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Movimentos urbanos contemporâneos e a apropriação do espaço público : a potência social de qualificação e seus processos emancipatórios

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo

BIANCA JO SILVA

MOVIMENTOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS E A

APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: a potência social de

qualificação e seus processos emancipatórios

CAMPINAS

2017

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BIANCA JO SILVA

MOVIMENTOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS E A

APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: a potência social de

qualificação e seus processos emancipatórios

Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, para obtenção do título de Mestra em Arquitetura, Tecnologia e Cidade, na área de Arquitetura, Tecnologia e Cidade.

Orientadora: Profa. Dra. Silvia Aparecida Mikami Gonçalves Pina

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSAO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA BIANCA JO SILVA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. SILVIA A. MIKAMI G. PINA.

ASSINATURA DA ORIENTADORA:

CAMPINAS

2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo

MOVIMENTOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS E A

APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: a potência social de

qualificação e seus processos emancipatórios

BIANCA JO SILVA

Dissertação de Mestrado aprovada pela Banca Examinadora, constituída por:

Profa. Dra. Silvia Aparecida Mikami Gonçalves Pina

Presidente e Orientadora/ FEC – UNICAMP

Profa. Dra. Arlete Moysés Rodrigues

IFCH – UNICAMP

Prof. Dr. Evandro Ziggiatti Monteiro

FEC – UNICAMP

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se

no processo de vida acadêmica da aluna.

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AGRADECIMENTOS

Aos Divaldo, Yukiko e Lina Jo por construírem em mim um desejo de luta por igualdade, em todos os sentidos, e por viabilizarem e acompanharem minha trajetória em sua totalidade;

À Profa. Dra. Silvia A. Mikami G. Pina pela orientação e apoio durante todo este período;

À Profa. Dra. Arlete Moysés Rodrigues e ao Prof. Dr. Evandro Monteiro por se disporem e contribuírem muito para o melhor desenvolvimento desta pesquisa;

Ao Lucas Bonetti, muito presente desde o início;

À Olívia, que ilumina meus dias com amor incondicional;

Aos colegas e amigos, em especial à Camilla Sumi e Juliana Rammé, companheiras de percurso e fontes de energia;

À Lizete Rubano, que continua fazendo da vida um lugar melhor;

Às experimentações tantas que este período me proporcionou.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender a relação do espaço público com os movimentos sociais urbanos contemporâneos enquanto expressão do direito à cidade nas diversas formas de apropriação e ações políticas em manifestações de agentes articulados na cidade de São Paulo. Dentro do contexto de crescimento das cidades contemporâneas, a arquitetura e o urbanismo nem sempre se impõem como instrumentos democráticos mas, por vezes, como atributos de um processo especulativo. A hegemonia dos interesses privados tem determinado fronteiras excludentes e refletido importantes consequências de fragilidade e rarefação no uso e apropriação dos espaços públicos. Assim, a cidade é discutida aqui como simbiose de suas características espaciais e a potência social de transformação dos espaços. As manifestações urbanas autogeridas pela população representam instrumentos dinâmicos de resistência pelo direito à cidade e instigam hipóteses sobre o futuro dos espaços públicos, das dimensões e formas do desenho urbano e desdobramentos em sua apropriação. A pesquisa é exploratória de acordo com seu objetivo e segue delineamento de estudo de caso. Foram elaborados critérios que orientaram a seleção de dois movimentos sociais urbanos vinculados à apropriação do espaço público na cidade de São Paulo: o coletivo “A batata precisa de você” no Largo da Batata em Pinheiros e as duas edições (2011 e 2013) do festival de rua colaborativo, Baixo Centro. Também foi desenvolvido um protocolo com critérios de levantamento de dados direcionado aos aspectos históricos, sociais, políticos, técnicos, econômicos, físicos e psicológicos dos movimentos, que subsidiou o levantamento de campo realizado. Observou-se que em ambos os casos, o instrumento urbanístico Operação Urbana contribuiu significativamente para o fortalecimento de uma lógica excludente que concentra os recursos urbanos, representativa da contradição entre a produção capitalista do espaço e o viver coletivamente de forma ampla e acessível. Assim, observou-se a demanda pela revisão do processo de construção das cidades, envolvendo e criando espaços de participação ampliada onde a responsabilidade e consciência cidadã passam a ser cada vez mais presentes e envolvidas com a vida urbana. Neste sentido, interessa ao campo da arquitetura e urbanismo a continuidade de estudos sobre a articulação e mobilização dos movimentos sociais urbanos no sentido de desenvolver novas hipóteses de transformação dos espaços urbanos que aproximem as pessoas de uma memória coletiva de grande escala de cidade, como um lugar de acolhimento, acima de tudo.

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Palavras-chave: Espaço Público; Políticas Públicas Urbanas; Movimentos sociais urbanos;

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ABSTRACT

This research aims to understand the relationship between public space and contemporary urban social movements as an expression of right to the city in diverse forms of appropriation and political actions in articulated agents manifestations in São Paulo city. In the contemporary cities growth context, architecture and urbanism not ever put themselves as democratic tools, but as speculative process attributes. The private interest hegemony determines exclusive borders and reflects important consequences in public spaces of fragility and rarefaction use and appropriation. The city is discussed here as a whole of its physical characteristics and the space transformation by social potential. The people self-managed urban manifestations represents dynamic tools of resistance for the right to the city and instigate hypotheses about the public spaces future, urban design dimensions and forms and consequences in their appropriation. According to its purpose, this research is exploratory and follows a case study outline. Selection criterions were developed and guided to two urban social movements linked to public space appropriation in São Paulo city: “A Batata Precisa de Você” group, in Largo da Batata in Pinheiros and the two editions (2011-2013) of the collaborative street festival Baixo Centro. It was observed in both cases that the Urban Operation, an urban tool, significantly contributed to the strengthening of an exclusionary logic which concentrates urban resources, representative of the contradiction between the capitalist production of space and living collectively in a broad and accessible way. Thus, the demand for the revision of the process of cities construction was shown, involving and creating spaces of expanded participation where the responsability and citizen conscience are becoming more present and involved with urban life. In this sense, there is an architecture and urbanism interest about study the urban social movements articulation and mobilization for develop new hypotheses for urban spaces transformation that bring people closer to a large-scale collective city memory, as a place of welcome, above all.

