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Pedagogia dos corpos: gênero e sexualidade em práticas curriculares de dois CMEI da cidade do Natal - RN

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO. JOÃO BATISTA DE OLIVEIRA FILHO. PEDAGOGIA DOS CORPOS: GÊNERO E SEXUALIDADE EM PRÁTICAS CURRICULARES DE DOIS CMEI DA CIDADE DO NATAL - RN. NATAL - RN 2017.

(2) JOÃO BATISTA DE OLIVEIRA FILHO. PEDAGOGIA DOS CORPOS: GÊNERO E SEXUALIDADE EM PRÁTICAS CURRICULARES DE DOIS CMEI DA CIDADE DO NATAL - RN. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED – do Centro de Educação, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Práticas Pedagógicas e Currículo. Orientadora: Coutinho.. NATAL - RN 2017. Profa.. Dra.. Karyne. Dias.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA. Oliveira Filho, Joao Batista de. Pedagogia dos corpos: gênero e sexualidade em práticas curriculares de dois CMEI da cidade do Natal - RN / Joao Batista de Oliveira Filho. - Natal, 2017. 130f. : il.. Orientadora: Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho.. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.. 1. Educação – Dissertação. 2. Educação infantil – Dissertação. 3. Gênero – Dissertação. 4. Práticas curriculares - Dissertação I. Coutinho, Karyne Dias. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.. RN/BS/CCSA. CDU 373.2:305(813.2).

(4) JOÃO BATISTA DE OLIVEIRA FILHO. PEDAGOGIA DOS CORPOS: GÊNERO E SEXUALIDADE EM PRÁTICAS CURRICULARES DE DOIS CMEI DA CIDADE DO NATAL - RN. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED – do Centro de Educação, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Aprovada em _____ de ___________________ de __________.. BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________________ Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. _____________________________________________________________ Profa. Dra. Mariangela Momo (Titular) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. _____________________________________________________________ Profa. Dra. Adelaide Alves Dias (Titular) Universidade Federal da Paraíba – UFPB. _____________________________________________________________ Profa. Dra. Vândiner Ribeiro (Suplente) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. _____________________________________________________________ Profa. Elaine Luciana Sobral Dantas (Suplente) Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA.

(5) AGRADECIMENTOS. Agradeço a todas as pessoas que, de alguma forma, colaboraram para que essa dissertação se tornasse uma realidade. De modo muito especial, a minha orientadora, professora Dra. Karyne Dias Coutinho, pela imensa paciência e empatia com que lidou com minhas dificuldades e com as contingências desta pesquisa; não fosse sua sensibilidade, eu não teria conseguido. Sou grato a meu amigo Gênison, que foi fundamental no início do processo de minha vinda para Natal e esteve ao meu lado, fraternamente, por todo o processo da pesquisa. Aos meus novos amigos Tibério e Daniel, que conheci na residência de pós-graduação e iniciamos uma grande amizade, eles me trouxeram leveza num período difícil da minha vida. À Anuska, que me deu impulso e apoio incondicional desde quando essa pesquisa ainda era um sonho. Agradeço, ainda, de coração ao querido amigo Jeferson, que insistiu que esse mestrado era possível e me ajudou a pensar o projeto. Tem meu agradecimento especial Maria, companheira de mestrado e que não me deixou desanimar: tenho certeza que seu apoio foi fundamental. Também o grupo de estudos formados por Girlane, Jessica, Clara, Gislaine e Wagner, que me ajudaram tanto. Sou grato também a meu pai, minha mãe e minha avó Geny (in memorian), sertanejos simples do Seridó, mas que, com toda a generosidade, não mediram esforços ao dedicarem muito de suas vidas para que eu progredisse na minha. Por fim, agradeço a três professoras e ao professor que gentilmente abriram suas salas de aula e aceitaram participar do estudo e à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela oportunidade que me foi dada para realizar esta pesquisa através do Programa de PósGraduação em Educação. A vocês, meu muito obrigado!.

(6) RESUMO. Esta investigação foi realizada em dois Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) da rede pública de Natal - RN. A partir da contribuição de produções do campo pós-estruturalista em educação e realizando mestiçagens entre estudos de gênero, estudos culturais e estudos foucaultianos, buscou-se discutir práticas curriculares envolvidas em questões de gênero e sexualidade em turmas de crianças de 5 anos de idade. A partir disso, destaca-se como problemática de pesquisa o modo como as práticas curriculares produzidas pelxs professorxs funcionam sob a inteligibilidade de uma matriz cultural que sustenta a “verdade” de uma dita continuidade natural entre sexo e gênero, coibindo possíveis atravessamentos que perturbem essa ordenação. Servindo-se metodologicamente de procedimentos de inspiração etnográfica, tais como observação e entrevistas semiestruturadas, este estudo adentrou os momentos da rotina em sala de aula, os gestos, os movimentos, os usos de instrumentos, as ordenações, as falas e os silêncios dxs professorxs nas suas práticas cotidianas que se destinavam ao âmbito do gênero e da sexualidade das crianças. Nessa aproximação empírica, tais operações didáticas passaram a ser vistas com certas lentes conceituais, como: cultura (VEIGA-NETO, 2003; PÉREZ GOMEZ, 1993; HALL, 1997), relações de poder (FOUCAULT, 1984, 1989, 2014), currículo (SILVA, 2010), gênero (SCOTT, 1995; LOURO, 1997, 2008, 2015) e performatividade de gênero (BUTLER, 2003), além de outros conceitos coadjuvantes também emprestados da perspectiva pós-estruturalista que foram as ferramentas para estabelecer os nexos de funcionamento de uma pedagogia dos corpos atuando pela via de práticas curriculares supostamente produtoras de normalidades de gênero e sexualidade. Dessa forma, foi possível reunir indícios amplos de convergências diversas do campo cultural, social e político que atravessam a órbita curricular e a ótica docente, incidindo nas relações pedagógicas em que se enredam professorxs e crianças. Ao aprofundar o estudo de como se engendra esse processo, a pesquisa se deparou com práticas condutivas por onde circulam relações assimétricas de poder na forma de uma ação sobre ações, articulando exercícios produtivos que privilegiam formas de gênero e sexualidade na ótica binária e heteronormativa. Implicados nessa dinâmica sempre instável estão significados da cultura, dissimulados como naturais, posicionados para que cada um veja as normas sobre o próprio corpo não apenas como necessárias, mas como naturais, agindo sobre si mesmxs, submetendo-se ou resistindo aos efeitos de poder que atuam sobre seus corpos naquele contexto. Nesse sentido, é possível afirmar que as práticas curriculares dos dois CMEI estudados são atravessadas por astúcias do poder investindo detalhadamente em subjetividade normativa de gênero e sexualidades. Palavras-chave: Práticas Curriculares. Gênero e Sexualidade. Educação Infantil..

