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3 GÊNERO E SEXUALIDADE NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DXS

3.1 GÊNERO E SEXUALIDADE NUMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA:

Até aqui eu me esforcei para produzir uma exposição detalhada dos argumentos que oferecesse a quem ler o texto uma ideia de como foi possível identificar e se deter ao um problema, expondo as justificativas, os objetivos, os pressupostos teóricos e o percurso produzidos para possibilitar o estudo. A condução do texto foi realizada buscando visualizar articulações e cruzamentos com campos onde práticas curriculares são provocadas a investir num tipo especial de sujeito se direcionando ao corpo como expressão de uma natureza de ser e viver polarizada e hierarquizada.

Nesse ínterim, deixei um pouco de lado a tarefa de explicitar conceitualmente como gênero e sexualidade estão sendo concebidos, isto é, ainda não defini explicitamente um conceito guarda-chuva com qual eu opero neste âmbito, pois o alvo ainda estava sendo evidenciar como o gênero vem sendo operado tradicionalmente. Essa condução foi adotada primeiro por interessar ao pesquisador trazer até aqui, na medida do possível, alguns movimentos que figuraram e figuram na sustentação e posse de uma versão que desejo que a humanidade deixe para trás. Para só depois de exposto e explorado esse terreno, definir categoricamente, linha por linha, o que suponho ser um entendimento de gênero mais próximo das vidas reais das pessoas no mundo de hoje.

Então, ainda que de modo panorâmico, vim processando até aqui algumas circunstancias imbricadas com uma tradição cultural, intelectual e histórica que carregam os rastros da forma clássica de interpretação das identidades de gênero e sexualidade. Tanto foi que procurei mover, pelo texto, diversos elementos que se destinaram a manter a ordem de gênero fora da história, pois afinal, a história costuma ser corrosiva com tentavas de estagnações.

Mas que, nessa fase, é necessário desenvolver esses conceitos dando ênfase a uma outra ótica, para enfim chegarmos ao ponto das análises em que xs professorxs nos falam sobre

aquelas suas práticas que por algum ângulo expressam formas de gênero e sexualidade no ensino, práticas essas que interpretamos como sendo ações que compõe intenções curriculares especializadas na normalização de gênero e sexualidade, produzindo uma pedagogia dos corpos.

Começo comunicando que, quando penso em gênero, estou primordialmente alinhando-me com Foucault (2014), Butler (1999; 2003), Scott (1995) e Louro (2015), que retiram o gênero e a sexualidade no âmbito exclusivo da biologia e os posicionam no campo inventivo do social e no contexto temporal histórico, portanto trazendo sua dimensão relacional para pensá-lo como transformação e movimento, o que tem potencializando muito a sua abrangência.

Parece-me, essa, uma forma muito pertinente quando temos uma configuração de mundo onde as pessoas vivem realidades e contextos tão plurais e difusos, onde as pessoas estão cada vez mais hostis a padrões fixos, isto é unitário que definam modelo simplificados em torno dos quais precisemos orbitar. Não que esses padrões inexistam nos dias de hoje, longe disso, mas a tecnologia, a facilidade de circulação da informação e do conhecimento, a cultura jovem, a facilidade de entrarmos em contato com outras culturas, a liberdade sexual conquistada pelas mulheres, a expressividade das lutas LGBTI, apenas para citar alguns, pois são inúmeras, trazem cada vez questionamentos e enfrentamentos a antigas lógicas de ordenação padronizadas da vida em modelos fixos.

Um dos grandes choques contra a construção de mundo baseada em verdades sólidas foi o exame da construção discursiva das sexualidades exposta por Foucault, que resumidamente, mostra que a lógica ocidental opera tradicionalmente através de binarismos, que fixa uma identidade ou um sujeito como fundante e define seus contornos, limites, possibilidades e restrições.

Essa exposição vai se mostrar fundamental para os estudos contemporâneos que sugerem a desconstrução do gênero, ao verificarem especialmente com bases Foucaultinas que a sexualidade vem sendo descrita, explicada, regulada e educada, sendo alvo de multiplicação dos discursos sobre o sexo no próprio campo do exercício do poder, visando administra-lo segundo um padrão aceitável, num discurso que não é unicamente moral, mas da racionalidade. Nesse sentido a modernidade foi prodiga em técnicas de saber e procedimentos discursivos especializados em interdições sobre o sexo e a sexualidade.

