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2 CURRÍCULO, CULTURA E RELAÇÕES DE PODER: CRUZAMENTOS E

2.6 SUJEITO, SUBJETIVIDADE E GOVERNAMENTO: ALGUMAS

Para desconstruir a validez da tentativa de controle exercido pelo que chamo de pedagogia dos corpos estou entendendo antes de tudo que o sujeito não possui uma identidade essencial ou permanente Hall (2006). Baseado nisso, gostaria de abrir um parêntese aqui para indicar que a referência do sentido de subjetivo que adoto aqui neste trabalho e que considero também no momento de analisar os interesses curriculares destinados aos corpos das crianças nas salas de aula que investiguei, evidentemente está também sendo entendido na perspectiva dos estudos culturais foucaultianos e pós-estruturalista.

Em seu conjunto, esse desenvolvimento representa uma oposição e desconstrução contra as práticas escolares que julgo ainda intimamente comprometidas com outro tipo de sujeito e subjetividade presos na leitura moderna das relações e do mundo, de modo que a escolarização ainda mostra dar sinais de que se esmera em um projeto moderno que se mostra desconexo e muitas vezes equivocado, na atual conjectura contemporânea das sociedades e das transformações no campo cultural.

Por isso, julgo necessário trazer uma reflexão a respeito do que isso significa:

Na perspectiva moderna, o sujeito é considerado como uma essência que preexiste a constituição na linguagem e no social. Sua ação se baseia na consideração consciente não fragmentada, é dotada de um centro, origem e fonte única de todas as suas ações. Ele é auto idêntico. A produção dessa classe particular de sujeito e constitui a tarefa central da educação e da escola moderna (SILVA, 1995, p. 248).

Significa que ao tentar preservar esse modelo, setores específicos, especialmente políticos conservadores e lideranças religiosas, têm se valido das propostas curriculares educacionais para alcançarem as práticas pedagógicas e se especializarem cada vez mais em afastar da escola as “subjetividades desconcertantes” que embaraçam sua versão única e ameaçam expor suas insuficiências e desenvolver novos arranjos existenciais fora do nexo binário. Significa que ainda é possível encontrar, dentro da escola, muitas formas equivocadas de lidar com as diferenças entre os gêneros, tornando natural desigualdades entre eles e ignorando as diferentes identidades fora do eixo binário.

Acontece que nossas crianças e jovens na contemporaneidade, como sujeitos históricos que são, tanto se indispõem cada vez mais com a invenção da versão de mundo e sujeito criado na modernidade, como são interpelados cada vez mais por múltiplas identidades, comportamentos e possibilidades em um contexto contemporâneo de radicais transformações e mestiçagens simbólicas, cada vez mais inconstantes e flexíveis.

Portanto, não me refiro a subjetividade como algo determinado ou comandado por uma estrutura13 totalizante. Vale ressaltar que negar essa determinação significa negar como algo que fosse peremptório, sem, contudo, ignorar as estruturas ideológicas, materiais, políticas e outras que, sim, certamente estão em funcionamento, mas que não se pode deixar de fora a inserção contingenciada da agência do sujeito.

13 Foucault (1996) sugere que, ao invés de uma única e centralizada estrutura, existem múltiplas estruturas,

discursos heterogêneos, relações de poder ou agenciamentos de desejos que são constitutivos da identidade, sendo estes imanentes ao campo social.

Essa pequena digressão comunica que a pesquisa é conduzida de um lugar de desacordo com sujeito autônomo e autoconsciente. O sujeito moderno, universal, visto como fonte de razão, se contrapõe o sujeito multifacetado de que falamos aqui, em que não é possível permanecer neutro, uma substancia pensante como elemento passivo ao entendimento do mundo, um sujeito uno, externo a linguagem. O motivo pelo qual está pesquisa se opõe a essa perspectiva é simples. Ela implicaria na escolha de um modelo, e que modelo seria esse? Que tipo qualidades poderíamos esperar de um indivíduo ideal?

Depreende daí porque que neste trabalho fala-se de uma subjetividade descentrada, fragmentada, que ao invés de uma origem ou essência, tem sua existência em amalgamas enquanto dispersão, possibilidade e provisoriedades.