(7) ABSTRACT. This research has as locus two Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) in the Natal public educational system. Based on contributions from educational post-structuralism field realizing some mixings about gender, cultural and Foucault studies, it aims to discuss curricular practices related to gender and sexuality in classrooms with children that have 5 years old. It detaches as a research problem the way curricular practices produced by teachers work intelligibility as a cultural matrix that holds a “truth” of a named natural continuity between sex and gender, not allowing anything that disturbs this rule. With methodological base in some proceedings with ethnographical approach, that is observation and semi-structured interview, this study experienced classroom routine, gestures, movements, instruments use, orderings, teachers discuss and silences during their practices related to children gender and sexuality. In this empirical approaching, conceptual lens as: culture (VEIGA-NETO, 2003; PÉREZ GOMEZ, 1993; HALL, 1997), power relationships (FOUCAULT, 1984, 1989, 2014), curriculum (SILVA, 2010), gender (SCOTT, 1995; LOURO, 1997, 2008, 2015) and gender performativity (BUTLER, 2003), among others related to post-structuralism perspective that were tools to establish links to work with bodies pedagogy using curricular practices that supposed produce normality about gender and sexuality. In this sense, it points many convergences in the cultural, social and political fields that cross curricular field and teacher point of view, linking pedagogical relations connecting teachers and children. Analyzing this process, this research points conductive practices that support asymmetrical power relationships based on actions under actions, articulating productive exercises that privilege gender and sexuality forms in the binary and heteronormative way. Inserted in this instable dynamics are culture significances, pseudo naturals, to each one see his/her own body rule not only as something necessary but as natural, acting about his/herself, submitting or resisting power effects that act about their body in that context. In this sense, it is possible to affirm curricular practices in the CMEI present power strategies investing in the normative subjectivity of gender and sexuality. Keywords: Curricular practices. Gender. Sexuality. Children education..

(8) LISTA DE ILUSTRAÇÕES. Figura 1 - Mapa da Homofobia ................................................................................................ 87 Figura 2 - Precisamos falar sobre Romeo................................................................................. 94 Figura 3 - Desenho sobre mesa .............................................................................................. 104 Figura 4 - Desenho de pênis ................................................................................................... 104 Figura 5 - Cartaz sobre gênero ............................................................................................... 105 Figura 6 - Crianças brincando de boneca ............................................................................... 112 Figura 7 - Crianças assistindo tv ............................................................................................ 113 Figura 8 - Menino em EVA .................................................................................................... 115 Figura 9 - Menina em EVA .................................................................................................... 115 Figura 10 - Menina com balões em EVA ............................................................................... 115 Figura 11 - Cavalinhos em azul e rosa ................................................................................... 115 Figura 12 - Gêneros em EVA ................................................................................................. 115 Figura 13 - Capa de documento.............................................................................................. 116 Figura 14 - Representação de identidade................................................................................ 119 Figura 15 - Desenho da família .............................................................................................. 119.

(9) SUMÁRIO. 1 AS TENSÕES DE VIDA, PROFISSIONAIS E ACADÊMICAS, COMO SENSIBILIDADES GERADORAS DO ESTUDO.............................................................. 10 1.1. ROTAS DE COLISÃO: PARA INÍCIO DE CONVERSA ...................................... 10. 1.2. FLERTANDO COM OUTROS OLHARES: APROXIMAÇÕES CONEXAS AO ESTUDO ................................................................................................................... 20. 2 CURRÍCULO, CULTURA E RELAÇÕES DE PODER: CRUZAMENTOS E MANIFESTAÇÕES DE GÊNERO NAS PRÁTICAS ESCOLARES ............................... 26 2.1. CONFERINDO ALGUNS PONTOS GERAIS PREMENTES À DISCUSSÃO ..... 23. 2.2. APROXIMAÇÕES COM O AMBIENTE EM TORNO DO CURRÍCULO ........... 33. 2.3. UM POUCO MAIS DO CURRÍCULO: APROXIMANDO AS LENTES CONCEITUAIS ........................................................................................................ 39. 2.4. AS PRÁTICAS CURRICULARES: ALGUMAS ESPECIFICAÇÕES ................... 45. 2.5. O DESTAQUE DA CULTURA: UM EMPRÉSTIMO DOS ESTUDOS CULTURAIS ............................................................................................................. 49. 2.6. SUJEITO, SUBJETIVIDADE E GOVERNAMENTO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PÓS-ESTRUTURALISTAS IMPORTANTES ...................... 55. 2.7. O PODER COMO FORÇA CIRCULAR E PRODUTIVA: O CORPO COMO ALVO ................................................................................................................................... 69. 3 GÊNERO E SEXUALIDADE NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DXS PROFESSORXS: VIZUALIZANDO OS ARRANJOS E AS REGULAÇÕES EM FUNCIONAMENTO ............................................................................................................. 80 3.1. GÊNERO E SEXUALIDADE NUMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA: IRREVERÊNCIA E DISPOSIÇÃO ANTINORMALIZADORA ............................ 80. 3.2. PREÂMBULO DA EMPIRIA .................................................................................. 96. 3.3. A PEDAGOGIA DOS CORPOS: PRÁTICAS CURRICULARES E SEUS FUNCIONAMENTOS NO COTIDIANO DE SALAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................................................................................................... 98. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 126 APENDICES..........................................................................................................................131.

(10) 10. 1. AS. TENSÕES. DE. VIDA,. PROFISSIONAIS. E. ACADÊMICAS,. COMO. SENSIBILIDADES GERADORAS DO ESTUDO. 1.1 ROTAS DE COLISÃO: PARA INÍCIO DE CONVERSA. Gostaria, antes de tudo, de tentar traçar aqui algumas linhas, melhor dizendo, rotas sinuosas pelas quais me direcionei num itinerário pessoal onde o tema de gênero e sexualidade passaram a me interceptar incessantemente, compondo um interesse intelectual que me instiga e, mais que isso, me desperta indignação e descontento no momento em que, ao orbitá-lo tanto, afeto-me, bem como encontro outros afetados. Essa espécie de cartografia, ora realizada, levanta também algumas considerações preliminares sobre a insuportabilidade da diferença que nos últimos tempos tem encontrado força e projeção na sociedade brasileira já historicamente marcada pela desigualdade de gênero e pelo sexismo. Esse início de conversa trata-se, mais ainda, de rotas de colisão, de passagens que trouxeram para mim a consciência de uma urgência em examinar o tema de que trato nesta dissertação. É bem verdade que nem mesmo sei o quanto de consciente tem esse processo, tampouco busco aqui um divã onde possa me examinar em busca de alguma transparência. O que desejo é, ainda que de forma sempre imprecisa, acenar para o leitor deste trabalho de onde e por onde vim abrindo caminhos que me fizeram transgredir ou pelo menos questionar uma determinada ordem de entendimento comum, arbitrária, que reiteradamente esteve presente na minha vida escolar e depois em práticas pedagógicas da educação infantil, quando retornei à escola já como professor. É sobre isso que agora gostaria de falar. Trago em mim muitas inquietações, umas que me acompanham há muito e outras engendradas pelos meus recentes movimentos na vida e no mundo. Pareceu sempre fundamental para mim a possibilidade de movimentá-las, fazer emergi-las como um exercício pensante, como esforço crítico e comunicativo, o que corresponde ao que eu penso como sendo parte de um exercício de liberdade. Foi esse o primeiro estímulo que disparou dentro de mim a necessidade de converter o meu olhar neste estudo que busca praticar a liberdade de comunicar vias distintas de entendimento..

