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Espaço, cultura e sujeitos: observando a relação entre música e contexto num estudo com alunos da educação básica

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA. ARTUR PESSOA PORPINO DIAS. ESPAÇO, CULTURA E SUJEITOS: observando a relação entre música e contexto num estudo com alunos da educação básica.. Natal 2016.

(2) ARTUR PESSOA PORPINO DIAS. ESPAÇO, CULTURA E SUJEITOS: observando a relação entre música e contexto num estudo com alunos da educação básica. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na linha de pesquisa “Processos e Dimensões da Formação em Música”, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música. Aprovada em __/__/__. BANCA EXAMINADORA:. __________________________________________________ PROF. Dr. JEAN JOUBERT FREITAS MENDES UFRN ORIENTADOR. __________________________________________________ PROF. Dr. AGOSTINHO JORGE DE LIMA UFRN MEMBRO INTERNO. __________________________________________________ PROF. Dr. MARIO ANDRE WANDERLEY OLIVEIRA UFRGS MEMBRO EXTERNO. Natal 2016.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte Biblioteca Setorial da Escola de Música. D541e. Dias, Artur Pessoa Porpino. Espaço, cultura e sujeitos : observando a relação entre música e contexto num estudo com alunos da educação básica / Artur Pessoa Porpino Dias. – Natal, 2016. 150 f. : il. Orientador: Jean Joubert Freitas Mendes. Dissertação (mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2016.. 1. Educação musical - Dissertação. 2. Ensino básico Dissertação. 3. Música – Aspectos sociais - Dissertação. I. Mendes, Jean Joubert Freitas. II. Título. RN/BS/EMUFRN. CDU: 78:37.

(4) AGRADECIMENTOS Não foi um ano fácil; mas eu vivi, pulsei e se estamos vivos é para isso mesmo. Tive muitas alegrias, as maiores da vida, mas também muitos desafios e aflições. Esse trabalho foi produzido pelas mãos de um acadêmico-artista e músico quase poeta, sob a impulsão de emoções de dois anos intensos de vida adulta induzida. Depois dessa trajetória, digo que a sensação de crescer e ter a consciência disso é revigorante. Fico feliz por conquistar mais uma fase da minha vida e agradeço a tudo e todos que me apoiaram das formas mais variadas. As pessoas, instituições e coisas as quais agradeço abaixo (e dedico este trabalho) foram inspirações para seguir em frente com a escolha que me deixaria mais próximo do que é capaz de me fazer feliz. A CAPES pela concessão de bolsa de mestrado; Aos professores do programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pelos ensinamentos; Gostaria de agradecer especialmente ao Professor Jean Joubert, que me orientou neste trabalho. Muito obrigado pela paciência e parceria. A Agostinho e Luís Ricardo, que aceitaram participar da minha banca; A Ravi, por me proporcionar a sensação mais maravilhosa do mundo (ser pai e amar como pai); Aos meus pais Ricardo e Suzanne, que sempre me apoiaram em tudo e acreditaram em mim; Aos meus irmãos Vitor e Rafael, A minha avó Gilma e minha tia Simone, Aos meus queridos colegas do mestrado Anne, Emerson, Everson, Flávia, Gislene, Leandro e Magnaldo - nós sabemos que fomos essenciais uns aos outros; Aos funcionários e alunos da escola pesquisada – é evidente que sem eles este trabalho não existiria. Muito obrigado por essa contribuição na minha formação. A Danillo, pelos ouvidos e pelas palavras, Aos amigos e amigas que sabem que são importantes para mim e que compartilharam o mundo comigo (eu passaria tempos digitando e certamente ainda assim esqueceria alguém); Ao surf, pela adrenalina e euforia; À música, por ser um dos sentidos da minha vida; Aos palcos, pela sensação de independência;.

(5) Aos meus colegas de banda (Zurdo, Fukai, Clara e a Noite), por fazerem música comigo; À poesia, pela analgesia, E finalmente a todos os obstáculos circunstanciais e provocados, que me deram a chance de transtorná-los e seguir em frente. Eles me ajudaram a crer que sou forte, afinal. No centro da própria engrenagem, invento contra-molas e resisto..

(6) RESUMO. Este trabalho busca contribuir com o fortalecimento das correntes educacionais e educativomusicais contemporâneas que creem no reconhecimento dos educandos como indivíduos sociais, como seres integrantes de cultura(s) e portadores de subjetividades. Nessa perspectiva, defendo que a aproximação à dinâmica do contexto sociocultural dos alunos e a escuta de suas concepções configuram-se como importantes contribuintes para um bom desenvolvimento pedagógico. Assim, por intermédio de uma experiência compartilhada com jovens educandos de uma escola localizada em uma periferia de Natal/RN, busquei identificar concepções dos alunos sobre música e ensino de música e relacioná-las com seu(s) contexto(s). Compreendo contexto a partir da representação de três círculos concêntricos, cada qual simbolizando os temas espaço, cultura e sujeitos, que associam-se e configuram dinamicamente uma atmosfera, uma realidade. Para o cumprimento do objetivo da pesquisa, pensei em estratégias para uma compreensão panorâmica do contexto escolar (segundo os círculos espaço, cultura e sujeitos) e estratégias para o mergulho em experiências culturais de uma amostragem de alunos, buscando enfatizar o diálogo com suas experiências musicais. Assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental no que se refere à região da cidade e ao bairro ao qual a escola faz parte, bem como observações participantes pelas dependências da escola, entrevistas com a professora de Artes e com a diretora e formação de grupos focais com duas turmas de nono ano. Refletindo acerca das informações coletadas, pude compreender os alunos e situá-los em seu(s) contexto(s), desvelando aspectos como: problemas sociais, perspectivas de vida, escolha religiosa, atividades extra-escolares, conhecimentos musicais, contatos musicais na escola e fora dela, preferências musicais, concepções sobre música e percepções e expectativas de ensino de música na escola. Ao vincular os indivíduos a seus contextos, apresento que nenhum aluno com o qual nos deparamos em sala de aula cresce em um vácuo cultural. Na medida em que os alunos são compreendidos pelo educador como cidadãos, parte de uma classe, grupo, cultura, propostas pedagógicas significativas podem ser pensadas e postas em prática.. Palavras-chave: Contexto. Música. Educação Musical. Educação Básica..

(7) ABSTRACT. This essay seeks to contribute to the strengthening of educational and contemporary educational and musical currents that believe in recognition of students as social and cultural beings, holders of subjectivities. From this perspective, I argue that the approach to the students' socio-cultural context and listening to their voices are configured as important contributors to a good pedagogical development. Thus, through a shared experience with young students of a school located in a suburb of Natal / RN, I intend to identify students' conceptions about music and music education and relate them to their(s) context(s). I understand context as a combination of three concentric circles, representing space, culture and subjects, which are associated and dynamically configure an atmosphere. To ensure the essay achieve it's goal, I thought of strategies for a panoramic understanding of the school context (according to the vertices space, culture and subjects) strategies for diving in cultural experiences of a sample of students, seeking to emphasize the dialogue with their musical experiences. Thus, I've presented a bibliographical and documentary research about the region of the city and the district which the school belongs. Participant observations of the school life, interviews with the Arts teacher, the principal, and formation of focus groups with two ninth grade classes complemented the methodological strategies. Reflecting on the information collected, I could understand the students and place them in their context(s), revealing aspects such as social problems, perspectives of life, religious choices, musical knowledge, musical contacts at school and beyond, musical preferences, conceptions of music and music education and their expectations of music classes in school. By linking individuals to their context, I present that no student grows into a cultural vacuum. When students are understood by educators as citizens, part of a class, group, culture, significant educational proposals can be designed and implemented.. Keywords: Context. Music. Musical Education. Elementary School..

