...141

Figura 137 - Índices de emergência...141

Figura 138 - Índices de emergência...141

Figura 139 - O repórter fala, sem voz...142

Figura 140 - Homens trabalhando, tratores, demolição...142

Figura 141- A apresentadora em off. ...142

Figura 142 - O repórter da CNN se prepara para entrar na Globo...143

Figura 143 - Da janela do escritório, o movimento...143

Figura 144 - A fragilidade humana diante da tragédia...144

Figura 145 - No campo de batalha...144

Figura 146 - A cidade virou pó...144

(14)

Figura 147 - Imagem da impotência...145

Figura 148 - Imagem da impotência...145

Figura 149 - Imagem da impotência...146

Figura 150 - Imagem da impotência...146

Figura 151 - Imagem da impotência...146

Figura 152 - Imagem da impotência...146

Figura 153 - Imagem da impotência...146

Figura 154 - Imagem da impotência...146

Figura 155 - Imagem da impotência...146

Figura 156 - Imagem da impotência...146

Figura 157 - Imagem da impotência...147

Figura 158 - Imagem da impotência...147

Figura 159 - Imagem da impotência...147

Figura 160 - Imagem da impotência...147

Figura 161 - No campo de batalha...148

Figura 162 - A cidade em guerra...148

Figura 163 - O soldado...148

Figura 164 - O homem foge...149

Figura 165 - O homem foge...149

Figura 166 - O homem foge...149

Figura 167 - O homem foge...149

Figura 168 - O homem foge...149

Figura 169 - O homem foge...149

Figura 170 - O homem foge...150

Figura 171 - O homem foge...150

(15)

Figura 172 - Um avião, simplesmente...50

Figura 173 - A face da barbárie...151

Figura 174 - A face da barbárie...151

Figura 175 - A face da barbárie...151

Figura 176 - A face da barbárie...151

Figura 177 - A face da barbárie...152

Figura 178 - A face da barbárie...152

Figura 179 - A “estranha” imagem do outro...152

Figura 180 - Na Pensilvânia, o verde, nenhum vestígio do avião...153

Figura 181 - A imagem do poder...154

(16)

SUMÁRIO

Introdução...17

Capítulo 1 - A televisão no tempo presente...21

1.1 O direto, marca singular da TV...24

1.2 Além da tecnologia, linguagem...29

Capítulo 2 - O acontecimento catastrófico...41

2.1 A ordem da informação na TV...43

2.2 Catástrofe, a desordem da informação...53

2.3 A catástrofe na televisão...58

Capítulo 3 - A cobertura televisual da catástrofe...69

3.1 A difícil apreensão da catástrofe...74

3.2 Momento 1 - A configuração de um acidente...76

3.3 Momento 2 - A irrupção do caos...82

3.4 Momento 3 - A domesticação da catástrofe...111

3.4.1 Vozes múltiplas e pouco esclarecimento...114

3.4.2 O fim da grade: o tempo embolado na televisão...125

3.4.3 A queda da imagem...135

Considerações finais...155

Referências bibliográficas...161

Anexo 1...167

(17)

INTRODUÇÃO

(18)

A inquietação que motivou essa pesquisa teve seu início durante a transmissão direta televisiva dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Naquela manhã, o mundo parou para ver televisão e acompanhar a cobertura da série de ataques aéreos que culminaram com a destruição total do World Trade Center, em Nova York, e de parte do Pentágono, em Washington. O caráter inimaginável e avassalador do acontecimento, bem como o absoluto descontrole da instância enunciadora ao apreendê-lo em tempo presente, suscitaram questões que se materializaram nesta dissertação.

Silêncios, erros, tropeços, hesitações, dúvidas, indeterminação do tempo de duração, imagens fora do padrão, informações equivocadas e ruídos denunciaram, durante mais de quatro horas, o descontrole da televisão. Optou-se por observar a íntegra da cobertura feita pela rede Globo, emissora considerada um paradigma do jornalismo televisivo brasileiro. A transmissão parece ter absorvido o teor do acontecimento e se tornado, ela própria, caótica, estabelecendo uma relação de cumplicidade entre fato e relato. A hipótese apresentada pela pesquisa é que a transmissão direta do 11 de setembro representou uma ruptura, um colapso do discurso jornalístico.

Além do seqüestro de quatro aviões e da destruição de dois dos maiores símbolos do poder norte-americano, os terroristas seqüestraram, com igual destreza, a televisão.

Imediatamente, após o choque do primeiro avião contra a Torre Sul, não transmitido pelas câmeras de TV, as emissoras interromperam suas programações e ficaram à mercê de um espetáculo que não haviam produzido. A escolha simbólica dos alvos e o cálculo do intervalo de tempo entre os ataques, revelam, de saída, a maestria dos terroristas no manejo da arma midiática. Afirmar isso significa dizer que existem regras e que, portanto, elas são previsíveis.

De um lado observou-se um ataque milimetricamente roteirizado pelos seus

mentores, cujo alvo era a transmissão “ao vivo” em escala planetária; de outro, ao

contrário, a televisão o apreendeu de forma absolutamente descontrolada, demonstrando

despreparo ao ficar face a face com sua característica singular, a transmissão direta de sons

e imagens em movimento.

(19)

Conforme será discutido no primeiro capítulo da dissertação, a transmissão direta constitui a base de todo um imaginário construído em torno da TV. Mais do que uma configuração técnica, que faz com que os momentos de produção, transmissão e recepção sejam coincidentes, o “ao vivo” é um fenômeno de linguagem, dotado de marcas que lhes são peculiares. A televisão foi se desenvolvendo e se diferenciando dos outros meios técnicos a partir da possibilidade do direto, ao mesmo tempo em que se esforçava para esconder a rudeza e os imprevistos que surgem quando se capta a vida acontecendo. Em um duplo movimento, o direto ajudou a configurar a linguagem televisiva, emprestando, inclusive para as produções gravadas, traços de imperfeição e improviso, enquanto os profissionais de TV buscavam controlar e minimizar as vicissitudes que surgem em direto.