Sinalizo nessa direção, para que não haja confusão com o método analítico cartesiano, marco do sujeito moderno, que tratava de uma produção de conhecimento a partir de um pensamento racional, consciente, autônomo. Portanto, a subjetividade cartesiana14 seria a forma dessa consciência com insígnia de uma metafísica universal ou razão capaz de alcançar a verdade, convertendo o sujeito em algo relativamente estável, previsível, sistemático, pleno de certezas. Como se pudéssemos possuir uma unidade não problemática de nós mesmo.

Para ilustrar um pouco mais essa visão moderna de sujeito e subjetividade da qual em grande medida a pedagogia e a escola ainda é tributária, pelo menos em relação as práticas de gênero, e que estamos em desacordo usaremos das palavras de Ghiraldelli Júnior (2000, p. 24), que explica como se organizaria então esse sujeito racional:

a subjetividade pode ser descrita por meio de ‘formas da consciência’: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito epistemológico. O eu é a identidade, formada das vivências psíquicas; é a forma de conhecimento singular [...] A pessoa é a consciência moral [...] O cidadão é a consciência política [...] O sujeito epistemológico é a consciência intelectual [...] A subjetividade assim composta [...] é a instância da qual o homem (empírico ou abstratamente genérico) deve participar. Se conseguir isso, autenticamente, torna-se o sujeito – ‘aquele que é consciente de seus pensamentos e responsável pelos seus atos’.

Portanto, esse seria então o sujeito do iluminismo, ele seria algo unificado, possuindo uma identidade fixa e estável, determinada. Podemos imaginar um homem branco,

14 Segundo Hall (1997), na obra A identidade cultura na pós-modernidade, vários movimentos promoveram

mudanças na teoria social e nas ciências humanas que tiveram como principal efeito o descentramento do sujeito cartesiano. Hall aponta como sendo cinco: O pensamento Marxista; a descoberta do inconsciente por Freud; A virada linguística; a genealogia do sujeito moderno realizada por Foucault e o feminismo como crítica social e movimento social.

hétero, cristão, com uma nacionalidade, escolarizado, com matrimonio, com profissão, endereço fixo, patrimônio, filhos. Esse tipo de sujeito exemplar, modelo saudável para uma vida feliz, símbolo de sucesso e emancipação apto a uma vida social promissora compartilhariam o melhor da natureza comum da condição humana, civilizatória. Totalmente realizável possuiria em sua consciência evidencias e auto referência para agir como sujeito, para existir de fato como ser humano, pois seria dotado desses traços fundamentais como uma entidade natural acabada.

Tomando essa moldura referencial como exemplo, essa seria uma representação simples, mas útil, para visualizamos uma ancoragem estável da identidade no mundo social, onde o sujeito ganha certas capacidades humanas fixas e um sentimento estável de seu próprio eu, na mesma medida em que essa estabilidade é colocada como fonte de prazer para o indivíduo moderno e também frustação em caso de desvio dessa rota.

Isso faz com que no campo da autodeterminação o homem sempre deva agir de forma a ignorar o campo externo da contingência, o campo dos afetos e da imaginação, frutos do desejo e da ação do mundo empírico sobre os sentidos. Em última análise, a autonomia cinde o homem e instaura um regime judicial em seu interior, tribunal esse da razão prática pura em que o homem sempre age segundo o dever. A consequência imediata é que autonomia se vincula de forma quase que inseparável à ideia de liberdade e, o mais surpreendente, a coloca exatamente em um horizonte normativo a priori, infinitamente distante das paixões, do desejo, do mundo e das condições empíricas (SEPE, 2013, p. 26).

Essa noção de sujeito seria matéria prima para educação moderna, a partir de uma ótica totalizante, racional e científica parecia suficiente seguir metodicamente fundamentos normativos e assim prover e cultivar a natureza humana garantindo com isso o próprio curso natural de progresso da sociedade. Essa configuração, no entanto, não desapareceu dos princípios e metas pedagógicas, ainda hoje, contemporaneamente, é possível identificar seus traços marcantes nos sistemas educacionais, afinal essa pesquisa é também uma contestação e fruto dos impasses com esse sistema.