(8) LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa de distribuição espacial do IQV-Renda por Bairro .................................................... 69 Figura 2 - Mapeamento de crimes violentos letais intencionais em 2014 de acordo com as zonas de Natal. .................................................................................................................................................... 70 Figura 3 - Número de crimes violentos letais intencionais em 2014 a cada cem mil habitantes nas Zonas de Natal.. ................................................................................................................................... 70 Figura 4 - Representação da frase rítmica executada pelo aluno F ..................................................... 115.

(9) LISTA DE TABELAS. Tabela 1 - Dimensões-chave da observação. ........................................................................................ 18.

(10) SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 2 METODOLOGIA ................................................................................................................... 17 3 ALGUNS FUNDAMENTOS IMPORTANTES PARA A PESQUISA: SOBRE PARADIGMAS E APROXIMAÇÕES AO ALUNADO ...................................................................................... 24 3.1 O PARADIGMA DA MODERNIDADE .......................................................................... 24 3.2 A MODERNIDADE NA EDUCAÇÃO E NA EDUCAÇÃO MUSICAL: ENTRE MOLDES, MÉTODOS E HIERARQUIZAÇÕES .................................................................. 26 3.3 A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA DA MODERNINADA E AS IMPLICAÇÕES AOS ALUNOS: A ESCOLA COMO ÂMBITO DAS CLASSES DOMINANTES ......................... 31 3.4 TRANSIÇÃO PARA UM PARADIGMA SOCIAL: A CRISE DA MODERNIDADE, RELATIVISMO, ANTROPOLOGIA E ETNOMUSICOLOGIA ........................................... 34 3.5 EDUCAÇÃO ESCOLAR NO PARADIGMA DA CONTEMPORANEIDADE: A HUMANIZAÇÃO DOS EDUCANDOS E A IMPORTÂNCIA DO(S) CONTEXTO(S) ........ 37 3.6 EDUCAÇÃO MUSICAL NO PARADIGMA DA CONTEMPORANEIDADE: MÚLTIPLOS CAMINHOS A DEMOCRATIZAÇÕES E SIGNIFICAÇÕES ........................ 43 3.7 AS PONTES E A VOZ DO ALUNADO .......................................................................... 50 4. REFLEXÕES SOBRE O CONTEXTO: ANALISANDO ESPAÇO, CULURA(S) E SUJEITOS .................................................................................................................................................. 68 4.1 ESPAÇO .......................................................................................................................... 68 4.2 PERSONAGENS DO CONTEXTO: A PROFESSORA, OS ALUNOS E A DIRETORA. 72 4.3 ANÁLISE DE DADOS DOS GRUPOS FOCAIS ............................................................. 77 4.3.1 Problemas sociais ....................................................................................................... 77 4.3.2 Perspectivas de vida ................................................................................................... 78 4.3.3 Religião ..................................................................................................................... 81 4.3.4 Conhecimentos musicais ............................................................................................ 87 4.3.5 Contatos musicais na escola ....................................................................................... 89 4.3.6 Contatos musicais fora da escola ................................................................................ 91 4.3.7 Preferência musical .................................................................................................... 97 4.3.8 Refletindo sobre relações entre contexto, expectativas e concepções dos jovens em relação ao ensino de música na Educação Básica .............................................................. 107 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 117 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 127 APÊNDICES ........................................................................................................................... 150.

(11) 9. 1 INTRODUÇÃO Vejo a contemporaneidade como um tempo confuso. No âmbito da educação, enquanto o futuro parece ser antecipado ao presente em abordagens educacionais contemporâneas otimistas que vem ganhando evidência, o passado ainda reverbera em configurações pedagógicas tradicionais e padronizadas em caminhos delimitados por muitas instituições de ensino e professores. Este trabalho busca contribuir com o fortalecimento das correntes educacionais e educativo-musicais contemporâneas que creem no reconhecimento dos educandos como indivíduos sociais, como seres integrantes de cultura(s) e recheados de subjetividades. Nessa perspectiva, defendo que a aproximação à dinâmica do contexto sociocultural dos alunos e a escuta de suas concepções configuram-se como importantes contribuintes para um bom desenvolvimento pedagógico. Por intermédio de uma experiência compartilhada com jovens educandos do nono ano, provenientes de uma escola localizada em uma periferia de Natal/RN, vivi uma aproximação aos investigados através da escuta de suas vozes e da análise investigativa sobre seus discursos e contextos. O objetivo geral da pesquisa foi identificar concepções dos alunos sobre música e ensino de música e relacioná-las com seu(s) contexto(s), sendo os objetivos específicos: (1) traçar um panorama do contexto investigado; (2) identificar concepções dos jovens sobre música; (3) identificar experiências dos alunos com o aprendizado musical e com a prática musical em diversos âmbitos; (4) identificar usos e funções da música para os jovens; (5) identificar concepções dos jovens sobre aulas de música na educação básica; (5) refletir sobre relações entre o contexto dos alunos e suas concepções sobre música na educação básica. Para pensar em contexto e em suas influências nas concepções que os alunos transparecem, foi necessário delimitar o que compreendo como contexto. Muitos estudiosos consideram que Bronislaw Malinowski foi o primeiro pesquisador a teorizar acerca do conceito de contexto (HALLIDAY; HASAN, 1989; FERREIRA, 2011). O antropólogo investigou durante muitos anos os habitantes das Ilhas Trobiand, situadas no sul do Oceano Pacífico, desenvolvendo sua teoria etnográfica da linguagem principalmente a partir de suas tentativas de traduzir as fórmulas mágicas dos habitantes das Ilhas. Ele percebeu que os nativos acreditavam no poder das palavras nas fórmulas mágicas: eles usavam essas fórmulas para alcançar determinados objetivos com a plena convicção de que poderiam influenciar e controlar suas vidas, eventos e cursos da natureza e seus rumos (SENFT, 2009)..

(12) 10. Quando se deparou com o problema de interpretar e transportar de forma satisfatória os textos produzidos na língua nativa das comunidades aos olhos de leitores habilitados na língua inglesa, "concluiu que seria necessário o fornecimento de informações acerca da situação em que o texto ocorre" (FERREIRA, 2011, p. 7). A partir dessa conclusão, Malinowski (1935), referindo-se a todo o ambiente no qual o texto é produzido, propôs o termo "contexto de situação". Ao perceber a insuficiência do termo para o esclarecimento das questões acerca do fenômeno linguístico da comunidade, propôs o termo "contexto de cultura", englobando, assim, o cenário cultural construído e compartilhado historicamente pelas comunidades das ilhas. Dessa forma, o autor apresenta que para estudar os significados linguísticos não podemos examinar as palavras isoladas, mas frases ou expressões dentro de seu contexto de situação e de cultura: "o entendimento real da palavra é sempre derivado da experiência ativa daqueles aspectos da realidade da qual as palavras fazem parte" 1 . (MALINOWSKI, 1935, p. 58, tradução minha). Assim como, na perspectiva de Malinowski (1935), as palavras desvinculadas do seu contexto de situação e de cultura não representam um significado satisfatório da realidade do fenômeno linguístico investigado, "a análise musical exclusivamente preocupada com a sonoridade posiciona o som como um protagonista desvinculado de características exteriores; sendo assim, a audição superficial geralmente ofusca a riqueza de significados das manifestações musicais" (PORPINO, 2013). Em relação à atuação docente em música, também é essencial a aproximação ao contexto sociocultural para que a prática alcance significados mais profundos. As reflexões fundamentadas nas inquietações de Malinowski (1935) em sua própria experiência de pesquisa proporcionaram a delimitação do termo contexto nesta pesquisa. Compreendo contexto a partir da representação de três círculos concêntricos, cada qual simbolizando os temas espaço, cultura e sujeitos, que associam-se e configuram dinamicamente uma atmosfera, uma realidade. Nessa associação, a periferia, como ambiente mais amplo, abriga a escola, que por sua vez, recebe sujeitos desse espaço; a cultura aparece como fator indissociável do espaço e dos sujeitos, já que é permeada na medida em que os humanos socializam em sua existência. Assim, a busca pela identificação de relações entre contexto e concepções dos alunos sobre o ensino de música na educação básica partiu de um aprofundamento nessa representação de círculos associados.. 1. "The real undestanding of words is always ultimately derived from active experience of those aspects of reality to which the words belong"..