Keywords: Public Space; Urban Public Policies; Urban social movements; Associative

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Localização das unidades caso no Estado e Município de São Paulo. ... 16

Figura 2. Abertura de via na Rua Butantã. ... 28

Figura 3. Chegada da via na Rua Amaro Cavalheiro. ... 29

Figura 4. Segunda abertura de via na Rua Butantã. ... 29

Figura 5. Implantação do empreendimento sobre imagem satélite, com destaque

para a região do Largo da Batata (círculo tracejado à direita) e para o sistema viário:

acessos pelas Ruas Butantã (à direita), Paes Leme (acima) e Amaro Cavalheiro (à

esquerda). ... 30

Figura 6. Calçada da Rua Amaro Cavalheiro, sentido Rua Butantã. ... 31

Figura 7. Fotos da calçada da Rua Amaro Cavalheiro, sentido Rua Butantã. ... 31

Figura 8. Foto aérea: SESC Pinheiros (à esquerda) e empreendimento (centro). .... 31

Figura 9. Que cidade quero ser? Festival Baixo Centro. ... 58

Figura 10. Edifício Vila Penteado no bairro Higienópolis. ... 60

Figura 11. Comércio informal no Viaduto Santa Ifigênia. ... 62

Figura 12. Ocupação na Avenida São João, no centro de São Paulo. ... 64

Figura 13. Rua Vitória ilustrada no Projeto Nova Luz. ... 68

Figura 14. Quarteirões devastados na Rua General Couto de Magalhães. ... 69

Figura 15. Projeto Centro Aberto no Largo São Francisco. ... 70

Figura 16. Projeto Centro Aberto no Largo do Paissandú. ... 71

Figura 17. Projeto Centro Aberto no Largo do Paissandú. ... 71

Figura 18. Café da Manhã da Ocupação Marconi. ... 72

Figura 19. Rua Guaianazes, Rua de Lazer. ... 73

Figura 20. Chamada pública de propostas, onde consta o carrinho multimídia

utilizado no evento. ... 74

Figura 21. Ação de abertura do Festival Baixo Centro. ... 77

Figura 22. Jardins Suspensos da Babilônia. ... 80

Figura 23. Localização das intervenções realizadas no Festival, principalmente

concentradas ao longo do Elevado Presidente João Goulart – Minhocão (destacado).

... 81

Figura 24. Cinóia embaixo do Elevado Presidente João Goulart. ... 82

Figura 25. Projeto Balançar, eu adoro! ... 83

Figura 26. Projeto Balançar, eu adoro! ... 83

Figura 27. Manual de instruções para construir balanços de pneus passo-a-passo. 85

Figura 28. Divulgação do movimento. ... 87

Figura 29. Ferrovias do Estado de São Paulo, com destaque para a Estrada de Ferro

Sorocabana. ... 88

Figura 30. Sara Brasil de 1930 do bairro de Pinheiros e destaque para a região do

Largo da Batata. ... 88

Figura 31. Cooperativa Agrícola de Cotia. ... 89

Figura 32. Sobreposição dos traçados (original e atual) do Rio Pinheiros. ... 90

Figura 33. Antigo Terminal de ônibus de Pinheiros, no Largo da Batata. ... 91

Figura 34. Região do Largo da Batata. ... 92

Figura 35. Perímetro da OUFL com destaque para a região do Largo da Batata. .... 94

Figura 36. Edital de Convocação para o Concurso de Reconversão Urbana do Largo

da Batata. ... 99

(10)

Figura 37. Plano Urbano da Reconversão Urbana do Largo da Batata. ... 100

Figura 38. Vias exclusivas de pedestres, Feira Livre, Calçada da Cidadania e

Esplanada. ... 101

Figura 39. Perspectiva ilustrativa da Esplanada. ... 102

Figura 40. Imagens satélite da região do Largo da Batata em 2004 (acima) e 2008

(abaixo). ... 103

Figura 41. Imagens satélite da região do Largo da Batata em 2008 (acima) e 2010

(abaixo). ... 104

Figura 42. Imagens satélite da região do Largo da Batata em 2010 (acima) e 2012

(abaixo). ... 105

Figura 43. Imagens satélite da região do Largo da Batata em 2012 (acima) e 2013

(abaixo). ... 106

Figura 44. Imagens satélite da região do Largo da Batata em 2013 (acima) e 2016

(abaixo). ... 107

Figura 45. Indicação do antigo terminal de ônibus e das duas quadras

desapropriadas e demolidas para a construção da estação Faria Lima do metrô e do

Largo da Batata. ... 108

Figura 46. Região do Largo da Batata. ... 109

Figura 47. Obras na Rua Paes Leme. ... 110

Figura 48. Largo da Batata recém-entregue em 2013. ... 111

Figura 49. “Estão Vendendo Nosso Espaço Aéreo”. ... 112

Figura 50. Mobiliários construídos pelas Batatas Construtoras. ... 116

Figura 51. Mobiliários construídos pelas Batatas Construtoras. ... 116

Figura 52. Calendário colaborativo do Largo da Batata. ... 118

Figura 53. Fase 3 do projeto de Reconversão Urbana do Largo da Batata. ... 120

Figura 54. Fase 3 do projeto de Reconversão Urbana do Largo da Batata. ... 120

Figura 55. Atuação das Batatas Jardineiras no Largo da Batata. ... 121

Figura 56. Fotos da manifestação “Desinauguração do Largo da Batata”. ... 122

Figura 57. Ocupação artística O Buraco da Minhoca. ... 125

Figura 58. Apresentação teatral Esparrama pela Janela. ... 126

Figura 59. Mercado de Pulgas. ... 126

Figura 60. Virada Gastronômica. ... 127

Figura 61. Manifestação de junho de 213 no Largo da Batata. ... 128

Figura 62. Parte do levantamento de dados realizado pelo coletivo. ... 130

Figura 63. Equipamento Conforto, das Batatas Construtoras. ... 131

Figura 64. Manifestações contra o golpe de 2016. ... 132

Figura 65. Roda gigante da Skol instalada no Largo da Batata durante o carnaval.