Desde a chegada do videoteipe, a maior parte da programação televisiva passou a ser gravada. Hoje, são pouquíssimos os acontecimentos que surgem inesperadamente em direto, que conseguem quebrar seus rituais de produção e de programação (JOST, 2006).

Discute-se, ainda no primeiro capítulo, que a noção do direto refere-se muito mais a um complexo e alterado esquema de tempo, que entrelaça imagens do passado e do presente, operando uma colagem de filme, vídeo e do “ao vivo” propriamente dito (FEUER, 1983). Apesar do direto ser considerado a grande definição da TV, sua principal referência, porque alguns fatos que surgem sem aviso prévio, como o 11 de setembro, desestabilizam e descontrolam os códigos da linguagem televisiva?

No segundo capítulo, buscou-se compreender a face singular e perturbadora do

acontecimento. Apesar do 11 de setembro ser altamente pertinente para se tornar notícia e

integrar o discurso jornalístico, ele resistiu à apreensão. Recorreu-se à noção de catástrofe,

presente em diversos campos do conhecimento, para compreender sua face eruptiva e, ao

mesmo tempo, dura, resistente à linguagem. A catástrofe pode ser entendida como uma

mudança brusca, uma desestabilização repentina em um determinado sistema e relaciona-

se, sobretudo, à falência tecnológica. A experiência catastrófica é complexa a tal ponto

que, em um curtíssimo espaço de tempo, provoca um aumento de estímulo impossível de

ser absorvido imediatamente. Para se suplantar o trauma provocado pela radicalidade do

acontecimento, é necessário elaborá-lo sucessivas e repetidas vezes, o que envolve,

também, uma temporalidade complexa que une o passado ao presente. Essas noções

forneceram o terreno teórico para compreender os movimentos que a TV operou ao

transmitir o 11 de setembro, uma catástrofe em curso.

(20)

As noções de media event (DAYAN e KATZ, 1999), tragédia televisiva (TORRES, 2004) e de cobertura televisual da catástrofe (DOANE,1990) indicaram caminhos para que se percebesse como a televisão lida com os acontecimentos catastróficos. Observou-se que existem singularidades na cobertura televisual da catástrofe: recorrência de repetições, mobilização de audiências acima do normal, interrupção do fluxo televisivo, indeterminação do tempo de duração da cobertura, alteração na rotina social, para citar algumas.

Os dois primeiros capítulos forneceram subsídios conceituais para que se compreendesse porque a catástrofe tem potencial para romper com os códigos jornalísticos televisivos, prática que tende a seguir modelos que norteiam a construção da notícia. Os produtos jornalísticos da TV, obedecendo às lógicas do mercado e dos índices de audiência, costumam se pautar pelos formatos consagrados. O telejornal, em particular, se constrói de uma mesma maneira, fala num mesmo tom de voz e utiliza um repertório comum de imagens, sob qualquer regime político, cultural, econômico ou institucional (MACHADO, 2001). O acontecimento catastrófico, com seu potencial de ruptura, contém da mesma forma, potencial para desestabilizar as lógicas e os códigos da informação na TV.

O terceiro capítulo é dedicado a analisar a transmissão direta do 11 de setembro, buscando reconstituir os sentidos construídos pela instância enunciadora ao articular imagem, áudio, tempo presente e catástrofe. A cobertura feita pela rede Globo é fundamentalmente marcada pela repetição e comporta uma série de elementos que perpassaram sua duração estendida. Observou-se, entretanto, que com o desenrolar do tempo, à medida que o acontecimento evoluía, ela ganhava novos contornos, o que possibilitou, para efeito de análise, delimitar três momentos distintos da transmissão. Em cada um desses momentos, observou-se a temporalidade da cobertura, as vozes que constituíram o relato e as características da imagem produzida, aspectos estabelecidos nas categorias analíticas e que visam restituir os sentidos construídos pela TV.

O 11 de setembro é um acontecimento inédito, um marco histórico com

repercussões incalculáveis, especialmente no imaginário contemporâneo engendrado pelos

meios de comunicação. As cenas, inimagináveis, excederam o potencial de compreensão

dos jornalistas, obrigados a construir sentido simultâneo ao desenrolar do acontecimento.

(21)

Seu ineditismo, excedeu a compreensão e derrubou a linguagem codificada do jornalismo durante a cobertura televisiva. Ao tentar rodear a catástrofe com um aparato conceitual, a TV a fez mais perturbadora e indizível.

Na manhã de 11 de setembro de 2001, os terroristas transformaram o sonho norte- americano, gestado ao longo de décadas sob a forma da imagem, em seu mais terrível pesadelo, devolvendo para o plano da realidade o que era pura ficção hollywoodiana (SENRA, 2001). No roteiro, não estava prevista apenas a queda de dois dos maiores símbolos do poder norte-americano, mas a destruição de todo um imaginário hegemônico ocidental.

O jornalismo televisivo, erguido sob uma sólida estrutura cujos princípios

obedecem às lógicas da racionalidade moderna, foi atacado em seu âmago no dia 11. Junto

com as Torres, cedeu a imagem que o localiza como um discurso lógico, ordenado,

coerente. Na transmissão direta dos maiores atentados terroristas da História, o discurso da

informação televisa também foi atacado. No lugar da imagem, restaram os escombros.

(22)

CAPÍTULO 1

A TELEVISÃO NO TEMPO PRESENTE

(23)

A transmissão direta é um dos componentes centrais na configuração dos atentados de 11 de setembro, um de seus elementos constituintes. Quem os articulou não quis apenas destruir símbolos do poder norte-americano, quis fazê-lo ao vivo, aos olhares incrédulos do mundo. Sem a possibilidade da simultaneidade entre produção, emissão e recepção, específica do dispositivo televisual, provavelmente o evento não teria lugar.