(11) 11. O que compartilho aqui pode ser apresentado como um convite a exercitar o diálogo e a potência estética de pensar a diferença no mundo em oposição a formas cada vez mais interessadas na manutenção e perpetuação de um estado de coisas, numa sociedade que vem enfrentado muitos retrocessos no que se refere às políticas e iniciativas relacionadas aos direitos humanos na esfera institucional, onde traços obscurantistas, ultraconservadores e de pensamento único estão cada vez mais intensos, agressivos e arbitrários. Nem é preciso dizer que não há nada de simples e estável nesse cenário e é justamente sua complexidade e instabilidade que requer resistência às armadilhas do pensamento único e das explicações “óbvias” que se dão por algum caminho sempre mais curto, simplista, quase sempre aberto pela força da autoridade de alguma verdade que ninguém sabe ao certo como se fez, mas se tem absoluta clareza de sua necessária obediência como sentido criador e mantenedor de alguma ordem imprescindível sem a qual o risco é sempre da fragmentação do mundo em qualquer coisa pueril, mentirosa, perturbadora. De modo peculiar, a escola tem se mostrado um lugar assombrado pelas transformações do mundo de hoje. Se formos olhar na história da educação ocidental não são poucos os elementos que indicarão um monumental esforço para conceber um padrão de homem ideal, imutável e universal, o que muito nos fala a respeito do caráter refratário com que a escola lida, com propostas que promovem problematizações de algumas verdades do humanismo, como, por exemplo, a existência de uma “essência humana”. Em geral, a escola tem apresentado dificuldades em pôr em debate tais universalizações que servem de premissas para certas cristalizações, como estereótipos de gênero e também sexualidade. De certo modo, é fácil capturar consciências sensibilizadas em trabalhar em favor da reprodução do mesmo, do sempre aí, enquanto que a possibilidade do cultivo de ideias diferentes parece estremecer e ameaçar um modelo de sociedade em vigor, notadamente perturbadora para a legitimação de hierarquias de sexo e de gênero. Como contra-ataque temos assistido estarrecidos ao surgimento de plataformas reacionárias montadas por políticos embusteiros, igrejas reacionárias e setores fascistoides em que louvam lógicas perversas de subjugação e incremento de desigualdades. Nesse sentido, tem sido erguidas imensas barreiras frente à diversidade de gênero e sexual e ocorrido um recrudescimento da conjuntura política favorável para ações políticas machistas, homofóbicas e transfóbicas. Um dos principais alvos das narrativas desses grupos, arautos da moral e da família tradicional, tem sido as instituições de ensino, notadamente as escolas da educação básica. No.

(12) 12. ponto alto de suas desconfianças, consta que espalhasse por nossa sociedade uma ditatura homossexual que pretende ensinar crianças e jovens que não há nada de errado nas identidades gays, lésbicas e transgêneros comprometendo o futuro da sociedade. Parece não haver uma instituição na qual se pese mais sobre ela a responsabilidade de construir o futuro de uma sociedade do que a escola, com isso, não resta dúvida de que ela seja um campo de disputa: “a verdadeira escola”, o “verdadeiro educador”, o “Currículo verdadeiramente emancipador” e o desprezo por toda ideia que não sirva ao propósito da construção de uma verdadeira sociedade. Estado, Mídia, Justiça, Família, igreja alinham-se e desalinham-se em alianças em nome desse projeto no qual, gradativamente, por movimentos de resistência contra ele, vai se tornando visível e perceptível identidades historicamente subjugadas em nossa sociedade, identidades essas demarcadas negativamente a partir da oposição a um “verdadeiro modo de vida” que não pode ser perturbado. Lembro aqui de uma das máximas condutoras do pensamento cristão que tanto se projeta no modo como a cultura ocidental tem interpretado a leitura do mundo a partir da ideia de revelação “Conheceis a verdade e a verdade vos libertará”. Acalentador, sem dúvida, porém poucos delírios podem nos alucinar tanto; a verdade como revelação trans histórica, universal e imutável não pode libertar, ela sobrevive pela exclusão, a verdade conduz, então como pode um conduzido ser livre? Não que esta seja a questão desta pesquisa, mas foi por aqui, por este estranhamento, que ela veio um dia a encontrar terreno estrumado, desconfiando das profundas relações com essa metafísica de uma verdade cristalina fundamental. É inegável que a disseminação entre nós da doutrina judaico-cristã que se refere à criação do gênero masculino e feminino como uma vivência de gênero de forma fixa e prédeterminada rejeita as variações dessas performances e as empurra para uma existência clandestina. Isso porque há uma projeção moral, ética e política que nos alcança diretamente. Pude sentir isso muito de perto. Criado em família católica, conservadora, conduzida pela autoridade masculina, numa cidade de interior onde as orientações religiosas ritualizam a vida e as pessoas se movem ou se paralisam em função desses sentimentos, passei muitos anos buscando me encaixar, me equilibrar nesse cenário. O que mais me apavorava era o sentimento de rejeição, de condenação a um destino marginal, imperfeito, de que não era possível ser feliz. Sentia raiva e desgosto profundos por não controlar certos afetos e desejos e por não conseguir extirpar sentimentos que pareciam indomáveis tanto quanto mal vistos,.

(13) 13. exemplos de vergonha para um pai, um desgosto para a família. Havia um sentimento duro de culpa em ser gay, havia uma necessidade constante em provar uma inocência, ou seja, diariamente era preciso convencer a si e aos outros que não era aquilo que eu era, pois ser gay era uma conduta condenável, algo ruim. Esconder as ofensas sofridas na escola, recorrer à timidez e ao isolamento para justificar a ausência de “namoradinhas”, vigiar os gestos corporais, o modo da fala, o gosto das músicas, as brincadeiras, as roupas, mesmo desejando com todas as forças não só parecer, mas ser heterossexual. Tudo era disfarce, recorria sempre à dissimulação dos meus sentimentos e vontades, era o modo mais seguro de impedir o conhecimento de meu desvio e a decepção da família. Ergui contra mim mesmo uma prisão, encurralei-me dentro da culpa e do medo. Contudo, não foi possível sufocar a minha diferença, não fui capaz de estancar a força de toda a transformação que cada dia mais me deixava ciente da grande e infeliz mentira que eu havia me tornado, porque em um determinado momento tornou-se insuportável distorcer, interpretar e negar, foi ficando insuportavelmente destrutivo ceder tanto espaço para o medo que justificava meu silenciamento de mim. Toda aquela estrutura de cerceamento alta e espessa como uma parede, em algum momento começou a ruir; as paredes são porosas e alguma coisa em mim que estava em trânsito e a sensibilidade começou a escapar aquilo abrindo vida. É óbvio que não suponho que haja no mundo de hoje uma barreira intransponível que trancafie as pessoas dentro desse quadro, mas que seja, sim, uma fonte de humilhações, fonte de incontáveis dores e gigantescas frustações que tolhem à força expressões de vida como se representasse algo sujo, antinatural, pecaminoso, distúrbio. Hoje eu percebo o quanto me faltou conhecimento, informação, histórias nas quais pessoas gays fossem bem-sucedidas, professorxs que discutissem como os preconceitos são nefastos nas vidas das pessoas. Percebo o quanto poderia ter sido menos traumático e difícil se pelo menos na escola eu tivesse encontrado um ambiente onde pudesse dar vazão às dúvidas sobre o que estava acontecendo comigo. Eu posso supor que se tivesse encontrado na escola uma narrativa não negativa da homossexualidade, teria me fortalecido e sido mais resiliente. Teria enfrentado os que me ridicularizavam, ao invés de sucumbir à culpa e à repulsa por si próprio. Como espero me fazer entender, parto aqui de um esforço contra a intolerância, contra o medo obscuro no que tange ao gênero e também à sexualidade, que assustadoramente.