... 133

Figura 66. Região norte do Largo da Batata em vista aérea e na escala do pedestre.

... 135

Figura 67. Região norte do Largo da Batata na escala do pedestre. ... 136

Figura 68. Região sul do Largo da Batata em vista aérea. ... 137

(11)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Protocolo de levantamento de dados das unidades de caso. ... 55

Quadro 2. Taxas de Crescimento do Município de São Paulo. ... 62

(12)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 13

2. CONCEITOS E REFLEXÕES ... 18

2.1. A CONDIÇÃO URBANA ... 18

Os excedentes de produção ... 18

Países subalternos e as elites periféricas ... 21

Introdução aos marcos regulatórios do urbano no Brasil ... 25

2.2. A DIMENSÃO PÚBLICA DO ESPAÇO ... 34

Espaço público e a urbanidade contemporânea ... 34

O direito à cidade ... 38

2.3 O EMPODERAMENTO DAS IDENTIDADES PLURAIS ... 41

A formação não-formal ... 41

A potência social emancipadora do cotidiano ... 46

Supervivência e a qualificação da vida urbana ... 50

3. EXPERIMENTAÇÕES DA SUPERVIVÊNCIA ... 54

3.1. Unidade caso I: Festival Baixo Centro ... 58

A região central e o cenário das últimas décadas ... 59

A resistência ... 72

3.2. Unidade caso II: A Batata Precisa De Você ... 87

A região de Pinheiros e o cenário das últimas décadas ... 87

Operação Urbana Faria Lima e a Reconversão do Largo da Batata ... 93

A resistência ... 111

4. REVERBERAÇÕES ... 122

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 138

(13)

1. INTRODUÇÃO

No último século, as cidades que se desenvolveram de maneira capitalista utilizaram-se da arquitetura e urbanismo como importantes instrumentos de estruturação da matriz fundiária num processo de produção urbana especulativa (GOTTDIENER, 1996). Isso por que as formas de investimento dos excedentes de produção determinaram a condição urbana desde a relação cidade e campo, perpassando pelas transformações dos mercados de produção industrial, imobiliária e enfim, financeira (SINGER, 2002). O domínio das ideias e práticas da doutrina neoliberal, relativas à defesa do livre mercado, estruturaram ao longo das décadas de 1980 e 1990 uma divisão internacional do trabalho (GASPAR, 2015). Neste cenário, a posição de cada país na corrida desenvolvimentista tem sido determinada a partir de seu poder político: “passou-se a constituir, num sentido muito amplo da expressão, o ‘campo’ das ‘cidades’ industriais do mundo” (SINGER, 2002, p.24). Os países subalternos, à parte de demandas tradicionalmente estabelecidas pelos capitais locais, envolvem-se em um novo ritmo baseado na competitividade globalizada (SANTOS, 1994). As elites periféricas sofrem igualmente uma pressão econômica e política internacional e a absorvem no sentido de gerir a mesma lógica de controle da população em proporções nacionais.

Esta dinâmica urbana e a pressão pela espetacularização das cidades estimulam um processo contínuo de reconstrução de novas bases espaciais de produção por meio da substituição, renovação ou ruptura das estruturas preexistentes. A baixa disponibilidade de recursos públicos dificulta investimentos no processo de urbanização por parte do Poder Público. Convenientemente, o grande interesse da iniciativa privada no setor construtivo, culminou no surgimento de instrumentos urbanísticos de outra ordem, onde se testaram novos mecanismos de flexibilização da legislação urbana formuladas para a recuperação e reativação de setores específicos da cidade e que, evidentemente, permitiram uma atuação mais livre do mercado (DEÁK, SHIFFER, 2007; SILVA, 2014). Estudos como os de Fix (2007) e Ferreira (2003), concluíram que esses instrumentos demonstraram ser nas últimas décadas uma das estratégias mais rentáveis para o setor imobiliário, pois os investimentos realizados são de ordem de grandeza muito superiores aos valores ressarcidos. Da mesma forma como contribuem para o fortalecimento da lógica de desenvolvimento urbano que restringe as oportunidades de acesso à cidade em parcelas seletivas territoriais e sociais.

A ordem urbana, assim, é produzida pela confluência de inúmeros fatores: da ação do Estado e do mercado e da capacidade de articulação política da sociedade civil,

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num processo de discordância e contrariedade ao longo da história (INNERARITY, 2010). Observamos atualmente a ideologia individualista do consumo contribuindo para o esvaziamento de espaços públicos, ao mesmo tempo em que os espaços controlados colocam-se cada vez mais como solução dos problemas urbanos, não no sentido de resolvê-los, mas de evitá-los. Da mesma forma como as habitações são construídas cada vez mais para proteger seus moradores do que para integrá-las a um projeto mais amplo da cidade a que pertencem. São áreas de experimentações urbanas restritas, de privação do direito à cidade, independentemente da oferta de privilégios (LEFEBVRE, 1969).

No entanto, na mesma medida em que as recorrentes parcerias público-privadas avançam com o propósito de adquirir ou readquirir regiões de potencial exploração imobiliária, deparam-se com novas formas de reação e resistência articulada pelos movimentos sociais urbanos. Segundo Gohn (2011), a produção e aprendizagem de caráter político-social em espaços não institucionalizados representam uma educação informal com grande potencial de instrumentalização dos cidadãos. A cidade, dessa maneira, tem como parte indissociável as ações dos indivíduos que nela habitam, manifestando-se em atributos materiais e imateriais que caracterizam e influenciam a relação das pessoas com o espaço, traduzindo hipóteses para sua apropriação. Dessa maneira, os cidadãos trazem para si o espaço público pelo reconhecimento, coexistência e repetição de ações cotidianas (CERTEAU, 1998).