(13) 11. A palavra periferia tem suas origens etimológicas do latim periphéreia, que significa a linha que define uma circunferência (MICHAELIS, 2013). Periferia é, dentre outros significados, uma “região distante do centro urbano, com pouca ou nenhuma estrutura e serviços urbanos, onde vive a população de baixa renda” (MICHAELIS, 2013). Sendo assim, a definição inicial volta-se ao âmbito geográfico, estabelecendo oposição a todas as localizações centrais. Chaves (2007, p. 61, grifo meu) destaca que “as categorias ‘centro’ e ‘periferia’ fazem parte de um fenômeno de demarcação geográfica hierárquica, que produz ideais qualitativos em uns e respectivas ausências e atrasos em outros, afetando inclusive imaginários e estruturas sociais”. Sendo assim, a própria delimitação do termo "periferia" ergue uma divisão entre as estruturas sociais, estabelecendo uma posição de subordinação das regiões periféricas aos centros. Uma definição do termo “periferia” por Trotta (2013) parece adequada aos anseios deste projeto. O autor o defende como um vocábulo que agrega um tríplice significado, sendo simultaneamente um local (região periférica), as pessoas (estratos da sociedade de menor poder aquisitivo) e o estilo de vida e de consumo dos habitantes. O conceito de cultura proposto por Geertz (1973) contempla as aspirações deste projeto. O autor considera o homem como "um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu" e assume "a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado" (1973, p. 4). A partir dessas considerações, apresento a cultura como um fator determinante na vida do homem; também fundamental, portanto, para o entendimento do mesmo e suas relações. Dos e nos contextos periféricos, emergem uma grande variedade de “produtos culturais associados a um conjunto de ideias e processamentos sobre o popular, que tematiza e elabora significados sobre esse local físico e simbólico” (TROTTA, 2013, p. 162). Dentre essa variedade de produtos culturais, a música pode ser considerada um dos mais relevantes. Sobre a emergência cultural periférica na contemporaneidade, Trotta (2013, p. 162) aponta que “vivemos um momento cultural no qual os países, regiões e bairros periféricos têm despertado a atenção dos setores dominantes da economia, política e cultura”. Em âmbito nacional, esta atenção pode ser atrelada a três fatores: (a) aumento do contingente populacional das regiões periféricas, (b) ampliação de sua participação na economia nacional e (c) ampliação da circulação de estéticas vinculadas aos gostos dessa população (NEGRI, 2010). Em "Fugidinha: gêneros musicais, periferias e ambiguidades", Trotta (2013) considera que os gêneros musicais que podemos chamar de “periféricos de massa” podem ser.

(14) 12. “associados à sedução jovem, à noite, à alegria e ao encontro" (2013, p. 30). São apontados como os principais meios de propagação desse material sonoro: a internet, a televisão e as rádios. Os repertórios compartilham narrativas e deslocamentos sobre a hierarquia segregacionista historicamente estabelecida entre centro e periferia (TROTTA, 2013), o que pode ser apontado como outra marca de muitos dos gêneros provenientes da periferia. A partir da análise de discursos contrastantes - por um lado, condenadores e, por outro, exaltadores a esses repertórios musicais – podemos elencar algumas características complementares. A condenação geralmente gira em torno de características como a sexualização, a suposta baixa qualidade estética e a violência, enquanto a exaltação é geralmente atrelada ao seu viés cultural, sua capacidade de integração e mobilização social e sua vivacidade. Diante da dualidade hierárquica entre centro e periferia, a dissipação das músicas periféricas de massa configura-se como um fenômeno que transborda fronteiras sociais e geográficas: essas produções musicais dispõem de um público heterogêneo e numeroso e apresentam uma estrutura comercial eficiente (TROTTA, 2013). Em nossa pesquisa, a aproximação à constituição identitária dos sujeitos investigados partiu de várias perspectivas. Dentre elas, busquei dar lugar de destaque às preferências musicais e suas relações com aspectos comportamentais, emocionais, sociais e ideológicos na vida dos indivíduos. Preferência advém do verbo preferir, que tem suas origens etimológicas do latim praefere: prae significa "antes" e fere "levar" (WIKTIONARY, 2014), ou seja, levar antes; dar prioridade. O dicionário Michaelis confirma a definição: preferência diz respeito à "ação ou efeito de preferir uma pessoa ou coisa a outra; predileção; manifestação de agrado, atenção ou distinção relativamente a alguém; primazia; prioridade" (MICHAELIS, 2009). Preferência musical, para Schäfer (2008), é o grau do gosto por um determinado estilo musical, também podendo ser definida como tendência comportamental para ouvir um estilo mais que outros. O autor defende a substituição do termo gosto musical por preferência musical; isso porque o termo "gosto" transmitiria a impressão hierárquica de que um tipo de música é necessariamente melhor do que a preferência por outro tipo. Para North e Hargreaves (2008) e Gonçalves (2010), “gosto” e “preferência” são termos diferentes que se relacionam. Nessa perspectiva, o termo preferência musical é utilizado para músicas “que nos afetam positivamente a curto prazo, enquanto Gosto Musical está mais relacionado com um género musical que nos agrada a longo prazo” (GONÇALVES, 2010, p. 4). Sendo assim, a relação estabelecida entre os termos está na permanência, na perpetuação de determinada escolha musical: quando a preferência musical se torna recorrente e estável, pode passar a ser encarada como gosto musical..

