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4 A CONCORRÊNCIA NO CONTEXTO DAS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS: UMA

4.1 A CONCORRÊNCIA NA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

4.1.2 O princípio da livre concorrência

Tendo por fundamento o artigo 170, IV da Constituição Federal de 1988, a livre concorrência foi alçada a princípio norteador da Ordem Econômica e Financeira Brasileira, cujo comando irradia efeitos jurídicos concretos e vinculantes a todos os agentes, indistintamente.

Mas, o que seria a livre concorrência? Para desmistificar o princípio da livre concorrência, irretocáveis as palavras Carlos Barbieri Filho (1984)121, segundo o qual a concorrência consiste em “(...) disputar, em condições de igualdade, cada espaço com objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais. Consiste, no setor econômico, na disputa entre todas as empresas para conseguir maior e melhor espaço no mercado”.

Segundo tal autor, a concorrência é verdadeira pedra de toque no que tange as liberdades públicas no setor econômico. Isso porque o direito da concorrência mudou o enfoque do Direito Econômico, antes visto como um direito da Intervenção do Estado e agora tido como verdadeiro instrumento de defesa dos cidadãos e das liberdades fundamentais.

Enquanto ferramenta de defesa dos cidadãos, a defesa da concorrência tende a melhorar as condições nos quais os bens são oferecidos e os serviços são prestados, seja pelo desenvolvimento de novas tecnologias a serem agregadas a tais produtos ou serviços, seja pela diminuição do tempo de confecção e de entrega, seja pela redução dos preços. Por seu turno, enquanto ferramenta de defesa das liberdades individuais, a defesa da concorrência preza pelo regular exercício do princípio da livre iniciativa, de modo que tal liberdade não cometa abusos.

Nesse sentido, Eros Grau (1993)122 expõe:

121 BARBIERI FILHO, Carlos. Disciplina jurídica da concorrência – abuso do poder econômico. São Paulo: Resenha Tributária, 1984, p. 119/120.

122 GRAU, Eros Roberto. Princípio da Livre Concorrência – Função Regulamentar e Função Normativa. Revista Trimestral de Direito Público, 4/1993, São Paulo: Malheiros, p. 126.

É que a liberdade de concorrência deve ser visualizada como elemento moderador do princípio da liberdade de comércio e indústria, e não como ratificador deste último. Não deve ser tomado, pois, como princípio negativo. Este sentido já é coberto pelo princípio da liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico). A liberdade de concorrência é, fundamentalmente, uma liberdade privada e se apresenta dotada de caráter positivo, expressando-se como direito a que o abuso (deslealdade) da liberdade de comércio e indústria não comprometa o funcionamento regular dos mercados. Esse o sentido sob o qual o princípio é consagrado no plano constitucional, no inc. IV do art. 170 da vigente Constituição.

Desse modo, a concorrência passou a ser encarada como elemento indispensável para a consecução de uma estrutura econômica democrática, que assegure e fomente a melhoria das condições do mercado e proteja os cidadãos.

Nessa linha de intelecção, a livre concorrência está intrinsecamente ligada ao preceito da livre iniciativa, tendo em vista que só existe a livre concorrência (disputa entre diversos atores do campo econômico em busca da conquista do mercado consumidor) onde há livre iniciativa (liberdade de criar e explorar uma determinada atividade econômica no âmbito privado). Nesse contexto, o princípio da livre concorrência é tido como corolário da livre iniciativa.123

A disputa intrínseca ao contexto de livre concorrência propicia um ambiente de competitividade no qual os agentes econômicos são forçados a aprimorar seus recursos (tecnologia, qualidade do bem ou serviço, redução dos custos, etc), tendo por escopo conquistar o mercado consumidor124.

Dada a importância da concorrência na ótica da Ordem Econômica Constitucional, foi criada inicialmente a Lei da Defesa da Concorrência (antiga Lei nº 8.884/94), que mais tarde deu lugar ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (atual Lei nº 12.529/2011125), cujo intuito é prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica enquanto proteção institucional da concorrência. Sem esquecer, contudo, que a proteção individual da

123 SOUSA, Simone Letícia Severo. Das práticas concorrenciais ilícitas: a diferença entre concorrência desleal e infração à ordem econômica. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, v. 14, n. 6, p. 215-230, 2016, p. 218. 124 Ibidem, p. 216.

125 BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 02 dez. 2018.

concorrência é regulada pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96126), bem como pelo artigo 186 do Código Civil127.

Ato contínuo, a concorrência não é um valor-fim, mas um instrumento de política econômica, cujo escopo principal não é simplesmente reprimir práticas econômicas abusivas, mas sim estimular a participação de todos os agentes na promoção de uma economia mais eficiente e que atenda aos ditames da justiça social.