Porém, toda essa exposição do poder também o mina e o expõe, um jogo complexo e instável onde “os corpos não se conformam, nunca, completamente às normas pelas quais sua materialização é imposta” (BUTLER, 1999, p. 54). Contestar e desconstruir as polaridades binárias, significa estender humanidade aos indivíduos que escapam a ela e acabam tornados sujeitos abjetos.

Desconstruir o discurso implicaria, minar, escavar, perturbar e subverter os termos que afirma e sobre quais o próprio discurso se afirma. Desconstruir não significa destruir, mas está muito perto do significado original da palavra análise, que etimologicamente, significa desfazer (LOURO, 2015, p. 43).

De um modo ou de outro há sempre sujeitos escapando da via planejada pela norma, daí que Butler (2000) a partir de uma perspectiva Foucaultiana identifica que as sociedades constroem mecanismos que regulam o sexo dos sujeitos e que essas regulações se voltam para os corpos e subjetividades alinhando seu sexo, gênero e sexualidade. Deste modo, ao promoverem instituições, saberes e mecanismos que repitam essas regulações criam-se um campo de ação para esses sujeitos que são encaixados em posições específicas, sempre restritivas em algum aspecto.

“As normas regulatórias do sexo e gênero tem poder continuado e repetido de produzir aquilo que nomeiam” (LOURO, 2015, p. 46) e para garantir a materialização utilizam de equipamentos institucionais como pode ser a escola, o currículo, a moral familiar, a política, a medicina etc. Assim, fica percebido que gênero não seria algo como naturalmente adquirido, inato, mas sim um ato performático, como uma representação dos roteiros de normas convencionadas, suas expressões teriam história e não seriam de maneira nenhuma isentos de questionamentos a sua “natureza”.

O conceito de performance de gênero está centrado, principalmente, no papel da linguagem, para afirmar que quando fazemos uso da linguagem para descrever e nomear os corpos, nesse mesmo instante estamos produzindo tais corpos e os sujeitos. Percebendo a importância da linguagem na produção da realidade Butler (2008) nos indica que qualquer processo de engendramento de uma identidade de gênero implica em performances de gestos em que não há original, autentico, assim o corpo existiria sujeitado a linguagem, além de outras instancias. As diferentes performances das normas seria o elemento que constitui o gênero, portanto uma construção.

Esta pesquisa se associa à ideia promulgada por essas estudiosas de que a unidade sexo-gênero seria fictícia, discursiva e, ainda mais que isso, ter em mente gênero como uma expressão fixa seria produzir a falsa noção de estabilidade pela repetição de gestos, adereços, funções, atos e performances. Por mais que pareçam um fato, visível, palpável, o são na medida em que possuem uma materialidade forjada e obedecem a toda uma cadeia de interesses, posturas, conceitos, obrigações, que é construída culturalmente.

Gênero na perspectiva que eu prefiro aproximar aqui, seria um fenômeno inconstante e contextual não possuindo em si uma substancia nuclear pré-estabelecida, como uma essência, mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente.

Assumir essa perspectiva supõe compreender que há uma ampla série de disposições e operações que são exercitadas historicamente e que é preciso destrinchá-las (não aqui neste texto, mas num exercício cotidiano na experiência curiosa da vida) para desenvolver uma análise que considere o funcionamento das diferenças e desigualdades entre homens e mulheres e outras expressões que borra esses polos.

Diferenças essas que estão constituídas muito mais fora do que possuímos geneticamente, portanto do que aquilo que possuímos morfologicamente, considerando que somos seres de produção de significados e de conflituosas interpretações das coisas, de si e dos outros.

Procuro marcar aqui o entendimento que somos viabilizados pelos sentidos que tecemos em relações e fundadores de simbolismos que configuram um mundo no qual formas de ser, viver e comportar-se se deparam com a conflitualidade e pluralidade das possibilidades de exercitar formas de gênero e sexualidade que nem sempre estão legitimadas pelo sistema de classificação e hierarquização social.