(15) 13. As minhas experiências como educador musical e a associação com pesquisas que vem sendo desenvolvidas na área da educação musical sobre a influência midiática no âmbito escolar, apontam que estamos lidando com um bombardeio midiático reconhecidamente volátil na contemporaneidade. Talvez utilizar o termo "gosto musical" não seja ideal, apoiado na conceituação de gosto como algo de longa duração (NORTH; HARGREAVES, 2008; GONÇALVES, 2010). Como na realidade da mediação midiática as escolhas musicais tendem a ser variáveis e o recorte com o qual trabalhei é temporal específico, abordo o termo "preferência musical", não deixando de lado as relações entre essas preferências com o gosto musical. Além da possibilidade de que elas sejam eventualmente compreendidas como gosto na realidade dos entrevistados. Visando fundamentar a ideia de que a preferência musical dos sujeitos pode impactar em sua constituição identitária, apresento no decorrer do texto uma breve revisão de literatura acerca do tema. Schwartz e Fouts (2003) apontam que as músicas de preferência de adolescentes têm sido relacionadas com questões de identidade, dependência/independência, separação/conexão, valores, crenças, identificações, percepções do self e regulagens emocionais. Assim, as preferências musicais podem funcionar como pontes à realidade interior dos jovens, servindo como "janelas" em seu universo. Santos (2011, p. 224) destaca que "a música é um dos caminhos de produção de identidades culturais. As pessoas se agrupam socialmente através das práticas musicais". Schäfer (2008, p. 60) a partir de seu estudo, afirma que "conhecer pessoas por intermédio da música também aparenta ser um fator crucial para preferência musical", validando a ideia que a preferência musical também é um fenômeno social. Dentro da mesma perspectiva, Tekman e Hortaçsu (2002) concluem que uma das funções da música é a definição da identidade social para si e para os outros. Os resultados de sua pesquisa demonstram que os indivíduos utilizam a preferência musical para desempenhar função avaliativa e processos de identificação grupal, atração ou rejeição por determinados grupos. Ilari (2006) investiga o papel da música na atração interpessoal, escolha de parceiros e relacionamentos afetivos. Também são vários os estudos que perpassam e indicam relações entre preferência musical e suicídio (LACOURSE e VILLENEUVE, 2001; SCHELL e WESTFELD, 1999; STACK e GUNDLACH, 1992, 1994; STACK, 2000, 2002; PIMENTEL et al, 2009), ou até mesmo entre preferência musical e o uso de maconha (PIMENTEL; GOUVEIA; VASCONCELOS, 2005). Também há os que buscam compreender as relações entre preferência musical e roubo, envolvimento com gangues de rua e uso de drogas pesadas (MIRANDA; CLAES, 2004) e entre preferência musical e outros comportamentos.

(16) 14. considerados desviantes e de risco (NORTH; DESBOROUGH; SKARSTEIN, 2005). Pimentel e Donnelly (2008), a partir do modelo dos Big Five (Cinco Grandes Fatores de Personalidade – Extroversão, Agradabilidade, Escrúpulo, Neuroticismo e Abertura à Experiência), apontaram que “especificamente, verificou-se uma relação positiva e estatisticamente significativa entre a dimensão música de massa e o fator Extroversão [...]. Música de Massa e Abertura à Experiência se correlacionaram negativamente [...]” (2008, s.p.). Dunn, Ruyter e Bouwhuis (2011) também no âmbito dos Big Five, correlacionaram Neuroticismo e preferência pela música erudita, e entre Abertura a Experiência e preferência musical pelo Jazz. McNamara e Ballard (1999) demonstraram correlações positivas entre níveis de excitação fisiológica e preferência por músicas excitantes e também entre busca de sensações e comportamento antissocial. Esse cenário pode ser confirmado na pesquisa de Weisskirch e Murphy (2004), na qual verificaram que aqueles que apresentaram maiores pontuações na Escala de Busca por Sensações (ZUCKERMAN; EYSENCK, 1978) mostraram maior preferência por gêneros mais excitantes. Por outro lado, aqueles que apresentaram menores pontuações no inventário, preferiam gêneros considerados mais calmos. Connel e Gibson (2003) examinam as complexas relações entre lugares, músicas e identidades culturais e defendem que muito da compreensão humana sobre os lugares mantém alguma forma de relação com a música popular. Ainda no âmbito das relações entre lugares e músicas, Quadros e Lorenzo (2013), investigaram a influência da classe social sobre as preferências musicais de estudantes de ensino médio da cidade de Vitória/ES, a partir de escolas localizadas em distintas regiões geográficas da cidade. Os autores destacam que os resultados obtidos na pesquisa "[...] convergem para a necessidade de o professor conhecer que tipo de música seu aluno escuta cotidianamente, utilizando essa informação na elaboração do seu planejamento didático" (QUADROS; LORENZO, 2013, p. 47). As escolhas musicais transpassam os limites sonoros; elas agrupam organicamente sujeitos semelhantes, que compartilham os modos de vestir, pensar, falar, portar-se e sentir. No âmbito escolar, esses fatores funcionam como fios condutores que agrupam identidades semelhantes e diferenciam as distintas em sala de aula. Como a educação musical chega às escolas da periferia, há a necessidade de práticas pedagógico-musicais condizentes com essa realidade. Para tanto, o educador necessita reconhecer seus educandos, e a revisão de literatura. apresentada. oferece. subsídios. suficientes. para. acreditarmos. reconhecimento pode partir das relações entre sujeitos e músicas de preferência.. que. esse.

(17) 15. Bem como é importante a delimitação do que compreendemos como contexto na pesquisa, é oportuna uma reflexão introdutória sobre alguns pontos primordiais, que envolvem definições de escola, suas relações com a cultura e aspectos em torno da educação musical escolar na contemporaneidade. Assim como a música, a escola deve ser compreendida a partir de suas intrínsecas relações com a cultura. É nesse sentido que Queiroz (2013, p. 97) afirma: "as relações entre cultura, sociedade, música, escola e formação humana não podem ser analisadas de forma estanque". Foi a partir da importância atribuída ao processo de formação do sujeito para a existência da própria cultura, que se buscaram formas sistêmicas de definir, controlar e mediar conhecimentos fundamentais para a vivência social. Nesse contexto, nasceram as instituições de ensino, para cumprir funções de formar indivíduos para lidar com saberes e comportamentos considerados fundamentais para um determinado contexto social: "em suma, a escola é um fenômeno cultural definido para mediar outros fenômenos de cultura" (QUEIROZ, 2013, p. 99). Dessa forma, os conteúdos de todas as disciplinas, incluindo a música, são ministrados de acordo com uma seleção cultural, envolvendo padrões, normas, valores e outras definições. A importância da consolidação da música como disciplina pode ser justificada ao considera-la como uma "necessidade de expressão humana, intensa e profunda [...] que acompanha toda a humanidade, desde os seus primórdios, em qualquer ponto do planeta, em todas as culturas" (KATER, 2012, p. 42) e ao considerarmos o papel social da escola como mediadora de fenômenos culturais (QUEIROZ, 2013). Com a homologação da Lei 11.769/2008 (BRASIL, 2008), foram abertas perspectivas de ampliação da música nos currículos de educação básica. A Lei, a partir de uma articulação com a atual LDB, acrescenta um parágrafo no Art. 26: "A música deverá ser conteúdo obrigatório mas não exclusivo, do componente curricular que trata o parágrafo segundo deste artigo [ensino de arte]" (BRASIL, 2008). Nesta conjuntura de expansão, "cabe refletir [...] acerca das contribuições que a educação musical escolar pode trazer para a música como fenômeno da cultura" (QUEIROZ, 2013, p. 104). Espera-se que a música na escola contribua com novas incursões musicais na sociedade, fazendo com que os educandos assimilem o fazer musical como expressão humana e cultural, para que a compreendam como um todo. Kater (2012) considera que ao promover o contato dos educandos com variadas compreensões, expressões e possibilidades do fazer musical, o educador ajuda a situar esses sujeitos conscientemente e criticamente na sociedade. A exploração multicultural nas propostas de Educação Musical está em consonância com as diversidades que marcam os sujeitos na escola contemporânea em distintas etnias,.

(18) 16. singularidades de gêneros, variadas formas de expressar a sexualidade e múltiplas maneiras de enxergar o mundo. Neste trabalho, a escola é apresentada como um espaço dialógico entre realidades distintas, sendo, portanto, os sujeitos apresentados dentro de parâmetros da diversidade e analisados sob o enfoque das relações entre suas concepções musicais e contextos..