(14) 14. ainda se guarda em clausuras que nos fazem estátuas opacas, corpos de anatomia soberana, monumento de alguma verdade intransponível. Um trabalho que, não sem conflito, foi viabilizado antes, dentro de mim, e assumo minha dissidência pensando-a como um lance de exercício de liberdade, não peremptória, mas mais como a pensada nos versos de Manoel de Barros quando nos provoca em: “quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito”. E assim não nos revela nada, claro, pois a poesia não tem nenhum compromisso com a verdade. E ao não apontar para a verdade, do contrário, nos incita à deriva das infinitas realizações. Deixa a existência aberta para contingência. Desestabilizador tanto quanto inspirador, esse entendimento nos move e nisso me esforço visceralmente para não cair no esgotamento da revelação, que nos é tão sugestivo. Não será apresentada aqui, portanto, nenhuma verdade contrária, salvadora. Justamente por entender que se alguém lhe revela a liberdade, deve estar mentindo, às vezes sem nem saber da mentira que conta. Erguemos deuses, ciência, ceticismos, tateando sob o recurso da ilusão de possui-la. Certamente, se fôssemos infinitos passaríamos a infinidade buscando-a, mas não somos, então, na angústia do pouco tempo que temos, disputamos caminhos, passagens por onde podemos ir, mas apenas como possibilidades. É isso que acho fascinante: a liberdade não dá soluções, também este trabalho não pode oferecê-las, o que para mim nenhum prejuízo traz para a vontade de transformação que ele pode incorporar, nenhum desânimo, afinal, usando aqui mais uma vez de poesia, agora da escritura de Álvaro de Campos – heterônimo de Fernando Pessoa – em “Tabacaria” (2007): “Eu que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?”. Diante dessa primeira e ampla motivação, caminho no sentido de transportar, de maneira explicitamente interessada, problemas e impasses que me são caros por terem me atingido na viabilização de minha existência e por permanecerem alcançando tantas outras pessoas, ferindo-as, castrando-as de si, pondo-as em sofrimento, fazendo deferir contra si golpes de culpa, desumanizando-as. Falo da violência meticulosa, física e simbólica, às vezes astuciosa e cifrada que atinge gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, imprimindo-os como inadequados, desajustados e indesejáveis, especialmente na escola, lugar que deveria ser de luz e esclarecimento, como previa sua louvada invenção iluminista. Violência contra as mulheres quando toda a humanidade é lida a partir do gênero masculino, o homem, como símbolo categórico definidor, “o Adão superior”. Dos lugares e performances definidas como.

(15) 15. verdadeiras para meninos e outras para meninas, como se alguma ordem imutável e inviolável precisasse ser cumprida sob pena de degeneração. Uma redução da humanidade ao binarismo heterossexual homem-mulher. Marcados pelo critério do gênero e da sexualidade dissidentes, somos desde muito cedo instituídos como existências ameaçadoras, incômodas e anormais, alvo de deboches humilhantes, de intolerância e rejeição. Colidir com todo esse imenso e brutal organismo, que podemos facilmente chamar de ignorância, nos põe sistematicamente em situação de vulnerabilidade, discriminação e preconceito. Ou seja, a ignorância tem força e também eco1. Graças a ela, há quem vocifere em púlpitos floridos que nossa existência ameaça a sobrevivência da espécie humana. Afirmações que ecoam por toda a parte, produzem ódio e comunicam o quão perigosos somos, exposto como um risco para a sociedade. O caminho para muitos é o da abjeção, em muitos casos do extermínio, como tem ocorrido com os transexuais. A propagação desse “manejo” simplista do pensamento guarda grandes efeitos e significados políticos, não raro, temos visto essa ininteligibilidade retórica ser consumida pela escola e deságua de variadas formas nas práticas pedagógicas. Em seu fundo oculto, o desejo de opressão, da aniquilação, da condenação, mas na superfície, a contenção da degeneração social, do fim da família, do ataque aos valores tradicionais. Para invocarmos exemplos dessa distorção, basta mencionarmos as famigeradas “heterofobia”, “cristofobia” e “racismo reverso” que se empenham em fazer pesar sobre as vítimas a condição de culpadas. Ao mesmo tempo que é uma mentira concreta que circula em alguns âmbitos como uma versão de verdade apenas porque repetida incansavelmente, é também comprometida com a desonestidade intelectual2, como tem sido a defesa da existência da “ideologia de gênero”, que tem servido ao acobertamento para a realização de uma perseguição implacável e maledicente, fomentando um imaginário misógino, heterossexista, homofóbico e transfóbico. Esse mecanismo é, digamos, uma ponta da metodologia da intolerância como prática, cuja capacidade fundamental é montar armadilhas nas quais nos enredamos nos indispondo à alteridade e aceitação do outro.. A professora e pesquisadora Berenice Bento (2016), em artigo publicado da revista Cult de título “Ignorância é força”, traz à baila justamente a facilidade que a ignorância (o medo de pensar o pensamento) tem em se projetar com alto apelo de verdade entre públicos específicos. 2 Pois sugere que abordar os problemas relacionadas à diversidade de gênero e sexual na escola seria impor uma identidade ao educando, assim como promove a ideia que a heterossexualidade seria uma condição natural do sujeito, a “norma”, portanto não deve ser questionada, além disso, nega os crescentes números de feminicídio, de violências e assassinatos de gays, lésbicas, travestis e transexuais no Brasil. 1.

(16) 16. A percepção do tamanho das injustiças que nos alcança é perturbadora. Vivi, vivo e compartilho com amigos, amigas e tantos outrxs a dureza dessa experiência, por isso este trabalho se desdobra para articular o pensamento contra essas violências, pondo-as sobre suspeita, destacando a fluidez da multiplicidade ruidosa que todxs nós possuímos em movimento e em possibilidade, como sujeitos de transitoriedades e contingências que somos. Portanto, se indispondo aqui com a perversa lógica que substitui a discussão de gênero como uma questão, um tema científico, pautado nos conhecimentos sociológicos, antropológicos, filosóficos e ligados à vida humana, por uma imposição de uma falácia, ditadura gay, queer, homo, trans, que, ao final, banaliza os sofrimentos e os preconceitos sofridos por aqueles que integram esses grupos. Busco o enfretamento do preconceito com uma ação de contestação contra a autoridade do fixo, compulsório e imutável percebendo-os como expressões de estrangulamento da imaginação política, corporal e existencial dos sujeitos. Ponho-me a tarefa de pensar e problematizar essa engrenagem já nos primeiros anos da vida escolar. De abrir, como disse antes, um diálogo, como um desafio micropolítico (já que entendo a escola também como lugar de resistência, de micropolítica) cuja execução pode nos ajudar a pensar e agir no macropolítico a partir de estratégias teórico-políticas engendradas na força do pensamento histórico radical. “O diálogo não é uma conversa entre iguais, não é apenas uma fala complementar, uma conversação amistosa, mas a prática real da escuta em que a dúvida, a pergunta, existe para abrir a si próprio e o outro”, escreve a filósofa Tiburi (2015, p. 47). Podemos fazer dessa definição uma indicação bastante próxima do que se pode ver neste trabalho, o diálogo como resistência. Uma tentativa de fazer pensar e agir em direções transformadoras, e que, por possuírem esse caráter, possam abalar o cenário de instituições incapazes de contemplar o outro. Como corolário dessa disposição dialógica, criam-se “políticas de deslocamentos” que nada mais é que a ampliação e radicalização da convivência e da mentalidade democrática ao se enfrentar a negação da existência do outro. Não se trata de uma empreitada simples, são infindáveis as redes que conduzem as forças nessa arena, são intermináveis as barreiras e muitas as sentinelas visíveis e invisíveis que as guardam, um enorme desafio que não escapa de tensões e polêmicas, especialmente no contexto de aumento do fundamentalismo e conservadorismo que vivemos no Brasil..