Dentro do conceito de concorrência, tem-se também a proteção dos direitos dos usuários ou consumidores, ainda que não seja o usuário final. Mas, por óbvio, apesar de se defender a inter-relação entre a defesa da concorrência e a proteção do consumidor, há de se esclarecer que os institutos obviamente não se confundem, conforme disposição expressa do art. 170 da CRFB/88.

Enquanto a defesa da concorrência tem por finalidade a preservação da liberdade da concorrência, ou seja, a garantia da disputa entre os agentes econômicos, que repercute no estreitamento da relação entre fornecedor e consumidor, uma vez que o mercado precisa se aproximar do seu mercado consumidor para conquistá-lo; a proteção do consumidor visa justamente reequilibrar a relação jurídica de consumo, reconhecendo a posição de vulnerabilidade do consumidor, no sentido de proibir ou limitar certas práticas mercadológicas consideradas nocivas aos preceitos do ordenamento jurídico brasileiro.

Corroborando tal entendimento, Vitor Rhein Schirato (2011)128 assevera:

(...) a previsão constitucional da livre concorrência como princípio jurídico da ordem econômica, com a consequente imposição ao legislador ordinário de obrigação de garantir a concorrência e reprimir o abuso do poder econômico, nada mais é do que um instrumento normativo de realização de política econômica (política de estado) que objetiva propiciar melhores condições a todos os agentes econômicos decorrentes da redução dos preços e do aumento de qualidade dos produtos gerados pela concorrência entre os fornecedores, a um só tempo protegendo e promovendo o cidadão.

Há de se destacar que a Ordem Econômica e Financeira prevista na Constituição de 1988 impõe a obrigatoriedade da defesa da concorrência, inclusive para o serviços públicos, de

126 BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 02 dez. 2018.

127 Dispõe o artigo 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 02 dez. 2018.

128 SCHIRATO, Vitor Rhein. A noção de serviço público em regime de competição. 2011. 323 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado). Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2011, p. 117. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-03092012-110406/pt-br.php>. Acesso em: 10 dez. 2018.

modo a assegurar a competição entre os agentes na prestação de tais serviços, salvo situações excepcionais estritamente justificáveis no processo de ponderação do caso concreto.

Ante a ausência de restrição à nível constitucional para a aplicação da defesa da concorrência aos serviços públicos, não poderia o legislador infraconstitucional impor tal limitação.

Sendo assim, a concorrência não invalida ou dificulta a consecução das finalidades dos serviços públicos. Pelo contrário, a defesa da concorrência pode se revestir de verdadeira ferramenta para a consecução das finalidades próprias de um serviço público adequado, tema que será melhor elucidado posteriormente.

4.1.3 Princípio da defesa do consumidor

A defesa do consumidor foi alçada ao status de direito fundamental, estampado no art. 5º, XXXII da Constituição Federal de 1988. Uma vez compreendido como direito fundamental, não pode ser considerado mero argumento retórico, desprovido de normatividade e imperatividade.

Nessa espeque, a defesa do consumidor vincula tanto o Estado quanto os indivíduos a aplicarem sua defesa (eficácia vertical e eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Enquanto norma inserta na Ordem Econômica Constitucional, o princípio da proteção do consumidor visa defender os consumidores de práticas econômicas ilegais ou abusivas perpetradas pelos agentes econômicos na disputa de mercado.

Convém destacar que não é mais concebível a ideia da defesa do consumidor como algo desapartado da análise antitruste. Em verdade, uma concorrência mais equânime depende de um mercado consumidor exigente e ciente de seu papel no quadro regulatório, buscando melhores preços, inovação e qualidade dos produtos e serviços.

Segundo Leonardo Garcia (2013), “a defesa do consumidor não é incompatível com a livre iniciativa e o crescimento econômico” 129. Ao contrário do que se imagina, numa análise preliminar, a defesa da concorrência e a proteção do consumidor são valores inter-relacionados, que não se anulam. À medida em que há o aumento do número de fornecedores de um certo bem ou serviço, os entes econômicos envolvidos buscam melhorar o modo de oferecimento do bem ou serviço.

129 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 21.

Nesse panorama, Vitor Rhein (2011)130 expõe que:

Dentro dessa realidade, avultam os benefícios que emergem para os consumidores e usuários, pois, quanto maior o número de fornecedores de um determinado bem ou serviço maiores as possibilidades de redução dos preços e aumento da qualidade do bem ou do serviço oferecido. Portanto, a inserção, a proteção e o fomento da concorrência tendem a produzir efeitos bastante profícuos e desejáveis aos consumidores e usuários, pois tende a melhorar as condições nas quais os bens e serviços lhe são oferecidos. Quanto melhor o funcionamento de um determinado mercado, melhores serão as condições oferecidas aos cidadãos.