Uma ação terrorista stricto sensu, geralmente, se desenrola em uma temporalidade distinta entre o acontecimento e a sua configuração em notícia televisiva. Cenas de pessoas feridas após um atentado, do local em chamas, da ação da polícia e dos bombeiros socorrendo as vítimas são comuns nos noticiários televisivos. Raramente, no entanto, é mostrado o exato instante do ato.

O 11 de setembro, sob essa perspectiva, é um evento singular: a transmissão direta televisiva está implicada na sua concepção. Ele não foi articulado para que víssemos a fumaça encobrindo Manhattam após a queda dos edifícios ou os sobreviventes correndo pelas ruas, mas para que o mundo acompanhasse, ao vivo, toda a seqüência dos acontecimentos, sua duração.

De saída, cabe lembrar que, toda manhã, grande parte das emissoras americanas aponta suas câmeras para a ilha de Manhattam, oferecendo, entre 8h30 e 9h da manhã – faixa de horário em que ocorreu o primeiro ataque – panorâmicas da cidade, dando informações sobre o clima e as condições de tráfego de Nova York (FERRAZ, 2002:180).

Osama bin Laden poderia ter escolhido outro símbolo para iniciar a seqüência dos ataques-surpresa do dia 11, como o Empire State Building, edifício ícone dos Estados Unidos. A escolha pelo World Trade Center parece fundar-se no fato de as torres serem duas, gêmeas. Necessariamente, após o choque do primeiro avião, as emissoras de TV já estariam focalizando o acontecimento, implicando na transmissão direta do choque do segundo.

Duarte (2004) lembra que o intervalo de tempo entre o choque dos aviões foi

minuciosamente calculado para que as TVs transmitissem as imagens ao vivo, mas

insuficiente para que os Estados Unidos organizassem uma estratégia de defesa. Quem

concebeu os atentados dominava as regras de produção do meio,

(24)

[...] acertando as ações empreendidas aos tempos e espaços da construção do simulacro televisivo, isto é, de forma a fazer com que os acontecimentos a eles correspondessem (DUARTE, 2004:15).

O evento é de ordem distinta dos grandes acidentes naturais (furacões, tempestades, terremotos etc.) ou daqueles associados às falhas humanas e tecnológicas (queda de avião, explosões, desabamentos etc.), todos da ordem do imprevisto, do que escapa ao controle humano. O 11 de setembro, ao contrário, é um evento previsto, planejado, roteirizado de forma precisa para se encaixar nas lógicas da televisão.

Dominando as regras de produção do meio, os terroristas, além de quatro aviões, seqüestraram em escala planetária as emissoras de TV. A interrupção e a suspensão da programação normal durante a transmissão dos ataques foi um corte cirúrgico naquilo que é mais caro à televisão, o tempo, percebido como espaço, uma tela que comporta sons e imagens em movimento. Os atentados mobilizaram emissoras e audiências de maneira radicalmente inédita, tornando manifesta a idéia mcluhaniana de aldeia global.

Se, como lembra Arlindo Machado, “os eventos não acontecem mais, via de regra, por conta própria; eles pressupõem a mediação da TV e são forjados em função dessa mediação” (MACHADO, 1995:87), o 11 de setembro pode ser considerado a expressão máxima dessa concepção. Ou como observa Duarte (2004), não existe mais espaço no mundo contemporâneo exterior à mídia, “ela funciona como uma agenda coletiva, sobredeterminando as outras esferas do social” (DUARTE, 2004:20).

Neste capítulo discute-se a transmissão direta, não apenas enquanto uma

configuração técnica da televisão, mas como uma construção de linguagem. Partir-se-á da

idéia de que a televisão foi se desenvolvendo, se configurando enquanto um meio dotado

de linguagem própria a partir da possibilidade do direto. Tal asserção fundamenta-se em

dois aspectos principais: grande parte dos programas gravados é produzida em

circunstâncias similares às condições de produção das emissões diretas e os programas ao

vivo possuem determinadas marcas, elementos que permitem identificá-los como tal.

(25)

1.1 O direto, marca singular da TV

O termo televisão designa uma série complexa de fenômenos distintos, o que torna problemática uma tentativa totalizante de apontar uma natureza televisiva. França diz que

“a televisão é um meio que vem se recriando continuamente enquanto linguagem, passível de diferentes usos, alojando práticas distintas, acolhendo múltiplos discursos” (FRANÇA, 2006:13).

A televisão está sempre se alterando, tornando instável qualquer possibilidade de uma definição única do dispositivo. Feuer (1983) afirma que ninguém está exatamente seguro sobre o que é a televisão. Ao invés de se abordar aspectos da televisão como seus efeitos, seus usos ou suas relações com a sociedade, optou-se por focar o olhar nas configurações técnicas do meio e sua linguagem. A partir desse primeiro recorte, circunscreveu-se a atenção nos aspectos da transmissão direta televisiva.

O “ao vivo” é uma construção de linguagem, um fenômeno que possui estratégias e formas discursivas próprias, uma prática que transborda a dimensão tecnológica para se tornar uma prática simbólica dotada de sentidos. Abordar a televisão somente a partir do viés tecnológico seria banalizar um fenômeno complexo, ou reduzi-la ao que Eco (1970) denominou de serviço: “um meio técnico de comunicação, através do qual se podem veicular ao público diversos gêneros de discurso comunicativo” (ECO, 1970:335).

Como aponta Williams (2003), a TV transmite outras formas de atividade social ou cultural (filmes, notícias, esportes etc.) que são por ela alteradas e reconfiguradas, já que

“umas das formas inovadoras da televisão é a televisão mesma”. 1 Portanto, não se trata de olhar para a televisão como um meio de transmissão de outros processos e práticas comunicativas mas, como define Feuer (1983), uma “coisa-em-si”, uma prática significativa.

