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HUMANIZAÇÃODOSEDUCANDOSEAIMPORTÂNCIADO(S)CONTEXTO(S)

O diálogo das pedagogias com ideias do campo da Antropologia instigou novos pensamentos e parâmetros no que diz respeito às concepções sobre processos de ensino e aprendizagem. Na medida em que as vibrações relativistas foram exercendo influências nas discussões sobre ensinar e aprender, vários estudos de âmbito educacional passaram a questionar os "conhecimentos verdadeiros" elencados pelo mundo ocidental como primordiais para todos os seres humanos, e reforçaram a necessidade de uma educação (musical) menos transmissora e mais mediadora e dialógica. Os ecos desses estudos, inclusive, alcançaram alguns dispositivos legais que evidenciam a emergência do novo paradigma educacional. O pensamento contemporâneo parte da consciência acerca das subjetividades dos homens e de seus contextos, evidenciando a insuficiência de propostas pedagógicas padronizadas; afinal,

se cada aluno carrega em si um universo subjetivo repleto de peculiares experiências e saberes, como abordá-los de uma maneira preconcebida?

As abordagens educacionais contemporâneas podem tomar distintas terminologias, mas têm seguido um fluxo semelhante: partindo da visão sociocultural da educação, que se preocupa com as relações educação-homem-contexto, buscam encaminhar o indivíduo a maneiras mais conscientes de interpretar/lidar com o mundo, para que seja mais crítico e participativo na sociedade. Nessa perspectiva, os conteúdos escolares são apontados como galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros: a educação do paradigma emergente incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidas localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos, em uma fluida dinâmica transdisciplinar, para que possam ser utilizadas fora do local de origem e, portanto, para que sejam significativas em amplas dimensões. Assim, os parâmetros característicos que fundamentam a racionalidade da educação Moderna – como a rigidez curricular, o enquadramento metodológico, o etnocentrismo, a ordem, a uniformidade, o autoritarismo e a repressão – dão espaço à flexibilização de conteúdos, abordagens e condutas, à mediação das diversidades, à relativização, à espontaneidade, à criatividade, ao diálogo, à liberdade e à autonomia.

Kramer (2006, p. 800) comenta que, segundo os ideais contemporâneos educacionais, as crianças devem ter suas especificidades respeitadas, assim como devem a "ser consideradas [...] cidadãs, parte de sua classe, grupo, cultura" (KRAMER, 2006, p. 800). Impulsionando as tendências de âmbito cultural e contextual do novo paradigma, Filho (2006) aponta para a necessidade de estudos que se voltem para o reconhecimento das manifestações culturais das crianças com seus pares. A partir daí, é papel do docente estimular o educando a fazer de suas experiências culturais e saberes artifícios de contribuição na construção coletiva de conhecimentos. Quando condizente com esta dinâmica educacional, configura-se um fenômeno de aprendizagem fundamentado na "construção, ação e tomada de consciência da coordenação das ações" (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2007, p. 7). Dessa forma, o educando, como um sujeito cultural, tem em ambiente escolar a potencialização de suas capacidades assimiladoras e reflexivas; e o educador envolve-se em uma constante prática investigativa acerca da realidade de seus educandos, para que possa articular propostas pedagógicas cada vez mais conectadas com o contexto em questão. Assim, para um indivíduo ser capaz de ensinar, não é o suficiente ser um exímio conhecedor de determinado assunto: o docente contemporâneo deve enxergar seu contexto de atuação sob lentes etnólogas para que seja possível arquitetar o intercâmbio de experiências multiculturais com fluidez e organicidade em sala de aula.

Uma das formas de promover intercâmbios condizentes com os anseios educacionais contemporâneos é partir da abordagem da pedagogia relacional (BECKER, 2001). Na perspectiva relacional, a aquisição de conhecimentos ocorre a partir da existência de uma relação entre a bagagem cultural do sujeito e o objeto a ser explorado; assim, "as construções anteriores desse sujeito servem de patamar para o surgimento de um novo saber" (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2007, p. 6). Na medida em que convida o aluno a delinear fios condutores entre informações empíricas e escolares, o educador estimula o educando a “aprender a pensar e aprender a aprender” (LIBÂNEO, 2003, p. 1). Aprender a pensar, pois o aluno transcenderá o árduo trabalho de memorização mecânica de informações desconexas, já que refletirá sobre como aquela informação pode ser pensada a partir de alguma relação com a vida real. E aprender a aprender, pois, conforme contextualiza informações à vida real, traz ressignificações e constrói conhecimentos para a vida.

Quando o educador mostra ao aluno que ele é capaz de lidar com uma informação e conectar com algum parâmetro de sua vida, propõe ricas possibilidades de apreensão. A tendência é que a prática recorrente das contextualizações entre conteúdos e experiências o leve a um estágio de autonomia no qual não dependa mais exclusivamente do educador para atribuir relações e significações a informações, podendo, portanto, desenvolver mecanismos autônomos para aprender independentemente da mediação de um educador. O desenvolvimento desses mecanismos é facilitado na contemporaneidade, sobretudo pela grande acessibilidade a informações proporcionadas pelos instrumentos tecnológicos que fazem o uso da internet.