Sendo assim, ao se fomentar e garantir a livre concorrência, há uma tendência a se aprimorar as condições em que os bens e serviços são oferecidos ao mercado consumidor. Ora, a tendência é que quanto maior o número de competidores, mais esforço cada um dos atores econômicos terão de fazer para oferecer melhores produtos, com maior qualidade e preços mais acessíveis.

4.2 A CONCORRÊNCIA NO CONTEXTO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E DE UTILIDADE PÚBLICA E AS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS

Dando seguimento ao já explanado, se torna salutar enfatizar a necessidade de se compreender o conceito de serviço público e sua nova configuração nos dias atuais face às inovações tecnológicas e assimetrias regulatórias.

Isso porque as inovações disruptivas trazem repercussão direta em conceitos clássicos de direito público, in casu, no tema de serviço público e atividade econômica em sentido estrito.

Segundo a concepção clássica de serviço público, sintetizada por Eros Grau (2000)131, o conceito de serviço público seria de uma atividade excluída do regime de livre concorrência, prestada em caráter de exclusividade (monopólio estatal) pelo Poder Público, salvo as hipóteses de delegatários do Estado, mediante concessão ou permissão. Já as atividades econômicas em sentido estrito seguem as atribuições de direito privado, abertas a exploração privada. Assim, nos termos do art. 173, caput, CRFB/88, ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos

130 SCHIRATO, Vitor Rhein. A noção de serviço público em regime de competição. 2011. 323 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado). Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2011, p. 115. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-03092012-110406/pt-br.php>. Acesso em: 10 dez. 2018. 131 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 44. Esse entendimento foi repetido por diversas vezes também em vários julgados do então Ministro, no Supremo Tribunal Federal, como na ADI nº 3237-DF.

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. No entanto, o advento de novos serviços a partir do ingresso das inovações tecnológicas, como UBER, Netflix e WhatsApp representam um verdadeiro desafio as concepções clássicas de “titularidade estatal” e de “prestação de serviço público em regime de exclusividade”, na medida em que evidencia uma disputa assimétrica entre dois regimes jurídicos distintos, a saber, atividades econômicas em sentido estrito e prestadores de atividades reguladas como serviços públicos132.

Logo, resta claro que a concepção clássica capitaneada por Eros Grau (2000) não soluciona os problemas recentes provocados pelas inovações disruptivas no Direito Administrativo.

Em verdade, constata-se uma mudança de paradigma para se admitir o instituto da concorrência no contexto dos serviços públicos, provocada pela tensão para a abertura dos mercados (liberalização da economia), somado a força que o direito concorrencial ganhava na ordem constitucional e da ideia de que a competição poderia trazer benesses também para o mercado consumidor133.

Ato contínuo, Floriano de Azevedo e Rafael Véras (2016)134 defendem a inexistência de argumento jurídico apto a fundamentar a existência de um regime jurídico único para a prestação de serviços públicos, alheio a lógica de mercado. Nesse ponto, se argumenta que tanto os serviços públicos quanto as atividades econômicas em sentido estrito deveriam estar abertas a lógica de mercado, mas com regramentos jurídicos distintos em razão de sua natureza jurídica própria.

Ilustrando a tese, seria a hipótese em que normalmente se restringe a liberdade de concorrência no serviço público de fornecimento de energia elétrica, por exemplo. Entretanto, é possível afastar a restrição à concorrência se comprovado a necessidade e suficiência desta ação para salvaguardar direitos ou garantir a caracterização de um serviço público adequado, nos termos do art. 6º, §1º da Lei nº 8987/1995135 (regularidade, continuidade, eficiência,

132 FREITAS, Rafael Veras de. As Novas Tecnologias e o Direito Administrativo Global. Revista Direito do Estado. Ano 2016, número 129. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Rafael-Veras/as- novas-tecnologias-e-o-direito-administrativo-global->. Acesso em: 02 dez. 2018.

133 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques. A Nova Regulamentação dos Serviços Públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 1, fev., 2005.

134 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques; FREITAS, Rafael Véras de. Uber, Whatsapp, Netflix: os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 75-108, out./dez. 2016, p. 84.

135 BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8987cons.htm>. Acesso em: 01 dez. 2018.

segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação e modicidade das tarifas).

Interessante observar que esse cenário complexo de múltiplos regimes jurídicos em livre concorrência, ao contrário do que se imaginava, não representa - a priori - um prejuízo aos usuários daquele serviço. Ao contrário, tem-se um ambiente ainda mais protetivo na proporção em que além das garantias próprias de um serviço, se tem também a promoção e a proteção dos direitos do consumidor136.