A televisão é um meio que alterou radicalmente as formas de percepção e do estar do homem no mundo. A partir dela, o homem estabeleceu novos modos de interagir e de se relacionar. A tela pequena integra o homem, isolado na privacidade de sua casa, à realidade exterior. Parte de sua experiência, desde o advento da televisão, passou a ser

1 Tradução nossa.

(26)

mediada simbolicamente através das imagens em movimento. Portanto, a TV não pode ser entendida apenas como um meio de transmissão de informações, mas é parte indissociável da realidade contemporânea.

Apesar de possuidora de uma “heterogeneidade constitutiva”, como define Samuel Weber (1996), a televisão do ponto de vista técnico, tem na transmissão direta de sons e imagens em movimento à distância sua marca singular. Diferentemente do cinema, que não transmite a vida em sua imediatez, e do rádio, que possui apenas o suporte sonoro, a TV tem a possibilidade de ancorar diferentes espaços simultaneamente, característica específica do meio.

Por mais óbvio que possa parecer, é preciso que se faça inicialmente a distinção entre instantaneidade e transmissão direta, designada correntemente pela expressão “ao vivo”, termos que equivocadamente podem ser entendidos como sinônimos. O primeiro refere-se à configuração técnica da TV que faz com que os momentos de emissão e recepção sejam coincidentes. Não há como, no padrão analógico de TV, deixar para ver um programa em outro momento. 2 A transmissão televisiva se dá necessariamente no presente, é recebida de forma instantânea e organizada no tempo cronológico. Portanto, a instantaneidade é inerente ao processo de emissão e recepção da programação televisiva, seja ela ao vivo ou gravada, e condição para que ocorra a transmissão direta, definida como a capacidade televisiva de transmitir eventos que estão acontecendo em locais distintos de onde se encontram os telespectadores, dispersos geograficamente. Os eventos em curso podem se desenrolar tanto no interior da emissora, nos estúdios, quanto no seu exterior.

Somente através da transmissão direta é possível que o telespectador assista a eventos em processo, numa coincidência que inclui além dos tempos de emissão e recepção, o tempo de duração do acontecimento e sua filmagem televisiva.

2 Não se está ignorando as possibilidades de gravação, edição e reprodução da programação televisiva, por

parte da instância de recepção, desde o advento do vídeo-cassete. Apesar do vídeo alterar os usos e os modos

de ver televisão, ele é um dispositivo à parte, distinto. Com a convergência das mídias e a TV digital, em fase

de implantação no Brasil, a noção de simultaneidade deve ser alterada. Uma das promessas da TV digital é

que o público vai poder ver os programas na hora que desejar, de acordo com sua disponibilidade e demanda,

e não de acordo com os horários estipulados pelas emissoras.

(27)

A partir da televisão, o registro do espetáculo que se está ainda anunciando e a visualização/audição do resultado final podem se dar simultaneamente e é esse justamente o traço distintivo da transmissão direta: a recepção por parte de espectadores situados em lugares muito distantes, de eventos que estão acontecendo nesse mesmo instante (MACHADO, 2001:125).

Antes do surgimento da TV, de acordo com Machado (2001), as únicas formas expressivas que operavam no tempo presente eram as artes performáticas, o teatro por exemplo; os outros meios técnicos, como a fotografia ou o disco, eram necessariamente uma recordação, ou o que Barthes (DOANE,1990) definiu como embalming. 3 Por isso, o autor considera a transmissão direta um gênero propriamente televisivo.

É preciso considerar que a transmissão direta constitui verdadeiramente um gênero televisual, talvez o primeiro desse meio, pois, como se sabe, as primeiras emissões televisuais foram as transmissões ao vivo de eventos extratelevisuais (sic), como os jogos olímpicos de Berlim (1936), a coroação do rei Jorge VI da Inglaterra (1937), a convenção do Partido Republicano norte- americano na cidade de Filadélfia (1940) e assim por diante (MACHADO, 2001:139).

Assistir aos ataques do dia 11 de setembro ao vivo pela televisão foi, sem dúvida, uma experiência de ordem distinta de quem os assistiu nos telejornais da noite, depois da ocorrência do evento. Acompanhar uma transmissão direta é testemunhar um evento em processo, onde a casualidade da vida pode irromper a qualquer instante. “É justamente a partir do tempo televisual ‘duração extraída do mundo’ que se estabelece uma particularidade do tipo de vivência proporcionada pela transmissão direta – a espera pelo inesperado” (FECHINE, 2001:137). Dayan e Katz (1999) apontam que a televisão oferece um tipo de experiência particular, “a experiência única televisiva de não estar lá”.

A era da televisão pode ser, portanto, não apenas aquela em que a reprodução é tão importante como o original, como Benjamin (1968) propôs, mas também a era em que a reprodução é mais importante que o original. Por vezes o original está inacessível às audiências ao vivo porque se está a desenrolar, por exemplo, em Londres ou na Lua. Os acontecimentos que não têm original em parte alguma ainda são mais fundamentais porque a transmissão é uma montagem, em simultâneo, oriunda de locais diferentes [...]

Ninguém pode ver tudo, a não ser o realizador da televisão e centenas de milhões de pessoas nas suas casas (DAYAN e KATZ, 1999:30,31).

3 Embalming: gerúndio do verbo to embalm, embalsamar, conservar.

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Entretanto, os autores advertem que a televisão “não consegue levar-nos lá” e nem apreender a totalidade do acontecimento, proporcionado sempre uma “experiência em segunda mão”. O espetáculo televisivo fornece ao telespectador novas formas de participação, uma experiência radicalmente distinta da presença in loco.

Trata-se, segundo Fechine (2001), de uma transmissão que só existe na situação comunicativa. O ato comunicativo constitui o sentido mesmo da transmissão. Portanto, o tipo de enunciado produzido identifica-se com o ato da enunciação, estando este implicado no sentido que se quer transmitir.

