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O papel do estado regulador brasileiro frente às inovações disruptivas: uma análise do caso UBER na perspectiva do direito concorrencial

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO (PPGD)

KATE DE OLIVEIRA MOURA SURINI

O PAPEL DO ESTADO REGULADOR BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS: UMA ANÁLISE DO CASO UBER NA PERSPECTIVA DO DIREITO

CONCORRENCIAL

NATAL/RN 2019

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KATE DE OLIVEIRA MOURA SURINI

O PAPEL DO ESTADO REGULADOR BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS: UMA ANÁLISE DO CASO UBER NA PERSPECTIVA DO DIREITO

CONCORRENCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos

Silveira Neto.

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Surini, Kate de Oliveira Moura.

O papel do estado regulador brasileiro frente às inovações disruptivas: uma análise do caso UBER na perspectiva do direito concorrencial / Kate de Oliveira Moura Surini. - 2019.

111f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-graduação em Direito. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto.

1. Direito - Dissertação. 2. Concorrência - Dissertação. 3. Estado regulador - Dissertação. 4. Direito Concorrencial - Uber - Dissertação. I. Silveira Neto, Otacílio dos Santos. II. Título. RN/UF/CCSA CDU 346.546

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Dedico este trabalho à minha pequena Isadora, cujo nascimento em meio ao Mestrado deu outro sentido a minha existência.

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AGRADECIMENTOS

Após 2 anos e 4 meses desde o meu ingresso no Programa de Pós Graduação em Direito da UFRN, chegou a hora de concluir o meu tão sonhado Mestrado.

Primeiramente, agradeço a Deus, minha fonte de luz, força e sabedoria.

À equipe do PPGD, especialmente os professores do Programa, pelos debates e pela inspiração a cada novo encontro. Abro espaço também para agradecer a técnica Lígia, que sempre me auxiliou em todas as questões administrativas inerentes ao meu caso (gravidez, pedido de prorrogação, etc). Sem o apoio e solicitude de cada um de vocês a minha jornada teria sido bem mais árdua.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto, pela influência positiva que tem exercido em mim nas questões acadêmicas e pessoais. Obrigada por compreender as dificuldades pelas quais precisei enfrentar nessa trajetória acadêmica e por me apoiar incondicionalmente em todas as decisões.

Aos meus pais, por todo o amor, compreensão e dedicação que sempre tiveram comigo. Ao meu pai Edilson (in memoriam), que sempre se orgulhou do meu ingresso no Mestrado na UFRN, e que apesar da sua partida, sei que se faz, de alguma forma, presente comigo neste momento. Um agradecimento especial a minha mãe, exemplo de vida e de caráter, por sempre acreditar em mim, mesmo quando eu achei difícil acreditar em mim mesma. Obrigada por em meio a tristeza da partida do meu pai, largar tudo para estar junto a mim, me auxiliando em todos os aspectos durante a escrita deste trabalho. O seu exemplo de vida me faz querer ser sempre uma pessoa melhor.

Ao meu marido Tuca, por todo o incentivo, paciência, confiança e apoio demonstrado nos momentos mais difíceis. Obrigada por não me permitir desistir, nem por um segundo. Sem você certamente a caminhada seria bem mais difícil.

Agradeço a minha pequena Isadora, cujo nascimento em meio ao Mestrado deu outro sentido a minha existência. Foi por você que em meio a tantos obstáculos prometi não me render, e que, ao final, valeria a pena cada segundo que precisei me fazer distante de ti.

Aos meus familiares, agradeço enormemente por compreenderem minhas reiteradas ausências, e por sempre estarem ao meu lado, torcendo pelo meu sucesso.

Aos meus amigos, que se fizeram presentes, fisicamente ou espiritualmente, durante a caminhada do Mestrado.

Aos colegas de Mestrado, agradeço pelas discussões que tanto contribuíram para a concretização deste trabalho. Em especial, aos amigos Bruna Agra, Andrea Neiva, Andressa

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Sólon e Leonardo Medeiros, que partilharam das angústias e devaneios típicos de uma mestranda em reta final.

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“As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer.” (Luís Roberto Barroso, Professor e Ministro do STF no discurso ‘A Vida e o Direito: breve manual de instruções’, como patrono da turma de Direito de 2014 da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ).

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RESUMO

O presente trabalho visa estudar o papel do Estado Regulador Brasileiro frente às inovações disruptivas, traçando como recorte temático, a análise do caso Uber x Táxi na perspectiva do direito concorrencial. Como forma de apresentar os conceitos de forma mais clara e elucidativa, optou-se por dividir o presente trabalho em três capítulos, com uma abordagem inicial geral, tratando do Direito e as inovações disruptivas, até chegar no estudo específico do caso Uber x Táxi. Nesse ínterim, o primeiro capítulo cuidará da relação entre Estado, Direito e Tecnologia, de modo a esclarecer o que seriam as inovações disruptivas e o que as diferenciam das inovações tecnológicas, bem como sua repercussão para o Direito Brasileiro. O segundo capítulo versará sobre o papel do Estado Regulador Brasileiro frente às inovações disruptivas, tratando de temas como: a escolha do Constituinte Originário pelo Estado Regulador, a regulação estatal das inovações tecnológicas e os desafios decorrentes das inovações disruptivas para o Estado Regulador. Nesse capítulo, questiona-se qual o fundamento para se regular as novas tecnologias, sua necessidade, momento adequado, tipo de regulação, consequências. Enquanto desafios, elencam-se quatro dificuldades para o Estado Regulador: as assimetrias regulatórias, o risco da captura, a necessidade da Análise do Impacto Regulatório (AIR) e o fenômeno da Judicialização Setorial. No terceiro capítulo, irá se abordar o instituto da concorrência no contexto das inovações disruptivas, trazendo à tona a análise do caso Uber x Táxi, na perspectiva do direito concorrencial. Nesse prisma, serão abordados temas como: i) o instituto da concorrência na Ordem Econômica Constitucional, ii) a concorrência no contexto dos serviços públicos e de utilidade pública; ii) a tendência legiferante brasileira de lançar amarras sobre as novas atividades econômicas, iv) o exame do caso Uber x Táxi, na ótica do Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de dois paradigmas, a ADPF nº 449/CE e o Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP RG. O estudo em apreço fará uso de uma abordagem eminentemente teórica e qualitativa fazendo uso da documentação indireta com exame de cunho bibliográfica em livros, artigos científicos, notícias, monografias, dissertações, teses de doutorado, revistas e periódicos envolvendo a temática, aliado a investigação de todo o arcabouço legislativo pertinente ao caso, especialmente a Constituição Federal de 1988, a Lei de Mobilidade Urbana Nacional (Lei nº 12.587/2012) e a Lei do UBER (Lei nº 13.640/2018), bem como os dois casos paradigmas do Uber x Táxi, no STF (ADPF nº 449/CE e RE nº 1.054.110-SP RG). Tendo em vista a escolha do Constituinte pelo Estado Regulador, este não deve se manter inerte. Contudo, compreender qual é o papel desse Estado Regulador, como intervir, em que medida, qual o tipo de regulação, e em qual momento, é um verdadeiro desafio ao Direito atual. Nesse sentido, busca-se examinar a possibilidade de concorrência entre Uber e táxi, em uma nítida assimetria regulatória de regimes jurídicos, de modo a assegurar a aplicabilidade e efetividade dos princípios constitucionais da ordem econômica na referida disrupção.

