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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS

3.2 A REGULAÇÃO ESTATAL DAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS

3.2.4 Qual o tipo de regulação?

A decisão sobre o tipo e a natureza da regulação que deverá incidir sobre as novas tecnologias também é motivo de muita discussão e polêmica.

Antes de se pensar a respeito do modelo de regulação que deverá incidir sobre as novas tecnologias, há de se refletir também acerca do momento da regulação. As duas variáveis intimamente ligadas. Isso porque quanto mais precoce for a intervenção estatal, menos detalhista será o tipo de regulação, optando normalmente por uma base mais principiológica. Por outro lado, se a intervenção regulatória sobre a disrupção for tardia, o tipo de regulação tende a ser mais minuciosa.

Nessa perspectiva, o desafio é conciliar essas duas variáveis (tipo e momento), de sorte a proporcionar uma regulação mais eficaz e eficiente.

No que tange ao tipo de instrumento regulatório a ser utilizado sobre as tecnologias disruptivas, Patrícia Baptista e Clara Keller (2016)61 expõem a existência de duas correntes de pensamento. A primeira, encabeçada por Tim Wu (2012)62, professor norte-americano da Universidade de Direito da Columbia, defende a existência de instrumentos regulatórios minimamente intervencionistas e mais flexíveis, a fim de causar menor dano em uma situação de intervenção regulatória mal calibrada ou precoce. A ideia é evitar a regulamentação tradicional e no seu lugar, confiar em “ameaças” no formato de orientação, cartas de advertência e congêneres.

Por seu turno, a segunda corrente, encabeçada por Nathan Cortez (2014)63, professor norte-americano da SMU, advoga pela existência de instrumentos regulatórios firmes e rígidos, e na hipótese de uma prematuridade na regulação, fazer uso de mecanismos alternativos de coercibilidade, a fim de que as agências reguladoras não percam sua força e credibilidade diante da disrupção.

A visão de Cortez (2014) foi moldada diante de análise de um caso prático em que as ameaças proferidas pelo Food and Drug Administration (FDA), ente regulatório norte- americano responsável pela fiscalização e controle de alimentos e medicamentos nos EUA, se mostraram obsoletas e contraproducentes perante a tecnologia disruptiva de dispositivos médicos informatizados. Na situação, afirma Cortez (2014) que a regulação flexível da FDA para esta disrupção permitiu um contexto de padrões fracos de normatização que levaram a uma regulação abaixo do ideal a longo prazo. Por tal razão, se defende mecanismos mais rígidos a longo prazo, sem abandonar a possibilidade de se fazer uso de mecanismos alternativos e de gradações variadas no momento inicial de incerteza quanto à disrupção.

Convém destacar também a existência de outro modelo regulatório, denominado de experimentalista, de autoria de Matthew Wansley (2016)64, professor da Escola de Direito de Harvard, o qual defende que nos casos em que haja uma tecnologia disruptiva apta a oferecer potencialmente risco à saúde, o Estado deve submeter limites ao uso dessa inovação, enquanto se procede investigação para seu uso adequado e seguro.

Outrossim, menciona-se também os mecanismos de autorregulação do próprio mercado,

61 BAPTISTA, Patrícia; KELLER, Clara Iglesias. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 273, p. 123-163, set./dez. 2016, p. 156.

62 WU, Tim. Taking innovation seriously: antitrust enforcement if innovation mattered most. Antitrust Law Journal, Connecticut, v. 78, p. 313-314, 2012.

63 CORTEZ, Nathan. Regulating disruptive innovation. Berkeley Technology Law Journal, Berkeley, n. 29, p. 175-228, 2014.

em que os próprios agentes privados fixam seus padrões de qualidade e de desempenho. Tal modalidade é fruto de muita controvérsia, pois coloca em evidência as falhas de mercado e a falta de preparo, insumos e expertise do aparato estatal para regular as inovações tecnológicas. Em outras palavras, a autorregulação parece evidenciar a incompetência do Estado para regular as inovações tecnológicas.