Como o espetáculo teatral, a transmissão direta instaura-se numa temporalidade irrepetível, própria a tudo que possui a natureza do evento ou do acontecimento, própria aos textos cuja temporalidade da enunciação é parte do sentido produzido por sua mise-èn-scene, própria, enfim, aos textos cuja situação na qual são comunicados é parte do que lhes define como tal; textos que só podem ser considerados como textos no momento em que são atualizados (FECHINE, 2001:125).

A temporalidade, de acordo com Doane (1990), é a principal categoria da televisão e de todos os meios técnicos. “O tempo é a base da televisão, seu princípio estruturador, bem como sua principal referência. A insistência no atributo temporal pode ser, de fato, uma característica de todos os meios de imagem mecânica ou eletrônica de reprodução”

(DOANE, 1990:221). 4

Weber (1996) argumenta que o cinema, diferentemente da televisão, preserva a relação temporal passado/presente, entre sujeitos e objetos pré-exitentes que são re- presentados através da projeção na tela, deixando intacta a relação de original e cópia. Na TV, contudo, essa relação é seriamente afetada, bem como as noções tradicionais de mimesis, representação e reprodução.

O autor diz que a TV ultrapassa os limites da distância e da separação, porque ela própria se torna a separação. O que aparece diante do telespectador é uma separação, camuflada pela forma das imagens em movimento. “Este é o verdadeiro significado do termo cobertura televisiva, que cobre a invisível separação, dando a ela forma, contorno e figura” (WEBER, 1996:120). 5

4 Tradução nossa.

5 Tradução nossa.

(29)

Segundo ele, a própria transmissão, que é movimento, já é em si uma separação. A lógica da separação repousa na premissa de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, e a TV não está inteiramente em nenhum lugar. O telespectador situado em frente ao aparelho de TV, não vê imagens, mas objetos indiretos ou o que Weber define como um certo tipo de visão. “O que nós vemos, para além do conteúdo das imagens, é a visão de alguém e de um objeto, a câmera” (WEBER, 1996:120). 6

O autor afirma que a televisão inaugura um novo tipo de experiência: não se trata apenas de ver à distância, de transpor os limites físicos entre sujeito-objeto, como o termo sugere, mas de experimentar a visão do outro.

O telespectador pode ver coisa de lugares – e, freqüentemente, de perspectivas e pontos de vista (e não é incomum que sejam vários) – onde seu corpo não está situado (como quase nunca está) (WEBER, 1996:116). 7

Acerca das formas de percepção proporcionadas pela TV, Robert Stam (1985) diz que o telespectador passa a ter poder visual, virtualmente “todo poderoso”.

O espectador de uma transmissão ao vivo, pode na realidade, em alguns aspectos, ver melhor do que os que estão presentes na cena.

As câmeras múltiplas facilitam uma multiplicidade de perspectivas, e o vídeo-tape e o switcher oferecem o privilégio do replay instantâneo (STAM, 1985).

Cavell (1982) observa que a TV inaugura um modo de percepção específico ou o que o autor define como monitoring. Ele associa o telespectador em sua casa a um monitor, já que a TV mantém sempre um evento à vista, ela está sempre lá, presença firme. O autor, a partir dos apontamentos sobre o realismo no cinema feitos por Bazin, lembra que “a tela não nos coloca na presença de”, como no teatro o público fica na presença dos atores. Mas ele diz que, diferentemente do cinema, na TV o fato pode estar acontecendo simultaneamente à sua apresentação. A categoria da simultaneidade constitui, segundo o autor, a base material da TV, ou o que ele define por corrente de recepção simultânea de eventos. 8

6 Tradução nossa.

7 Tradução nossa.

8 O termo original utilizado pelo autor é a current of simultaneous event reception.

(30)

1.2 Além da tecnologia, linguagem

Até meados dos anos 1950, a televisão só operava ao vivo, exceto quando exibia produções em película, não pertencentes ao gênero televisual. Em seus primeiros anos, a TV brasileira foi ensaiando sua linguagem, influenciada pelos meios anteriores, sobretudo o teatro e o rádio, que operam no tempo presente e emprestaram-lhe profissionais e grande parte de seus programas. Como lembra Mota (2001), a TV se mirou nos exemplos que lhe pareciam próximos, já que, até então, inexistiam suportes de registro e armazenamento das imagens eletrônicas.

Os esforços dos primeiros profissionais era justamente domesticar o direto, controlar o acaso, o que “forçava os produtores a uma improvisação sempre oscilante entre a genialidade e o ridículo” (PRIOLLI, 1985:23). Após 1956, com a invenção do videoteipe, tornou-se possível a gravação de imagens e áudio em fita magnética. No Brasil, o recurso foi utilizado pela primeira vez em 1958, na TV Tupi de São Paulo. O videoteipe trouxe um maior controle, racionalização e um conseqüente aumento na qualidade das produções.

Entretanto, mesmo após a consolidação do videoteipe e sua utilização sistemática, a sintática das transmissões primitivas parece ter influenciado todo o modo posterior de se fazer TV.

A programação das emissoras de TV continuou a se articular como um “fluxo ininterrupto” e seus programas permaneceram sob a influência da organização formal das transmissões diretas. Seja em um programa em particular, seja no conjunto da programação, todo o esforço dos profissionais de TV é para construir um discurso que se mostre no presente (FECHINE, 2001:114).

Como observa Mota (2001), a vocação televisiva é acompanhar o desenrolar da vida, testemunhar. A possibilidade técnica do direto forneceu as bases para que a TV fosse se descobrindo e se constituindo enquanto um meio dotado de linguagem.

O talento da imagem eletrônica para produzir retratos instantâneos,

associado à transmissão direta, resultava numa afinidade com o

contemporâneo, com a atualidade. Se por um lado a televisão

resistia ao passado, por outro ela se identificava e quase não se

diferenciava do presente (MOTA, 2001:33).

(31)

Para que se perceba com mais clareza o direto enquanto um fenômeno de linguagem, identificou-se três características que o distinguem como tal: a simulação, ou a incorporação de elementos típicos do direto nas transmissões gravadas; o discurso auto- referencial das emissoras de TV; e as marcas do direto, elementos indiciais recorrentes nas transmissões diretas.