Neste contexto, esta pesquisa tem como objetivo compreender a relação do espaço público com os movimentos sociais urbanos contemporâneos enquanto expressão do direito à cidade nas diversas formas de apropriação e ações políticas em manifestações de agentes articulados na cidade de São Paulo. São objetivos específicos da pesquisa:

i) Identificar as condições dos espaços públicos das unidades caso selecionadas favoráveis às formas de intercâmbio social e catalizadoras de manifestações sociais de transformação espacial;

ii) Analisar a relação entre iniciativas público-privadas de grandes obras de infraestrutura urbana e a atuação dos movimentos sociais urbanos selecionados; iii) Elaborar um protocolo de levantamento de dados que suponha novos métodos de abordagem para a conceituação de espaço público e ação social, que possa subsidiar pesquisas posteriores;

iv) Fomentar a discussão sobre a inversão da lógica de intervir da profissão: ao invés de se construírem objetos, se construírem processos (culturais, sociais econômicos e ecológicos);

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v) Identificar características morfológicas que potencializam projetos e desenho urbanos com o objetivo de gerar ações locais mais participativas.

A pesquisa na sua perspectiva metodológica é de orientação exploratória e segue delineamento de estudo de caso. Para a seleção das unidades foram elaborados critérios que orientaram o levantamento de dois movimentos sociais urbanos vinculados à apropriação do espaço público na cidade de São Paulo: as duas edições (2011 e 2013) do festival de rua colaborativo Baixo Centro, na região central da cidade (Fig. 1 - A) e o coletivo “A batata precisa de você” no Largo da Batata em Pinheiros (Fig. 1 - B).

Os critérios de seleção, assim como os levantamentos preliminares do estudo de caso e revisão bibliográfica, contribuíram para o desenvolvimento de um protocolo de levantamento de dados das unidades de caso. Seus critérios são direcionadas a aspectos históricos, sociais, políticos, técnicos, econômicos, físicos, psicológicos e seus diversos atributos, e subsidiou o levantamento de campo.

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Figura 1. Localização das unidades caso no Estado e Município de São Paulo.

Fonte: Elaborado pela autora, 2017.

A dissertação estrutura-se em quatro capítulos: introdução, fundamentação teórica, método e materiais e considerações finais. A primeira parte da fundamentação teórica trata da influência histórica que os excedentes de produção rural, industrial, imobiliário e financeiro representam nas decisões políticas de estabelecimento da ordem do solo urbano, sob uma perspectiva majoritariamente econômica. Posteriormente, há uma contextualização de posicionamentos e tomadas de decisões por parte dos países

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hegemônicos e suas repercussões na formação da condição urbana e econômica dos países subalternos, enfatizando especificidades da América Latina. Por fim, é feita uma aproximação à atuação das elites periféricas na flexibilização de instrumentos urbanísticos, cada vez mais dirigidos às parcerias público-privadas, principalmente na estruturação urbana de matriz fundiária da cidade de São Paulo.

A segunda parte da fundamentação teórica apresenta a orientação conceitual de espaço público explorada na presente pesquisa, no que diz respeito a seu papel simultâneo de suporte de ações e agente influenciador de dinâmicas sociais. Dessa forma, são discutidos os conceitos de urbanidade, espaços coletivos (independentes da definição de propriedade) e os efeitos da lógica de desenvolvimento das cidades contemporâneas. Adiante, de que forma as estratégias de desenvolvimento urbano são refletidas no imaginário coletivo de cidade e na construção ideológica dos cidadãos, refletindo imediatamente nas formas de apropriação e uso dos espaços coletivos. Por fim, são discutidos os avanços da arquitetura do medo, que propagam a segregação e substituem a segurança orgânica das cidades pela segurança privatizada, selecionando de forma ainda mais incisiva quem tem direito a ter direitos à cidade.

A terceira e última parte da fundamentação teórica é relativo à vicissitude dos movimentos sociais urbanos contemporâneos. Primeiramente, em uma breve contextualização, seguida da discussão acerca da construção de cidadania proporcionada pela experiência da educação informalizada; suas novas formas de operação, principalmente via redes, que ampliam consideravelmente a potência de mobilização. Em seguida, sobre os processos de emancipação dos cidadãos sob a perspectiva da vida cotidiana e a manifestação da potência social de transformação e qualificação dos espaços urbanos. Por fim, a discussão sobre a progressiva pluralidade de motivações das resistências contemporâneas, com ênfase nos movimentos sociais urbanos de supervivência, que pautam suas ações na especificidade do direito à apropriação do espaço e da vida urbana.

No capítulo três são apresentados os métodos e materiais do estudo de caso, onde são contextualizadas e apresentadas as unidades de caso. Por fim, no último capítulo, as considerações finais da pesquisa apontam possibilidades, na escala dos movimentos sociais urbanos, de encará-los como uma pressão real que deve ser conduzida conscientemente, de forma a agir em benefício da vida urbana, e não o contrário.

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2. CONCEITOS E REFLEXÕES

2.1. A CONDIÇÃO URBANA

A análise do processo de urbanização é obrigada a superar o próprio tema; quando se pensa em urbanização em uma sociedade que se industrializa, é preciso procurar pelo papel que as classes desempenham nela, pois, em caso contrário, ela tende a ser tomada como um processo autônomo (...) perdendo-se de vista seu significado (SINGER, 2002 p.27).

Os excedentes de produção

O conceito e as formas de investimento de excedentes de produção orientam a condição urbana desde o momento em que, na economia de base rural, houve extração e produção de um excedente alimentar (SINGER, 2002). Foi essencialmente a existência de uma produção excedente que permitiu a uma parte da população rural viver aglomerada, dedicando-se a outras atividades que não apenas a produção de alimentos. Assim, a vida urbana passou a desenvolver-se e, com ela, a divisão social do trabalho entre campo e cidade. Singer (2002) afirma ainda que este momento se confunde com a origem da sociedade de classes1, pois em uma sociedade em que todos participassem de maneira igualitária dos modos de produção e apropriação dos alimentos, não haveria como apenas uma parte dedicar-se à produção para que os demais a consumissem. Para o autor, a constituição da cidade é uma “inovação na técnica da dominação e na organização da produção” (p.12): a divisão social do trabalho entre campo e cidade desenvolveu maiores estratificações de classes e foi refletida imediatamente no processo de urbanização.