(19) 17. 2 METODOLOGIA Com o intuito de investigar contexto(s), concepções e relações entre estes fatores, pensei em estratégias para uma compreensão panorâmica do contexto escolar (segundo os círculos espaço, cultura e sujeitos). Assim como para o mergulho em experiências culturais de uma amostragem de alunos – apurando o olhar para identificação de maneiras pelas quais estas experiências impactam no que estes alunos esperam de uma aula de música. Neste percurso, foram identificadas compreensões sobre usos e funções da música, experiências musicais, concepções sobre música e sobre o ensinar e aprender música. Realizei uma pesquisa bibliográfica e documental sobre a região da cidade e sobre o bairro ao qual a escola faz parte, incluindo documentos, índices, pesquisas das secretarias municipais sobre o bairro e a região oeste da cidade de Natal. Esse levantamento foi importante para que quando eu visitasse o espaço escolar, tivesse embasamentos prévios sobre características do local, no sentido de chegar com um olhar ambientado. Assim, fui capaz de enxergar a escola como estrutura localizada dentro daquele bairro e, portanto, influenciada pela atmosfera sociocultural que cobre as dimensões geográficas desta parte da cidade. Em seguida, lancei mão de uma série de estratégias/ferramentas para uma compreensão do contexto dos alunos capaz de abarcar seus três círculos. Estas ferramentas/estratégias são a observação, o diário de campo, as entrevistas e a formação de grupos focais. Ludke e André (1986, p. 26) apresentam a importância da observação no âmbito das pesquisas qualitativas na medida em que "possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado". Oliveira (2010, p. 23) comenta que a observação é o instrumento que oferece mais detalhes ao pesquisador, "por basear-se na descrição e para tanto utilizar-se de todos os cinco sentidos humanos". No campo, o pesquisador se defronta com a difícil tarefa de selecionar e reduzir a realidade sistematicamente, buscando descrevê-la realçando seus aspectos mais relevantes de acordo com os objetivos da pesquisa. Assim, Ludke e André (1986, p. 17) consideram que para se deparar com os desafios de pesquisador/observador, é necessário "preparar-se mentalmente para o trabalho, aprendendo a se concentrar durante a observação". Baseado nas considerações das autoras, desenvolvi previamente às observações um trabalho de concentração, objetivando alguns pontos específicos: (1) deter a ansiedade diante da importância deste trabalho para a minha formação acadêmica e pessoal; (2) evitar preconceitos; (3) buscar o equilíbrio entre o estranhamento e a razão; (4) relativizar realidades; (4) ter cuidados na imparcialidade de.

(20) 18. direcionamentos aos objetivos esperados, buscando o desenvolvimento de uma percepção natural acerca dos fatos. Visando apresentar aspectos norteadores do processo de observação em uma pesquisa, Cowie (2009, p. 172) apresenta uma tabela na qual sugere dimensões a serem observadas em uma pesquisa e suas definições: Tabela 1 - Dimensões-chave da observação. DIMENSÃO Espaço Atores Atividades Objetos Atos Eventos Tempo Metas Sentimentos. DEFINIÇÃO Espaço físico ou lugares Pessoas envolvidas Atos relacionados que as pessoas fazem As coisas físicas que estão presentes Ações individuais que as pessoas protagonizam Conjunto de atividades relacionadas que as pessoas realizam Sequenciamento que ocorre ao longo do tempo As coisas que as pessoas estão tentando conquistar As emoções sentidas e expressadas Fonte: Cowie (2009). Por julgar que estas dimensões e definições conseguem abarcar uma perspectiva complexa e profunda do presente, dei um lugar de destaque a este quadro em minhas imersões etnográficas. Para Gil (1987), há três tipos de observação nas pesquisas: a observação participante, a observação simples e a sistemática. Na primeira, "o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de um membro do grupo" (p. 108), interagindo com o contexto. Na observação simples, o pesquisador não interage ativamente com as situações, apenas "observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem", sendo, assim, muito mais um espectador do que um ator (p. 105). Na última, o observador elabora, previamente ao contato com o fenômeno investigado, um plano específico de observação. Neste trabalho, adotei a observação participante no contexto, sentindo-me livre para interagir com os sujeitos presentes no espaço educacional, o que contribuiu para a fluidez e aprofundamento da coleta de dados nesta etapa. Apesar das limitações de uma pesquisa não muito prolongada no campo – totalizando seis visitas sequenciadas em três semanas de observação –, busquei, através das observações, extrair o máximo de impressões do contexto. Agucei meu olhar etnográfico desde o percurso que se destinava à escola, tendo em vista a descrição reflexiva sobre o espaço e sobre as vidas.

(21) 19. acontecendo em suas proximidades. A partir dessa ambientação espacial, a observação do contexto de pesquisa avançou especificamente para dentro dos muros escolares, em uma análise tanto da estrutura física quanto de interações humanas, complementando as caracterizações prévias do espaço e contemplando introdutoriamente os círculos, cultura e sujeitos. Durante a minha convivência no ambiente escolar, as situações presenciadas foram fundamentais para a compreensão do ambiente investigado. Após traçadas e analisadas, as informações foram capazes de auxiliar na compreensão do contexto de pesquisa em aspectos como relações humanas e manifestações culturais. Associado ao exercício da observação participante esteve o diário de campo. Segundo a definição de Patterson (2005), o diário consiste em um registro pessoal de acontecimentos cotidianos, observações e pensamentos. Zaccarelli e Godoy (2010) consideram que um diário deve ter regularidade de registros, ser pessoal, contemporâneo e deve gravar o que o indivíduo considera relevante, incluindo eventos, atividades, interações, impressões e sentimentos. Referindo-se ao âmbito de pesquisa acadêmica, Bolger et al (2003, p. 580) apontam que os diários de campo são "instrumentos de auto-relato usados repetidamente para examinar experiências correntes". Danna e Matos (2006) apresentam algumas possibilidades para as anotações no diário de campo, tais como registro cursivo, uso de palavras-chaves, check list e códigos. Nesta pesquisa, o diário de campo permitiu o registro imediato dos variados estímulos proporcionados pela observação e de reflexões emergentes. Esse registro constituiu uma parte importante da matéria-prima de informações presentes no trabalho. Além da observação, uma estratégia importante para a coleta de dados acerca do contexto escolar e seus personagens foi o uso de entrevistas. Duarte (2004, p. 215) destaca que as “entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos”. A autora explica que, caso sejam bem realizadas, as entrevistas permitem ao pesquisador um mergulho profundo, “coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo”. Manzini (2004) explica que há três tipos de entrevistas: a estruturada, a semiestruturada e a não-estruturada. As entrevistas estruturadas têm suas perguntas fechadas, as semi-estruturadas seguem um roteiro pré-estabelecido e as últimas oferecem ampla liberdade na formulação de perguntas e na intervenção da fala do entrevistado. Foram entrevistadas a diretora da escola e a professora de Artes (com habilitação em música) das duas turmas acompanhadas mais intimamente na pesquisa – ponto que será apresentado no tópico a seguir..