Mesmo em programas gravados, que constituem maioria na grade televisiva, observam-se procedimentos próprios do direto televisivo, portanto, num certo sentido, pode-se dizer que eles “forjam” ou simulam esse tipo de transmissão. Muitas produções pré-gravadas são produzidas e editadas em circunstâncias similares às dos programas ao vivo. “Pode-se, portanto, instaurar efeitos de ‘ao vivo’ tanto numa transmissão direta, quanto numa gravada” (FECHINE, 2001:114).

Machado (2001) lembra que o registro em fita magnética das produções gravadas guarda as marcas de incompletude e de intervenção do acaso, específicas dos programas realizados em circunstâncias “ao vivo”. O autor (1995, 2001), discutindo como as transmissões gravadas podem simular o tempo presente, estabelece duas categorias temporais para as diferentes formas de transmissão televisiva.

A primeira delas é o que ele define como tempo real: há uma coincidência entre o tempo vivido na tela e o tempo cronológico, sem, contudo, se tratar de uma transmissão direta. O filme Vôo United 93, do diretor Peter Greengrass, simula essa temporalidade, reconstituindo a ação dos terroristas dentro do boeing seqüestrado que caiu na Pensilvânia no dia 11 de setembro, em seu tempo cronológico. O tempo real não é, portanto, específico da televisão, mas utilizado também pelo cinema em produções como Festim diabólico (1948), de Alfred Hitchcock ou Matar ou morrer (1952), de Fred Zinnemann, filmes que simulam o tempo vivido fora da tela, minuto a minuto. Evidentemente, são produções que apenas simulam a temporalidade do presente e tudo que é indesejável é apagado do produto final, restando apenas o que o diretor considerar essencial para a coerência narrativa da obra.

A outra categoria proposta por Machado é o tempo presente, procedimento

exclusivo do meio televisivo, onde se observa a coincidência entre o tempo da enunciação

e o tempo vivido pelo espectador. Em função disso, os produtos televisivos são efêmeros,

(32)

não comportam a noção de obra como algo duradouro, “substituindo-a por uma entidade passante, o aqui-e-agora do faiscar eletrônico” (MACHADO, 2001:138). Nesse tipo de transmissão, é possível capturar momentos de verdade, de uma “intensidade inatingível”.

Tudo permanece no produto, não há como apagar possíveis “erros”, desconexões ou qualquer fato inesperado que aconteça durante a transmissão.

O humorístico “Sai de baixo”, exibido pela rede Globo de televisão entre 1996 e 2002, é exemplo para que se perceba como a televisão pode simular e incorporar numa produção gravada as marcas do direto. Gravado em um grande teatro, os atores interagiam em vários momentos do show com a platéia, como se fosse um espetáculo teatral. Toda espécie de “erro”, como troca de palavras, esquecimento do texto, risadas incontidas dos atores, improvisação ou qualquer coisa não prevista, mas que pudesse corroborar para o humor, eram mantidos no programa. Ao final de cada episódio, exibia-se uma edição dos erros (não incorporados no texto) ao lado da ficha técnica, denunciando que se tratava de uma produção gravada.

Como pode, então, o telespectador reconhecer se está diante de uma transmissão

direta ou não? Esse reconhecimento se dá através de determinadas convenções, fundadas

em uma relação de crença, de que aquilo que está acontecendo naquele instante é, de fato,

aquilo que ele está vendo em sua casa. A relação estabelecida entre as instâncias produtora

e receptora é baseada em um contrato fiduciário, extrapolando os elementos internos dos

programas. Fechine (2001) aponta as bases desse contrato: a vigilância recíproca da

própria mídia que, em situação de competição acirrada, coíbe as tentativas de falseamento

dos concorrentes e nas ocasiões de grandes eventos públicos previamente preparados, uma

ampla rede de divulgação se forma em torno do mesmo, culminando num clima de

expectativa compartilhado entre o público, fazendo com que o espectador tenha certeza do

estatuto da transmissão. A autora diz, ainda, que a identificação do caráter das transmissões

diretas está condicionada aos contratos comunicativos, ou estratégias de comunicabilidade,

de forma que o próprio telespectador reconheça o estatuto da transmissão devido ao seu

conhecimento do meio e do mundo, à sua “cultura” televisiva.

(33)

Ninguém que assista TV regularmente espera, ao contrário, que hoje um filme ou uma novela sejam exibidos numa transmissão direta [...] A própria televisão já associou, indissoluvelmente, certos hábitos produtivos e perceptivos a determinados tipos de programa (FECHINE, 2001:122).

Diante da constatação de que os programas gravados incorporam particularidades do direto, Jost (2006) diz, ao contrário, que as transmissões diretas não possuem elementos que as designem como tal, mas adverte que a principal forma de identificá-las é quando se assiste a uma mesma emissão em canais diferentes ou quando se sabe que a televisão transmite um evento que se desenrola em local distinto naquele mesmo momento, como um jogo de futebol. “O direto não é pois, index sui, signo dele próprio, ele não se designa como tal” (JOST, 2006:288).

Fechine (2001) estabelece três procedimentos discursivos, próprios das transmissões diretas, que instauram efeitos de “ao vivo” no restante da programação: a continuidade temporal e a seqüencialidade da transmissão, o que corrobora para a percepção de que a temporalidade da duração do evento é a mesma da transmissão; a montagem feita no mesmo instante da gravação, sem a necessidade de edição posterior; e o improviso inerente ao registro imediato do evento, incorporando erros e marcas produtivas.

A improvisação, a perda de foco e de quadro, as imperfeições, o tropeço do apresentador, uma pergunta sem resposta durante uma entrevista são alguns elementos da linguagem do direto que, não raramente, permanecem nas produções gravadas, o que pode ser avaliado como uma tentativa de lhes atribuir autenticidade, naturalismo.