As cidades rapidamente se tornaram sedes dominantes do poder, detentoras do processamento e comercialização da matéria-prima obtida no campo. Quando a cidade foi inserida no circuito metabólico homem-natureza (p.17), ou seja, quando os bens de consumo processados na cidade passaram a ser consumidos também no campo, a divisão social do trabalho entre as duas esferas enfim se estruturou de forma sólida. Assim, o controle de volume e preço da produção agrícola passou a ser determinante para o

1 Ainda que esta relação já estivesse presente desde o surgimento do sistema feudal entre os

vassalos e senhores de terras, a diferenciação não se completava neste momento, pois todos ainda permaneciam no meio rural e/ou fazendo cultivar seus campos por servos ou escravos. (SINGER, 2002, p.10)

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estabelecimento do valor das cestas básicas na cidade2. A dominância política e econômica urbana, aliada à superioridade do produto, também urbano, em preço e em qualidade, elevou-se de forma a dissipar a produção de subsistência. Tal relação se estratificou a ponto de a distinção analítica entre campo e cidade, vir a ser questionada (SANTOS, 1994).

Sustentando a hipótese de que houve um processo de migração da lógica entre dinâmicas presentes na relação campo e cidade para as observadas no meio exclusivamente urbano, é trazido o conceito de renda da terra analisado por Harvey (1992). É importante ressaltar aqui dois aspectos desta pesquisa: além de ater-se essencialmente às questões fundiárias e de apropriação dos espaços públicos, que, apesar de não possuírem renda da terra, influenciam oscilações das rendas diferenciais e absolutas de propriedades adjacentes; o conceito de apropriação utilizado de forma recorrente relaciona-se impreterivelmente com o uso sobretudo temporário dos espaços públicos, sobre uma posse efêmera, durante um tempo determinado, discordante do conceito de expropriação.

A renda da terra no campo trata-se de uma fração da mais-valia de lucro permanente, ou seja, acima do lucro médio proveniente de um trabalho excedente. As rendas diferenciais, derivadas de concorrência, referem-se a: I, fertilidade e localização do solo – propriedades originais e instransponíveis e II, diretamente relacionada ao investimento financeiro - melhorias artificiais para aumento da produtividade ou rentabilidade do solo. A renda absoluta, por sua vez, refere-se também a um aumento artificial do preço do solo, mas indireto ou fictício e não a uma propriedade específica. Neste caso, o preço da terra ou do solo urbano é determinado pelo desejo e pela capacidade de compra dos sujeitos. Logo, o valor, o trabalho empregado e o preço geral da produção ou do produto (no caso das cidades) não correspondem a renda da terra real, ou seja, é o princípio da lógica de renda especulativa.

Já no meio urbano, a renda diferencial I relativa à localização funde-se à renda diferencial II, de emprego de tecnologias - por exemplo com a construção de infraestruturas coletivas que influenciam na valorização dos imóveis. É possível observar, portanto, que o processo de urbanização desenvolveu-se portando múltiplos artifícios para ocorrer de forma seletiva, com áreas diferentemente equipadas fisicamente e ocupadas socialmente (SANTOS, 1994). Conforme Harvey (1992), se a renda serve para alocar o uso do solo, é a parte do valor de troca3 que se destina ao proprietário de terras urbanas. Quando o uso

2 De acordo com a professora Arlete Moyses Rodrigues. Notas de aula da Disciplina SO134

Sociologia Urbana, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, 2016.

3 Os valores de uso e troca são inerentes, porém, evidencia-se aqui a relação de predomínio de um

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determina o valor, a renda é uma ferramenta eficiente. Mas, quando o valor de troca pode determinar os valores de uso, a renda decorre de uma escassez artificialmente induzida com valores impostos de forma arbitrária. “Criam-se novas condições às quais os indivíduos devem adaptar-se” (p.162).

Lefebvre (2008) complementa o raciocínio afirmando que “o capitalismo só sobrevive estendendo-se ao espaço inteiro” (p. 117), ou seja, que o capitalismo se estendeu subordinando a si o que lhe preexistia: a agricultura, solo e domínio edificado. Por exemplo, o valor das estradas e a velocidade com a qual territórios foram e são cortados para serem articulados, segundo Santos (1994), representou desde o início uma grande necessidade de realização da mercadoria: da transformação mais rápida da produção em consumo, em capital realizado e disponível ao reinvestimento. Desse modo, pode-se compreender que forma o mesmo solo, seja rural ou urbano, têm as decisões políticas de estabelecimento de sua ordem influenciadas completamente pela dinâmica econômica até os dias atuais.

Quando identificou-se que através da mediação do espaço, o dinheiro era capaz de produzir cada vez mais dinheiro, o setor imobiliário ganhou destaque na produção capitalista (SINGER, 2002). Apesar do solo urbano possuir inúmeras possibilidades para ser ocupado, a especulação o torna artificialmente rarefeito para valer mais caro, assim como pressupõe sua flexibilização de valor, transformando-o em mercadoria. Apresenta ainda uma possibilidade inédita: extrair renda de situações onde os custos são repartidos com a sociedade inteira (LEFEBVRE, 2008). Seria, portanto, a capacidade de se utilizar especulativamente as infraestruturas financiadas mediante contribuição social em “(...) um processo seletivo, que atinge diferentemente os atores econômicos, o que faz do Estado promotor de desigualdades” (SANTOS, 1994, p.122-123). Ou seja, muda-se o discernimento de que o Estado seria o detentor do poder de decisões, pois aos poucos se estabeleceu que o poder efetivo que se realiza sobre as atividades e os cidadãos vem grande parte de empresas dominantes que agem, inclusive, como instituições públicas (SANTOS, 1994).

Ao passo que as cidades se expandem demarcadas pelo assentamento formal ou informal de maneira desordenada e com altas taxas de ocupação horizontal em direção às zonas periféricas, algumas regiões adensam-se intensamente e novas áreas artificialmente valorizadas tornam-se foco de especulação imobiliária (HARVEY, 1992). Neil Brenner (2013) denomina esse processo como uma nova era urbana, na qual as cidades se expandem por toda a extensão do planeta a partir da destruição criativa do espaço sob o

proporção monetária pela qual produtos, sejam manufaturados, industriais ou imobiliários são trocados por outros. Valor de uso qualifica o produto como bem de consumo, que vale mais para o proprietário do que o dinheiro que lhe poderia render sua comercialização (HARVEY, 1992).

