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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS

3.3 OS DESAFIOS DECORRENTES DAS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS PARA O ESTADO

3.3.1 As assimetrias regulatórias e as inovações disruptivas

Aprofundando-se na temática de assimetria regulatória, salutar esmiuçar o seu conceito. A assimetria regulatória pode ser definida pelos diferentes graus de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, tendo por finalidade garantir a existência de um ambiente competitivo justo, transparente e harmônico ao setor por ele regulado, equilibrando os diversos interesses em jogo, sejam públicos ou privados.69

Conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, há uma série de possibilidades de intervenção do Estado sobre e no domínio econômico. Com fulcro no artigo 173, o Constituinte elenca as hipóteses de intervenção direta do Estado na economia por intermédio de empresas estatais, no regime de concorrência. Já no artigo 174, se estabelece o papel do Estado enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Por seu turno, o artigo 175 trata da atuação do Estado na prestação de serviços públicos, seja diretamente ou sob o regime de concessão, permissão e autorização. No artigo 177, se elenca as atividades que constituem monopólio da União, face ao relevante interesse nacional envolvido. Há também a previsão de outras formas de intervenção, como as atividades de fomento e incentivo (Ex: licitações na modalidade concurso para financiamento de projetos cinematográficos brasileiros) e as atividades de planejamento.

Nesse prisma, elucida Gustavo Binenbojm (2017)70 que:

é possível perceber que a Constituição brasileira concede ao Estado razoável margem empírica de apreciação para a escolha de instrumentos adequados de regulação à ordenação das diversas atividades econômicas. (...). A ordenação das atividades econômicas também pode ser encarada sob a ótica dos níveis de intensidade sobre os quais se imporá a regulação estatal. Isso envolve, em um primeiro momento, a escolha que parte do poder constituinte e do legislador ordinário sobre o grau de titularidade do Estado sobre determinados serviços; e, em um segundo momento, sobre como as variáveis para a prestação desses serviços serão ordenadas (e.g., regulação de preços, de qualidade do serviço, de proteção aos consumidores e usuários, deveres de universalidade, etc.).

69 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Público e privado no setor de saúde. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 3, n 9, p. 105-154, jan./mar. 2005.

70 BINENBOJM, Gustavo. Assimetria regulatória no setor de transporte coletivo de passageiros: a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 12.996/2014. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 3, p. 1268-1285, 2017, p. 1272.

Em relação ao tema, Eliane Cabeza e Arianne Cal (2008) afirmam que:

A intervenção do Estado na economia, de acordo com a Teoria Econômica, objetiva regular os desequilíbrios do mercado e promover o desenvolvimento econômico, de forma a maximizar a utilidade coletiva, fomentar e estabilizar o crescimento econômico e redistribuir a renda. É através de tais condutas que o Estado busca, de acordo com a teoria da regulação econômica, aperfeiçoar o mecanismo de livre mercado, bem como corrigir o desvio na alocação ótima dos recursos e da maximização da eficiência, que ocorrem quando o mercado se afasta do modelo de concorrência perfeita71.

A crítica que se faz é que as diferentes gradações da atuação estatal muitas vezes revelam falhas de regulação, favorecendo determinado seguimento econômico em detrimento de outro.

Em outras palavras, às vezes, a atuação do Estado, ao invés de equilibrar os interesses contrapostos existentes, acaba por inflamar as desigualdades entre os regulados.

Na jurisprudência, são vários os exemplos de problemas envolvendo falhas de assimetrias regulatórias. No Setor de Telecomunicações, por exemplo, a falha da assimetria regulatória fica evidente diante dos dados de faturamento das empresas de telecomunicações e a péssima qualidade do serviço prestado. Para se ter uma ideia, as empresas de telecomunicações faturaram, apenas no ano de 2014, nada menos do que a cifra de R$ 234,1 bilhões de reais72 - se as empresas se unissem e formassem um país, elas ocupariam a posição de número 64, de acordo com a classificação criada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Alegaram as operadoras de telefonia móvel terem investido a cifra de R$ 29 bilhões de reais em seus negócios no Brasil apenas no ano de 2014. Para se ter uma dimensão do impacto do valor apresentado, tal investimento supera a previsão orçamentária que o governo federal disponibilizou para a educação superior no Brasil no mesmo ano e que faria com que o Brasil figurasse entre os países mais desenvolvidos, com uma tecnologia das mais avançadas e uma das melhores em qualidade do mundo.

Contraditoriamente, em que pese os altos custos suportados pelos consumidores e os altos investimentos que dizem as empresas de telefonia terem efetuado, a qualidade do serviço de telecomunicações no Brasil é um dos piores do mundo, segundo relatório recente

71 CABEZA, Eliane Rocha De La Osa; CAL, Arianne Brio Rodrigues. O Risco de Captura nas Agências de Regulação dos Serviços Públicos: Uma Abordagem à Luz da Teoria Econômica. 2008. Disponível em: < http://www.workoutenergy.com.br/abar/cbr/Trab0204.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.