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ABSTRACT

This paper aims to study the role of the Brazilian Regulatory State in the face of disruptive innovations, drawing as a thematic section the Uber case analysis from the competitive law perspective. As a way of presenting the concepts more clearly and elucidatively, we chose to divide the present work into three main chapters, with an initial general approach, dealing with Law and disruptive innovations, until arriving at the specific study of the case Uber x Taxi . In the meantime, the first chapter will cope with the relationship between State, Law and Technology, in order to clarify what would be disruptive innovations and what differentiates them from technological innovations, as well as their repercussion for Brazilian Law. The second chapter will focus on the role of the Brazilian Regulatory State in the face of disruptive innovations, addressing issues such as: the choice of the Original Constituent by the Regulatory State, the state regulation of technological innovations and the challenges arising from disruptive innovations for the Regulatory State. In this chapter, what is the basis for regulating new technologies? Was it really necessary? Once you choose by regulation, what would be the right time? To what extent can regulation affect disruption? And what kind of regulation is best suited to the disruptive context? As challenges, there are four difficulties for the Regulatory State: regulatory asymmetries, the risk of capture, the need for Regulatory Impact Analysis (RIA) and the Sectorial Judicialization phenomenon. In the third chapter, we will approach the competition institute in the context of disruptive innovations, bringing to the fore the analysis of the Uber x Taxi case, in the perspective of the competitive law. In this regard, the following topics will be addressed: i) the competition institute in the Constitutional Economic Order, ii) competition in the context of public services and public utility; (ii) Brazil's legifi- cant tendency to launch moorings on new economic activities; (iv) an examination of the Uber x Taxi case, based on two paradigms, ADPF 449 / EC and the Extraordinary Appeal nº. 1,054,110-SP RG. The present study will make use of an eminently theoretical and qualitative approach making use of the indirect documentation with bibliographical examination in books, scientific articles, news, monographs, dissertations, doctoral theses, magazines and periodicals involving the theme, allied to the investigation of all the legislative framework pertinent to the case, especially the 1988 Federal Constitution, the National Urban Mobility Law (Law No. 12.587/2012) and the UBER Law (Law No. 13.640/2018), as well as the case Uber x Taxi in the STF. as well as the two Uber x Taxi paradigms in the STF (ADPF 449 / EC and the Extraordinary Appeal nº. 1,054,110-SP RG. Taking the choice of the Constituent State of the Regulating State into account, it should not remain inert. However, understanding what the role of this Regulating State is, how to intervene, to what extent, what kind of regulation, at what time, is a real challenge to the current Law. In this sense, we sought to examine the possibility of competition between Uber and taxi, in a clear regulatory asymmetry of legal regimes, in order to ensure the applicability and effectiveness of the constitutional principles of the economic order in aforementioned disruption.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 O DIREITO E AS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS NO BRASIL ... 18

2.1 A RELAÇÃO DINÂMICA ENTRE ESTADO, DIREITO E TECNOLOGIA ... 20

2.2 AS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS E O DIREITO BRASILEIRO ... 25

2.3 O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO FERRAMENTA DISRUPTIVA ... 26

3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS ... 30

3.1 A ESCOLHA DO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PELO ESTADO REGULADOR ... 31

3.2 A REGULAÇÃO ESTATAL DAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS ... 35

3.2.1 Por que regular? ... 36

3.2.2 Em que momento? ... 38

3.2.3 Qual o limite? ... 40

3.2.4 Qual o tipo de regulação? ... 41

3.3 OS DESAFIOS DECORRENTES DAS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS PARA O ESTADO REGULADOR ... 44

3.3.1 As assimetrias regulatórias e as inovações disruptivas ... 46

3.3.2 O risco da captura e as inovações disruptivas ... 51

3.3.3 Necessidade da Análise do Impacto Regulatório (AIR) no planejamento regulatório do Estado ante as inovações disruptivas ... 54

3.3.4 Como se dirimir a judicialização da regulação setorial ante às inovações disruptivas... 58

4 A CONCORRÊNCIA NO CONTEXTO DAS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS: UMA ANÁLISE DO CASO UBER X TÁXI NA PERSPECTIVA DO DIREITO CONCORRENCIAL ... 64

4.1 A CONCORRÊNCIA NA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL ... 64

4.1.1 O princípio da livre iniciativa ... 69

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4.1.3 Princípio da defesa do consumidor ... 73

4.2 A CONCORRÊNCIA NO CONTEXTO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E DE UTILIDADE PÚBLICA E AS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS ... 74 4.3 A TENDÊNCIA NORMATIVA BRASILEIRA EM LEGISLAR SOBRE AS INOVAÇÕES: AS AMARRAS À LIVRE INICIATIVA E À LIVRE CONCORRÊNCIA NO CASO UBER ... 82 4.4 CASO UBER X TÁXI NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADPF Nº 449/CE E RE Nº 1.054.110-SP RG ... 85

5 CONCLUSÃO ... 93

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1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação aliado à expansão das redes de telecomunicações e da Internet contribuem para a evolução da sociedade. Todavia, para que essa geração de conhecimento se dê de forma equânime e seja capaz de promover uma evolução social, é fundamental que se estimule a promoção de um fluxo contínuo, transparente e democrático das informações, de modo que todos os atores econômicos, políticos e sociais participem ativamente e em pé de igualdade da construção social.

Nesse contexto, o presente trabalho se presta a refletir sobre o papel do Estado Regulador frente às inovações disruptivas, traçando como recorte temático, a análise do caso Uber x Táxi na perspectiva do direito concorrencial.

Assim, propõe-se a verificar se as concepções clássicas de regulação setorial efetivamente encontram respaldo na Constituição ante o universo inovador da disrupção.

Como forma de expor os conceitos de forma mais clara e elucidativa, o presente trabalho será apresentado em três capítulos, com uma abordagem inicial geral, tratando do Direito e as inovações disruptivas, passando posteriormente pelo exame do papel do Estado Regulador Brasileiro frente às inovações disruptivas, até chegar no estudo específico do caso Uber x Táxi. Nesse ínterim, o primeiro capítulo cuidará da relação entre Estado, Direito e Tecnologia, de modo a esclarecer o que seriam as inovações disruptivas e o que as diferenciam das inovações tecnológicas, bem como sua repercussão para o Direito Brasileiro, mormente no que tange ao Direito Administrativo.

Nesse momento, se faz salutar explicar o que seriam as inovações disruptivas e o que as diferenciam das inovações tecnológicas. Enquanto espécie do gênero inovação tecnológica, as inovações disruptivas consistem em inovações que tendem a romper com o modo de produção vigente, a partir do momento em que novas empresas ingressam no mercado apresentando uma forma nova e simplificada de produzir bens ou prestar serviços do cotidiano das pessoas, desbancando empresas líderes e outras já consolidadas.

Ato contínuo, o segundo capítulo versará sobre o papel do Estado Regulador Brasileiro frente às inovações disruptivas, tratando de temas como: a escolha do Constituinte Originário pelo Estado Regulador, a regulação estatal das inovações tecnológicas e os desafios decorrentes das inovações disruptivas para o Estado Regulador.

A respeito da regulação estatal, questiona-se: qual o fundamento para se regular as novas tecnologias? Seria, de fato, necessário? Ou estaria o Estado aniquilando a própria inovação? Uma vez que se escolhe pela regulação, qual seria o momento adequado? Até que limite a

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regulação pode incidir sobre a disrupção? E que tipo de regulação é a mais adequada ao contexto disruptivo? São esses os questionamentos que se buscará elucidar neste trabalho.