(17) 17. O convívio nessa configuração pede mais política, mais lutas, mais resistências, mais capacidade de enfrentar a hegemonia do pensamento autoritário, de contestação que exponha e desarme suas engrenagens de funcionamento que não cessam de se modificar e renovar-se. Não localizo aqui nenhum panaceia, o que realizo nada mais é que o enfrentamento de um modo de interpretação de gênero que trancafie sujeitos em apenas duas possibilidades ditas “saudáveis” e “normais” e se apavore diante de qualquer divergência dos corpos. Para mim, poder articular o conhecimento, a pesquisa e nisso também uma pratica política que se empenhe em pensar o mundo que vivemos sempre como provisório, não estático, logo em transformação, nos traz amplas possibilidades, para a educação, inclusive, e talvez mais ainda para a escola, onde cada vez mais se evidenciam os desencaixes, pois o contato que a escola, notadamente de educação infantil, oferece com a diversidade que constitui o mundo contemporâneo, ainda é muito pouco, visto toda sua estrutura naturalizada que nos permite reconhecer facilmente uma escola, ainda se voltarmos pelo menos 200 anos atrás. Estou querendo dizer com isso que não há fuga para a educação escolar, não é mais possível um modelo de escola, um currículo e prática pedagógica que ignore as transformações culturais no contexto de lutas por conquistas de direitos e pelo respeito a minorias sociológicas que não toleram mais serem lidas como infames. Em outras palavras, precisamos, investigar, discutir, problematizar as narrativas que circulam pela escola estigmatizando, inferiorizando e pondo em situação de escárnio identidades subalternas. O apreço da cultura escolar moderna pela homogeneização, pela higienização social, fez da escola um lugar de reprodução de muitos estereótipos, dentre eles o de gênero. É preciso contestarmos esse modelo e pensarmos o que a escola poderia contribuir no enfrentamento do machismo, da misoginia, da lesbofobia, da homofobia, da transfobia. Como estudante, poucas vezes tive ímpeto para enfrentar as hostilidades das salas de aula, dos corredores, do pátio, do ginásio, das piadas preconceituosas dos professorxs, um ritual diário de agressões psicológicas, destruidoras. A poderosa projeção do preconceito e da discriminação instalaram dentro de mim a culpa, a vergonha, o receio de estar contra Deus e a natureza; ensinaram-me vagarosamente a famigerada ordem natural das coisas, embora que de minha parte algo nunca pleno de sentido. Desobedecer essas “leis” exigiu, ao longo da vida, muita coragem, um esforço tremendo para enfrentar o medo, os julgamentos, os preconceitos, a culpa torturante na consciência de carregar dentro do corpo e do pensamento desejos percebidos como insanos,.

(18) 18. vergonhosos, impróprios a alguém que tem no corpo a inscrição de seu gênero e logo o caminho de sua sexualidade já definido, a indicação inequívoca do que se deve ser. Uma gigantesca mentira contada até se tornar uma apavorante verdade para muitas pessoas, das quais algumas preferem morrer (é alta a taxa de suicídio entre pessoas gays e trans) a terem que se envergonhar diariamente. Penso que poucos sentimentos podem ser mais degenerativos\devastadores do que o sentimento de vergonha de si, do medo de uma condenação familiar, mas também pública de sua identidade quando ela não corresponde à expectativa da repetição natural de modelo traçada para homem e mulher. Mas e se tudo isso passasse a ser questionado, analisado? Agora, como professor, encaro corajosamente a escola como um convite a fascinantes desafios, um lugar onde ponho interrogações; este trabalho é fruto dessa estranheza que me acompanha e do desejo de comunicá-la. Depois de 12 anos como aluno, 4 na universidade e mais 5 atuando como pedagogo, professor de educação infantil eu tenho olhado para a escola, onde devemos ir obrigatoriamente para “construirmos nosso futuro”, e me questionado sobre o poder que circula e atravessa esse espaço exercendo engenhosamente amplos efeitos sobre nossos corpos e consciências. Tenho me preocupado em repensar como nós, profissionais, temos atentado para como podemos realizar uma escola contemporânea. O que tenho visto é um lugar com imensas dificuldades nas mudanças de sensibilidade em relação à dimensão identitária e social da vida dos sujeitos que dela participam. Intriga-me, de modo especial, como suas sexualidades, seus gêneros, seus corpos têm desequilibrado e instigado um amplo movimento reacionário contra as possibilidades de existências destoantes do delírio de uma natureza incontestável. Por isso, esta dissertação surgiu do sentimento de perplexidade, do desassossego, da dureza da experiência de viver a escola e seus traços de violência, suas obscuridades, dissimulações, seus desencaixes, da descrença na fé infalível em alguma pedagogia mestra que possa instalar enfim o verdadeiro caminho harmonioso pelo qual se alcance a consciência livre. Essa feição idílica, até muito recentemente inabalável, penso eu, vem minguando pela grave incapacidade da escola de se relacionar com a inexorável pluralidade que nos compõe, fenômeno cada vez mais evidenciado graças à profusão de um vultuoso movimento social, político e acadêmico contemporâneo que tem feito denúncias embaraçosas para a tradição pedagógica ocidental. Problemas cada vez mais delicados e de proporções até muito.

(19) 19. recentemente. insuspeitadas. ou,. no. mínimo,. amordaçadas.. Ocupar-nos-emos. do. aprofundamento dessa compreensão mais à frente. Podemos iniciar este trabalho ousando considerar que toda a história do pensamento pedagógico moderno pode ser compreendida como uma história de invenção de determinados modos específicos de conjurar um modelo de homem (pensado e comunicado como sujeito masculino) acompanhada de uma mística moral messiânica: um homem educado é um homem livre, emancipado. Foi justamente pensando de uma forma indisciplinada e com um rebelde sentimento de desconfiança nas boas intenções desta pedagogia que passei a me posicionar na contramão do cânone que evoca uma perfeição moral do indivíduo baseado em essencialismos e universalismos de grande magnitude na teoria da educação, mas para além dela nas diretrizes, nos currículos e especialmente na prática pedagógica dos professores. De modo sistemático, as principais interrogações desta pesquisa foram sendo construídas através de minha experiência como professor, durante dois anos, em salas da educação infantil de uma instituição pública da rede municipal de Patos na Paraíba. Onde fui interpelado por intrigantes questões as quais venho gestando sob o fecundo campo dos estudos pós-estruturalistas e de gênero. Intrigou-me inicialmente, o constate interesse escolar em coibir inúmeras situações em que as crianças pequenas praticavam subversão dos papeis de gêneros dicotômicos. Ao observa-las, passei a notar a gravidade daqueles “delitos”, cenas desconcertantes para muitos colegas professores que se mostravam contrariados por aqueles corpos. E ainda além disso, me causava muito desconforto que a única expressão de gênero e sexualidade possível de apresentar ali e de ter como referência para todo comportamento fosse a forma cisgênero e heterossexual como se as pessoas trans fossem um erro, um desvio indesejado que a escola jamais pudesse apresentar. Passou a ficar claro para mim, que o que se delineava nas reações dos professores, era o entendimento do que seja normal e anormal que ao perscrutar a identidade de gênero e a sexualidade humana, promoviam intervenções compulsórias coibindo as tais “transgressões” para que os comportamentos e escolhas das crianças correspondessem às expectativas de masculinidades e feminilidades tidas “normais”. Mas busquei pensar mais que aqueles flagrantes dos comportamentos desviantes, e fui me dando conta da silenciosa, mas não menos poderosa pulverização de aparatos pedagógicos, sutilezas gestuais e de atos que investiam, ora explicitamente, ora dissimuladamente, naqueles corpos infantis..

