• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 - A cobertura televisual da catástrofe

3.3 Momento 2 - A irrupção do caos

Às 10h03min, dezoito minutos após o choque do primeiro avião contra a Torre Norte, Nascimento convoca a primeira voz a dividir a narração do evento, a correspondente Simone Duarte, chefe do escritório da rede Globo em Nova York, para contextualizar aquilo que, até aquele momento, se configurava como um acidente aéreo. Ao invés de entrar a jornalista em off, surge a imagem de um avião invadindo o quadro, explodindo contra a outra torre do World Trade Center.

Figura 12 Figura 13

O avião invade o quadro. A catástrofe irrompe a tela da TV.

A cena, brevíssima, força o apresentador tagarela a ficar em silêncio. Era a catástrofe adentrando na televisão. O evento, que até aqui podia ser entendido como uma

crise, passaria ao estatuto da catástrofe (DOANE, 1990). O choque do avião contra o

prédio marca uma mudança brusca na cobertura. O tempo, que até então estava comprimido pela crise colocada, torna-se pontual, instantâneo, um corte abrupto na tela televisiva.

Naquele brevíssimo instante, o quadro televisivo comportou a colisão de elementos pertencentes a sistemas diferentes (avião e edifício), fazendo surgir uma idéia nova que, semelhante à combustão de um motor, impelia para frente a continuidade da cobertura.

Stela Senra diz que a ação dos terroristas em 11 de setembro pode ser entendida a partir dessa cena, uma imagem, simples, quase gráfica, “tão perfeita para a disseminação midiática que se tornaria uma espécie de vinheta da ação terrorista” (SENRA, 2001:15).

A irrupção daquele fato inédito, não codificado, descontrolou completamente a instância de produção. A primeira marca desse descontrole é observada na cegueira do apresentador, que perdeu o evento, apesar de até então ancorar seu discurso no suporte imagético. No momento em que surgia uma das imagens mais impressionantes da história da televisão, ele limitou-se a dizer: “Olha ali, você acaba de ver ali uma explosão na parte

um pouco mais abaixo do prédio é... o incêndio se alastra (silêncio) ... uma nova explosão,

nós acabamos de narrar aqui, vocês perceberam ali naquela parte da esquerda.”

O silêncio prolongado de quem, até então, não se permitia ao silêncio e sua fala subseqüente – “pelo que se sabe, o avião que bateu na torre se encontra lá” – um absurdo completo, revelam que Nascimento, de fato, viu o avião explodindo contra o prédio como, de resto, os mais de um bilhão de telespectadores que acompanharam a transmissão televisiva (SANT’ANNA, 2006:221). A não percepção do código icônico denuncia o seu ineditismo, uma forma sem significado. A irrupção ao vivo do evento catastrófico, como observa Mellencamp (1990), é o momento em que o pensamento pára.

Para confirmar o fato absolutamente improvável, a emissora repete a cena, como se ela própria não acreditasse no que tivesse ocorrido. Na primeira repetição da imagem, Carlos Nascimento em tom de perplexidade diz: “Olha realmente foi um avião que bateu ali, é isso? Houve um segundo... um segundo acidente ... É impressionante isso”.

Posteriormente, a não percepção da cena do choque, seria justificada pelo apresentador em diversos momentos da cobertura, dizendo que não a percebeu porque “a imagem que nós mostrávamos naquele momento era uma imagem lateral e não foi possível ver aquele avião se aproximando, nós só vimos depois quando a imagem se abriu, se abriu e então

agora o...olha ai vamos repetir, vocês estão vendo agora nessa imagem aberta”. A

repetição, a imagem aberta, e a cena que ele denominou de imagem lateral são rigorosamente idênticas.

A primeira repetição da cena do choque do avião contra a Torre Sul marca a mudança do estatuto temporal da cobertura. Na segunda fase, ela deixa de ser direta, em sentido restrito, para se tornar um complexo e alterado esquema de tempo (FEUER, 1983), congregando imagens do presente e do passado, indissociavelmente.

A tecnologia do replay instantâneo possibilitou que a rede Globo reprisasse a cena inúmeras vezes 37 até o final da transmissão, talvez na insistência de fazê-la crível pelo seu envelhecimento. A emissora duplicou a imagem em câmera lenta – na seqüência do choque completo, que mostra o avião entrando pelo lado direito do quadro, ela colou a mesma imagem, porém mais breve e com o avião já em cena. Se a transmissão direta, na primeira fase, é marcada pela apreensão uniforme do evento, o replay em câmera lenta desintegrou o processo do movimento, até então contínuo.