Nessa configuração, que afirmo com base nxs autorxs citadxs aqui, todos nós sermos fundadores, estou tendo em mente que não é homogênea nem tão pouco coerente considerando as vastas culturas existentes, além disso também não estamos desprezando a existências de condições naturais, no sentido de negá-las, mas considerando sim, com convicção, que temos diversas possibilidades de significá-las. Sendo afinal, essa característica que nos distingue dos demais animais.

Os cenários existentes de gênero, sexualidade, cultura, classe, etnia, arte e tantos outros são nada mais que interpretações e fundações da criatividade humana, são criações estéticas que modificam equilíbrios, fazem emergir versões, exprimem desigualdades, abrem conflitos e se tornam ao longo da história um interminável processo de mudança apesar de muitas vezes nos aparentar quase imóvel.

Assim, as realidades sócio-humanas, em toda sua diversidade e em todos seus aspectos, nada possuem de vocações substancialistas e essencialistas, se tratam de nossas práticas, de nossas sensibilidades, das formas como capturamos a materialidade, se tratam de construção humana, cultural e histórica.

Por esse ângulo de interpretação, torna-se perceptível, mas uma vez, o desmonte da ideia de sujeito uno de que mencionamos no capítulo anterior e que nossas pensadoras demonstram, em suas reflexões sobre gênero, estarem absolutamente problematizado, pois ele (sujeito estável) aponta sempre para a constituição de uma identidade fixa, como se entrássemos no mundo com uma inscrição de gênero, sexual e afetiva absolutamente pronta e necessária para reconhecer-se como humano viável.

É absolutamente questionável, seja antropológica, sociológica e historicamente a sustentabilidade de um único modelo de comportamento de gênero e sexual ligados a um “sentir” e “agir” determinado por um modelo de experiência como se correspondesse a uma única realidade e coincidisse com toda realidade, transformando-a num dado universal, necessário, inevitável e imutável.

O mais paradoxal nessa crença é o empenho em domar as indisciplinas, quando se organizam complexos aparatos e investem imenso esforço, vigilância e diligencia que são mantidas para que as pessoas não se desviem da versão única produzida em seus cânones.

Exigências de ordem social e políticas determinadas estabelecem entre si relações na produção de linearidades, paradigmas e representações que, ao meu ver, seriam desnecessárias se houvesse verdadeiramente uma agência ontológica ou natural determinante nesse comportamento. É pela inexistência desse tipo de agência que se faz tão necessário capturar, esquadrinhar e modelar as subjetividades de modo a atingirem a virtude, também como se pode dizer, formas apropriadas de existência.

Para isso, as diferenças sexuais anatômicas, as narrativas dos sentimentos, a criação simbólica do sexo, o modelo do masculino e do feminino, devem ser compreendidos sob o firme

desígnio da moral, da reprodução natural e dos códigos divinos atemporais. Contudo, se a manutenção dessa estrutura leva tanto tempo nas vidas das pessoas e demanda tanto esforço podemos encontrar muito amplamente as fragilidades de sua pretensa ordem única, suspeitando, através de elementos diversos, das bases fundamentais e universais do sujeito como uma dimensão inquestionável.

Como poderemos fundamentar uma teoria ou política numa situação de discurso ou posição de sujeito que é “universal” quando a própria categoria do universal apenas começa a ser desmascarada por seu viés altamente etnocêntrico? Quantas “universalidades” existem e em que medida o conflito cultural pode ser compreendido como o choque de um conjunto de “universalidades” presumidas e intransigentes, um conflito que não pode ser negociado recorrendo a uma noção culturalmente imperialista do “universal”, ou antes, que só se resolverá por esse recurso ao custo de violência? (BUTLER, 1998, p. 17)