(20) 20. É preciso lembrar que, como já fiz referência anteriormente, todo esse cenário não era inteiramente novo para mim, pois possuía recordações dos tempos que vivenciei a escola como aluno e que, ao mesmo tempo, essa conjuntura não estava posto de forma tão lógica como me esforço para me fazer entender aqui. Eu desconfiava que estava diante de um corpo semântico de enorme complexidade do qual apenas havia começado a puxar os fios. Foi quando comecei a buscar leituras nos estudos contemporâneos de gênero e passei a suspeitar que a cultura hegemônica heteronormativa e generificada atuava poderosamente na construção educacional de operadores didáticos3, de papeis, identidades, posturas e sentimentos, ensinados nas práticas pedagógicas, sem no entanto, se fazerem perceber enquanto construídas. Daí em diante, passei a me movimentar tentando abrir caminho para realizar esse estudo que ora vos apresento.. 1.2 FLERTANDO COM OUTROS OLHARES: APROXIMAÇÕES CONEXAS AO ESTUDO. A escrita de uma dissertação nos coloca em muitos momentos em posição de desequilíbrio, pois partimos sempre de algum ponto que visualizamos inicialmente, ainda como uma imagem turva no horizonte, mas que nos empenhamos em nos aproximar e se demorar nela, buscando conhece-la, nos familiarizar até que seja possível falar sobre ela a partir do que exploramos e do que dialogamos com outros aventureiros que já passaram por ali. No campo da Educação, é um trabalho de relações, de buscas, o pesquisador ou a pesquisadora nada mais faz que procurar elementos que o deem condições apropriadas de construir suas próprias considerações sobre o determinado problema que tem interesse em examinar. Nesse sentido, preciso dizer, neste momento, que vários outros estudos já foram realizados sobre o tema que pesquisei. Em uma busca por diversos bancos de dissertações das universidades brasileiras, especialmente o repositório da CAPES, ANPED, LUME e SBECE me deram a dimensão da vultosa produção que tem contribuído para a ampliação do cabedal intelectual. Aqui farei um levantamento, ainda que breve, sobre alguns dos trabalhos a nível de mestrado que mais possuem afinação com o que me propus a investigar.. 3. Essa expressão é inspirada no texto de Antônio Veiga-Neto (2007), quando este se referia às relações entre poder e saber e às operações de imbrincamento entre eles..

(21) 21. Trata-se de um breve estado da arte, uma sondagem que cumpri o papel de nos situar melhor dentro da discussão acadêmica realizada por pesquisadores comprometidos em trazer o assunto de gênero e sexualidade na educação à tona. Com eles estaremos dialogando, aproximando e nos distanciando em um exercício de abertura para entendimentos possíveis. O que nos move nesse sentido é a convicção de que somente na relação entre pensamentos, entre perspectivas diversas é que é possível não nos prendermos a uma espécie de história única. Cumpre sublinhar que as pesquisas mencionadas neste momento correspondem àquelas cujas quais identifiquei como estreitamente importantes para a introdução, deste estudo, e foram realizadas nos últimos 10 anos no Brasil. Mas que, ao longo do texto desta dissertação, dialogarei também com vários outros pesquisadorxs, de vasta produção intelectual e onde a minha pesquisa encontra importantes sustentações. A tentava de elaboração do estado da arte se torna, no meu entendimento, indispensável por compor um dos exercícios mais básicos do início de uma pesquisa, isto é, ele serve para que o pesquisador se situe no contexto da produção intelectual do seu campo, além de contribuir para pluralizar as vias de acesso que por diversos canais e interfaces expandem o conhecimento o que só pode ser um investimento que aglutina potência reflexiva ao trabalho. Dando prosseguimento ao levantamento eu gostaria de destacar a primeiramente a pesquisa de Rodrigo Saballa de Carvalho, na dissertação Educação infantil: práticas escolares e o disciplinamentos dos corpos, concluída no ano de 2005. O pesquisador desenvolveu suas análises considerando que os indivíduos escolares (crianças e adultos) são engendrados pela ação do poder disciplinar, ao traçar esse via de entendimento baseado principalmente nos estudos das pesquisas desenvolvidas por Foucault, Carvalho possibilita a tematização das práticas escolares e sua produtividade enquanto instâncias disciplinares, exercitando a compreensão das relações de poder, dos movimentos de resistência e da pluralidade dos sujeitos que (re)significam o espaço escolar. O pesquisador realiza um minucioso exame das rotinas, do que denomina rituais escolares, das produções pedagógicas e didáticas e considera que as crianças são vistas e vigiadas no intuito de que se tornem disciplinadas, agindo sobre si mesmas. Seu estudo aprecia as lógicas que disciplinam e constituem professores/as alunos/as, pais/mães, reconhecendo que em função delas aprende-se a serem autogovernados, dirigindo seus corpos, tempos e espaços a estabelecerem seus limites, controlando-se uns aos outros..

(22) 22. Judite Guerra também desenvolve um estudo em torno da sexualidade e da identidade de gênero, fundamentando-se nos estudos feministas e nos estudos culturais de vertente pós-estruturalista, na investigação intitulada dos “segredos sagrados”: gênero e cotidiano de uma escola infantil. A pesquisadora que concluiu seu estudo em 2005 se propõe compreender as formas de masculinidades e feminilidades são constituídas na infância, bem como as estratégias de disciplinamento dos corpos no espaço escolar. Tendo realizado entrevistas com professores e alunos, observando o funcionamento da escola, os vários momentos da rotina escolar, as relações de gênero estabelecidas entre as crianças e os discursos em vigor naquele espaço, Guerra direciona seus esforços para identificar estratégias que mobilizam interdições da cultura que são capturadas dentro da escola e transformadas em uma pedagogia que embora apresente recorrências, rupturas e deslocamentos determinadas formas específicas de experiência de gênero na infância. Como resultados da investigação aponta que as crianças no contexto escolar, apensar dos silêncios, segredos e interdições, experimentam e promovem a seu modo muito conhecimentos sobre a sexualidade, mesmo que sobre olhar vigilante do adulto. Considera, ainda, que em função do contato cada vez maior da criança com diversos artefatos culturais, a curiosidade e o repertório de conhecimento sobre sexualidade têm se modificado e promovido alterações contemporâneas nessas vivências. Além dessas duas dissertações, a pesquisa de Ileana Wenetz cuja qual está intitulada como “Gênero e sexualidade nas brincadeiras do recreio” se ocupa com a dinâmica ritualística do recreio focando os significados de gênero que instituem e atravessam modos diferenciados de ser menino e menina nesse momento da vivencia do espaço escolar. Concluído no ano de 2005, o estudo de Wenetz mapeia e identifica numa escola pública de Porto Alegre as relações de poder imbricados na generificação dos corpos buscando analisar como se aprende as formas binárias neste universo cultural específico da socialização no recreio. Fundamentada nos estudos culturais, de gênero e no pós-estruturalismo de Michel Foucault e numa metodologia de inspiração etnográfica, a pesquisadora utiliza-se de pressupostos do campo pós-estruturalista como, linguagem, identidade, poder, discurso para refinar suas interpretações e conclui que existe, no recreio, uma ocupação dos espaços segundo o gênero, o que inclui maneiras de ocupação, imposição, negociação ou recriação dos próprios espaços e das brincadeiras. Pode ainda observar que, na construção da sexualidade na escola,.