Em outras palavras, nesse capítulo se investiga o instituto da regulação setorial frente às inovações disruptivas, esmiuçando sua justificativa constitucional, qual seria o momento adequado para a intervenção estatal, os limites para a intervenção e o desenho regulatório a ser adotado.

Enquanto desafios decorrentes das inovações disruptivas, elencam-se quatro dificuldades para o Estado Regulador: i) as assimetrias regulatórias, isto é, os diferentes graus de intervenção do Estado sobre o domínio econômico; ii) o risco da captura das agências reguladoras, de modo que o ente regulador passa a servir de ferramenta para a consecução de interesses de um de seus regulados, perdendo, por óbvio, sua atuação técnica, eficiente e imparcial , iii) a necessidade de incorporação da Análise do Impacto Regulatório (AIR) no processo decisório das agências reguladoras, de sorte a analisar e avaliar previamente os efeitos socioeconômicos de cada opção de escolha que tem a seu dispor, bem como seus aspectos positivos e negativos, custo-benefício e a pertinência e a justificativa das medidas que porventura venha a utilizar e; iv) o fenômeno da Judicialização Setorial, em que se mostra pertinente refletir por qual razão tem-se um número tão alto de demandas judiciais envolvendo questões eminentemente técnicas, decorrentes diretamente de uma suposta má regulação setorial que poderiam ser dirimidas, minimizadas e até resolvidas no âmbito da regulação, caso ela funcionasse de forma adequada, acarretando, por sua vez, na inflação e morosidade do Judiciário.

Portanto, nota-se a necessidade de uma análise urgente e pormenorizada acerca dos desafios provocados pelo advento das inovações tecnológicas disruptivas ao Estado Regulador.

Por fim, no terceiro capítulo, irá se abordar o instituto da concorrência no contexto das inovações disruptivas, trazendo à tona a análise do caso Uber x Táxi, na perspectiva do direito concorrencial. Nesse prisma, serão abordados temas como: i) o instituto da concorrência na Ordem Econômica Constitucional, tratando da importância dos princípios para a leitura constitucional da inovações disruptivas, mormente os princípios da livre iniciativa, defesa da concorrência e a proteção do consumidor; ii) a concorrência no contexto dos serviços públicos e de utilidade pública; ii) a tendência legiferante brasileira de lançar amarras sobre as novas atividades econômicas, e, ao fim, iv) o exame do caso Uber x Táxi, na ótica do Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de dois paradigmas, a ADPF nº 449/CE e o Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP RG.

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Dessa forma, a situação em tela merece uma análise urgente e pormenorizada acerca dos desafios provocados pelo advento das inovações tecnológicas disruptivas ao Estado Regulador.

Ato contínuo, se debaterá criticamente a respeito da formulação teórica restritiva à concorrência na prestação de serviços de utilidade pública, como é o caso do serviço de transporte individual remunerado de passageiros.

Sobre esse ponto, interessante observar que os princípios constitucionais da Ordem Econômica possuem uma dupla função: i) assegurar a todos uma existência digna e; ii) direcionar a política governamental para se alcançar tais valores. Sendo assim, no momento em que a livre iniciativa e a livre concorrência ganharam status constitucional de princípios jurídicos na Constituição Federal de 1988, eles passaram a ser normas jurídicas que gozam de imperatividade, não podendo ser reduzidos a um mero argumento retórico.

Por essa razão, se mostra indispensável a atuação do Estado em buscar a promoção e a concretização dos valores constitucionais encampados na Constituição Federal de 1988, sendo primordial o papel norteador dos princípios a direcionar a política governamental diante do universo inovador da disrupção.

Tendo em vista a escolha do Constituinte pelo Estado Regulador, este não deve se manter inerte às inovações disruptivas. Contudo, compreender qual é o papel desse Estado Regulador, como intervir, em que medida, qual o tipo de regulação, em qual momento, é um verdadeiro desafio ao Direito atual.

Em que pese a existência de diversas inovações disruptivas, se optou, neste trabalho abordar o caso específico do uber x táxis, na perspectiva do direito concorrencial.

A escolha desse recorte temático se deu ante a percepção de uma grande celeuma envolvendo o caso uber x táxis em diversos países do mundo, e em especial no Brasil, dando ensejo a debates acalorados no meio acadêmico e na realidade prática entre os motoristas e usuários dos serviços de transporte remunerado de passageiros, bem como atos de explícita violência contra os profissionais e usuários do aplicativo, atos de protesto e paralisações nas vias públicas, audiências públicas, projetos de lei, e reconhecimento da repercussão geral da matéria em sede de Supremo Tribunal Federal, com a Arguição de Preceito Fundamental nº 449-CE e Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP.

O recorte temático visa trazer um maior substrato e profundidade ao presente trabalho, visto que cada inovação disruptiva possui características próprias, que demanda, por seu turno, diferentes possibilidades de intervenções regulatórias, a serem estudadas caso a caso. Abordar as inovações disruptivas genericamente acabaria causando mais confusão do que

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esclarecimento.

Para o alcance da finalidade a que este trabalho se propõe, é peremptório a mudança de perspectiva da Administração Pública, mormente na figura das agências reguladoras, e também dos seus administrados, com relação às inovações disruptivas. Ao revés de serem tidas como óbice ou empecilho aos institutos tradicionais do Direito, as inovações disruptivas devem ser encaradas como uma importante ferramenta de aprimoramento e inovação nas relações sociais, econômicas, políticas e jurídicas existentes.

Ato contínuo, o estudo em apreço fará uso de uma abordagem eminentemente teórica e qualitativa, haja vista que este trabalho terá como finalidade realizar uma análise jurídica e econômica, em caráter descritivo e explicativo, acerca das problemáticas acima retratadas.

Sendo assim, se optará por utilizar como técnica de pesquisa a documentação indireta, procedendo-se a um exame de cunho bibliográfico feito especialmente em livros, artigos científicos, notícias, monografias, dissertações, teses de doutorado, revistas e periódicos envolvendo a temática, especialmente nos ramos do Direito Constitucional, Administrativo e Econômico, aliado a investigação de todo o arcabouço legislativo pertinente ao caso, especialmente a Constituição Federal de 1988, a Lei de Mobilidade Urbana Nacional (Lei nº 12.587/2012) e a Lei do UBER (Lei nº 13.640/2018), bem como a apreensão do caso Uber x Táxi no Supremo Tribunal Federal (STF).

Ademais, almeja-se estudar qual a natureza jurídica do ingresso dos aplicativos digitais de transporte remunerado de passageiros, e se seria possível o poder público regular e controlar o Uber.

Nessa senda, buscar-se-á examinar a possibilidade de concorrência entre Uber e táxi, mesmo que se admita a existência de regimes jurídicos distintos, em uma nítida assimetria regulatória por parte do Estado Regulador.

Ato contínuo, investigar-se-á como os princípios da Ordem Econômica Constitucional, mormente a livre-iniciativa, o direito concorrencial e o direito do consumidor repercutem no caso Uber x Táxi. Até porque, no momento em que tais valores ganharam status constitucional de princípios jurídicos, eles são normas jurídicas que gozam de imperatividade, não podendo ser reduzidos a mero argumento retórico.