Inclusive, essas referências iluminadoras da modernidade seu anseio por universalidade e plenitude podem ser identificadas nas próprias relações sobre as quais nos debruçamos aqui, por isso também essa digressão sobre sujeito e subjetividade.

Repetidas vezes pode-se perceber nas conversas com xs professorxs referências ao sujeito como um tipo de entidade natural pré-existente ao mundo social, político e cultural de onde até emanariam influencias e manipulações formadas de distorções que circulariam nesse

cenário externo, como se gerassem daí degenerações. Circula pelos seus modos de operar uma ilusão de preservação da identidade unitária como fundamento sólido da expressão do agir humano. Parece pairar um interesse que culmina, muito embora sua multiplicidade de significações, na conformação do divergente em algo harmônico e conciliado através de uma educação verdadeira.

Bem, acontece que há um expressivo número de indivíduos que não correspondem as expectativas da dita verdade do sujeito e suas amarras. Essa noção de sujeito que seria matéria prima para educação contrasta e se incompatibiliza com o fato que nas circunstancias contemporâneas estamos expostos ao sentido plural e multiplicidade de todas as coisas na vida e em seu campo simbólico. A construção subjetiva, acontece na verdade, através de itinerários com muitas possibilidades que insere cada um no mundo em que vivemos, principalmente sob a ambiência social e cultural pulverizada.

A destruição da ilusão dos pontos fixos, base das narrativas mestras tem o seu correlato na destruição da soberania e do centramento do sujeito moderno. O sujeito moderno é talvez a maior vítima das contestações e é aqui, que o projeto educacional moderno sofre o seu maior abalo. Afinal a possibilidade da educação e da pedagogia repousa precisamente no pressuposto da existência de um sujeito unitário, e centrado e na finalidade da educação como construção de sua autonomia, independência e emancipação (SILVA, 1995, p. 248).

Para Ghiraldelli (2000), Descartes, fundador da subjetividade moderna, considerou toda ação como produto de um agente, quando isso pode ser apenas uma generalização apressada e parcial de eventos interiores mais complexos, de tal modo que o próprio sujeito já poderia ser efeito desses eventos. Dessa forma não seriamos tão possuidores de uma unidade clara para si mesmo, já que a autotransparência do eu seria facilmente revogada pela própria problemática dessa unidade: “A subjetividade, de fato é plural, polifônica, para retomar uma expressão de Mikhail Bakhtin. E ela não conhece nenhuma instância dominante de determinação que guie as outras instâncias segundo uma causalidade unívoca” (GUATTARI, 1992, p. 11).

Por isso, muito comumente xs professorxs apresentaram uma prática paradoxal, defenderá narrativamente uma prática pautada pela valorização da diversidade, mas que, não raramente, hibridizada com aspectos ainda machistas, sexista, transfóbico, heterocentristas e homofóbico. O que reflete a própria fragmentação e inconstância de suas ações como sujeitos. Ocorre que essa “desorganização de narrativas” que foi muito observada durante a pesquisa é uma indicação dos modos de como as práticas curriculares direcionadas para o

âmbito do gênero e da sexualidade atingem as crianças, quer dizer elas, não possuem exatamente um centro, mas estão sempre em atividade vinculadas a táticas que antes de serem impeditivas são muito mais produtivas, e nisso, para serem percebidos, é preciso que juntemos suas minucias e fragmentos.

Como em um terreno onde se avança e se recua, reposicionamentos e demarcações são comuns. Parece haver um limite confuso entre os territórios. Nessas circunstancias são muitos os aspectos e componentes que não podem ser trivializados, reduzidos. Trata-se de um espaço de muitas ambivalências os contextos não são instancias estanques que possam ser apreendidas como uma totalidade como temos observado ao longo desse trabalho.

A medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiantes de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar, ao menos temporariamente (HALL, 2006, p. 13).