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capitalismo. Criativa porque, segundo Harvey (1992), a produção constante de excedentes, sempre necessita alavancar novas oportunidades de investimento e criação de necessidades.

O predomínio dos interesses privados levou o processo de crescimento das cidades a outra etapa de estruturação da matriz fundiária e de sua consolidação (GOTTDIENER, 1996). Enquanto antes os limites urbanos eram determinados pela necessidade de ocupação, mesmo que sem planejamento, posteriormente começaram a surgir loteamentos e arruamentos independentes da necessidade de expansão, um processo de especulação que ordenou a lógica de ocupação sócio espacial da metrópole (ROLNIK, 1997, p.22; p.120). Denominada por Arantes et. al. (2009) como lógica sistêmica-funcional, é entendida como determinadora de fronteiras excludentes para pessoas que se encontram fora dos padrões de consumo estabelecidos. Este enfrentamento se estende às oportunidades de emprego, acesso a serviços públicos, e à própria cidade, seus percursos, espaços públicos e equipamentos. Ou seja, proprietários e produtores competem entre si por consumidores presos ao espaço; a quantificação de produção imobiliária e urbana, apesar de aparentemente técnica, é sobretudo financeira (LEFEBVRE, 2008, p.128).

Países subalternos e as elites periféricas

Segundo Gaspar (2015), o primeiro momento na história em que houve alinhamento de uma ordem totalmente acordada em escala internacional, e não por acaso monetária, foi no período pós-guerra. O tratado de Bretton Woods (1944), com o objetivo de repassar recursos destinados à reconstrução das principais economias capitalistas devastadas, deu origem ao Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o atual Banco Mundial, e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A economia capitalista, pela primeira vez, visava um desenvolvimento mundial. Mundial, no caso, destinado ao núcleo rico, política e economicamente hegemônico no sistema global.

Neste momento surgiram os mercados internacionais e a estratificação de suas relações de dominação e dependência, quando passou a ser possível financiar dívidas públicas em escala global, colocando títulos nacionais em mercados financeiros. A subordinação das finanças às demandas industriais assegurou a expansão da acumulação capitalista e criou uma temporária estabilidade monetária (FIORI; MEDEIROS, 2001). Temporária por que, segundo Harvey (1992), um dos aspectos centrais do desenvolvimento capitalista é que as crises são consequência exatamente de sua forma de operação e

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contradições inerentes ao seu modo de produção. E essa condição fez, ao longo do tempo, que o sistema desenvolvesse uma capacidade de reinvenção e flexibilização por meio do dinamismo tecnológico e da destruição criativa das forças de trabalho.

As décadas de 1980 e 1990, afirma Gaspar (2015), foram marcadas pela expansão das ideias e práticas da doutrina neoliberal, relativas à defesa do livre mercado representado pelo capital financeiro, protagonista da dinâmica econômica mundial desde então. Este processo chama-se financeirização da economia, onde, no lugar da tradicional operação da mais valia da produção industrial e venda, entraram as finanças em escala globalizada, comandando o desempenho e as ações da produção em todas as instâncias.

O urbano, aponta Singer (2002), sob o controle do mercado financeiro, transforma-se por completo: a relação entre o setor financeiro e a produção imobiliária não se trata apenas da disponibilização do capital necessário para viabilizar a construção em si. O setor imobiliário, na realidade, torna-se essencial à reprodução ampliada do capital, pois incide igualmente, e de forma inédita, nas esferas construtiva e financeira. Abriu-se, portanto, mais um campo de ampla e privilegiada e inversão financeira e, mais uma vez, de absorção de excedentes de capital. Enquanto mercadoria, instrumento que catalisa a circulação e reprodução do capital, a construção de empreendimentos imobiliários residenciais têm cada vez menos o objetivo de promover moradias, se não, de obter lucro através dos valores de troca. Dessa forma, é possível observar que muitas vezes, a análise da produção do espaço resume-se a dados de crescimento da economia, imateriais e desassociados da dimensão real de vivência nas cidades. O capital financeiro à frente da produção contemporânea, opera de forma a exigir do urbano uma rentabilidade similar à de títulos de ações (FIX, 2007).

Enquanto a produção espacial urbana de fundos privados atém-se à empreendimentos imobiliários de alta rentabilidade, as intervenções do poder público enquanto agente construtor de grandes obras de infraestruturas e equipamentos, muitas vezes operam a favor de grandes projetos urbanos seletivos, que se multiplicam em cidades de todo o mundo. Processo esse, que quase de maneira inevitável, contribui para a generalização da urbanização, agrava a condição fragmentada e segregada das cidades, e propicia a acessibilidade ao espaço quase exclusivamente ao mercado (SMITH, 1998). Gaspar (2015) afirma ainda que a presença de uma variada gama de instrumentos

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financeiros impulsionaram um processo de produção urbana sem controle como fundos de investimentos4, securitização5 e certificados de recebíveis imobiliários6 (SILVA, 2014).

É importante ressaltar que a desenfreada produção imobiliária não sinaliza um desenvolvimento social. Pelo contrário, ainda que o rendimento médio mundial siga em crescimento constante, a distribuição desses recursos se mantém muito desigual. A estratificação das relações de dominação e dependência a partir do financiamento de dívidas públicas em escala global, citadas por Fiori (1999), de fato serviram, e ainda o fazem, no sentido de empobrecer os países em subdesenvolvimento. Em escala global, a manipulação das crises caminhou para uma “arte de redistribuição deliberada de riqueza de países pobres para países ricos” (p. 175).