(22) 20. Duarte (2004) traça algumas dicas para um bom desempenho da entrevista por parte do pesquisador, dentre elas a delimitação clara dos objetivos, o planejamento e ensaio de atuação, o uso de roupas neutras e a pontualidade. As entrevistas com a diretora foram realizadas em horários marcados, na sala da direção da escola. Pedi permissão e fui autorizado a gravar a conversa. As entrevistas ocorreram em duas ocasiões, com duração aproximada de vinte minutos cada. Seguindo uma indicação de Duarte (2004), elaborei um roteiro simples de temas a serem abordados, configurando a entrevista como semi-estruturada: a) realidade social do bairro; b) informações estruturais da escola; c) papeis desempenhados na/para escola e comunidade; d) impressões/relatos sobre os alunos; e) relações dos alunos com o espaço escolar; f) relações gerais dos alunos com música(s); g) trabalhos musicais realizados na escola. As entrevistas proporcionaram importantes dados complementares à ambientação espacial, bem como um aprofundamento na compreensão dos sujeitos e cultura(s). A partir do contato, tive acesso a descrições e informações sobre os alunos e a escola segundo a perspectiva de importantes personagens do contexto investigado. Como a convivência com a professora foi mais frequente, as entrevistas acabaram acontecendo de uma maneira mais natural e informal, muitas vezes de forma dinâmica, enquanto caminhávamos até a sala ou à sala dos professores e antes e depois do horário das aulas. Assim, os momentos de entrevista com a professora foram mais numerosos e em períodos de tempo mais curtos, quando comparados à entrevista com a diretora. Apesar de ter em mãos o mesmo roteiro, as interações em alguns momentos ganharam contornos de diálogos naturais de duas pessoas se conhecendo. Não conversávamos apenas sobre assuntos do interesse da minha pesquisa: meio a interlocuções sobre pontos específicos sobre a escola e os alunos, conversávamos sobre música em geral e refletíamos sobre as transformações da sociedade, sobre estranhamentos, sobre o passado em paralelo com o contemporâneo. Essa aproximação permitiu uma melhor compreensão da professora como indivíduo social e profissional. Percebi, nas entrelinhas de suas falas, ideologias que fundamentam seus pensamentos e atitudes, e que consequentemente manifestam-se em suas escolhas em sala de aula. Assim, essa percepção ajudou a interpretar o contexto educacional no qual vivem os alunos investigados. Dado o primeiro passo em busca da interpretação qualitativa do contexto através da observação com o auxílio de importantes ferramentas e procedimentos de coleta de dados, a pesquisa rumou ao aprofundamento interpretativo do contexto ainda por meios qualitativos. O intuito foi desvelar códigos culturais e significados compartilhados pelos investigados no que.

(23) 21. diz respeito a diversos fatores – realidade social, perspectivas de vida, práticas religiosas, atividades extraescolares e diversões, conhecimentos musicais, contatos musicais na escola, contatos musicais fora da escola, preferências musicais, concepções/expectativas de ensino de música na escola. A estratégia escolhida para coletar dados capazes de abarcar esta série de fatores foi o uso de grupos focais. Zimmermann e Martins (2008) apresentam que os grupos focais foram mencionados primeiramente como técnica de pesquisa em marketing nos anos 1920. A técnica foi introduzida nas ciências sociais em 1950, por R. Merton, objetivando estudar reações das pessoas à propaganda de guerra. Vaughn et al (1996) apresentam o grupo focal como uma técnica qualitativa que pode ser utilizada sozinha ou associada a outras técnicas qualitativas ou quantitativas para aprofundar o conhecimento das necessidades dos sujeitos investigados. Carlini-Cotrim (1996) conceitua o grupo focal como uma: espécie de entrevista de grupo, embora não no sentido de ser um processo onde se alternam perguntas do pesquisador e resposta dos participantes. Diferentemente, a essência do grupo focal consiste justamente em se apoiar na interação entre seus participantes para colher dados, a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (que vai ser no caso o moderador do grupo). Uma vez conduzido, o material obtido vai ser a transcrição de uma discussão em grupo, focada em um tópico específico (por isso grupo focal).. Baptista e Cunha (2007, p. 179) apresentam que as vantagens do grupo focal em uma pesquisa consistem na obtenção de um maior número de informações com riqueza de detalhes. Baseada em Krueger (1988), Carline-Cotrim (1996) considera que uma das maiores riquezas da coleta de dados através do grupo focal é seu apoio na tendência humana de formar atitudes e opiniões na interação com outros indivíduos. Nesse sentido, Dias (2000), fundamentando-se em Johnson (1994), comenta que o esforço combinado do grupo produz mais informações e com mais detalhes que o somatório das respostas individuais. Assim, "a sinergia entre os participantes leva a resultados que ultrapassam a soma das partes individuais" (p. 4). Este fenômeno foi perceptível na aplicação da técnica nesta pesquisa e comentado no decorrer do trabalho. Na aplicação da técnica do grupo focal, reúne-se um grupo relacionado com o problema a ser explorado e um moderador que assegure que o assunto será discutido sem distorções (BAPTISTA; CUNHA, 2007). Para Dias (2000, p. 4), "o moderador é a peça mais importante do grupo focal, já que é sua responsabilidade conduzir a discussão evitando a inibição do fluxo de ideias sem, entretanto, conduzir o grupo a ideias preconcebidas e dimensões de parcialidade". Configuram-se como funções do moderador promover.

(24) 22. direcionamentos necessários, bem como o incentivar a participação de todos os componentes do grupo, tendo em vista o aprofundamento das discussões, podendo, assim, revelar novos aspectos e novos olhares relativos ao tema (ZIMMERMANN; MARTINS, 2008). Assim como nas observações, busquei preparar-me mentalmente antes das reuniões com os grupos focais. Nesse exercício, mantive a consciência de que estas experiências seriam as fontes mais importantes de informações para o desenvolvimento do trabalho e refleti sobre a grande responsabilidade que um moderador assume na prática dos grupos focais. Evidenciei, nos pensamentos, a importância de manter o equilíbrio entre a condução das discussões que estavam por vir e a busca pela imparcialidade. Para Carline-Cotrim (1996, p. 287), "cabe ao pesquisador moderador do grupo criar um ambiente propiciador para que diferentes percepções e pontos de vista venham à tona, sem que haja nenhuma pressão para que seus participantes votem, cheguem a um consenso ou estabeleçam algum plano". Quanto ao número de participantes, há um consenso entre os pesquisadores de que participem de seis a dez pessoas (CARLINI-COTRIM, 1996), aparecendo eventualmente grupos que cheguem até doze participantes (DIAS, 2000; ZIMMERMANN; MARTINS, 2008). A duração varia entre uma hora e meia e duas horas (CARLINI-COTRIM, 1996; DIAS, 2000). A etapa do planejamento é fundamental na aplicação da técnica do grupo focal. Dias (2000) traça uma série de pontos primordiais nessa fase. Primeiramente, devem ser claros os objetivos. O pesquisador deve elaborar uma lista de questões para discussão, compondo um guia de entrevista (não é uma lista de perguntas que devem ser seguidas à risca, mas um elemento norteador). Após traçado o guia de entrevista, devem ser cumpridos os seguintes passos: escolha do local da entrevista, delimitação da organização do espaço e recrutamento dos participantes. O guia de entrevista elaborado para a pesquisa – apêndice A – envolveu os seguintes pontos: local de moradia, realidade social, perspectivas de vida, religião, situações de socialização, contatos musicais na escola e fora da escola, preferências musicais, conhecimentos musicais, experiências com o fazer musical e concepções/expectativas em relação a aulas de música na educação básica. Por comodidade e por capacidade de acomodação confortável de todos em um grande círculo no espaço, realizamos as dinâmicas dos grupos focais na própria sala de artes. O objetivo inicial era recrutar dez jovens de duas turmas de nono ano, que em seu total tinha uma média de vinte alunos cada, para a realização de dois encontros de uma hora de duração. Ao me deparar pela primeira vez com cada uma das duas turmas – ocasião na qual fui me apresentar, explicar os objetivos da pesquisa, pedir.