Na tentativa de instaurar esse efeito de “ao vivo”, dá-se ênfase, enfim, a tudo que possa imprimir àquilo que é exibido a marca da atualidade, associada à construção de uma proximidade com os fatos, e a marca da autenticidade, associada à construção de uma certa aleatoriedade na transmissão (FECHINE, 2001:117).

A segunda característica proposta é o discurso auto-referencial das emissoras de TV, que constantemente invoca a possibilidade da transmissão direta em sua programação.

A TV se apresenta ao público como um dispositivo de proximidade e da atualidade. Como

lembra Martin-Barbero (2003), a TV simula o contato, mantendo a atenção e interpelando

o telespectador, e se organiza como uma retórica do direto, pela sua capacidade de tornar

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próximos lugares e acontecimentos distantes, através da imediatez da transmissão ao vivo – real ou simulada – familiarizando pessoas, lugares e eventos.

Fechine (2006) diz que a grande pretensão das transmissões diretas é injetar no discurso “uma duração extraída diretamente do mundo”, como se a TV recortasse uma temporalidade do real. O direto propicia uma experiência comum de ver televisão, um efeito de contato em que o eu e o outro compartilham um espaço comum na e pela duração.

[...] um espaço que não se constitui mais materialmente, um espaço simbólico, um espaço “vivido” tão somente através da transmissão.

É nesse tempo e nesse “lugar”, criados por esse nosso próprio contato com a televisão, que se estabelece um tipo de encontro entre sujeitos (FECHINE, 2006:144).

Feuer (1983) lembra que o meta-discurso televisivo insiste que o que está sendo apresentado é direto, espontâneo, não-mediado, real. “Da simples oposição entre programas diretos e gravados, nós expandimos a questão para a equação entre o ‘ao vivo’ e

‘o real’. A televisão direta se apresenta como viva, real, diferente da programação gravada, que representa o passado, a morte” (FEUER, 1983:14). 9

A autora observa que a possibilidade da transmissão ao vivo tornou-se um discurso generalizado do meio que, freqüentemente, apela para a riqueza conotativa do termo, contaminando a denotação técnica com sentidos de presença e de presente. Ela afirma que o “ao vivo” constitui a grande definição da TV e, nesse sentido, a ontologia aparece como ideologia, posicionado o telespectador num “imaginário de presença e imediaticidade”.

Entretanto, na opinião de Feuer, a televisão se constitui cada dia menos como um meio direto, de equivalência entre os tempos de produção, transmissão e recepção.

A televisão, verdadeiramente, quase nunca explora sua capacidade de transmissão instantânea e não mediada. Somente as conotações ideológicas da possibilidade do direto são exploradas para minimizar a contradição entre o fluxo e a fragmentação que se observa na prática televisiva cotidiana (FEUER, 1983:16). 10

9 Tradução nossa.

10 Tradução nossa.

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Com o replay instantâneo e as novas tecnologias de edição digital – desenvolvidas sobretudo para as transmissões diretas esportivas – o que era para ser ao vivo, é congelado, repetido, retransmitido durante a própria transmissão em câmera lenta. Portanto, as emissões propriamente diretas comportam o tempo passado, sobretudo através de imagens que não foram captadas no tempo presente da enunciação. Feuer (1983) diz que a noção de

“ao vivo” refere-se muito mais a um “complexo e alterado esquema de tempo”, entrelaçando de forma indissociável imagens do passado e do presente, através de uma colagem de filme, vídeo e do “ao vivo” propriamente dito.

Jost (2006), seguindo essa mesma linha de pensamento, diz que a promessa do direto carrega consigo uma promessa ontológica de autenticidade e que o telespectador crê que o direto é a forma mais autêntica de restituição do real. Portanto, percebe-se a existência de um valor de verdade associado ao modo de transmissão direta televisiva, uma aproximação entre o direto e o real. A industria televisiva associa o conceito de “ao vivo”

ao de real, almejando autenticidade a produtos que supostamente pareçam menos mediados ou manipulados.

Deborah Esch (1993) lembra que o direto constitui a base de todo um imaginário televisivo, segundo ela por duas razões: a fantasia de que a imagem é direta, não produzida por uma tecnologia de representação, não-mediada, e a fantasia concomitante de que a imagem é direta para mim, endereçada de forma a-problemática ao sujeito que compartilha o evento imagético.

A auto-referenciação fica explicitada, ainda, em slogans e nomes de programas, que não raramente fazem referências ao estatuto do direto: Aqui Agora, Brasil Urgente, A vida em tempo real, Em cima da hora, e assim por diante.

A terceira característica apresentada, as marcas do direto, como já se anunciou, são

elementos típicos das transmissões diretas, que permitem identificá-las como prática

significativa. Apesar de muitos programas gravados incorporarem ou simularem traços do

direto, como já se disse, faz-se necessário identificar essas marcas enquanto elementos

constituintes de uma linguagem do “ao vivo”. A utilização dessas marcas em programas

gravados, ao contrário, só confirma a sua existência.

(36)

Algumas marcas não deixam dúvidas quanto ao caráter da transmissão, outras não são suficientes para que o telespectador as identifique. Em determinados momentos, elas são observadas no texto, em outros na imagem e, freqüentemente, em ambos. A inscrição do relógio, que dá a dimensão exata do tempo cronológico, e a utilização da inscrição

“vivo” são marcas exclusivas do direto. Os imprevistos e os improvisos, ou todo tipo de solução realizada num produto em processo, são marcas não exclusivas.

A primeira e mais óbvia forma de identificação é a inscrição da palavra “vivo”, ou de termo equivalente, na tela televisiva. A maioria das transmissões diretas vale-se deste recurso para explicitar o seu caráter. A inscrição costuma vir junto à logomarca da emissora, que permanece no vídeo durante quase todo o fluxo de programação, exceto nos intervalos comerciais.