(23) 23. encontra-se um receio em relação a homossexualidade, sendo remetida a uma identidade indesejada e vista como negativa. Tendo como campo de pesquisa uma escola pública de Porto Alegre a dissertação “sujeitos masculinos: homens por vir?”, produzida por Alexandre Toado Bello no ano de 2006 também se aproxima muito do nosso estudo. A intenção primeira da pesquisa é buscar entender como se ergue e funcionam alguns investimentos na escola infantil que opera para que meninos e meninos se constituam homens e mulheres heteronormatizados. Na esteira dos estudos de gênero , dos estudos culturais e da perspectiva pós estruturalista de análise a pesquisadora destaca que as crianças vão criando mecanismos para dar conta das expectativas dos adultos em relação as suas formações de gênero, que orbitam sempre a matriz heterossexual, chegando a está conclusão através do uso do conceito de órbitas de gênero, onde uma matriz heterossexual fica em uma posição central, ou seja, como centro de atração de todas as possibilidades de masculinidade e feminilidade que podem ser vividas. Essas pesquisas me chamaram atenção por serem estudos muito sensíveis e próximos do meu interesse investigativo, quando conectam gênero, sexualidade e educação infantil, me levando a somar esses olhares ao modo como procurei pensar e explorar a meu próprio objeto de questão que tem sido exatamente as práticas curriculares de professorxs, em CMEIs na cidade do Natal-RN, esmeradas na produção de rotas específicas de gênero. Assim, foi interessante e de muita valia estudar outros caminhos investigativos, trajetórias que indicavam que eu poderia realizar com eles associações, acrescentando novos lances de insight e principalmente enquadrando um novo problema. Com isso assumi como uma problemática o modo como as práticas curriculares produzida pelxs professorxs, funcionam sob a inteligibilidade de uma matriz cultural que sustenta a “verdade” de uma dita continuidade natural entre sexo e gênero, coibindo possíveis incoerências performativas Butler (2010). Mediante isso, apresento os objetivos que passo a perseguir usando cada capítulo a seguir como ponte para alcançá-los. O primeiro capítulo possui um caráter introdutório. Nele, trago à tona as motivações que me levaram a produzir a pesquisa. Discorro sobre episódios pessoais e profissionais que me afetaram, destaco o recrudescimento de alguns lances de movimentos conservadores no Brasil e organizo um breve levantamento de pesquisas similares a que desenvolvi. Por último, informo algumas características metodológicas desta produção..

(24) 24. No segundo capítulo, tenho por objetivo reunir de modo amplo as evidencias das ressonâncias que se dão entre Cultura, Currículo e relações Poder no que elas convergem para o investimento numa perspectiva idealizada de sujeito, um sujeito pré-fixado, em que gênero e sexualidade comporia a unidade de sua suposta natureza. Na esteira disso, realizo antes, uma digressão a respeito de contextos onde divergências e enfrentamentos vem sendo protagonizados em nossa sociedade. Entendo que, elas estão no bojo de acontecimentos que culminam em relações cada vez mais evidentes entre os três âmbitos mencionados acima, por isso mesmo estarei frequentemente me reportando a esses acontecimentos. Posteriormente, nesse mesmo capítulo, de modo mais específico, explorarei com afinco o que estou definindo como práticas curriculares de gênero e sexualidade buscando definir como elas se formam e tomam contorno. No meio desse processo me detenho brevemente a fazer algumas reflexões sobre sujeito e subjetividade já que julgo serem imprescindíveis a compreensão do exercício daquelas práticas curriculares, chegando finalmente ao poder como uma força produtiva. No terceiro capítulo, discuto o conceito de gênero e sexualidade ao qual nos filiamos nesta pesquisa, especialmente a partir de Butler, Scott (1995) e Louro (2000; 2015). Nessa altura do texto o esforço é em cumprir com o objetivo de produzir uma compreensão da relação conflituosa e imprecisa dos arranjos de gênero e sexualidade entre poder e subjetivação que nos possibilite ultrapassar a perspectiva binária, monolítica e compulsória, na qual estes dois conceitos têm sido encerrados. Desta forma, os posiciono no campo inventivo do social e histórico. Tendo atravessado todos esses meandros, neste mesmo capítulo, me detenho a análise do material empírico da pesquisa que tem ênfase nas observações e nos relatos dos professores sobre as suas conduções pedagógicas. Quanto aos procedimentos metodológicos adotados na pesquisa, eles foram inspirados na abordagem pós-estruturalista, eles se baseiam em paradigmas que não são comprometidos com estruturas estáveis e universais, mais estão posicionados em campos teóricos que enfatizam as relações de poder, as complexidades das relações históricas e sociais, as dimensões da provisoriedade e contingência. Como observa Rosa Fisher (2002, p. 45): “As experiências historicamente singulares referidas ao objeto que investigamos: nelas nos defrontamos não mais como as coisas em si, mas com produtos do discurso. Que se transforma, pois que está vivo em múltiplas lutas, em inúmeros jogos de poder”. A partir desse entendimento, conduzi o estudo tendo em mente a ideia de que não existe um único jeito de fazer pesquisa, não pode ser suficiente um compilado de regras metodológicas, previamente determinadas, como um manual. Na perspectiva pós-estruturalista.

(25) 25. existe a possibilidade de criar estratégias, de subverter verdades que definem uma maneira própria e estável de entender o mundo. Marco assim um afastamento de abordagens metodológicas pautadas em atributos de objetividade e neutralidade. Rejeito a busca de uma “verdade” especialmente a definição de uma verdade absoluta, pois no entendimento deste pesquisador as verdades são sempre discutíveis, provisórias, instáveis e incompletas. Dito isso, posso comunicar que as práticas investigadas nesta pesquisa são compreendidas a partir de uma abordagem teórica rebelde, desinteressada em conformações em meio a uma diversidade de percursos e com possibilidade de infinitos recortes e modificações sem privilegiar um único método. Segundo Dagmar Mayer (2001, p. 21), “tais práticas são, nesta perspectiva, estudos engajados, os quais preocupam-se com a produção do conhecimento para compreender o mundo cotidiano e as relações de poder que o constituem e atravessa”. Para efeito de esclarecimento da condução procedimental, cumpre destacar, que nesta pesquisa, utilizei alguns elementos etnográficos (observação e entrevista) tendo em vista uma aproximação mais efetiva para observar as manifestações e formulações das práticas dxs docentes comprometidas com gênero e sexualidade. No capítulo das análises explicarei melhor como organizei essas estratégias. Mas, de antemão, sinalizo que elas se destinam a entender o protagonismo docente na construção e efetivação de práticas curriculares, buscando conhecer suas posturas, seus pontos de vista, suas narrativas e questões. Outra característica deste trabalho que informo desde já, é a forma como os artigos de gênero estão escritos, pois optei por substitui-los pela letra “x”, para com isso evidenciar uma postura política, não só particular, mas de um campo de estudo, que discorda da convenção tradicional de nossa língua, que além de priorizar a forma masculina para se referir indiretamente as pessoas em determinados momentos, invisibiliza as existências de pessoas transgênero na linguagem. Como este trabalho se orienta pela ideia de que a linguagem produz efeitos de poder e constitui aquilo de que falam, entendi como sendo pertinente o uso desse tipo de escrita, que tem sido uma alternativa, mas não a única, usada por pesquisadorxs interessadxs em descontruir normatividades de gênero. Dessa maneira, denoto uma opção linguística inspirada em estudos pós-estruturalistas apresentados em muitas produções intelectuais pós-gênero como indicadores da não demarcação e priorização do esquema binário homem/mulher cisgênero..