(25) 23. sua participação e explicar seus direitos2 - percebi que poderia trabalhar bem com todos os alunos em cada turma. Como demonstraram interesse e acessibilidade, optei por ter mais informantes para conseguir mais informações relevantes ao trabalho. Com a contemplação de todos os alunos das turmas, não foram necessárias estratégias de recrutamento. A escolha dos grupos focais como ferramenta primordial de coleta de dados na pesquisa permitiu com fluidez a obtenção de informações detalhadas acerca dos alunos, seus contextos, suas concepções/experiências musicais e as relações entre esses fatores. Os dados traçados no diário de campo, que dizem respeito majoritariamente às impressões das observações, foram transcritos na íntegra e, em seguida, categorizados em quatro itens que acomodaram parte da matéria-prima da construção do trabalho: a) impressões sobre a localização da escola; b) impressões sobre aspectos estruturais da escola; c) impressões sobre funcionários da escola; d) impressões sobre alunos da escola. As gravações das entrevistas e dos encontros dos grupos focais também foram transcritas na íntegra e categorizadas, constituindo grande parte dos dados traçados no trabalho. A categorização seguiu os itens: a) problemas sociais; b) perspectivas de vida; c) religião; d) conhecimentos musicais; e) contatos musicais na escola; f) contatos musicais fora da escola; g) preferência musical; e concepções/expectativas de ensino de música na escola. O processo de análise dos dados categorizados seguiu uma dinâmica fluida. Primeiramente, os dados foram transformados no formato de texto formal – dando origem a uma versão extensa e organizada dos dados mais relevantes obtidos. Em seguida, busquei estabelecer correlações entre os dados traçados e referências bibliográficas que abordam assuntos/situações semelhantes e experiências pessoais minhas como humano, educador e artista. Essa busca por conexões objetivou refletir sobre semelhanças e diferenças entre o contexto investigado e contextos distintos, possibilitando situar o trabalho em dimensões mais amplas. 2. Confidencialidade, não obrigação de responder as perguntas e o aviso sobre a gravação das sessões (DIAS, 2000)..

(26) 24. 3 ALGUNS FUNDAMENTOS IMPORTANTES PARA A PESQUISA: SOBRE PARADIGMAS E APROXIMAÇÕES AO ALUNADO A aproximação entre professor e aluno, a busca de dar voz às concepções dos educandos e o interesse pelas relações entre eles, contexto e cultura são ideias que vem ganhando espaço dentro das perspectivas contemporâneas de educação. Entretanto, ecos do paradigma da Modernidade ainda ressoam contradizendo essas novas tendências, como no próprio contexto investigado nesta pesquisa, no qual se percebe um emaranhado de condicionamentos culturais influenciados por ideais do paradigma da Modernidade em música. Uma das motivações para este trabalho foi mexer com essa ressonância da Modernidade e somá-lo aos estudos que buscam novos sentidos e formas de pensar o exercício de ensinar e aprender. Em um trabalho no qual defendo a importância de dar voz, me apropriei da oportunidade de ter a minha voz – de usar o espaço para defender o que eu acredito e o motivo desta pesquisa. Assim, diante desta dualidade – moderno / contemporâneo -, objetivando demonstrar motivos pelos quais devemos pensar os processos de educação conforme os parâmetros da contemporaneidade, parto de um olhar histórico sobre o paradigma da modernidade na educação e na educação musical. Busco evidenciar suas inconsistências e deficiências para, então, apresentar caminhos e reflexões na esfera das novas perspectivas paradigmáticas em âmbitos educacionais e educativo-musicais. Dentre estes variados caminhos, direciono as reflexões especificamente para a construção de pontes - como símbolo representativo da conexão entre educador e educandos – e para a importância da escuta da voz do alunado, principais fundamentos nos quais se apoia este estudo. 3.1 O PARADIGMA DA MODERNIDADE Considero o paradigma da Modernidade hoje como um paradigma-fantasma que ainda nos assombra cotidianamente. Falo que é um fantasma por crer que ideologicamente ele já tenha passado pelos estágios de nascimento, amadurecimento e decadência – este último em função de amplos debates e produções que tematizam suas incoerências e a emergência de novas formas de ser e estar no mundo (PRIGOGINE; STENGERS, 1979; CAPRA, 1976, 1983; WIGNER, 1970; BELL, 1976; BAUMANN, 2001). Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, embalado pela euforia das proximidades da virada ao segundo milênio, apresenta em “Um Discurso Sobre as Ciências” (2009) evidências e lúcidas reflexões que realçam a.

(27) 25. crise do paradigma Moderno e a emergência de um novo paradigma. O autor põe em cheque a teoria representacional da verdade absoluta, a aproximação às explicações causais. A racionalidade da Modernidade considera que tanto os fenômenos naturais quanto os humanos carregam consigo um caráter de previsibilidade. Essa crença encontra-se em alguns dos precursores das leis da sociedade, como Vico e Montesquieu. Durkheim, ícone de uma das correntes pioneiras das ciências sociais, buscava aplicar ao estudo da sociedade os princípios epistemológicos e metodológicos que prescindiam ao estudo da natureza desde o século XVI, encarando as ciências naturais como aplicação ou concretização de um modelo de conhecimento universalmente válido e a polarização entre conhecimentos científicos e conhecimentos do senso comum, propostos pelo paradigma da Modernidade. Em contraposição à concepção de que a cientificidade da tradição europeia é inquestionável, Boaventura apresenta que “todo o conhecimento científico é socialmente construído, que o seu rigor tem limites inultrapassáveis e que a sua objetividade não implica a sua neutralidade” (SANTOS, 2009, p. 9). Assim, anuncia a crise da modernidade e a emergência de um novo paradigma, que atribui aos conhecimentos científicos um caráter também social e busca “sensocomunizar” a ciência, em uma perspectiva democrática de pensar o acesso aos conhecimentos na contemporaneidade. Talvez já tenhamos evidências suficientes para crer que o paradigma da Modernidade já esteja em estágio de decadência, mas ele ainda deixa rastros muito marcantes em nossa sociedade. Estes se delineiam toda vez em que testemunhamos a supervalorização dos conhecimentos científicos rígidos e a construção de uma veracidade inabalável por trás das leis, métodos, teorias, teoremas e valores da tradição europeia. Essa unilateralidade realça uma tendência tecnicista, mecânica e determinista de nortear interações, pensamentos e condutas, e costuma ser acompanhada por uma severa desconsideração em relação aos conhecimentos e valores advindos da esfera do senso comum. Em relação à escola na contemporaneidade, Saraiva e Veiga-Neto (2009, p. 198), apresentam que “apesar de muitas transformações, ainda mantém um forte vínculo com a escola disciplinar da Modernidade sólida”. No âmbito musical, a racionalidade da Modernidade pode ser observada no estabelecimento de hierarquizações entre gêneros musicais, na delimitação de uma "escuta ideal", em maneiras específicas pelas quais se deve ensinar e aprender música. Travassos (2012, p. 117) comenta que a música erudita europeia "beneficiou-se, em sua irradiação planetária, do fato de ser a música dos colonizadores europeus e dos missionários cristãos, que instituíram seu ensino ignorando ou rejeitando a existência de inúmeras outras expressões.