Sendo assim, Vilarinho e Martins (2014, p. 2015) comentam que a "presença marcante das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) fez com que informação e ensino deixassem de ser questões fechadas na escola, sob o domínio exclusivo do professor, das bibliotecas ou guardadas na memória das pessoas". Diante dessa realidade, emergem diálogos cada vez mais frequentes entre Educação e Tecnologia.

Dessa forma, uma importante função do docente é despertar o educando aos fascínios das descobertas e às recompensas da satisfação de suas mais variadas curiosidades por meio do uso de tecnologias. Além disso, como a crescente acessibilidade a bens tecnológicos faz parte da dinâmica social contemporânea e os smartphones e tablets são itens cada vez mais adorados e presentes nos ambientes de ensino e aprendizagem. Utilizá-los como ferramentas didáticas pode deslanchar um cenário de satisfação e motivação por parte dos educandos.

Enquanto a Escola da Modernidade era encarada como local de trabalho dos alunos e projetava recompensas que seriam conquistadas em longo prazo, a escola contemporânea

busca ares muito mais otimistas e prazerosos. A partir da contemplação de experiências e de anseios dos educandos, o educador facilita a construção de um cenário de satisfação constante. Saraiva e Veiga-Neto (2009, p. 198) apontam que “as teorias e as metodologias que vêm orientando o trabalho pedagógico na atualidade, cada vez buscam mais a satisfação imediata. Isso pode ser percebido na importância hoje concedida ao interesse dos alunos”. Seguindo rumos semelhantes aos traçados pela pedagogia relacional, a pedagogia de projetos também se configura como uma forma de contemplação dos interesses dos alunos. Trata-se de uma série de atividades conectadas a um quadro de aulas cooperativas, que, a partir de um tema principal, permitem ao aluno a construção de sentido em sua aprendizagem (HERNANDEZ, 1998; JOLLIBERT, 1996).

A ideia de satisfazer o aluno oportunizou uma metáfora que pode ser interessante. Em nossa sociedade, basicamente tudo gira em torno da obtenção de lucros monetários: o horizonte a ser alcançado é projetado no formato de superávit. Sendo o foco das empresas o progresso financeiro, há uma busca incessante pela fidelização dos clientes e, para tanto, adota-se a priorização de um atendimento impecável que satisfaça os interesses deles. Assim, vários jargões em torno das empresas circundam a ideia de que a "nossa principal meta é satisfazer o cliente". Pensando nos espaços de ensino e aprendizagem, apresento a possibilidade de o professor basear-se num caráter empreendedor que busca uma forma alternativa de lucro. Nessa perspectiva, o educador seria uma empresa que oferece serviços educacionais que devem satisfazer os clientes para obter lucros. Esses seriam os resultados de seu trabalho: lucros humanos que não se configuram em números, mas em formas abstratas de sentir e presenciar os impactos de sua atuação docente na vida dos alunos.

O acúmulo desse capital abstrato, quando percebido, pode ser fruto de grande satisfação pessoal e profissional do docente, o que pode realçar a possibilidade de que nos espaços de ensino e aprendizagem (1) tudo gira em torno da obtenção de lucros humanos, (2) a principal meta é satisfazer o cliente (tornando-se necessário contemplar o interesse dos alunos). Penso na importância de nós, educadores, acordarmos ao fascínio do acúmulo de lucros humanos (sem nos esquecermos da importância dos lucros monetários; afinal, vivemos em uma sociedade capitalista). Se, por ora, não conseguimos encher os bolsos de dinheiro, vamos nos enriquecer de lucros em forma de mudanças proporcionadas em jovens a partir de aulas contextualizadas; do despertar de reflexões, consciências, conflitos, criticidades… Em uma realidade conflituosa na qual somos pressionados a ganharmos mais e mais dinheiro para comprar mais e mais bens, talvez seja saudável abstrairmos um pouco da corrida implacável

pelo lucro monetário e pensamos nos benefícios em torno de uma moeda cunhada na abstração de conscientizações e mudanças de vida.

Diante do reconhecido conflito cultural entre o que historicamente – dentro das influências da modernidade – costuma ser proposto na escola e com as culturas dos alunos e de suas famílias, algumas leis já defendem a consciência de que as instituições educacionais estão inseridas em um determinado contexto sociocultural e, por isso, deve aproximar o vínculo com a comunidade e com os familiares, interagindo com sua diversidade de parâmetros culturais. Essa preocupação está exposta em uma das seis incumbências dos docentes apresentadas no Art. 13º da LDB de 1996 - "colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade" (BRASIL, 1996). Bonetti (2006, p. 9) comenta que tanto na Proposta de Diretrizes para a Formação inicial de Professores da Educação Básica em Nível superior (BRASIL, 2000) como no Parecer CNE/CP n. 009/2001 (BRASIL, 2001), o diálogo com a família é tratada como uma responsabilidade do professor "seja na construção de parcerias, atuando como elo entre escola e família, seja no interior da escola, incentivando a 'comunicação' e a 'participação'". Entretanto, a autora deixa uma crítica à falta de profundidade da proposta de diretrizes, que não explicita a finalidade e importância da relação e da parceria com a família, tornando "essa função uma ação mecânica, tratando-a mais como uma obrigação do professor" (BONETTI, 2006).