Os países que chegaram mais tarde ao cenário industrial sofrem um processo de mudança em sua estrutura social, econômica e ecológica de forma muito concentrada (SINGER, 2002). Tal ingresso forçado na dinâmica neoliberalista globalizada não ofereceu discernimento suficiente a todos os países sobre as novas relações entre as esferas público-privado e menos ainda sobre o descompasso entre o avanço da noção progressista de direitos humanos dentro de uma tendência internacional de competitividade, rentabilidade e privatização (FERNANDES, 2011). Nessa configuração, a posição de cada país na corrida desenvolvimentista é determinada a partir de seu poder político: “passou-se a constituir, num sentido muito amplo da expressão, o ‘campo’ das ‘cidades’ industriais do mundo” (SINGER, 2002, p.24). Segundo a Teoria da Dependência de Marini (2005), o subdesenvolvimento não significa o estágio econômico antecessor a um iminente desenvolvimento. Pelo contrário, representa nada mais senão uma condição estagnada dos países periféricos que apenas pode ser superada com o rompimento das estruturas da divisão internacional do trabalho.

Essa relação de dependência e dominação estabelecida surge também de pressões pela concorrência interurbana entre os próprios países em subdesenvolvimento. A diminuição do custo de transportes e sua expansão de mercados gera insegurança, e consequentemente, a submissão em preço e condições de produção. Dessa forma, as cidades veem-se cada vez mais envolvidas em um ritmo não próprio delas, mas baseada

4 Forma de aprofundar vínculos entre o capital financeiro e o setor imobiliário, para propiciar

investimento na construção civil negociados em forma de títulos, o que assegura aos investidores mobilidade de capital (FIX, 2007).

5 Processo pelo qual empresas financeiras e governos emitem títulos de dívida com flexibilização de

prazos e taxas de rendimento, substituta aos empréstimos bancários (SILVA, 2014).

6 Títulos de crédito de livre negociação, emitidos pelas companhias securitizadoras de crédito

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nesta competitividade internacional (SANTOS, 1994). Cidades em países subdesenvolvidos, ainda por superar questões estruturais, preparam planos estratégicos dentro dos padrões de crescimento econômico global na tentativa de competir internacionalmente por investimentos (FERNANDES, 2011).

Na América Latina, a fluidez do capital enfrenta barreiras muito particulares estruturadas nas relações da origem das cidades. Apesar de serem bem heterogêneas, portanto não passiveis de generalização, tiveram em grande parte “a dominação colonial como fundamento e o capital mercantil como maestro” (MIOTO, 2016, p.15). Em distinção do propósito das colônias de povoamento, na América Latina a predominância foi o exercício das colônias de exploração, do europeu no papel de monopolizador da propriedade fundiária e explorador da mão-de-obra nativa ou de outras partes. Após a independência, em grande parte dos países, a situação alterou os atores dominantes, mas seguiu operando da mesma forma: houve não mais do que a transferência de propriedades da Coroa para as elites nacionais. À medida em que as cidades latino-americanas se industrializaram e iniciaram processos de exportação e importação de produtos processados industrialmente, a partir da segunda metade do século XIX, estruturou-se um ordenamento mais claro do espaço urbano, seu traçado, da infraestrutura de transportes e saneamento (GASPAR, 2015).

Para Mioto (2016), até a década de 1950 ocorreu no Brasil um processo de urbanização ‘suportável’, período em que a estruturação do solo ainda era predominantemente rural, a expansão urbana orientada pela expansão do setor industrial e o crescimento demográfico e os fluxos migratórios coincidiram com um crescimento progressivo da oferta de empregos e certa provisão de infraestrutura pública urbana por parte das gestões municipais. Esse processo é justificado, principalmente, por um menor distanciamento das periferias e os centros das cidades. Já a partir dos anos 1960, a autora classifica a urbanização como caótica, pelo avanço dinâmico do interesse e especulação imobiliária por propriedades fundiárias concêntricas aos centros das cidades, a consequente expansão ampliada da periferização e a elevação dos custos de infraestrutura urbana, de saneamento e mobilidade, que atingiram distâncias extraordinárias. Mas as condições operacionais industriais e de gestão pública agravaram progressivamente a dependência do mercado internacional e a precarização da qualidade de vida da sociedade.

Ao passo que a internacionalização dos padrões de consumo avança, as elites experimentam uma realidade alheia a estrutura produtiva nacional. Sua dinâmica culmina, entre outros fatores, em viabilizar a atuação das grandes forças expansionistas do capital

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internacional (FERREIRA, 2003). As elites absorvem a pressão econômica e política no sentido de gerir a mesma lógica de controle da população em proporções nacionais. Segundo Sampaio Jr. (1999), é mais uma manifestação da clara opção das elites em fazer acordos com interesses internacionais do capital, em detrimento de um processo de construção de nação. Neste contexto, a urbanização ocupa lugar proeminente no conflito de classes, decorrentes de grandes intervenções urbanas arbitrárias que seguem essencialmente imperativos da acumulação capitalista. Os proprietários de terras e os interesses imobiliários por parte de investidores, financistas, incorporadores, políticos e empresários do setor construtivo, inflam seus poderes de classe e ordenam o crescimento urbano nacional (GASPAR, 2015).

Santos (1994) e Villaça (2012) apresentam em seus estudos o processo de cada parcela do território urbano brasileiro ser valorizada ou desvalorizada em virtude de um jogo de poder exercido ou consentido pelo Estado, em benefício do interesse privado. A criação de novas centralidades espraiam a malha urbana para áreas menos valorizadas e mais aptas a novos ciclos de especulação imobiliária, enquanto as camadas populares, em muitos casos antes ocupantes destas mesmas áreas, são expulsas para regiões cada vez mais distantes. Smith (1998) afirma que esse contínuo processo de expulsão dificulta progressivamente um projeto de cidade integrada, pelo contrário, fragmenta-a e impede a plena provisão de serviços e infraestrutura pública para toda a população.

Introdução aos marcos regulatórios do urbano no Brasil

As intervenções higienizadoras e embelezadoras do final do século XIX e início do XX, deram início ao debate em torno dos padrões e parâmetros técnicos desejáveis para a produção do espaço urbano no Brasil. A partir das décadas de 1940 e 1950, segundo Feldman (2005), se iniciou um processo de zoneamento empírico construído a partir da elaboração de leis parciais. Inspirado no modelo norte-americano de zoneamento urbano, o instrumento é entendido como um conjunto de diretrizes gerais aplicadas em diferentes regiões da cidade de forma sistemática; como ordenador do uso do solo urbano; e como uma ferramenta de controle de valores imobiliários e processos econômicos ligados à utilização do solo.