(28) 26. musicais das populações locais". Assim, foram beneficiadas e disseminadas determinadas formas de compreender o conceito de "música", bem como noções sobre sua natureza e valor. A percepção acerca da recorrência de reflexos da Modernidade ainda tão presentes numa perspectiva geral da sociedade contemporânea anuncia a necessidade de produzir trabalhos que desemboquem no fluxo das reflexões de Boaventura de Sousa Santos e de vários colegas contemporâneos, fortalecendo as novas correntes epistemológicas; trabalhos que dialogam com ideias de âmbito sociocultural que nos encaminham a maneiras de agir, pensar e construir significações que se aproximem do relativismo e sejam mais democráticas e, portanto, mais pertinentes aos cenários da nossa sociedade contemporânea. Neste trabalho, foco as discussões para novas maneiras de pensar sobre/agir nos contextos educacionais da educação básica, buscando o enfoque no campo da educação musical.. 3.2 A MODERNIDADE NA EDUCAÇÃO E NA EDUCAÇÃO MUSICAL: ENTRE MOLDES, MÉTODOS E HIERARQUIZAÇÕES Na Europa Ocidental, a partir do século XVIII – época marcada pela industrialização, pela expansão das cidades, pelo crescimento da burguesia e criação dos Estados Nação – a educação passou de um bem privado (exclusivo das famílias) para um bem parcialmente público (participação do Estado), com a inauguração da instituição escolar. Assim, passou a dividir com as famílias a responsabilidade de educar. Essa divisão ficou cada vez mais desequilibrada (pendendo para o poder do Estado) na medida em que, com o desenvolvimento industrial, os trabalhadores passaram a ficar menos tempo em casa, o que reduzia o vigor da educação de pai para filho (RAMOS, 2012). Assumindo a responsabilidade de educar, como o Estado desenhou seus anseios e ações? Recém-nascida na atmosfera da modernidade, a escola teve em seu desenvolvimento o investimento maciço de princípios ideológicos desse paradigma. Em 1637, com a publicação do “Discurso do Método”, Descartes anunciou um dos importantes marcos de fundação do pensamento moderno. Em sua obra, defendeu o enquadramento metodológico como o único caminho para o verdadeiro conhecimento (DESCARTES, 2006), influenciando a sistematização engessada da ação pedagógica. Outro importante marco de fundação do pensamento moderno foi a “Didática Magna”, do ano de 1649, redigida por Comenius. Na busca de delimitar um “Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos”, o autor defende uma série de princípios que deveriam reger a dinâmica escolar: a ordem, a uniformidade de métodos, a homogeneização de conteúdos e do grupo de alunos, a sincronização de tempos e a.

(29) 27. gradação das etapas (SANTOS, et al, 2011). Na ótica da modernidade, o cumprimento destes princípios caracteriza-se como pressuposto necessário para o progresso do sujeito, da escola e da sociedade. Discorrendo sobre as relações da satisfação dos alunos com a vida escolar no paradigma da Modernidade, Saraiva e Veiga-Neto (2009, p. 198) comentam que A satisfação prevista pela escola disciplinar era adiada para o final do ano, para o final do ciclo, para a vida adulta, para o futuro. A sala de aula era um lugar de trabalho. O único prazer admissível era o prazer de aprender aquilo que estava sendo ensinado. A escola da Modernidade sólida pensava no longo prazo, em uma temporalidade linear e contínua.. Com vistas a manter a ordem e a disciplina em sala de aula, os castigos e a violência eram alternativas bastante comuns dos professores nos séculos XIX e XX, como apresentam autores como Backheuser (1999) e Sá e Siqueira (2006). Aragão e Freitas (2012, p. 18) comentam que “férulas, chicotes e palmatórias faziam parte dos objetos utilizados pelo professor para educar os alunos, mantendo a ordem e a disciplina”. Nesse sentido, Floresta (1989, p. 57) comenta que “as escolas de ensino primário tinham antes o aspecto de casas penitenciárias do que de casas de educação”. O romance “Conto de Escola”, de Machado de Assis (2007), é uma interessante referência a uma aproximação à violência educacional nos anos 1800. O enredo apresenta os primeiros contatos de um menino com situações de abusos na escola, retratando inclusive episódios nos quais a temível palmatória era golpeada contra os alunos. Mesmo que a proibição do castigo corporal tenha sido declarada em 1827 (SÁ; SIQUEIRA, 2012), a violência física ainda continuou marcando a conduta de professores em muitos cenários educacionais no decorrer dos últimos dois séculos. Aragão (2013, p. 3) comenta que, como psicóloga escolar, já presenciou “beliscões, puxões de orelha e tapas na boca dos alunos”. Em uma pesquisa que realizei em uma comunidade quilombola localizada no município de Macaíba, Rio Grande do Norte (PORPINO, 2013), algumas das crianças quilombolas me confidenciaram em entrevista que já foram agredidas por professores na única escola da comunidade. Mesmo nas situações nas quais não há, de fato, agressão física, vale salientar que muitas hostilidades ainda costumam marcar presença na vida escolar, causando sofrimento e angústia aos alunos, como o ensino descontextualizado e a opressão de valores culturais levados por eles. Alves (1994, p. 11) provoca:.

(30) 28. Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara já foram abolidos. Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parecem ter com sua vida?. A partir do sentido de sequenciação rígida dos conteúdos, Veiga-Neto (2002) destaca a contribuição do currículo ao defini-lo como a principal máquina da grande maquinaria que foi a escola na Modernidade. Os princípios desse paradigma trabalharam em conjunto para delimitar e cumprir com a função social da escola: "[...] transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a humanidade" (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 160). Assim, esses pressupostos apontam para uma abordagem educacional que encaminha os alunos a um progresso culturalmente determinado pelo próprio paradigma, no qual alguns bens culturais considerados "mais significativos" são semeados e incorporados em sala de aula, carregando consigo significações engessadas, hierarquizadas e externas ao sujeito (SANTOS, et al, 2011). Os espaços de ensino e aprendizagem caracterizam-se pela mistura heterogênea de dois elementos: o professor depositante – aquele que detém todos os conhecimentos legítimos e os transmite – e os alunos vazios – desprovidos de conhecimentos e culturas, meros depósitos aguardando preenchimento (FREIRE, 1996). No campo musical, os princípios da modernidade construíram historicamente nas sociedades ocidentais um caminho a um progresso que desembocaria diretamente nos domínios da música erudita europeia, como comenta Arroyo (2002, p. 19): "o que deveria ser ensinado e aprendido era o que na visão evolucionista era tomado como o ápice da produção musical da humanidade: a música de concerto dos séculos XVIII e XIX da tradição europeia". Assim, Figueiredo (2012, p. 85) apresenta que o modelo hegemônico de Educação Musical no século XX baseou-se na: revisão dos modelos de ensino praticados em períodos anteriores, ou seja, aqueles modelos de educação musical que focalizavam a formação do instrumentista, reprodutor de um repertório vinculado a uma tradição musical, a partir de concepções fortemente arraigadas na questão do talento e do gênio musical.. Dessa forma, conservatórios e escolas de música, músicos profissionais e amadores, professores particulares, alunos, críticos musicais e apreciadores articularam suas atitudes e discursos em prol da consolidação do status de superioridade da música erudita ocidental europeia ante a qualquer outra. Criou-se uma atmosfera cultural persuasiva e configurada para.

Referências

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