Como observam Nestrovski e Seligmann-Silva (2000), a experiência catastrófica não é assimilada no momento de sua ocorrência, exigindo uma repetição constante, um retorno à cena do evento traumático. E, ainda, a cobertura televisiva tenta compensar a irrupção da catástrofe, que é da ordem do momentâneo, através da sua repetição continua, uma forma de diminuir o choque e assimilar o imediatamente vivido.

Apesar da improbabilidade de um duplo acidente aéreo nas Torres Gêmeas em um intervalo de tempo de dezoito minutos, Nascimento não enxergou que se tratava, claramente, de um ato proposital. Demonstrando total incapacidade de improvisar, conectar idéias e interpretar o visível, o jornalista revelava a impotência da técnica jornalística para codificar aquele acontecimento: “para entendermos o que aconteceu no primeiro e no segundo acidente”; “logo em seguida, um segundo avião, que passava pelo local, atingiu a torre ao lado”.

Ainda sem a presença de fontes, necessárias ao jornalismo para legitimar seu discurso, o apresentador prosseguia hesitante, ingênuo, quase infantil: “qual seria ... é... o motivo pelo qual um piloto vendo que uma das torres já estava pegando fogo, tinha sido atingida por um avião, o piloto não se desviaria da outra torre ao lado (...) porque houve aí uma estranha coincidência”.

Os apresentadores transitavam por posições pouco convencionais. Do lugar de mediadores oniscientes se posicionaram no lugar do telespectador, “produzindo-se então algo de novo, de inesperado: a interrupção da comunicabilidade previsível e uma

vivo earlier

avassaladora e amplificada ruptura do sentido, tanto nos jornalistas, quanto nos telespectadores, excepcionalmente igualados por imenso estupor” (FERRAZ, 2002:184).

Faltava-lhe um aparato conceitual para entender, subsumir o imediatamente acontecido. Perdido, entre a necessidade de informar e a impossibilidade de fazê-lo, o apresentador ora recapitulava o fato, ora compartilhava com o público sua falta, posicionando-se mais uma vez no lugar do telespectador, que tinha acesso à imagem da mesma forma que ele: “É... ninguém, até agora, tem uma explicação é... próxima da da realidade para o que aconteceu aí”; “Até aqui não se sabe se é um avião comercial, se é um avião de passageiros, um avião de carga, quantos feridos, não há maiores informações”; “As autoridades americanas até agora não souberam dar uma explicação próxima é ... daquilo que realmente aconteceu”.

A repetição das cenas, que marcou a mudança no estatuto da cobertura e seriam constantes nessa segunda fase, embaralham as categorias temporais do presente e do passado, a ponto de confundir o próprio apresentador: “um avião de grande porte agora

acaba de bater... isso há instantes atrás, na outra torre”. A imagem também denuncia a

complexidade do direto, como no momento em que a inscrição vivo, da rede Globo, e o

earlier,da CNN, compartilham o mesmo espaço, o mesmo tempo.

Figura 14

O passado e o presente no mesmo tempo.

De tempos em tempos o narrador rememorizava o evento, restituindo o acontecimento para construir um texto colado ao presente. A repetição era a forma de não

live

vivo live live

apagar o evento, de falsear um presente que se tornou passado, de emprestar vigor à catástrofe pontual que já ocorrera.

O caráter direto da transmissão foi posto em relevo incontáveis vezes, uma forma de tornar crível a realidade do inusitado evento. O direto televisivo, como observa Mota (2001), mais do que um índice de verdade, adere-se ao real com sua qualidade de testemunho. Só a expressão “ao vivo” foi repetida mais de quarenta vezes na voz do apresentador, além da constante utilização de expressões que reiteram o tempo presente como: “nós temos agora, ao telefone”; “vocês estão vendo agora”; “vocês estão

acompanhando aí” etc. A utilização do gerúndio, tempo verbal que sugere uma ação em

processo, também foi predominante. Na imagem, o tempo presente era constantemente realçado. Em um dado momento observou-se a inscrição vivo, ou live no idioma inglês, em quatro diferentes posições na tela.