Pátaro (2013, p. 236) aponta que o estabelecimento de relações entre escola e comunidade "pode intensificar a convivência na diversidade e permitir um trabalho que enfatize as relações interpessoais baseadas na democracia e na justiça, além de promover novas abordagens e estratégias de resolução dos conflitos cotidianos". Travassos, numa perspectiva que anuncia os avanços de professores e instituições no que concerne à aproximação às comunidades, comenta que "as maneiras de aproximar do cotidiano escolar experiências comunitárias, diversidade local e informação digital têm sido desenvolvidas e testadas por professores e escolas e representam avanços significativos" (TRAVASSOS, (2012, p. 117).

A "Carta de Barcelona" configura-se como um marco importante na ideia de articulação entre escola e comunidade. Trata-se de um manifesto que, dentre outros princípios, defende a formação de habitantes das cidades a partir de abordagens que contemplem necessidades particulares que compõem seus grupos. Para tanto, torna-se necessário o levantamento de informações precisas sobre a situação e as necessidades dos habitantes. Projetando a paz mundial, apoia-se na resolução de conflitos e na dissolução de discriminações, direcionando os indivíduos a condições de liberdade e igualdade

(BARCELONA, 1990). Assim, as proposições da Carta de Barcelona visam à constituição de "uma escola que se preocupa com a formação para a cidadania e se abre à participação e apropriação pela população da cidade à qual pertence, enxergando nos espaços e na comunidade da cidade, possibilidades de educação e formação" (PÁTARO, 2013, p. 250).

Araújo (2007) confere à articulação entre escola e comunidade a possibilidade de configuração de um cenário educacional ético e democratizante. Para o autor,

Reforçar a importância da articulação entre sujeito e cultura/sociedade na construção da cidadania, e de relações mais justas e solidárias no seio da comunidade em que se vive pode indicar possibilidades para o desenvolvimento de ações educativas que levem a uma reorganização na forma como a escola está estruturada, tanto do ponto de vista físico quanto pedagógico (2007, p. 7)

Baseado no "Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade" (BRASIL, 2007), o autor defende como uma das ações articuladoras entre escola e comunidade a implementação do "Fórum escolar de Ética e Cidadania". Este deve ser composto por representantes tanto da comunidade escolar quanto da não-escolar, propiciando movimentos interativos tanto da comunidade para a escola quanto da escola para a comunidade. Os movimentos da comunidade para a escola objetivam a vinculação entre temáticas relevantes para a comunidade no entorno da escola e entre os componentes curriculares ofertados aos educandos. Já os movimentos da escola para a comunidade visam à aproximação da escola com os espaços de aprendizagem no entorno com os familiares e demais membros da comunidade (ARAÚJO, 2007).

O projeto de "Comunidades de Aprendizagem" (MELLO, 2003; MELLO; BRAGA, 2011; MARIGO et al., 2010; ELBOJ et al, 2006), desenvolvido na Espanha, também tem como objetivo aproximar a escola da comunidade. Os autores apoiam a transformação da escola em uma Comunidade de Aprendizagem, a qual estabelece relações dialógicas entre os agentes da instituição escolar e os personagens da comunidade, "na busca por uma educação de mais qualidade e que contemple o interesse de todos os envolvidos, onde todos e todas possam aprender e conviver a partir de relações fundamentadas na democracia, na solidariedade, no respeito à diversidade" (PÁTARO, 2013, p. 253). Uma comunidade conta com uma Comissão Gestora formada por membros da escola e da comunidade, tendo como função o gerenciamento do projeto. Em reuniões semanais, debatem acerca de problemas, sugestões, contribuições, soluções e demais ações. Nessa abordagem, a escola compartilha suas responsabilidades educacionais com a comunidade, democratizando os planejamentos e

ações educacionais. Assim, para Mello (2003), os familiares e demais membros da comunidade assumem a Comunidade de Aprendizagem como

espaço público, tendo sobre ele direito e por ele responsabilidade. Ao ceder a palavra e o espaço de ação às famílias, a membros da comunidade local e ao alunado, pode-se reorganizar a escola de forma a ser mais democrática. Altera-se a ideia da educação escolar como recepção de um serviço público, para a ideia de protagonismo na gestão pública. (MELLO, 2003, p.11) O projeto de Comunidades de Aprendizagem já se encontra ativo em algumas escolas do Brasil, em função de esforços promovidos pelo Niase/UFSCar – Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa da Universidade Federal de São Carlos (PÁTARO, 2013).