Por fim, há também a opção da não regulação. Contudo, esta parece ser uma alternativa temporária, já que a tradição brasileira é a de ser extremamente legiferante. Logo, mais cedo ou mais tarde, a tendência é que a regulação venha a ocorrer.

De certo modo, essa realidade está atrelada a uma desconfiança com relação a postura estatal para agir dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico. A crença que se criou é que apenas a regulação, com a edição de atos normativos, traz segurança aos regulados.

Independentemente do modelo de regulação a ser adotado, se preza cada vez mais por uma regulação democrática, com estímulo à participação popular no processo decisório das agências, à exemplo de audiências e consultas públicas, a fim de se buscar a eficiência da regulação, bem como sua legitimidade democrática.

A inovação característica das inovações disruptivas faz com que o Estado também repense o seu papel na regulação, buscando seu aprimoramento e eficiência. A escolha da melhor estratégia regulatória (caso se opte pela regulação estatal) também sofre os efeitos da inovação. Ou seja, não existe um único caminho, um caminho fácil ou um caminho estático para o Direito Regulatório.

O Direito também precisa se reinventar para acompanhar as inovações tecnológicas que pretende regular. Deve o Estado fazer um uso racional do plexo de opções que tem ao seu dispor.

Nesse ínterim, irretocáveis as considerações de Otacílio Neto (2013)65 a respeito da

importância e a forma como se dá a função regulatória na promoção do equilíbrio dos interesses contrapostos dos regulados:

Cabe ao Estado, dessa forma, impor regras de equilíbrio entre os interesses das empresas que necessitam de lucro na sua atividade empresarial e os interesses dos cidadãos que querem tarifas a preços justos e bons serviços de telefonia. Forma-se, então, um jogo de interesses de mercado: uns querendo lucrar mais e usando de todas as formas possíveis para isso (as empresas) e outros, com poder de controle, tentando impor regras de mercado com o escopo de se extrair o máximo de eficiência dos atuantes (o Estado). É justamente nesse conflito de interesses que atua a Teoria dos Jogos. Dentro do espaço que lhe for dado para atuar, as empresas farão todo o possível para maximizar seus lucros sem se preocupar a princípio com a defesa da concorrência

65 SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. O direito regulatório e a eficiência dos mercados regulados: as contribuições da Teoria dos Jogos. Revista Constituição e Garantia de Direitos, v. 6, n. 1, 2013.

ou com a satisfação de seus usuários. (...) A Teoria dos Jogos funciona então como um instrumento a disposição do Estado regulador para que ele, procurando antever a ação dos seus regulados, intervenha, disciplinando o mercado com o escopo de se extrair o máximo de eficiência possível e ao mesmo tempo mantendo o interesse econômico das empresas (...).

Nesse pórtico, a atividade regulatória requer uma postura protagonista do Estado, no sentido de impor regras de equilíbrio e harmonia entre os diversos interesses contrapostos existentes, exercendo a escolha do constituinte originário pelo Estado Regulador.

Portanto, nossa visão coaduna-se com a de Nathan Cortez (2014), ainda que de forma mais atenuada. Em outras palavras, caso haja receio do ente regulador quanto à prematuridade e incerteza da regulação, há a possibilidade de se criar mecanismos alternativos e variações de intervenção regulatória, de forma inicial, e a curto prazo, enquanto se estuda a necessidade e suficiência de uma regulação mais decisiva e vinculante a longo prazo.

Tal postura, evidentemente, depende da análise pormenorizada do caso concreto, uma vez que cada disrupção deve ser estudada de forma individualizada. Contudo, não se abandona as lições de Tim Wu (2012) para a possibilidade de se fazer uso de instrumentos de orientação e advertência em um momento inicial de incerteza. Mas, de fato, muitas vezes esse viés orientativo não se mostra suficiente a longo prazo, devendo existir mecanismos mais rígidos, claros e específicos.

3.3 OS DESAFIOS DECORRENTES DAS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS PARA O ESTADO