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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS

3.3 OS DESAFIOS DECORRENTES DAS INOVAÇÕES DISRUPTIVAS PARA O ESTADO

3.3.2 O risco da captura e as inovações disruptivas

Tratando ainda do desafios decorrentes das inovações disruptivas, não poderia deixar de se falar do risco da captura. Isso porque o caráter de tecnicidade e independência conferida as agências reguladoras não significa sua imunidade a qualquer influência externa, seja por parte do Estado, dos grupos econômicos ou da própria sociedade.

A razão é que o jogo de poder dentro do Estado é dinâmico e imprevisível. Nessa disputa, cada segmento (Estado, Mercado e sociedade) faz uso dos seus artifícios para ganhar mais espaço e poder, no intuito de manipular a atividade regulatória ao seu próprio interesse. Nessa senda, o advento das inovações disruptivas acentua a rivalidade interna entre os agentes econômicos, na medida em que as empresas já consolidadas não veem com bons olhos o ingresso de novos atores, aptos a lhes tomar mercado consumidor. Desse modo, tentam manipular não apenas a sociedade, mas o próprio Estado e os entes reguladores contra as inovações tecnológicas.

Ante esse cenário de rivalidade, cabe ao Estado, por intermédio das agências reguladoras, prezar para que a competição entre os envolvidos seja transparente, equilibrada e

79 BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL. Tomada de subsídios sobre franquia de dados

na banda larga fixa. 2016. Disponível em:

<http://noticias.ne10.uol.com.br/coluna/difusao/noticia/2015/07/28/comunicacoes-sem-qualidade-559104.php>. Acesso em: 27 nov. 2018. Acesso em: 05 dez. 2018.

que respeite os preceitos delineados na Constituição Federal de 1988, à exemplo da soberania, livre concorrência, propriedade privada, defesa do consumidor, função social da propriedade e defesa do meio ambiente.

Para uma atuação eficiente das agências reguladoras, se faz mister a utilização da Teoria dos Jogos, conceituada como uma ferramenta matemática à disposição das agências reguladoras para se estudar o processo decisório por tais entes independentes, frente a um contexto de vários agentes se relacionando entre si.

A ideia é premeditar e analisar as estratégias de todos os entes envolvidos na situação de conflito para que a decisão final a ser tomada possa gozar do máximo de eficácia possível.

Interessante observar que a Teoria dos Jogos80 possui uma via de mão dupla, haja vista que pode ser usada tanto pelo ente regulador quanto pelos seus regulados, no intuito de antever a ação de outro ator envolvido, seja o próprio ente regulador ou outro competidor. Deve o Estado, porquanto, se antecipar as estratégias dos seus regulados, buscando a máxima eficiência das suas decisões, trazendo contribuições para todos, em especial para a sociedade, parte vulnerável nesse jogo de interesses.

Foi justamente com base na Teoria dos Jogos que o matemático inglês John Nash criou a sua teoria, intitulada de “Equilíbrio de Nash”, no sentido de que à proporção em que o Estado faz uso de suas melhores estratégias regulatórias, os agentes econômicos se esforçam para utilizar também as melhores estratégias empresarias, o que caracteriza um “equilíbrio de forças dentro do jogo de interesses”81.

Quando não existe esse equilíbrio de forças, de sorte que a estratégia de jogo do regulado é melhor do que a do regulador (agência reguladora), se tem o descompasso regulatório entre o regulador e os seus regulados (Estado, Mercado e sociedade).

Esse descompasso regulatório propicia a chamada “captura do ente regulador”, fenômeno no qual a agência reguladora “perde sua autonomia, condição de autoridade técnica e imparcial comprometida com a realização do interesse coletivo, e passa a reproduzir atos ou abstenções destinados a legitimar a consecução de interesses dos blocos por ela regulados”82,

81 SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos; Mendonça, Fabiano André de Souza. O Equilíbrio de Nash e seus Reflexos na Teoria dos Mercados Regulados. Revista Constituição e Garantia de Direitos, v. 4, n. 1, 2011, p. 11.