Assim, a partir da leitura de todo o aporte teórico, se buscará reunir os posicionamentos de vários estudiosos do assunto; analisá-los, sob a ótica jurídica e econômica, avaliar quais posicionamentos devem prosperar, discutindo-se os motivos pelos quais isso ocorrerá; e, ao final, chegar a uma conclusão acerca do assunto, alcançando-se todos os objetivos específicos delineados para a pesquisa em tela, qual seja, analisar o papel do Estado Regulador Brasileiro

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frente às inovações disruptivas, a partir de um estudo panorâmico e dinâmico do caso Uber, na perspectiva do direito concorrencial, tendo por escopo compreender os avanços tecnológicos, sua importância, limites e consequências, bem como verificar se é juridicamente possível a existência de dois regimes jurídicos distintos a incidir na seara concorrencial do caso Uber x táxi, de modo a assegurar a aplicabilidade e efetividade dos princípios constitucionais da ordem econômica na referida disrupção.

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2 O DIREITO E AS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS NO BRASIL

O surgimento de novas tecnologias não é uma característica específica dos tempos atuais. Na realidade, a busca pela inovação sempre foi algo muito valorado pelo Capitalismo.

O processo de globalização1 obrigou a sociedade a refletir sobre a função, a estrutura e os custos do Estado. As mudanças provocadas pelo fenômeno da transnacionalização dos mercados de insumo, produção, capitais, finanças e consumo acarretaram em transformações significativas, dentre as quais, destacam-se: a noção de tempo e espaço, a tecnologia e conhecimento como fator de produção, a forma de apropriação e recursos, a redução das fronteiras burocráticas e jurídicas.

Malgrado todas as modificações advindas do fenômeno da globalização, o pensamento jurídico parece estar diante de um antigo dilema da década de 1920, qual seja, o de encontrar alternativas aos problemas recentes com base em um modelo teórico antigo e obsoleto.

Isso porque, rememorando a História Mundial, a Crise de Bolsa de Valores de Nova Iorque, no ano de 1929, trouxe à tona o colapso do capitalismo, obrigando os economistas a processar e analisar, em ritmo vertiginoso, as mudanças complexas que vinham ocorrendo na seara socioeconômica.

Ainda sobre essa questão, José Eduardo Faria2, a celeridade de mudanças ocorridas pós Crise de 1929 colocou em xeque o modelo teórico da Economia enquanto ciência, pois a velocidade frenética de informações a serem operacionalizadas prescindia de aceitação social. Faltava um modelo teórico coerente e seguro para explicar toda a série de mudanças que ocorriam nos mais diversos segmentos da sociedade.

1 Na obra “O Direito na Economia globalizada”, José Eduardo Faria tenta delimitar o conceito de globalização, mas alerta que não se trata de um conceito unívoco, mas sim plurívoco. Isto porque, desde a década de 1980, o conceito tem sido utilizado para expressar, traduzir e descrever um vasto e complexo conjunto de fenômenos integrados. Dentre esses fenômenos, se destacam, por exemplo, a autonomia da economia em relação à política, o grau de competitividade das empresas, as novas estruturas decisórias em tempo real, a “desnacionalização” dos direitos, a desterritorialização das instituições, a padronização de técnicas comerciais, a desregulamentação de mercados de capitais, a proliferação dos fenômenos imigratórios, e o aparecimento de uma estrutura econômica-política multipolar. Assim, não se trata de um fenômeno novo, haja vista que estava presente desde os antigos impérios, acarretando surtos de modernização em diversos segmentos. No século XV, foi impulsionado pelo desenvolvimento do conhecimento científico, da expansão da cartografia, do domínio das técnicas de navegação, o que veio a culminar com o período das Grandes Navegações. No século XVI, pela adoção do sistema de pagamento baseado em letras de câmbio, a exploração sistemática do ouro, o processo de colonização na América. No século XVII e XVIII, houve a formação de novos polos de poder na Europa, com o fortalecimento da burguesia, o surgimentos dos Estados nacionais unificados e do mercantilismo europeu. No século XIX e XX, a adoção do padrão ouro permitiu a conversão das moedas e estimulou a criação de instituições financeiras para garantir o livre-câmbio. (FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 59-60.) 2 Ibidem, p. 13-58.

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Quanto ao pensamento jurídico, a situação não é diferente. Tem-se, a partir da globalização, um cenário de interdependência entre os mais diversos atores, com lógicas e procedimentos que se intercruzam para além da ideia de fronteira nacional, trazendo à tona uma reconstrução do conceito clássico de soberania frente ao poder das empresas globais.

Atualmente, após a transnacionalização dos mercados, emerge um novo desafio, qual seja, a concretização de um sistema jurídico e institucional que assegure o funcionamento saudável dessa economia global, marcada pela interligação de uma infinidade de teias complexas de interações.

Surge, assim, a dificuldade em se criar normas vinculantes para os distintos campos da vida socioeconômica, relativizando o papel do Estado-nação. Aqui, entra em colapso o monismo jurídico em face do surgimento do pluralismo normativo (ordens distintas e autônomas no mesmo espaço geopolítico), trazendo novos e complexos conflitos.

Fica perceptível que as estruturas institucionais, organizacionais, políticas e jurídicas perdem a sua centralidade e exclusividade, haja vista que a decisão de participar ou não da globalização acaba ficando fora do alcance dos juristas e políticos.

Nesse diapasão, José Eduardo Faria ressalta que a própria ideia de Constituição vem paulatinamente deixando de ser vista como norma fundamental e centro ordenador do ordenamento jurídico frente ao fenômeno de globalização. Nas palavras do autor:

o drástico enxugamento das restrições governamentais sobre a atividade econômica e a subsequente desregulamentação do mercado propiciado pela reforma e pelo redimensionamento do Estado-nação, suas estruturas administrativas, políticas e jurídicas passam a exercer novos papéis e novas funções3.

Interessante perceber que esse amplo processo de racionalização organizacional, decisório e operacional provocou duas importantes mudanças, a saber: i) o surgimento de problemas jurídicos cada vez mais complexos, e ii) a substituição da tradicional empresa multinacional pela empresa global. Ao passo que a empresa multinacional se caracteriza pela sua estrutura hierarquizada, a empresa global é marcada pela flexibilidade e sua habilidade para captar as novas tendências e adotar novas estratégias, lastreadas em um processo interligado de informações e funções.

Paralelamente, cada vez mais os códigos interpretativos e modelos analíticos do direito se revelam carentes de operacionalidade, eficiência, eficácia4 e legitimidade.

3 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 37.

4 Conforme a visão do Professor Edilson Nobre, os conceitos de economicidade, eficácia e eficiência são categorias distintas e autônomas, as quais não se confundem. Primeiro, a economicidade impõe a Administração o dever de

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Conforme adverte José Benedito Lázaro da Silva (2017),

o rompimento de tantas barreiras do conhecimento fascina e desafia, encanta e amedronta, conforta e perturba. Ele traz, por consequência, inúmeros e complexos desafios para as sociedades e para os mecanismos jurídicos de que elas se valem como forma de manter a coesão e paz social5.

Ante o exposto, se depara com uma situação de crise vivida pelo direito positivo e pelo pensamento jurídico. Tal crise é marcada pela desordem, na medida em que a ordem jurídica é constantemente provocada e contrariada por acontecimentos para os quais ela não consegue oferecer solução, fato notável quando se trata das inovações disruptivas.

2.1 A RELAÇÃO DINÂMICA ENTRE ESTADO, DIREITO E TECNOLOGIA

Em meio a esse quadro de desordem, o direito se comporta de um modo reflexivo ao universo social, econômico, político e cultural em que está inserido. Desse modo, resta claro que a ciência jurídica não cresce de modo linear e acumulativo. Ocorre justamente o contrário, o direito nasce das incongruências, do confronto, da persuasão e do grau de aceitação consensual dos modelos propostos.