As afirmações de Hall fazem muito sentido quando indexadas ao que pode ser observado no cotidiano das salas de aula onde as mais diversas práticas buscavam administrar essa situação ao custo de poderem transitar neste multiverso campo de tensões e problemas trazidos em grande medida da quebra do sujeito moderno. A questão é, estamos diante de combinações imprevisíveis realizadas como parte da sofisticação da dinâmica do poder, afinal o poder não se deixa encurralar.

Entre as estratégias, o permitido e o não permitido se entrelaçam, se desmaterializa, se especializa e se dissimula, deixa de se situar em lugares fixos para se situar em redes cada vez mais flexíveis, assim garante sua manutenção e propagação em níveis muito menos expostos, quase imperceptíveis, mantendo sua alta eficácia na condução continuada das subjetividades a partir de uma dispersão de ênfases.

De uma subjetivação em que a disciplina é central – na qual a escola, como instituição fechada e episódica na nossa vida, teve e ainda tem um papel fundamental – está-se passando para uma subjetivação aberta e continuada – na qual o que mais conta são os fluxos permanentes que, espalhando-se por todas as práticas e instâncias sociais, nos ativam, nos fazem participar e nos mantêm sempre sob controle (VEIGA-NETO, 2003, p. 140).

São muitas as evidências encontradas na pesquisa que as ações não consistem simplesmente em impor uma serie de comportamentos de gênero definidos, essa é apenas a ponta do iceberg, as imposições não estão ausentes, mas são talvez a menor parte do trabalho

das práticas curriculares e aparecem em momentos de curta projeção, pontuais. Já as ações discretas, monitoradoras, aquelas mais celulares, se espalham pelas relações pedagógicas e são acionadas sem alardes. As marcas das diferenças de gênero, a classificação da sexualidade quando atuam produzindo desigualdade o fazem posicionadas de maneira bem dispersas.

Nesse mecanismo de intervenções, sejam discretas ou explícitas, as práticas curriculares desenvolvidas pelos professores, como já assinalei, atuam do interior de redes de poder (que constituem significados em relações assimétricas) que, por sua vez, assumem formas pulverizadas, característica que lhes garantem formas bem econômicas. Muito mais especializadas que algumas práticas da escola moderna como a de separar os gêneros por turma ou até por instituição. Por mais que algumas pareçam banais, elas constituem o seu exercício. Incidindo sobre todos e exercidos por todos, o poder desdobra-se em ações sobre ações. Relacionando-se incessantemente sem um epicentro faz de todo espaço e de toda relação um exercício de poder.

A economia pela qual o poder age impressiona principalmente pela capacidade em atravessar as práticas dos professores quase sem se deixar perceber. No caso das performances de gênero todos os quatro profissionais entrevistados expressam com muita convicção que sua prática observa as transformações nos costumes e os avanços nos conhecimentos dispondo da maior abertura possível para que as crianças vivenciem com liberdade experiências infantis de gênero e sexualidade.

Estariam eles empenhados na desnaturalização do gênero? Teriam xs nossxs professorxs adquirido consciência crítica transformando suas práticas para desconstrução do caráter imutável do gênero e da sexualidade, deste modo, libertando-se das artimanhas do poder?

Evidente que as transformações no mundo dos costumes, as conquistas feministas, a grande expressão do movimento LGBTI, as conquistas jurídicas como a adoção por casais homoafetivos e o reconhecimento do casamento civil igualitário, os avanços nas relações de gênero no mundo do trabalho, impactam e alteram profundamente relações sociais, ampliando algumas fronteiras do comportamento. As representações dessas relações estão em constante mudanças e os professores veem-se diante de uma nova realidade inevitável, buscam lidar com essas transformações gerando conciliações e recusas onde vai-se desorganizando formas convencionais de lidar com as identidades de gênero, com as subjetividades.

Mas o que se tem percebido é que essa abertura traz dentro de suas concessões manobras ainda mais sofisticadas, o que não trouxe enfim o clarão da igualdade de gênero, estas não foram propriamente reduzidas a fronteiras sexuais e de gênero, mas, sim, aperfeiçoadas, passando a se tornarem cada vez mais engenhosas e assim “autorizadas” por abandonarem antigas arbitrariedades e “atenderem” as novas preocupações da educação inclusiva, emancipadora.