72 ALENCAR, Marcelo S. O paradoxo da telefonia no Brasil. UOL, Recife, 05 jul. 2015. Disponível em: <http://noticias.ne10.uol.com.br/coluna/difusao/noticia/2015/07/05/o-paradoxo-da-telefonia-no-brasil-

disponibilizado pela União Internacional de Telecomunicações (UTI)73.

Diante dos dados supramencionados, resta clarividente que a relação entre os rendimentos auferidos, os investimentos realizados e a qualidade do serviço de telecomunicações é discrepante, tendo como único beneficiado as empresas de telefonia.

Com relação a essa temática, dois casos específicos merecem destaque por estarem atrelados diretamente a uma atuação ineficiente da agência reguladora: i) a suposta “derrubada proposital de sinal” dos clientes “Infinity Pré-Pago”, e ii) bloqueio de internet banda larga pelas operadoras de telefonia móvel.

No que concerne ao primeiro caso, tramita a Ação Civil Pública nº 2013.01.1.076218-9 (0019710-80.2013.8.07.0001), ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) contra a empresa TIM CELULAR S/A. no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), atinente a suposta derrubada proposital de sinal dos clientes “Infinity Pré-Pago” da TIM CELULAR S/A, em que diversos usuários deste plano reclamaram da inconsistência do sinal de transmissão de chamadas pelo consumidor quando utilizavam o serviço, de modo que precisavam efetuar novas chamadas, o que acarretava gastos adicionais. A aquisição deste plano permitia que o usuário pagasse apenas R$ 0,25 (vinte e cinco centavos) por qualquer ligação efetuada para a mesma operada (TIM-TIM) local ou com o DDD 41, independente do tempo de duração. Ocorre que frequentemente o sinal caia, o que demandava a necessidade de interromper a ligação e realizar uma nova chamada, obviamente com o custo adicional.

Essa situação abusiva perdurou por vários meses, com a notificação de diversas reclamações dos clientes, mas sem qualquer comprovação de responsabilidade da citada operadora, a qual sustentava a regularidade do serviço de acordo com os padrões da ANATEL. Segundo o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP-DFT), a queda proposital foi registrada em quase 10% das chamadas realizadas pelos clientes, sendo que o valor limite máximo imposto pelo órgão regulador (ANATEL) é de 2% de interrupção.

Com a suposta derrubada, a operadora de telefonia obteve faturamento diário adicional de R$ 4.327.800,50 (quatro milhões trezentos e vinte e sete mil e oitocentos reais e cinquenta centavos) no território nacional, e, somente no Distrito Federal, no dia 08/03/2012, 168.660 (cento e sessenta e oito mil seiscentos e sessenta) consumidores foram atingidos pelo comportamento ilícito da ré, proporcionando lucro indevido de R$ 87.474,25.

73 ALENCAR, Marcelo S. Comunicações sem qualidade. UOL, Recife, 17 abr. 2016. Disponível em: <http://noticias.ne10.uol.com.br/coluna/difusao/noticia/2015/07/28/comunicacoes-sem-qualidade-559104.php>. Acesso em: 27 nov. 2018.

O prejuízo mensal aos usuários do “Plano Infinity” foi calculado em R$ 2.610.000,00 (dois milhões seiscentos e dez mil reais). Suscitada a se manifestar, a ANATEL, que não é parte na ação, apresentou relatórios de fiscalização em que foi comprovado que no dia 25.10.2010 foi registrada uma queda de chamadas de 33%, o que significa o número alarmante de 1/3 das chamadas realizadas. Ademais, em outra fiscalização presencial, foi constatada a desconexão automática de chamadas de longa duração superiores a 1h20min de duração. Diante das provas, a empresa TIM CELULARES S/A foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no valor de R$ 100.000.000,00 (cem milhões) a título de dano moral coletivo74.

A título de informação, em sede de Recurso de Apelação nº 2013.01.1.076218-9, no TJDFT houve a redução pela metade do quantum indenizatório a título de reparação ao dano moral coletivo, que findou no patamar de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais)75, ainda não transitado em julgado.

Os dados apurados e compilados nessa ação são estarrecedores. E o pior é a constatação de que em nenhum momento a ANATEL (ente regulador eminentemente técnico), chamado ao processo como terceiro, conseguiu apurar o dolo da operadora. A referida agência reguladora apenas relatou os problemas verificados, o que coloca em maior evidência a vulnerabilidade técnica e jurídica desse mercado consumidor.

Ora, se nem a agência reguladora, que teria capacidade para atuar de forma enérgica contra essas práticas ilegais e anticoncorrenciais, conseguiu comprovar o dolo da empresa, o que dirá o cidadão comum? Mais uma vez, o consumidor é vítima reiterada de mais uma abusividade.