Figura 15

A reafirmação do direto na tela.

Na primeira fase da cobertura, enquanto o evento se configurava como um acidente aéreo, ouvia-se apenas a voz de Carlos Nascimento. Depois do choque do avião, começa-se a se escutar uma efervescência de sons e ruídos atípicos: conversas advindas do espaço da redação que compõe o cenário, barulhos de papéis e batidas de microfone, telefones que tocam alto, tosses, pessoas falando diretamente com o apresentador. Ruídos que ora se confundiam com a voz em primeiro plano, ora se sobrepunham a ela, quebrando todos os protocolos do jornalismo televisivo. O som do ambiente externo, palco do acontecimento, é inexistente nessa segunda fase. Apesar de contar com o ponto eletrônico, várias informações foram ditas in loco para o apresentador.

Ao contrário dos produtos jornalísticos na TV, em que o jornalista aparece como figura centrada, no 11 de setembro, a performance comedida alterou-se em diversos momentos. Sem o script, o guia que comanda a fala através do teleprompter,os jornalistas tropeçaram, engasgaram, hesitaram. O descontrole veio à tona através de oscilações na voz, respiração acentuada, envolvimento emocional com o fato, silêncios prolongados, voz trêmula etc. Como lembram Dayan e Katz (1999), a televisão proporciona os meios de identificação do acontecimento pelo tom e cadência da voz do narrador.

A dúvida também dominou a narração do acontecimento. O relato foi perpassado por um tom interrogativo, mesmo em sentenças afirmativas, que constantemente continham palavras e expressões como “certo?”, “não é isso?”, “pois é”, “é”, “né?”,

“am, am”, “sei”. A utilização de termos como “o que pode ter acontecido”, “até aqui não

se explicou”, “tentava entender”, “é o mais provável” e do futuro do pretérito, também

denotam a ausência de certezas e a impossibilidade de afirmar.

A construção do texto de improviso escapou, em muitos momentos, às normas impostas pela linguagem jornalística e, em outros, não se ajustou ao que a imagem mostrava. Os jornalistas interrompiam suas próprias falas quando a imagem se modificava, preenchendo o tempo estendido da cobertura da catástrofe, tendo que sustentar o relato sem um roteiro prévio: “como é que um piloto, com toda essa fumaça, com todo esse fogo,

num dia olha aí, tamos repetindo exatamente agora o momento do choque”.

Nessa segunda fase, o descontrole era tanto que beirava o non sense, o absurdo:

“Houve um segundo acidente neste momento, provavelmente um outro avião que bateu ali... uma outra explosão, pois é. O que nós temos agora olha são as as duas torres, primeiro era a torre da esquerda, agora a torre da direita também, por isso elas são

chamadas as Torres Gêmeas”. Informações, evidentemente equivocadas, perpassavam o

relato improvisado: “acho que muito superior àquela do World Trade Center em Oklahoma, não foi, Simone?”; “o incêndio que no começo era mais forte ali, mais violento, ao lado do prédio, como a gente está vendo agora, ele cedeu pelo menos um pouco ali do lado externo”; “parece que esse segundo avião seguramente era de passageiros. Era um bimotor, um jato bimotor”.

O descontrole na produção da imagem também é evidente. As cenas eram perpassadas por elementos estranhos ao padrão do jornalismo televisivo e à narração que se desenrolava. Em setenta e cinco diferentes momentos da cobertura, a imagem simplesmente desaparece, ficando a tela monocromática ou granulada, ou com a identificação técnica da agência/emissora fornecedora da imagem. Imagens que entravam e saíam abruptamente, ruídos que, literalmente, invadiram a tela.

Figura 16 Figura 17 Tela granulada. Tela granulada

Figura 18 Figura 19

A imagem traço. A imagem traço.

Figura 20 Figura 21

Figura 22 Figura 23

Linhas em movimento. A imagem transparente.

Constantes problemas nas cores, cortes abruptos, perda de foco e de quadro, excesso de movimentos de câmera etc., revelavam o caráter caótico do acontecimento e como ele impregna o produto audiovisual. Ângulos excêntricos, sobretudo ao jornalismo televisivo diário, forçavam o apresentador a evidenciar sua estranheza: “a nossa imagem... olha, isso ai é um é ... é da imagem, tá? De repente, a ... da primeira vez, até alguém aqui achou que a torre podia tá se inclinando. Mas não é isso é é ... depende do ângulo da visão do helicóptero, de vez em quando você tem essa sensação aí por causa da

movimentação”.