A visão empreendedora de ordem e desenvolvimento na desordem foi percebida por Joseph Schumpeter, na obra “Capitalismo, socialismo e democracia”, em 19426. Na oportunidade, o autor versa sobre o que denominou de “destruição criativa”. O termo foi criado para designar um processo essencial ao sistema capitalista, qual seja, a revolução/transformação definitiva das estruturas econômicas vigentes por novas estruturas, que originam novos mercados e mercadorias, mais eficientes que aquelas que as antecederam.

As novas tecnologias representam para o Estado o desafio de decidir se deve (ou não) intervir naquela determinada atividade econômica. Caso se opte pela intervenção estatal, se discute como e quando se dará tal intervenção, trazendo, por conseguinte, questionamentos a

empregar de modo adequado e racional o uso dos recursos disponíveis. Em segundo, a eficácia compreende uma ação idônea voltada à realização de determinado resultado. Em terceiro, a eficiência consiste na relação de balanço entre os custos despendidos e as vantagens auferidas, de modo que o balanço de custo-benefício indique saldo favorável às benesses. (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Administração Pública e o princípio constitucional da eficiência. Revista Esmafe: Escola da Magistratura Federal da 5ª Região, n. 11, dez. 2006, p. 136.)

5 SILVA, José Benedito Lázaro da. O efeito disruptivo das inovações tecnológicas frente às ciências jurídicas e sociais. In: FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno (Coord.). Regulação e novas tecnologias. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 159.

6 SCHUMPETER, Joseph. Capitalism, socialism and democracy. ePub, Edição Kobo, cap. 1, posições 11-12/24. EUA, 2015.

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respeito do desenho regulatório que poderá incidir sobre essas novas tecnologias.

Nesse ínterim, se revela salutar a atuação regulatória eficiente por parte do Estado, a qual prescinde de uma análise panorâmica e dinâmica do contexto fático, no sentido de compreender os avanços tecnológicos, sua importância, limites e consequências.

Logo, os avanços tecnológicos podem dar ensejo a uma verdadeira ruptura com o modo de produção vigente, dando origem a novos arranjos de desenvolvimento das atividades econômicas.

No que concerne a discussão acerca das inovações tecnológicas, interessante observar que elas representam um desafio às instituições vigentes. Contudo, tal desafio não é uma realidade exclusiva do Direito Brasileiro, mas também de vários países do mundo7, os quais foram impelidos a repensar o papel do Estado e do Direito diante desse novo cenário tecnológico inovador.

Na verdade, muito além de se debater como se dará o desenho regulatório que possivelmente incidirá sobre as novas tecnologias, discute-se até mesmo a legitimidade e a viabilidade jurídico-econômica do Estado regular esse novo nicho de mercado.

Ademais, ainda que se defenda a importância do papel regulador do Estado sobre as novas tecnologias, no intuito de assegurar a livre-iniciativa e livre concorrência entre as empresas, assim como garantir o respeito aos direitos fundamentais dos consumidores – muitas vezes, a grande vítima desse novo cenário econômico –, mostra-se primacial saber qual o momento em que o Estado deverá intervir sobre a atividade econômica.

Aqui, jaz uma faca de dois gumes para o Estado Regulador: de um lado, o risco de uma intervenção prematura pode criar obstáculos - ou mesmo impossibilitar - a existência e sobrevivência dessas novas tecnologias no mercado brasileiro; de outro lado, uma intervenção estatal tardia pode implicar na dificuldade do Estado exercer a regulação face a resistência das empresas, prestadores de serviço e até mesmo dos usuários de se adequarem aos parâmetros e limites impostos pelo Estado ao exercício daquele serviço público ou atividade econômica.

É inegável que a rapidez com que se dão os avanços tecnológicos representam um grande desafio às administrações públicas. Mas, o que haveria de diferente nessas inovações tecnológicas com relação a outras do passado, como por exemplo, as máquinas de vapor durante a Revolução Industrial ou o surgimento dos veículos a motor?8

7 Menciona-se como países que têm enfrentado duras batalhas regulatórias a respeito da Uber, os EUA, o Canadá e a Itália. (MIGLIACCI, Paulo. NY se torna a primeira grande cidade dos EUA a restringir Uber. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/08/camara-de-ny-aprova-projeto-que-restringe-circulacao-de-uber.shtml>. Acesso em: 07 dez. 2018.)

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Segundo Patrícia Baptista e Clara Keller (2016), “o que, aparentemente, há de novo neste momento e que merece atenção é a existência de uma realidade virtual, não tangível, e que cambia com muita velocidade9”. Isto é, se presencia o advento de uma nova realidade virtual amoldada pelas novas tecnologias da informação, de sorte que dificilmente se pensa numa atividade cotidiana sem o auxílio de uma ferramenta digital. Logo, não se pode resumir esse novo cenário jurídico como o mero surgimento de novos aparatos tecnológicos.

Nesse ínterim, ganha destaque assuntos como a privacidade na rede, segurança digital e, por via reflexa, a possível regulação dessas novas tecnologias pelo Estado, no intuito de assegurar a obediência aos preceitos constitucionais.

Sendo assim, nota-se que as inovações tecnológicas representam um grande desafio para o direito. Isso porque o direito tem como característica marcante não ser nem ativista, nem futurista10. A bem da verdade, a proposição de normas jurídicas se calca na retrospectividade, mas almejando prospectivamente situações fatores dentro daquele espectro jurídico conhecido, mas não o desconhecido. Em outras palavras, o natural é que o direito lide apenas com as questões fáticas existentes, buscando a resolução das suas demandas dentro do seu próprio acervo. Todavia, nem sempre as categorias tradicionais do direito conseguem dar uma resposta adequada aos questionamentos originados pelas novas tecnologias, especialmente quando estas são disruptivas11.

Nesse ponto que se revela a grande problemática dos dias atuais: encontrar respostas e soluções para as novas demandas originadas pelos avanços tecnológicos dentro do Direito Posto, como é o caso, por exemplo, i) da discussão do enquadramento (ou não) do UBER e do Whatsapp ao controle da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações); ii) da possibilidade de limitação da internet banda larga frente a um cenário de desconhecimento do usuário a respeito da quantidade de dados que faz utilização diariamente, seja profissionalmente ou pessoalmente; iii) da proibição ou não do uso de aplicativos digitais de transporte

tecnologías de la información de los otros notables avances de la ciencia que la sociedad y, por tanto, el Derecho incorporaron sin grandes dificultades en el transcurso del siglo XX? Insistiendo en la idea de la suficiencia de la teoría tradicional y, por tanto, de la inconveniencia de transitar hacia cambios estructurales, se ha señalado irónicamente que la aparición de la contratación telefónica no derivó en un Derecho Telefónico. Con todo, debemos señalar que a diferencia de las comunicaciones telefónicas la realidad conformada por las nuevas tecnologías de la información ha significado cambios mucho más trascendentes que el hecho de constituir sólo un nuevo modo o forma de expresión de la voluntad como lo fue en su tiempo la aparición del telégrafo o el teléfono”. (OLAVE, Ruperto Pinochet. La recepción de la realidad de las nuevas tecnologías de la información por el derecho civil: panorama actual y perspectivas futuras. Iuset Praxis, a. 7, n. 2, p. 469-489, 2001.)