Além da inscrição no vídeo, a televisão utiliza também a palavra oral. É bastante comum que os profissionais de TV digam expressões como “estamos ao vivo”,

“informações ao vivo de Brasília com o repórter”, “é quem nos fala ao vivo”, “vamos ao vivo, direto de Nova York”, denunciando o caráter direto da transmissão.

Interessante observar que os telejornais, por seu turno, geralmente só utilizam a inscrição da palavra “vivo” durante o link ou stand up. 11 Apesar da apresentação do telejornal ser, quase sempre, em circunstância direta, o telejornal quase nunca insere a marca “vivo” quando os apresentadores estão em quadro. Talvez porque diferentes registros de tempo componham a totalidade dos produtos telejornalísticos. 12

A televisão utiliza, ainda, o relógio para indicar que a temporalidade da produção coincide com a temporalidade vivida pelo telespectador. Muitas vezes o relógio aparece como imagem eletrônica em alguma parte do vídeo, mas pode, excepcionalmente, compor o cenário, como um adorno. Nos programas jornalísticos, o relógio costuma vir

11 A entrada de repórteres que falam direto do local dos acontecimentos, com o intuito de transmitir as últimas informações sobre eles.

12 Grosso modo e a título de exemplificação, pode-se dizer que eventos e narrativas de diferentes

temporalidades conformam os telejornais: reportagens gravadas (passado), link (presente), notas cobertas por

imagens lidas pelo apresentador (passado), notas simples lidas pelo apresentador em quadro (presente), além

de um sem número de informações que apontam para o futuro como projeções, previsões do tempo, anúncios

de eventos que ainda irão acontecer, agenda cultural etc.

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acompanhado de outros elementos textuais: informações do mercado financeiro, meteorologia, últimas notícias etc. 13

Informar as horas oralmente é prática corriqueira na televisão direta. Não só nos programas jornalísticos, mas em diversos gêneros como variedades, musicais, reality- shows, programas de auditório, o anúncio é feito de tempos em tempos, lembrando aos telespectadores que os momentos de enunciação e recepção são coincidentes.

Outro traço distintivo do direto é a interferência do acaso, daquilo que acontece sem a previsão e, portanto, pode fugir ao controle do enunciador. Eventos como a luz que queima e escurece o cenário, os torcedores de um time de futebol que agridem o repórter de televisão no momento de sua entrada em quadro, a mesa que cai no estúdio durante uma apresentação ou um carro desgovernado que entra no espaço da platéia em uma corrida são casualidades que qualquer transmissão direta está sujeita.

[...] quando não ocorre fato mais grave, como um acesso de tosse do apresentador ou um enquadramento inesperado que revela os bastidores, a girafa do microfone, a presença da câmera, ou qualquer coisa simplesmente inominável (MACHADO, 2001:131).

O acaso talvez seja o elemento mais interessante das transmissões direta, porque pode interferir, descontrolar, “desarrumar a casa” e os códigos televisivos. O site You Tube é fonte inesgotável das mais variadas gafes que ocorrem em direto: da risada incontida da jornalista Lílian Wite Fibe 14 ao anunciar que uma mulher de 81 anos, numa cadeira de rodas, foi presa por tráfico da drogas ao viajar com 10 mil tabletes de estase e que, seu namorado, de 56 anos, disse à polícia que pensou que os comprimidos fossem pílulas de Viagra, à cena em que o apresentador Fernando Vanucci aparece visivelmente bêbado 15 durante o programa Bola na Rede, da Rede TV, no dia em que a Itália venceu o Brasil no final da Copa de 2006.

13 Esta forma de inscrição teve seu início no Brasil por volta dos anos 1990, após a chegada da emissora a cabo Globo News, cuja principal referência é a rede norte-americana CNN. Atualmente, não só as emissoras de notícias 24 horas, as chamadas all news, mas também os canais abertos utilizam o padrão. A TV Globo Minas, por exemplo, em seus boletins diários de notícias no período da tarde, apresenta o relógio na tela junto a outros elementos textuais (temperatura, cotação do dólar, últimas notícias), além de a apresentadora anunciar as horas oralmente.

14 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=E7gcms1WID8. Na época, a jornalista apresentava o Jornal da Lílian, transmitido ao vivo na Internet.

15 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=KE8nN90ewlI.

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Machado (2001) lembra que o espectador já se acostumou a um tipo de transmissão em que controle e acaso convivem lado a lado e que as emissoras só transmitem diretamente eventos que ofereçam pouca margem para a improvisação, porque

“os homens que constroem o relato da TV tentam domar de todas as formas essa vocação para o acaso” (MACHADO, 2001:136). Regina Mota (2001) observa que, desde o surgimento da TV, os esforços dos primeiros criadores era saber como domesticar, esconder o presente, controlar o acaso.

Outra marca não exclusiva do direto é o improviso, que segundo uma das definições do Aurélio (1986) é “um produto intelectual inspirado na própria ocasião e feito de repente, sem preparo”. Aqui, já se percebe a relação entre o direto (a ocasião) e sua marca indicial (produto intelectual feito sem preparo).

Necessariamente, os enunciadores de uma transmissão ao vivo criam o enunciado sem ter condições de apagar as vicissitudes do processo. Não há um recuo, um tempo de manipulação do material para filtrá-lo das “impurezas” desnecessárias ao sentido da obra, como ocorre nas produções cinematográficas, em que o tempo de manipulação do material é estendido e suas fases, bem delimitadas.

Todo o staff televisivo, do diretor de TV, ao cinegrafista, do operador de áudio ao apresentador, não tem condições de pré-visualizar o produto final, o que força a criação de soluções instantâneas. Como lembra Machado (2001), na TV ao vivo tentativa e resultado coincidem.

Em tempo presente, os realizadores devem dar consistência ao material no mesmo momento em que esse material ainda está sendo tomado e sem ter condições de pré-visualizar os resultados antes que o produto chegue ao receptor. Ora, tornar as mensagens

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