(26) 26. 2 CURRÍCULO, CULTURA E RELAÇÕES DE PODER: CRUZAMENTOS E MANIFESTAÇÕES DE GÊNERO NAS PRÁTICAS ESCOLARES. 2.1 CONFERINDO ALGUNS PONTOS GERAIS PREMENTES À DISCUSSÃO. Os caminhos para pensarmos a relação entre os três âmbitos que sugerimos nesse título podem ser muitos e bem diversos, sem dúvida essa multiplicidade de olhares é sempre louvável em especial pela heterogeneidade de entendimentos que ela pode lançar no debate da educação. Não se pode menosprezar a magnitude da cooperação entre esses âmbitos que anunciamos. A abrangência de suas implicações é interminável, e me dedicarei logo mais a fazer uso, em todo esse capítulo, de inter-relações possíveis, na digamos, familiarização, no sentido de aproximação íntima, que percebo funcionar entre eles. Ressalto que a organização das ideias dispostas neste texto refletem a postura deste pesquisador, no que se encadeiam primeiramente em torno de uma visão mais ampla do atual cenário cultural que se desenrola em torno de disputas pelo significado de gênero, para só em outro momento assumir, ao lado de Louro (2015), Butler (2003) e Scott (1995), uma contraposição contra a que infelizmente vem ganhando expressão nas políticas educacionais. Pois bem, ao contrário daqueles que reivindicam um mundo do qual se deva desconfiar e combater as versões não tradicionais, mal vistas como perturbadoras, não podemos supor que possa existir uma única tese capaz de explicar os movimentos de contato entre o currículo, a cultura e o poder. Nem tão pouco considerar que alguma tese lúcida possa ganhar profundidade e robustez sem a possibilidade de encontrar, divergir ou unir diversos elementos epistemológicos naquilo em que oferecem condições para que o pensamento se desloque e se expanda. Sem soluções fáceis, ou mesmo nenhuma solução, o tema a que me dedico explorar nesta dissertação toma vulto no repertório das transformações entrelaçadas nas expressões culturais, sociais, políticas, intelectuais que acenam para irrupção de um diálogo necessário, para o exame do contorno de transformações de amplos impactos e sustentação no fio tênue entre as diversas ideias e existências possíveis, nem sempre pacíficas. Por isso, me dedico nessa parte a trazer tantas vezes as tensões sociais que estão na orbita do nosso tema..

(27) 27. Julgo de máxima importância poder também em um texto nos moldes científico acadêmico pode transgredir algumas regras do “receituário” tradicional que reza pela estrutura técnica-racional do próprio texto, de modo que antes de entrar no domínio conceitual acadêmico de cultura, currículo e poder, preferi antes trazer alguns apontamentos ou mesmo leituras do cenário que vivemos, por entender, como aprendi com a leitura de Foucault (1989, p. 71) que “a teoria não expressa, não traduz, nem se aplica a uma prática, uma vez que ela é também uma prática” retiro daí que a teoria não precisa ser um selo absoluto de qualidade codificado para um estudo. Também o lugar do teórico deixa de ser necessariamente um pouco aqui a frente ou um pouco mais atrás, pelo menos nessa interlocução com Foucault, pois ela está no meio, entre, atravessada pelos acontecimentos, na dinâmica do processo. É indissociável. Sem diminuir de modo algum o lugar da teoria, mas pelo contrário, processando-a por todo o texto. É possível que essa condução venha a provocar alguma discordância também dos meus interlocutorxs, que leem este trabalho, contudo, certamente também fertilizamos a crítica e o debate. Tendo comunicado esse aspecto alerto para que aquelx que ler este texto que poderá vir a estranhar-se por encontrar demora na definição de conceitos e se encontrar atravessado por ideias cujas quais, este pesquisador entende ser necessário introduzir por servir de referência e respaldo para o tipo de análise que se faz aqui. Com essa postura creio marcar o posicionamento que não se pretende aqui iluminar a “realidade” com a teoria, pois assim como já mencionei, a teoria é a própria prática de pesquisa, o diálogo sendo tecido nas relações permitindo que se construa a investigação tomando como balizadora a perspectiva do pesquisador. Fica sugerido ao interlocutor dessa leitura também buscar criativamente as expressões dos nexos no curso do texto, uma vez que foi advertido que ele provocativamente o desafiará a uma postura intuitiva. Ao fim e ao cabo assim é um diálogo, e deve ser pra isso que deve servir uma pesquisa, ao meu ver. Após essa breve digressão, retomo lembrando das recentes celeumas oriundas do recrudescimento do conservadorismo e do avanço da moral religiosa nas pautas políticas do país, que vem propondo enrijecer ainda mais a difícil tentativa de promover uma abertura de espaço na educação que possa alcançar nossas crianças, jovens e adultos abrindo suas escutas para as injustiças de gênero e para tolerância. Falo dos intensos debates, das mudanças e dos conflitos de gênero gerados a partir de incompreensões, de reducionismos, de intolerâncias que em diversas cenas tem minado o.

(28) 28. pensamento e produzido lógicas perversas, inclusive de desumanização, de modo que esse sistema tem operacionalizado modos de condenação de formas de agir e pensar diferentes de seu regime normativo. Nesse contexto estigmas e dogmas têm sido invocados como palavras mágicas para encenar e dar visibilidade ao sentido de ideias orientadores de práticas obscurantistas e anacrônicas, como a “cura-gay” “Kit-gay” “ideologia de gênero” “movimento gayzista”, “escola sem partido” só para mencionar alguns. Pululam posturas desonestas que reivindicam a posse de versões de verdade imutável, em uma obsessão por uma moralidade que mascara as razões mais vis, quais sejam, a manutenção de ideias e de verdades4 originais repletas de arbitrariedades e estratégias de dominação. Peguemos novamente como exemplo a equivocadíssima expressão ideologia de gênero divulgada intensamente por setores políticos conservadores e fundamentalistas especialmente quando reagiam contra o avanço das pautas LGBTI5 e contra as tentativas do plano nacional de educação (PNE)6 em assumir um compromisso em considerar a diversidade sexual, o combate a homofobia e a violência motivada por gênero. Seus interesses ignoravam absurdamente que sustentar uma educação que inclua igualdade de Gênero não é uma ideologia, É, ao contrário, a desconstrução de uma ideologia que imputa à natureza, à biologia e supostamente a características inatas dos indivíduos, a carga pesada e histórica de desigualdades entre homens e mulheres, cisgênero (cis)7 ou transgênero (trans). Essa rejeição a ideia de gênero reflete uma incapacidade de diálogo estético-político que promovam políticas de deslocamento que nos permitem agir em direções combativas e transformadoras. Este texto pretende se distanciar dessa mentalidade. Por isso mesmo gostaria. 4. Quando faço uso desse termo, estou dando evidencia aquele tipo de postura que se nega a considerar o que ao longo de muitas décadas de estudo e pesquisas tem sido demonstrado pela sociologia, pela antropologia, pela história e ciências humanas de modo muito expressivo, ficando restrito a uma versão enrijecida, pretensamente universal, natural e inclusive bíblica da narrativa em torno do gênero e da sexualidade, dando para um fim último desta a reprodução. 5 Internacionalmente, a sigla mais utilizada é LGBTI, que engloba as pessoas intersex. Órgãos como a ONU e a Anistia Internacional elegeram esta denominação com um padrão para falar desta parcela da população. Em termos de movimentos sociais, essa sigla pode sofrer alterações com referência às perspectivas políticas, existenciais e teóricas com as quais se identificam. 6 O PNE o qual já tem vigência para o decênio 2011-2020. Define as metas e as estratégias da educação brasileira para o período de dez anos, orientando as políticas educacionais em todos os níveis. No artigo 2º, voltado para a superação das desigualdades educacionais, havia um destaque que acrescentava o seguinte texto: “com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Apenas. 7 “Cisgênero: conceito “guarda-chuva” que abrange as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento. Transgênero: Conceito “guarda-chuva” que abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento” (JESUS, 2012, p. 26)..

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