82 MOURA, Kate de Oliveira. O “Déficit Democrático” das Agências Reguladoras Brasileiras: Análise do Panorama Atual de Mecanismos de Participação Popular no Processo Decisório das Agências Reguladoras para uma Legítima Regulação Setorial Democrática. 2015. 76 f. Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015, p. 55.

isto é, a agência reguladora passa a servir de ferramenta para proteção e benefício dos seus regulados.

Convém ressaltar que o risco da captura é algo inerente a atividade regulatória, na dinâmica de disputa de poder entre o ente regulador e os seus regulados (Estado, Mercado e sociedade). Contudo, o fenômeno da captura é algo não apenas indesejado, mas pernicioso a regulação, pois além de acarretar o desvirtuamento da atividade regulatória, coloca em xeque a própria razão de ser da agência reguladora, cuja legitimidade democrática está intrinsecamente ligada a sua eficiência técnica e consecução dos direitos fundamentais.

Alguns fatores podem ser destacados enquanto gatilhos para o risco da captura, a exemplo da influência política do Estado perante o ente regulador, de modo que lhe incuba de objetivos eleitoreiros, desapartados da tecnicidade própria conferida às agências reguladoras. Ademais, tem-se também o superior aparato tecnológico, científico, financeiro, humano e logístico que algumas empresas detém em detrimento dos órgãos reguladores.

Um exemplo clássico é da empresa Google e o tema do direito ao esquecimento83. Desde o momento em que o Tribunal Europeu condenou a citada empresa como agente responsável pela ferramenta de buscas na proteção de dados dos seus usuários, a multinacional vem analisando diversos requerimentos para a retirada de determinados resultados de busca. Ocorre que tal remoção é feita de modo unilateral pela empresa, sem muita transparência quanto aos critérios utilizados para garantir a privacidade na rede. Somado a isso, há também um certo temor dos estudiosos quanto ao poder de mercado que o Google detém no cenário europeu – chegando ao surpreendente patamar de aproximadamente 90% -, podendo incidir na própria manipulação do mercado e dos entes reguladores europeus, tendo em vista que as agências reguladoras muitas vezes tomam decisões tendo por baliza as informações repassadas pela própria empresa regulada, em uma nítida assimetria de informações.

No que concerne às inovações tecnológicas, o risco da captura fica ainda mais potencializada diante do fenômeno da disrupção. Isso porque dificilmente o Estado está preparado juridicamente para o surgimento de uma inovação disruptiva, caracterizada pela quebra do modo de produção vigente, isto é, com o modo de se ofertar um bem ou serviço.

Nesse ínterim, as agências reguladoras perdem seu amplo conhecimento sobre o mercado onde irão atuar, ao não dispor de conhecimento técnico, nem de aparato tecnológico suficiente para compreender a disrupção e exercer sua autoridade sobre ela.

83 BAPTISTA, Patrícia; KELLER, Clara Iglesias. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 273, p. 123-163, set./dez. 2016, p. 126.

Esse cenário de desconhecimento é extremamente preocupante, podendo causar diversos efeitos nefastos, tendo por exemplo: i) distorções no mercado que levam a lucros exorbitantes, ou subinvestimentos por parte de certos agentes econômicos em prejuízo de toda a coletividade, como é o caso do ramo de telecomunicações, cujos lucros auferidos pelas empresas contrastam com a qualidade dos serviços ofertados84; ii) um cenário oportuno para barganha política e corrupção por parte de políticos e empresas detentoras do mercado, como ficou demonstrado com o escândalo do “Mensalão”; iii) mau alocação do dinheiro público, pois a atividade regulatória envolve um alto custo para se movimentar a máquina pública, sendo que a regulação, uma vez capturada, deixa de ser imparcial, e não mais atende as finalidades públicas para as quais foram criadas.

3.3.3 Necessidade da Análise do Impacto Regulatório (AIR) no planejamento regulatório