9 BAPTISTA, Patrícia; KELLER, Clara Iglesias. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. v. 273, p. 123-163, set./dez. 2016, p. 128.

10 Ibidem, p. 129. 11 Ibidem, p. 128.

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remunerado de passageiros.

Aprofundando-se na temática da relação entre Estado e tecnologia, salutar trazer à tona o estudo de Patrícia Baptista e Clara Keller (2016)12, as quais identificaram a existência de várias formas de relacionamento entre Estado e tecnologia. As formas de relacionamento foram organizadas em quatro grupos, quais sejam: i) relações de equivalência, pelas quais se compreende o processo regulatório como uma tecnologia em si; ii) relações de instrumentalidade, pelas quais o Estado faz uso das tecnologias como instrumento apto a propagar as políticas públicas a serem implementadas; iii) relações de incentivo, pelas quais o Estado estimula o uso das tecnologias; e iv) relações de normatização, pelas quais o Estado visa regulamentar/normatizar aquela determinada tecnologia.

Primeiramente, no que concerne as relações de equivalência, a regulação é tida como uma tecnologia em si. A explicação decorre da percepção da regulação como um conjunto de técnicas voltadas ao aperfeiçoamento das atividades econômicas e sociais para que essas atividades produzam uma determinada finalidade, o que caracteriza a regulação como uma tecnologia em si.

Sob essa perspectiva, tem-se os trabalhos de Joel R. Reideberg (professor de Direito da Fordham University), e Lawrence Lessig (professor da faculdade de Direito de Harvard), os quais, em trabalhos distintos, reforçam essa relação de equivalência entre regulação e tecnologia.

No que tange a Reindeberg (1998)13, criou-se a ideia de “regulação por arquitetura”, segundo a qual o fluxo de comunicação na rede da Internet impõe aos seus usuários a obediência de regras, chamada de Lex Informatica. Tais regras não se restringem as leis e aos governos, mas a própria arquitetura da rede, devendo sua regulação ser compreendida, conscientemente reconhecida e encorajada pelos governantes. Já Lessig (2006)14 traz a ideia de code is law, no intuito de expressar que a Internet é um ambiente regulado em si mesmo através dos seus próprios códigos.

Em segundo, as relações de instrumentalidade são caracterizadas pela utilização das inovações tecnológicas pelo Estado, no escopo de fomentar e desenvolver políticas públicas. Desse modo, as inovações tecnológicas se tornam verdadeiras ferramentas de governo, permitindo que haja um maior diálogo entre o Estado e seus regulados, através dos mecanismos

12 Ibidem, p. 132.

13 REINDENBERG, Joel R. Lex informatica: the formulation of information policy rules through technology. Texas Law Review, Texas, v. 76, n. 3, 1998, p. 554.

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de participação popular no processo decisório da Administração Pública15 (e.g. ouvidorias, audiências e consultas públicas, etc).

Em terceiro, as relações de incentivo são definidas como aquelas em que o Estado fomenta, ou até mesmo obriga, o uso de tecnologias pelos seus regulados, objetivando determinado fim16.

Estudos inclusive observaram que o estímulo a tecnologia por parte do Estado, seja direta ou indiretamente, promove efeitos diversos, a exemplo da imposição de determinado padrão tecnológico para determinados serviços e maior investimento em iniciativas tecnológicas (e.g. startups). 17

Por último, a relação de normatização diz respeito a ideia da tecnologia ser objeto da regulação normativa, na qual o Direito visa conformar o novo ambiente tecnológico aos seus preceitos e balizas18. Para tal intento, se faz necessário refletir acerca dos desafios decorrentes da escolha pela intervenção do Estado frente às mudanças tecnológicas, a saber, qual o momento, qual a forma e qual a sua justificativa, questionamento que buscaremos elucidar adiante no presente trabalho.

Dessarte, discutir o papel do Estado e do Direito frente às inovações tecnológicas se mostra urgente e imprescindível no atual momento. Até porque, caso se entenda pela intervenção do Estado diante das novas tecnologias, se faz necessário estabelecer o fundamento constitucional dessa intervenção estatal, bem como quais os parâmetros que a norteiam, em que momento e em que medida deve se dar essa intervenção, sob pena de não se justificá-la.

15 Sobre os mecanismos de participação popular nos processos decisórios das agências reguladoras brasileiras: “Em face da imprescindibilidade do espaço público de debates para a concretização de uma democracia plena, faz-se primacial a criação de canais de participação cidadã também no âmbito das agências reguladoras, especialmente quando se observa a sua questionável legitimidade democrática no intuito de que a abertura ao debate público proporcione às agências um caráter democrático, com decisões legítimas, eficientes e com maior grau de convencimento”. (MOURA, Kate de Oliveira. O “Déficit Democrático” das Agências Reguladoras Brasileiras: Análise do Panorama Atual de Mecanismos de Participação Popular no Processo Decisório das Agências Reguladoras para uma Legítima Regulação Setorial Democrática. 2015. 76 f. Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.)

16 Sobre o aspecto obrigatório do uso de determinadas tecnologias, tem-se como exemplo a Lei nº 12.741/12 (Lei da Transparência do Valor do Imposto) que impõe as empresas a colocar no cupom fiscal e em painéis visíveis, a informação do valor aproximado correspondente a totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais incidentes naquela venda. (BRASIL. Lei nº 12.741, de 08 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, de que trata o § 5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do art. 6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12741.htm>. Acesso em: 12 nov. 2011.)

17 MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the law: from posner to postmodernism and beyond. 2. ed. Princeton: Princeton University Press, 2006, p. 310-311.

18 MOSES, Lyria Bennett. How to think about law, regulation and technology: problems whith ‘tecnology’ as regulatory target law. Innovation and Technology, 1-20(2013). (2013) p. 6. UNSW Law Research Paper No. 2014-30.

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2.2 AS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS E O DIREITO BRASILEIRO

Como dito, o advento das inovações tecnológicas ocasionou diversos dilemas acerca do papel do Estado sobre tais novidades. No entanto, antes de adentrar nessa temática, faz-se mister esclarecer o que seriam as chamadas inovações disruptivas e o que as diferenciam das demais inovações tecnológicas. De forma geral, as inovações disruptivas seriam uma espécie do gênero inovações tecnológicas.

Primeiramente, no que tange à tecnologia, Lyria Bennet Moses19, citando Klang, a conceitua como “atividades preordenadas e os resultados da transformação ou manipulação dos recursos naturais e o meio ambiente para de modo a satisfazer as necessidades e fins humanos”. Em outras palavras, são atividades capazes de modificar e transformar a realidade posta, seja ela física ou virtual, satisfazendo os interesses humanos20.

Por seu turno, as tecnologias disruptivas são tecnologias novas que rompem o modelo de produção e regulação vigente de um bem ou serviço, como é o caso das economias de compartilhamento (e.g. UBER). Sendo assim, não apenas modificam o jogo competitivo, como afrontam as lideranças dominantes daquele mercado.21

O termo disrupção foi criado por Clayton M. Christensen, professor de Administração da Universidade de Harvard, ao se referir ao processo de “rompimento ou superação de algo preexistente, dando origem a uma nova solução mais eficiente e de mais fácil acesso, seja do ponto de vista econômico, seja do pronto de vista operacional”22. Tal conceito foi inspirado justamente na ideia de “destruição criativa”, do economista autríaco Joseph Schumpeter

Sobre o tema, Clayton M. Christensen e Michael E. Raynor (2003)23 esclarecem que as inovações disruptivas são as “que permitem a entrada de novos participantes no mercado, a partir de soluções relativamente simples”. A introdução de tais inovações permite que as novas empresas passem à frente de empresas líderes e outras já consolidadas em seus setores.