Partindo do pressuposto de que a Constituição Federal de 1988 - fonte de toda interpretação no ordenamento jurídico brasileiro - não prevê nenhuma restrição a aplicação dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência no que concerne os serviços públicos, e tendo por base a teoria dos direitos fundamentais, os princípio gozam de ampla e imediata eficácia.

Desse modo, conclui-se que a livre iniciativa e a livre concorrência também repercutem na prestação dos serviços públicos. Porquanto, a hipótese de afastamento de tais princípios no campo dos serviços públicos prescinde da existência de uma coalisão com outros princípios, que depende de justificativa a comprovar sua necessidade e razoabilidade.

Isso não quer dizer que tais princípios não possam ser restringidos em um caso concreto, na exata medida do necessário, mas se observa que tal limitação é medida excepcional e depende de justificativa adequada e proporcional quando da colisão com outros princípios137.

Na verdade, toda vez que o regime de concorrência oferecer empecilhos às finalidades atribuídas a um serviço público, a concorrência deverá ser afastada.

Ilustrando essa hipótese, eventualmente a concorrência pode beneficiar determinados atores econômicos em detrimento de outros, face a uma determinada realidade (localização geográfica mais rentável ou gastos mais elevados para se garantir a universalidade do serviço público, por exemplo), o que poderia vir a justificar a sua restrição no caso concreto.

Cumpre salientar os ensinamentos de Robert Alexy (2008)138 acerca da precedência condicionada. É dizer que ante o caso concreto, os princípios colidentes tem pesos distintos, de sorte que no momento do sopesamento entre eles, um deles deve prevalecer sobre o outro, sem esvaziar o núcleo intangível de nenhum princípio envolvido. Portanto, na hipótese de conflito,

136 SCHIRATO, Vitor Rhein. A noção de serviço público em regime de competição. 2011. 323 f. Tese (Doutorado em Direito do Estado). Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-03092012-110406/pt-br.php>. Acesso em: 10 dez. 2018, p. 124.

137 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

os princípios jurídicos tem um dever de otimização, a fim de que sejam minimamente sacrificados o quanto possível, atendendo aos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Deverá, portanto, ser feito uma análise jurídico-sistemática para saber se a restrição à livre concorrência, na prestação do serviço público, se encontra dentro do parâmetro de constitucionalidade. Para tal intento, deve-se perquirir se a restrição à livre concorrência face à colisão com outro princípio satisfaz os seguintes requisitos: i) licitude dos propósitos da intervenção estatal; ii) a licitude dos meios utilizados pelo Estado objetivando alcançar tal desiderato; iii) a adequação da medida estatal; iv) sua necessidade e; v) sua proporcionalidade em sentido estrito.

A licitude dos propósitos da intervenção estatal se refere ao dever de fundamentação estatal para a restrição do princípio da livre concorrência. O propósito perseguido com a intervenção do Estado em um direito fundamental somente será lícito quando for constitucionalmente admitido, não havendo incompatibilidade formal com o ordenamento jurídico constitucional.

A licitude do meio eleito para a intervenção estatal utilizado pressupõe que o ordenamento jurídico constitucional não proíba a restrição à concorrência.

A adequação do meio eleito para a intervenção estatal corresponde a averiguação a aptidão da restrição da concorrência pelo Estado para se alcançar os fins por ela pretendidos.

A necessidade do meio eleito para a intervenção estatal consiste na análise se a restrição à livre concorrência, dentre os inúmeros meios lícitos e adequados, apresenta ser o de menor gravidade. Ou seja, aqui se busca que se limite o direito fundamental em jogo o mínimo necessário, sem prejudicar o alcance do propósito da intervenção estatal.

A proporcionalidade em sentido estrito se refere ao grau de restrição da livre concorrência, para que seja possível a concretização do princípio em colisão.

Destarte, fica claro que a regra é que a livre concorrência também seja aplicada nas prestações dos serviços públicos. Todavia, pode ser restringida no caso concreto, ao se notar que a livre concorrência compromete as finalidades instituídas pelo legislador para determinado serviço público.

Logo, tal restrição deve seguir a análise jurídico-sistemática exposta acima, cabendo ao Estado o dever de fundamentação139, para que sua limitação seja comprovadamente adequada,

139 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 108.

necessária e estritamente proporcional ao caso concreto.

Sobre o dever de motivação dos atos administrativos, assevera o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2006):

A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato. Em algumas hipóteses de atos vinculados, isto é, naqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de Direito aplicada pode ser suficiente, por estar implícita a motivação. Naqueles outros, todavia, em que existe discricionariedade administrativa ou em que a prática do ato vinculado depende de aturada apreciação e sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada.

Nessa senda, destaca-se a importância da motivação como requisito de legitimidade das decisões administrativas, bem como de garantia dos administrados. Ora, não há como rebater um ato administrativo quando se desconhece as razões que o originaram.