Assim, gênero não é algo que é, ele só existe dentro de um processo de relação, como um efeito que se manifesta em relação a uma enorme composição de diferenças em que o normal é montado em um longo e minucioso processo. Com muita eficiência permeia nessa montagem artimanhas de poderosas forças, que se disfarça e amplia recorrendo a tons de universalidade normativa. Podemos mencionar a família, o estado, a igreja, os costumes, a educação, os ordenamentos jurídicos, a medicina, as ciências todas esforçando-se para domestificar e subordinar aquilo que buscam explicar, terminando também por produzir a normalidade. Para Meyer, podemos considerar que gênero:

Remete a todas as formas de construção social, cultural e linguísticas implicadas com processos que diferenciam mulheres de homens, incluindo aqueles processos que produzem seus corpos, distinguindo-os e nomeando-os como corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade (MEYER, 2004, p. 15)

Com essa explicitação retirada de nossas autoras e autores até aqui, é possível compreender que uma identidade de gênero ou de sexualidade “não é natural nem universal, mas que se torna inteligível e operante no interior de redes de poder que o definem e que permite que ele funcione como tal” (MEYER, 2000, p. 20). Louro refere-se a isto dizendo que os corpos são o que são na cultura e que as marcas que lhes são impressas são “decisivas para dizer do lugar social de um sujeito já que, como marcas culturais, elas distinguem sujeitos e se constituem como marcas de poder” (LOURO, 2004, p. 75).

Lembremos, aqui, apenas para ilustrar uma dessas situações de posicionamento de sujeitos, o fato de que apenas a pouco mais de 23 anos a homossexualidade, uma forma específica de vivencia do desejo, afeto e sexualidade deixou de ser considerada uma doença

mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém mesmo desvinculando a orientação sexual da ideia de enfermidade, o gênero continuou como uma categoria diagnostica, sendo classificado como transtorno de identidade de gênero ou disforia de gênero qualquer expressão que fuga do padrão cis e heterossexual.

Não houve de fato grandes mudanças na situação daquelas pessoas que não se encaixam no modelo binarista heteronormativo pois há uma parcela expressiva dessas pessoas que para além da ordem do desejo e afeto (orientação sexual) também expressão uma identidade de gênero, considerada imprópria para os corpos que possuem (como é o caso dos travestis, transexuais e transgêneros, entre outros). Assim, não só a patologização do gênero, mas a da sexualidade continua operando com grande força, não mais como perversões sexuais ou

homossexualismo, mas como transtornos de gênero. Ficando permitido ao “indivíduo normal”

o desejo e a prática sexual homossexual sem que seja considerado portador de algum tipo de transtorno, mas não compreenderia nesse salvo indulto, performar expressões de gênero que não encontrem sustentação na genitália do seu corpo.

Dito de outro modo, se o gênero só consegue sua inteligibilidade quando referido à diferença sexual e à complementaridade dos sexos, quando se produz no menino a masculinidade e na menina a feminilidade, a heterossexualidade está inserida aí como condição para dar vida e sentido aos gêneros, ainda que o menino ou menina não venha a ser heterossexual ele precisará se apresentar e comportar atendendo da heteronormatividade, pois caso seus corpos a inflijam poderão ser classificados como transtornados.

O “transexualismo”, por exemplo, é definido como “transtornos da identidade sexual” (F64.0). Além do “transexualismo”, há o “travestismo bivalente” (F64.1), o “transtorno de identidade sexual na infância” (F64.2) e o “transtorno não especificado da identidade sexual” (F64.9), ou seja, eliminou-se, em 1973, o “homossexualismo” do CID18, mas o que assistimos em seguida foi a uma verdadeira proliferação de novas categorias médicas que seguem patologizando comportamentos a partir do pressuposto heteronormativo, que exige uma linearidade sem fissuras entre sexo genital, gênero, desejo e práticas sexuais.

Apesar dos avanços mencionados anteriormente sabemos que ainda hoje, segundo a (ILGA) International Lesbian , Gay, Bisexual, Trans and intersex Association em divulgação

18 A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, designada pela

sigla CID (em inglês, International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD) fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças.

ainda este ano em mais de 72 países a prática da orientação sexual homoafetiva é crime, sendo em pelo menos 13 deles punidos com pena de morte.