19 KLANG apud MOSES, Lyria Bennett. How to think about law, regulation and tecnology: problems whith ‘tecnology’ as regulatory target law. Innovation and Technology, 1-20(2013). (2013) p. 6.

UNSW Law Research Paper No. 2014-30.

20 BAPTISTA, Patrícia; KELLER, Clara Iglesias. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 273, p. 123-163. set./dez. 2016, p. 130.

21 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras. Uber, WhatasApp, Netflix: os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 75-108, out./dez. 2016, p. 75.

22 SILVA, José Benedito Lázaro da. O efeito disruptivo das inovações tecnológicas frente às ciências jurídicas e sociais. In: FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno (Coord.). Regulação e novas tecnologias. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 159.

23 CHRISTENSEN, Clayton M.; RAYNOR, Michael E. Innovator’s Solution: Creating and Sustaining Successful. Boston, MA: Harvard Business School Press, 2003.

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Nessa prisma, José Benedito Lázaro da Silva (2017) expõe que

Tecnologia disruptiva ou inovação disruptiva é o termo usado pelo professor Christensen para descrever a inovação tecnológica que derruba uma tecnologia já existente no mercado. Nessa métrica, deve-se entender por evolucionária a tecnologia que aperfeiçoa ou incrementa uma anterior, por revolucionária as que causam grandes alterações e, finalmente, por disruptiva, aquela que destrói a anterior, atendendo às mesmas exigências dos clientes com incremento significativo da qualidade, utilizando algo novo, sem permitir que se volte ao estágio anterior” 24.

O que chama a atenção na disrupção é que elas apresentam respostas simplificadas ou mais baratas para demandas do nosso dia a dia ou que atendam a um público que não tinha acesso ao mercado, a exemplo do serviço de transporte individual por aplicativos.

O poder de inovação, característico dessas tecnologias, afronta a consolidação de empresas líderes no mercado, no momento em que passam a oferecer melhores serviços aos seus consumidores do que aqueles oferecidos anteriormente pelas empresas líderes.

Ocorre que as empresas que estão tendo seu nicho de mercado ameaçado, ao invés de buscarem melhorar a qualidade e proporcionar o barateamento dos seus serviços, lançam mão de estratégias (legais ou não25) para impossibilitar o surgimento e atuação das novas tecnologias naquele mercado, como foi o ataque de taxistas a motoristas de uber.

A questão é que a incorporação e a difusão da inovação está mudando significativamente a forma de relacionamento entre as pessoas, o Estado e as novas tecnologias, com diversas consequências para o Direito, como o Direito Administrativo, o Direito Digital, o Direito do Trabalho.

Paralelamente, se observa um papel inconstante do ente regulador, seja por pressa, falta de tecnicidade ou de receio de perder sua autoridade no ambiente regulatório, no momento em que não consegue “lançar freios” sobre a disrupção, o que será melhor discutido adiante.

2.3 O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO FERRAMENTA DISRUPTIVA

Diante das inovações tecnológicas, o Direito Administrativo se vê imerso em um mar

24 Op. Cit.

25 Relata-se inclusive atos de violência e vandalismo executados por taxistas contra motoristas de aplicativos - como Uber, Cabify e 99 -, no intuito de impedir a instalação do aplicativo no país. (BRASIL, Cristina Indio do. Rio: presos 10 taxistas por violência contra motoristas de aplicativos. Agência do Brasil. Rio de Janeiro, 2018).

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de novos questionamentos, ao ter que acompanhar a rápida evolução dos fatos nos planos político, econômico e social com o seu tradicional aparato jurídico26.

Sobre o tema, Marcos Juruena Vilella Souto (2002)27 expõe:

A globalização forçou com que a sociedade repensasse a função, a estrutura e o custo dos Estados, especialmente à luz dos princípios da subsidiariedade e da eficiência. [...] Essa transição balança alicerces de há muito solidificados no Direito Administrativo e que, por isso, precisam ser revistos para acompanhar a evolução dos fatos nos planos econômico e social, proporcionando um necessário e seguro travejamento jurídico para as novas relações que se produzem no campo em expansão do público não estatal. [...] A globalização da economia tem ampliado as fronteiras comerciais entre os países gerando blocos econômicos e acordos internacionais que colocam a Administração Pública, direta e indireta, cada vez mais em contato com outros países, organismos internacionais — especialmente os de fomento — e cidadãos que adquirem liberdade de circulação e de ofício, com igualdade de tratamento, forçando, com isso, o aparecimento de novo aspecto no estudo do Direito Administrativo.

Ocorre que muitas vezes, ao invés do Direito Administrativo buscar compreender e se fazer presente e atuante diante da nova realidade fática, ele faz justamente o inverso. Simplesmente, alguns teóricos administrativistas insistem em negar e se opor às inovações tecnológicas e sua repercussão no direito, chegando ao ponto de concluir pela ilegalidade das inovações disruptivas, em razão de muitas delas contestarem seus tradicionais institutos.28

Aqui, nota-se um caminho de total descompasso entre o direito e sua realidade fática. E esse é um caminho pernicioso. Como já advertido por Ferdinand Lassale (2001)29, a Constituição que não corresponder as forças reais de poder, será uma mera folha de papel, desvinculada de sua realidade.

Em relação as dificuldades atuais enfrentadas pelo Direito Administrativo, Floriano de

26 SOUTO, Marcos Juruena Vilella. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Iuris. 2002, p. 1, 6 e 12.

27 Ibidem, p. 31-32.

28 Como exemplo, pode-se citar o caso do ingresso do Uber no Brasil (tema a ser melhor elucidado em tópico específico mais à frente).

29 Nas palavras de Ferdinand Lassale: “Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país”. (LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 33). E, no início da obra, o autor conceitua como fatores reais de poder, a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade. Sobre o estudo de Lassale, Konrad Hesse diz: “Com base nas relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem, tem-se a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder. Esses fatores, reais do poder formam a Constituição real do pais. Esse documento chamado Constituição - a Constituição jurídica- não passa, nas palavras de Lassalle, de um pedaço de papel (p. (ein Stück Papier). Sua capacidade de regular e de motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real”. (HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung. Trad. Gilmar Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 9.)

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Azevedo e Rafael Véras (2016)30 mencionam três diferentes vertentes, a saber: i) vertente política (aumento da consciência política); ii) vertente econômica (novas demandas mercadológicas); iii) vertente tecnológica (inovações tecnológicas).

No que tange ao aumento da consciência política, tem-se, por exemplo, o aumento do clamor popular pela maior transparência na gestão pública, pela prestação de contas e pelo aumento e efetividade da participação social nas decisões políticas (e.g. exigência de audiências públicas em temas de grande repercussão social). Na vertente econômica, tem-se a reorganização do mercado com novas aquisições, fusões, extinções para fins de atender demandas mercadológicas. E na vertente tecnológica, nada mais atual do que os desafios trazidos pelas inovações disruptivas ao Direito posto.

No que diz respeito à vertente política, essa é caracterizada pelo desafio em reconhecer os direitos subjetivos existentes nas atividades consideradas como serviços públicos, bem como universalizar a oferta e a fruição desses serviços de forma mais ampla possível aos cidadãos.