A segunda questão ganhou grande notoriedade na imprensa nacional no ano de 2016. Cuida-se da limitação da internet banda larga (limites de consumo) pelas operadoras de telefonia celular, ao criar franquias de dados na banda larga fixa, a fim de aumentar as suas receitas. As medidas anunciadas pegaram de surpresa toda a população que faz uso diário e intenso dos serviços de internet banda larga, trazendo danos incalculáveis aos consumidores.

74 DISTRITO FEDERAL. Justiça Estadual do Distrito Federal e Territórios. (18ª Vara Cível de Brasília). Sentença no Processo 2013.01.1.076218-9. Autor: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Réu: TIM CELULARES S/A. Juiz Mário José de Assis Pegado. Brasília, 01 de dezembro de 2015. Disponível em: <http://cache-internet.tjdft.jus.br/cgi-

bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml122&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&SEQAND=177 &CDNUPROC=20130110762189>. Acesso em: 28 dez. 2018.

75 DISTRITO FEDERAL. Justiça Estadual do Distrito Federal e Territórios. (5ª Turma Cível). Acórdão nº Processo 2013.01.1.076218-9 (0019710-80.2013.8.07.0001). Apelantes: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e TIM CELULARES S/A. Apelados: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e TIM CELULARES S/A Relatora: Desembargadora Maria Ivatônia. Brasília/DF. Data de Julgamento: 10 out. 2018. Data DJE: 19 out. 2018. 01 de dezembro de 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/tim-condenada- 50-milhoes-derrubar.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2018.

Com a mudança, os usuários teriam de comprar planos de banda larga fixa, controlar religiosamente o consumo de dados para não ter a necessidade de adquirir pacotes adicionais, sem qualquer noção do seu consumo diário, tampouco dos serviços que mais demandam o consumo de internet e controlar.

É de causar bastante estranheza que a limitação da internet teve a anuência da própria ANATEL, com a edição da Resolução 614/2013, que autorizou o corte ou a redução da velocidade da internet fixa ao final da franquia contratada, sem levar em consideração o grande impacto trazido a toda sociedade e sem qualquer justificativa pelas empresas de telefonia da necessidade de limitação da internet fixa, a não ser a busca de lucros. Há de se pontuar, inclusive, que a limitação atingiria ferozmente serviços fundamentais de diversas profissões, em especial a Advocacia, em tempos de Processo Judicial Eletrônico.

A discussão fica ainda mais séria quando nos deparamos com o fato de que a medida estaria violando diretamente duas leis nacionais: o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/201476), que proíbe os provedores de desconectar seus clientes uma vez atingido o pacote de dados; e o Código de Defesa dos Consumidores (Lei nº 12.741/201277), visto que as cláusulas contratuais que limitem a velocidade ou bloqueiam a internet dos consumidores os coloca em desvantagem excessiva. Por tais argumentos, tramita uma Ação Civil Pública ajuizada pelo IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) na Justiça do Distrito Federal e Territórios nesse sentido78, objetivando barrar a fixação de limite de tráfego de dados nos serviços de banda larga fixa.

Contudo, após intensa pressão social, a agência reguladora voltou atrás e proibiu a limitação de internet fixa no Brasil temporariamente por 90 dias no dia 18.04.2016, até que sejam criadas ferramentas que ajudem os clientes a ter informações sobre seu consumo (acompanhamento de dados consumidos, identificação do perfil de consumo, obtenção de histórico detalhado de utilização do serviço, notificação quando o plano estivesse próximo do fim). A confusão continuou e no dia 22.04.2016, a ANATEL decidiu proibir por tempo indeterminado a limitação da internet fixa, haja vista que a questão merecia uma melhor análise

76 BRASIL, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 12 nov. 2011.

77 BRASIL, Lei nº 12.741, de 08 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, de que trata o § 5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do art. 6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12741.htm>. Acesso em: 12 nov. 2011. 78 IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Idec entra na Justiça para barrar limite à banda larga fixa. 2016.

do tema – medida que deveria ter sido tomada desde o começo, dada a repercussão da matéria em discussão.

Ainda no ano de 2016, a ANATEL, por meio da decisão do Conselho Diretor no Circuito Deliberativo nº 172/201679, abriu consulta pública para colher informações e contribuições da sociedade sobre as franquias de dados da banda larga.

Todavia, parece que o imbróglio ainda padece de uma resolução definitiva, ainda sem data prevista.

Ante o exposto, percebe-se a importância de uma atuação eficiente do Estado, por meio de suas agências reguladoras, no que tange a criação e a manutenção de um ambiente estável, atrativo e harmônico para os investidores privados, bem como para a proteção dos consumidores, tendo por finalidade que os bens e serviços submetidos a regulação sejam não apenas formalmente acessíveis, mas que tenham boa qualidade e que atendam a sua utilidade pública.