Figura 1 – Mapa da homofobia

Fonte: ILGA – International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and intersex Association. Disponível em: <http://ilga.org/what-we-do/maps-sexual-orientation-laws/>.

Na contramão desse movimento, um número cada vez maior de países aprova leis de criminalização ao preconceito de gênero, de proteção a seus direitos civis como é o caso do casamento homoafetivo e do direito a constituírem família. Ou seja, uma evidencia bastante flagrante de que o domínio conceitual, imaginário sobre a vivencia da sexualidade e do gênero além de representar um fenômeno sintético que representa um “todo” artificialmente construído, ainda realiza uma estrutura de poder ardil e extremamente anti-humanitária.

Justamente o estabelecimento dessa desumanização, que nesse exemplo específico podemos visualizar uma das formas mais insidiosas do poder, quer dizer, uma das que mais facilmente é possível apontar seus efeitos mas existe ainda muitíssimas outas formas de seu funcionamento dissimulado e de amplo alcance que são ainda mais pulverizadas.

Com isso, subtende-se que as relações de gênero e sexualidade são vividas na maior parte de nossas vidas, como relações de poder. Não à toa Scott (1986), debruçou-se sobre gênero, percebendo-o como um saber sobre as diferenças sexuais e que havendo uma relação inseparável entre saber e poder, gênero estaria imbricado às relações de poder, sendo, nas suas palavras, uma primeira forma de dar sentido a estas relações.

Ao concluir que então que a percepção e afirmação das diferenças de gênero estavam engessadas na percepção da diferença sexual a pesquisadora encontra uma utilidade analítica no gênero. Sem negar as diferenças existentes entre os corpos e suas especificidades biológicas e anatômicas, Scott (1995) identifica que ocorre a formulação de significados culturais em cima dessas diferenças operando uma hierarquização extremamente poderosa que distribui os gêneros em papéis específicos, posicionando-os de maneira engessada.

Em Scott (1995), a diferenciação e dicotomia entre sexo (natureza) e gênero (cultural) passa a fragilizar-se cada vez mais tendo como ponto de apoio o entendimento que o corpo é costumeiramente entendido a partir de uma leitura que se elabora socialmente dentro de um universo simbólico. A linguagem por exemplo, seria uma das constituintes principais dessa organização que constituiria a base da percepção ou da atribuição de significado sobre as diferenças sexuais incluindo o lugar de performance social dos gêneros, como entendimento que inclusive veio a ser corroborado por Butler.

A historiadora, então, questiona-se: “Como o gênero funciona nas relações sociais? Como o gênero dá sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico? As respostas dependem do gênero como categoria de análise” (Scott, 1995, p .6). Vemos nas questões da pesquisadora um esforço em ampliar o conceito de gênero em importância e sentido. Sua própria definição de gênero, que para ela é “um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 14), demonstra supor que é um campo por meio do qual o poder é articulado e a partir dele pode-se observar uma organização da vida social.

Com isso, Scott (1995) nos convida a desconstruir determinadas certezas arraigadas em nossa cultura que criam campos de ação antagônicos entre os gêneros (considerando hegemonicamente como gênero a oposição masculino x feminino), além de muitos outros efeitos produzidos pela interpretação binária tradicional dos corpos. A possibilidade de relativizar as definições sobre o gênero tem sido uma das grandes contribuições desse

pensamento que permite inserir e visibilizar outras identidades de gênero na existência sem que sejam percebidas como desvio de um caminho natural, pois nessa interpretação esse caminho simplesmente não existiria a não ser por um imenso e sofisticado esforço ao longo da nossa história.

Ainda que pareça uma maneira desconcertante de pensar analiticamente por essas lentes, pois estamos há muitíssimo tempo inseridos num único imaginário social de gênero, é possível radicalizar ainda mais. Basta pensarmos nos casos em que alguns indivíduos vivem o gênero e a sexualidade multiplicando e/ou atravessando provisoriamente as fronteiras do binarismo ou nelas se instalando, tornando-se corpos praticamente ilegíveis do ponto de vista da racionalidade comum.

Vemos isso com Butler (2008), para quem não possui consistência a afirmação que