Figura 24

A torre inclina-se, a imagem descontrola.

O descontrole amplia progressivamente a produção de signos atípicos, como a interferência de partes do trem de pouso do helicóptero na imagem, observada em inúmeras cenas. As cenas em direto, revelam a urgência de quem filma como uma testemunha.

Figura 25 Figura 26

O helicóptero também invade o quadro. O helicóptero também invade o quadro.

Figura 27 Figura 28

O helicóptero também invade o quadro. O helicóptero também invade o quadro.

Passados sete minutos do início da cobertura, a Globo insere na parte inferior do vídeo o lettering“Avião bate no World Trade Center”, apesar do choque do segundo avião já ter ocorrido. Aos quinze minutos, ela muda a sentença para o plural e, só tardiamente, 45 minutos após o início do Plantão e já ocorrido o ataque ao Pentágono, ela troca definitivamente o lettering por “Ataques terroristas nos Estados Unidos”.

Figura 29

Figura 30

Um duplo acidente aéreo?

Figura 31

O acontecimento ganha nome.

Nesta segunda fase da cobertura, o apresentador deixa de ser a única entidade narradora e passa a dividir a narração com outros sujeitos mediadores. Todas as vozes aparecem nessa fase em off, sem o corpo que as acompanha, uma vez que o foco do acontecimento era a imagem externa. A primeira voz a compartilhar a narração do evento é o correspondente Edney Silvestre, por telefone, de Nova York.

Figura 32

A entrada do correspondente, ao invés de proporcionar meios de apreensão, já que ele estava no território do acontecimento, atesta a inexistência de um aparato intelectual para a compreensão do fato no tempo presente: “a situação é muito confusa, ninguém

consegue entender como isso aconteceu”. Suas primeiras palavras pouco acrescentam,

ajudam apenas a reafirmar o que já se sabia: “18 minutos depois desse choque desse primeiro avião, um segundo avião bateu numa segunda torre (...) o que se sabe é que são

dois aviões”. Sua voz confunde-se com um telefone que toca alto ao fundo. Edney

Silvestre também insiste na possibilidade de acidente – “um acidente desses, um acidente

duplo, aliás”.

Só depois de solicitado pelo apresentador, que precisava de subsídios para continuar o relato, o correspondente se arrisca a traçar algumas linhas, a estabelecer contornos que iam além do que a imagem já mostrava: “os andares são ocupados por

escritórios, que funcionam, em geral, é... de nove às cinco”; “essa rota, por onde os dois

aviões passaram, é a rota que vem do sul dos Estados Unidos”; “muita gente,

evidentemente, chega antes das nove”.

Absolutamente estupefato, com um tom que foge da voz treinada e homogeneizada de repórteres e apresentadores, sobretudo os da rede Globo, ele diz: “Nascimento, são dois grandes buracos nos nos edifícios. Quem conhece, quem já viu fotos, essas torres gigantescas, com essas cavernas abertas, é... inacreditável!”.

Após a participação do correspondente, a chefe do escritório da Glodo de Nova York, a jornalista Simone Duarte, passa a dividir a mediação com Carlos Nascimento, que mais uma vez demandava outras vozes para sustentar sua narração. A entrada da correspondente veio, novamente, reforçar a impossibilidade de enquadrar o acontecimento no tempo presente: “ninguém tá entendendo muito bem o que... o que pode tê acontecido”.

Figura 33

Imagem sobre a voz da correspondente Simone Duarte. .

Durante o diálogo dos jornalistas, outras fontes de informação foram citadas, incorporadas ao relato, na tentativa de apreender o acontecimento: “um especialista em aviação, que acaba de ser entrevistado pela CNN, declarou que... aquela manobra feita pelo avião que bateu na segunda torre não existe nos manuais, nos procedimentos de aviação e que tudo indica tratar-se de um atentado terrorista. Aquele piloto, com essas condições de visibilidade, de dia claro (...) com todas essas condições é... segundo esse especialista, houve um atentado é... nada justificaria esse choque.”