Existe, nas práticas curriculares que examinamos, muitos indícios desse fenômeno: “A sutileza do embate cultural requer um olhar igualmente sutil. Ampliam-se e diversificam-se suas formas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar- lhe normas” (LOURO, 2008, p. 21).

Se o mundo mudou, conquistas se efetivaram, direitos foram adquiridos, essas transformações passaram a intervir em todos os espaços, inclusive naqueles que haviam sido, por muito tempo, quase que considerados trans-históricos e universais. Essas mudanças cercam todo espaço vivido das crianças, além disso como disse em outra parte deste texto, as instituições de educação infantil não são ilhas imunes, de um jeito ou de outro, no embate cultural, essas reorientações da contemporaneidade como as mudanças na marcação de gênero penetram seu espaço.

Porém, há que se levar em consideração que embora as práticas curriculares apresentem flexibilizações sendo interpretada como um atestado de sua progressiva aceitação a incorporação da diversidade que parecia não existir , desestabilizando sólidas certezas e abrindo espaço para formas diferentes de organização pedagógica até então inexistentes, essas mudanças não significam que finalmente possamos concluir que os sujeitos transitem livremente sem serem alvos da marcas da classificação, da normalidade e da diferença, e daí porque não deve nos surpreender o fato de formarem-se nessas instituições estratégias cada vez mais sutis e engenhosas ao apropriar-se dessa novas instancias sociais.

Hoje, tal como antes, a sexualidade permanece como alvo privilegiado da vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e diversificam-se suas formas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar-lhe normas [...] Continuamente, as marcas da diferença são inscritas e reinscritas pelas políticas e pelos saberes legitimados, reiteradas por variadas práticas sociais e pedagogias culturais (LOURO, 2008, p. 22).

E aqui, mais uma vez volto à questão da cultura: “Por bem ou por mal, a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica no novo

milênio” (HALL, 1997, p. 97). Fica, então, impossível não se confrontar com as mudanças trazidas pelos embates da tumultuada e sempre inacabada esfera da vida em sociedade pois as transformações cultuais se manifestam de maneira impetuosa no mundo imediato e os professores e professoras não se esquivam delas facilmente.

Há nas relações de poder um enfrentamento constante e perpétuo. Como corolário desta ideia teremos que estas relações não se dão onde não haja liberdade. Na definição de Foucault a existência de liberdade, garantindo a possibilidade de reação por parte daqueles sobre os quais o poder é exercido, apresenta-se como fundamental. Não há poder sem liberdade e sem potencial de revolta (MAIA, 1995, p. 89).

Do ponto de vista histórico parece não haver dúvidas que exista uma hegemonia masculina, heterocentrista que em assimetria nas correlações de forças exerça sobre o mundo posições de poder mais privilegiadas. Padrões culturais que em graus e intensidade diversas tem nos atingido e nos afetado violentamente, mas essa não é nos dias de hoje, nem nunca foi na história uma imposição aceita pacificamente e é difícil pensar na simples realização de estudos como esse, se por todo esse tempo anterior ao que vivemos hoje não tivesse ocorrido, assim como ainda ocorre agora contraposições, enfrentamentos e resistências. Essa é uma leitura simples, mas interessante, porque ela visibiliza o que se deseja suprimir ou ignorar e o mundo passa deixa de ser um espaço de dominação para ser visto como espaço de contestações onde o não-poder, o lado dominado simplesmente não existe.

Como já apontado aqui no texto, a escola, esse espaço de criação humana e pedagógico de intervenção possui um arsenal de procedimentos programados e racionalizados (organização e reorganização de saberes) que se comunicam entre si para empreender uma ampla distribuição de procedimentos destinados, dentre outros objetivos a nos humanizar. Um lugar onde o sujeito e a consciência são centrais e essencialismos possuem grande valor e são caramente cultivados. Diante disso, se olharmos com a lente pós-estruturalista, em que outro lugar a noção de esclarecimento, autonomia e libertação poderia ser mais suspeito de possuir vínculos com o poder?

Esse é um ponto nevrálgico, pois esse investimento sistêmico tem privilegiado uma