Já a vertente econômica é marcada pela crescente pressão da abertura dos serviços públicos à competição, ou seja, pela fruição mercadológica de atividades tidas como serviços públicos, na medida em que tais serviços se aproximam das regras de mercado, seja na oferta - com a pressão pela abertura do mercado a outros competidores -, seja na demanda - com as imposições de regras de consumo.

Por sua vez, a vertente tecnológica, objeto principal deste trabalho, versa sobre o ingresso de novas tecnologias e sua implicação na criação e desenvolvimento de novos insumos que permitem nova competição entre os envolvidos e novas conexões de rede.

Interessante observar que todas as adversidades a serem enfrentadas pelo Direito Administrativo relatadas acima sempre envolvem o conceito de serviço público.

Conforme advertido por Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas (2017):

A passagem do regime único para a fragmentação de regimes, o que confere conformações específicas aos serviços de interesse econômico geral de acordo com o ambiente e efetivação, é desafiadora para a autonomia do direito administrativo como ramo do direito. No entanto, o movimento não deve ser lido como prelúdio do fim do direito administrativo, mas como sua revitalização na busca de uma disciplina mais consentânea ao novo quadro legal e regulatório brasileiro e realista por considerar o ambiente jurídico no qual se desenvolve31.

30 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Uber, Whatsapp, Netflix: os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 75-108, out./dez. 2016, p. 75.

31 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras. Uber, WhatasApp, Netflix: os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 75-108, out./dez. 2016, p. 97.

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Ante tais desafios, o Direito Administrativo se viu forçado a repensar seus conceitos, institutos e projeções para não perder sua autoridade face a nova realidade informacional.

Outrossim, percebe-se outro problema subjacente. O processo de inovação tecnológica acaba obrigando o legislador, face a sua incapacidade técnica, a deixar uma ampla margem de discricionariedade ao administrador, no caso, ente regulador, no intuito de compatibilizar as novas tecnologias ao Direito Administrativo, a fim de que “o país tenha instrumentos jurídicos legítimos de conformação dos interesses daqueles que exploram atividades econômicas com as necessidades da sociedade”.32

Corroborando a tese de que se precisa de novos instrumentos jurídicos, adverte José Eduardo Faria33 que cada vez mais se nota a busca incessante do Estado para exercer algum tipo de controle sobre as inovações disruptivas, com o receio de perder sua base institucional e a manutenção da coesão social.

Ocorre que o uso de conceitos jurídicos indeterminados coincide também com o abuso de dispositivos legais com tipologias abertas, que não apenas dão uma margem de discricionariedade aos intérprete. Sem olvidar para a situação em que os juristas cada vez mais buscam novas parâmetros legais, esquecendo-se do papel normativo dos princípios de direito para a resolução de conflitos como para colmatar as possíveis lacunas do sistema jurídico, dando-lhe a unidade constitucional. No entanto, esse tendência legiferante brasileira será tratada de forma mais específica em tópico à frente.

32 GUERRA, Sérgio. Riscos, Assimetrias Regulatórias e o Desafio das Inovações Tecnológicas. In: FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno (Coord.). Regulação e novas tecnologias. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 93.

33 FARIA, José Eduardo. Sociologia jurídica: direito e conjuntura. 2. ed. Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 48.

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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS

A respeito da regulação econômica, Eros Grau (2000)34 ensina que o instituto é amplo e abarca diversas modalidades de intervenção estatal atuando sobre e no domínio econômico.

Segundo o autor, a atividade regulatória envolve dois tipos de intervenção estatal. A primeira consiste na intervenção do Estado sobre o domínio econômico, a qual se dá por meio da atividade normativa, ao regulamentar uma série de atividades econômicas, seja planejando, fiscalizando, tributando ou induzindo a economia. A segunda consiste na intervenção direta do Estado, seja diretamente ou por algum ente seu no domínio econômico, podendo se dá por meio de regime público ou não, por participação, absorção ou monopólio.

Na realidade, a ideia da regulação estatal surge diante da necessidade de racionalização e economicidade dos gastos públicos, bem como pela busca pela eficiência das escolhas administrativas. Tal cenário deu ensejo a reorganização do Estado, especialmente no que tange a seara econômica, com uma considerável redução da intervenção estatal direta no domínio econômico. Nesse espeque, ganha destaque o instituto da regulação estatal sobre setores públicos estratégicos e bastante onerosos, como saúde suplementar, transportes, recursos hídricos, telecomunicações, entre outros.

No momento em que surge o Estado Regulador, a Administração Pública passa a se abster de intervir diretamente na seara econômica, salvo as situações expressamente definidas na Constituição.

Entretanto, observa-se que o papel do Estado Regulador diante do universo disruptivo parece ter colocado em evidência um certo fetiche do Estado pela regulação do mercado, com posturas muitas vezes prematuras e inconsequentes para lançar freios sobre a inovação, fato que se contrasta com os baluartes da subsidiariedade e da proporcionalidade da regulação setorial.

De fato, revela-se primordial compreender a escolha do Constituinte Originário pelo Estado Regulador, de modo a verificar se as concepções clássicas de regulação setorial efetivamente encontra respaldo na Constituição ante o universo inovador da disrupção, fato a ser examinado no tópico a seguir

34 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 133.

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3.1 A ESCOLHA DO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PELO ESTADO REGULADOR

A Constituição Federal de 198835 inaugura uma nova fase do papel do Estado no domínio econômico ao romper com um modelo de Estado Intervencionista, caracterizado pela intensa atuação direta do Estado na economia (na produção de bens e prestação de serviços36) para o advento do Estado Regulador, marcado pela atuação indireta na economia, mormente com a atuação de entes específicos para cuidar da regulação setorial, a saber, as agências reguladoras.

Logo, a opção do Constituinte Originário pelo Estado Regulador coincide com a saída do Estado Interventor com a adoção de uma postura estatal menos intervencionista por uma posição mais norteadora, fiscalizatória e reguladora de atividades econômicas que sejam de relevante interesse público.

Em que pese essa mudança de paradigma, convém reconhecer que o Estado Brasileiro sempre foi muito grande, o que implicava em muitas atribuições de natureza eminentemente econômica, sem interesse público relevante a justificar a intervenção estatal, que em tese não lhe caberia, pois poderiam e deveriam ser prestadas pela própria iniciativa privada, tendo talvez apenas uma atuação reguladora do Estado.

Após o inchaço da máquina estatal com um boom de mais de 300 (trezentas) empresas estatais entre a década de 1960 e 197037, somado aos altos custos para manter esse Estado agigantado e sua ineficiência na produção de certos bens e prestação de determinados serviços ocasionou a necessidade de se repensar esse modelo de Estado.

Ato contínuo, tem-se na década de 1990 o desencadeamento de várias transformações econômicas para mudar o perfil de Estado brasileiro, sintetizados por Luís Roberto Barroso em três ordens: i) a extinção de parte das restrições ao capital estrangeiro; ii) a flexibilização dos monopólios estatais; e iii) privatização ou desestatização38.

35 A Constituição Federal de 1988 assim dispõe: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...]” e “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

(BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 01 dez. 2018.). 36 MISSE, Daniel Ganen. História e Sentido da criação das agências reguladoras no Brasil. 2010, p. 11. 37 BARROSO, Luís Roberto. Estado e iniciativa na experiência constitucional brasileira. 2014. Disponível em:

https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI199284,71043-Estado+e+livre+iniciativa+na+experiencia+constitucional+brasileira. Acesso em: 20 dez. 2019. 38 Ibidem.

Referências

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