Ancorados em fontes legitimadas, delegando a responsabilidade da informação ao outro, o evento ganha nome, identidade: “a rede americana CNN, ela agora começa a falar com mais insistência na possibilidade de um ou dois atentados pelas estranhas

coincidências que se verificaram aí”. Além de cogitar a hipótese de um ou dois atentados

terroristas, poucas linhas iam sendo traçadas na feitura daquele desenho.

As informações, escassas e desencontradas, compunham um cenário escorregadio. A única certeza, a única verdade, nas palavras de Nascimento, era: “nesse momento o mundo inteiro recebe essas imagens que você, telespectador da Globo, está vendo. Os Estados Unidos, assim como o mundo, estão absolutamente perplexos diante daquilo que

nós vimos aqui hoje de manhã”. Ou como disse a correspondente Simone Duarte: “no

momento que aconteceu foi ... imediatamente todas as televisões começaram a a a ... transmissão e... e... e a reação era a mesma de todo mundo, ninguém acreditava no que

tava vendo”. Diante daquele quadro de incertezas, do ineditismo do ato, a única certeza

possível era a verdade da enunciação. A garantia da realidade da imagem era enfatizada nas estratégias de autenticidade da transmissão direta.

A singularidade e o caráter inusitado do acontecimento começariam a ser realçados pelo narrador, e por todos os demais sujeitos que teriam voz na cobertura, através da utilização de sentenças e termos qualificadores. A dimensão trágica do acontecimento ganha ênfase: “estão tão atônitos quanto nós”; “Os Estados Unidos, assim como o mundo, estão absolutamente perplexos”; “ninguém acreditava no que está vendo”; “ninguém esperava ver”; “ o inimaginável aconteceu”; “isso jamais se viu no mundo inteiro”; “tão surpreso quanto nós e todos vocês telespectadores”; “fato inusitado, algo que nesse momento prende a atenção do mundo inteiro”; “o mundo está perplexo diante disso ai que vocês telespectadores estão vendo ai diante da tela”.

A catástrofe, além de representar uma interrupção na programação televisiva, representa uma interrupção na rotina: “o mundo está parado nesse momento, diante do que

acontece nos Estados Unidos”. Como lembram Dayan e Katz (1999), o acontecimento

mediático, além de mobilizar uma atenção universal e simultânea, devido ao seu caráter perturbador, rompe com toda a rotina da vida social.

A primeira e única testemunha a participar dessa fase da transmissão foi uma brasileira. Por telefone, Bruna Paixão narrou o horror de quem esteve próximo da tragédia:

“tavam todas as pessoas correndo, um pânico (...) as pessoas machucadas porque caíram no chão, é ... muito nervosas, as pessoas chorando na rua, uma calamidade (...) Eu tô a uns cinco quarteirões do chão do World Trade Center. Mas eu atendi uma pessoa que tava dentro do prédio na hora da explosão e ele me falou que o o o elevador simplesmente desapareceu e ele conseguiu descer de escada. E ele chegou aqui tava muito nervoso,

tremendo e e pediu um copo d’água pra poder ficar calmo”.

Figura 34

Às 10h31min a narração da testemunha é interrompida pela entrada, em quadro, do presidente norte-americano George W. Bush, que estava reunido com crianças de uma escola primária em Sarasota, na Flórida, e faria a primeira declaração oficial. A fala inicia-se inicia-sem a tradução simultânea, permanecendo um bom período no idioma original: “(...) elementary school for the hospitallity. Today we have a national tragedy. Two airplanes

have crashed into World Trade Center, in an apparent terrorist attack (…)”. Com o

pronunciamento já em curso, a correspondente Simone Duarte entra, tardiamente, traduzindo as palavras presidenciais: “o Presidente Bush tá dizendo que já está em contato direto com o FBI, com o governador de Nova York, para que tudo, todos os esforços sejam

feitos para para descobrir o que aconteceu e para socorrer as vítimas”.

Figura 35

Cena do pronunciamento do presidente George W. Bush.

Em sua declaração, o presidente George Bush utiliza o termo “in an apparent

terrorist attack”, o que foi suficiente para que o correspondente Edney Silvestre, que

voltaria a dividir a narração, se apropriasse de suas palavras e modificasse o sentido do texto oficial: “dois aviões, num ato terrorista – palavras do presidente americano – dois

aviões, num ato terrorista”. Apesar de não serem exatamente as palavras de Bush, que

utilizou o termo apparent, o acontecimento passou a ser definitivamente nomeado como