Seus principais critérios de regulamentação das edificações são: Coeficiente de Aproveitamento (C.A.), que determina o potencial construtivo do terreno, ou seja, quantas vezes a área do terreno pode ser construída em metros quadrados; a Taxa de Ocupação

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(T.O.), que indica a porção do lote permitida para edificação; os recuos frontal, lateral e posterior, índices de afastamento das edificações do perímetro do terreno; o gabarito, que determina a altura máxima da edificação; e a Taxa de Permeabilidade, a área verde mínima exigida para a absorção das águas pluviais.

No entanto, segundo a autora, o zoneamento falhou em representar um modelo que abrangesse a totalidade da cidade, desencadeando na realidade fragmentos de pequenas disposições locais que se dão a partir de embates econômicos e grupos políticos. Portanto, sua operação de forma desintegrada do sistema de políticas urbanas, acrescido de sua estrutura administrativa incipiente o torna vulnerável à subordinação aos interesses privados. As possibilidades de flexibilização do zoneamento a favor da especulação dos valores imobiliários e da dinâmica de mercado nas áreas congestionadas, não por acaso, o mantém como uma das estratégias mais bem-sucedidas no sistema de regulação urbanística.

Adiante, a partir de 1979, com a publicação da Lei nº 6.766 referente ao parcelamento do solo urbano brasileiro inaugurou-se a expectativa de que, gradativamente, o interesse público pudesse ser colocado sobre o interesse privado. Além das regulações urbanísticas para determinação de áreas destinadas aos espaços livres de uso público, aos sistemas de circulação e implantação de equipamentos urbanos e comunitários, um dos principais avanços inaugurados com essa lei foi a atribuição de maior autonomia do Poder Público Municipal. Colocou-se, dessa forma, o município no centro da efetivação das políticas urbanas exercendo tanto a aprovação quanto a fiscalização dos projetos e das definições locais.

Da mesma forma como o fez a Constituição Federal de 1988, que, segundo Fernandes (2011), “criou um direito coletivo novo, o direito ao planejamento urbano” (p.22). O autor refere-se à inédita inclusão de um capitulo específico sobre política urbana na Constituição Federal. Por exemplo em relação à função social da propriedade: a Constituição não inaugurou a possibilidade de desapropriação de uma propriedade particular pelo poder público, mas alterou de forma estrutural sua orientação: se antes o instrumento debruçava-se essencialmente aos avanços do capitalismo, passou a partir deste momento a relacionar-se diretamente a um avanço e interesse sociais mais democráticos. Na instância da política de desenvolvimento urbano, a Constituição de 1988 também reforçou a atuação do Poder Público Municipal, exigindo por exemplo, a elaboração de um Plano Diretor em municípios com mais de 20 mil habitantes. Este é um instrumento básico pelo qual se estabelece orientações para o desenvolvimento das cidades,

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ressaltando que a propriedade urbana só cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas em seu teor.

Diante da necessidade de melhor definir o que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade urbana para que então os municípios elaborassem seus Planos Diretores, é que elaborou-se o Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10.257 aprovada em 2001. Suas maiores contribuições situam-se em três âmbitos: i) a inauguração de processos participativos com os cidadãos e com associações representativas dos vários segmentos econômicos e sociais, não apenas durante o processo de elaboração e votação, mas, sobretudo, na implementação e gestão das decisões do Plano Diretor. Abriu-se, assim, um espaço de construção coletiva de fato formalizado por audiências públicas, plebiscitos e orçamentos participativos; ii) a ampliação de meios de regularização das posses urbanas por meio de regulamentação do usucapião urbano individual e coletivo e a concessão do direito real de uso para propriedades públicas ocupadas; iii) e a criação de novos instrumentos urbanísticos de indução ao uso e ocupação do solo urbano como o IPTU progressivo no tempo para propriedades que não cumprirem sua função social e as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), porções do território dotadas de equipamentos urbanos, infraestruturas e áreas verdes destinadas, predominantemente, à moradia digna para a população da baixa renda (ROLNIK, 2001).

O Estatuto da Cidade dedicou-se também a determinar diretrizes para instrumentos urbanísticos já existentes, como as Operações Urbanas. Debatidas desde a década de 1970, surgiram pela primeira vez em na cidade de São Paulo no Plano Diretor de 1985-2000, na gestão Mario Covas (1983-1985) (NOBRE, 2009). As Operações Urbanas surgem do contexto histórico de baixa disponibilidade de recursos públicos aliada ao grande interesse da iniciativa privada no setor construtivo. Através de parcerias de financiamento do setor privado, permitem à administração municipal delimitar um perímetro definido da cidade onde se permite realizar modificações urbanas estruturais, que incluem construir ou aprimorar infraestruturas públicas e equipamentos urbanos (Habitações de Interesse Social – HIS, inclusive, se no perímetro houver algum assentamento irregular).

A partir da ideia de “solo criado”, ou seja, novos meios de se construir para além das regulamentações urbanísticas estabelecidas, originou-se o conceito da Outorga Onerosa, que vincula a captação de contrapartidas urbanísticas e financeiras em função da flexibilização dos critérios de definição do zoneamento, em especial o Coeficiente de Aproveitamento (C.A.), o que define o potencial construtivo dos lotes. É importante ressaltar que é principalmente o C.A. que desempenha um papel fundamental no equilíbrio urbano

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em relação à paisagem e aos controles de adensamento e saturação do sistema de mobilidade urbana, assim como na conversão entre preço por unidade de terreno e por unidade de área construída dos imóveis (BIDERMAN; SANDRONI, 2005).

Um exemplo de como se opera a Outorga Onerosa, é o empreendimento Thera Faria Lima, desenvolvido dentro do perímetro da Operação Urbana Faria Lima (iniciada em 1995, ainda vigente). A contrapartida financeira de R$ 15 milhões acrescida de uma contrapartida urbanística viária permitiu à construtora duplicar o potencial construtivo do lote. O Coeficiente de Aproveitamento (C.A.) do terreno, originalmente 2,0 (dois), ou seja, onde seria possível construir o equivalente a duas vezes a área do terreno foi alterada para 4,0 (quatro), permitindo a construção de 31 andares de escritórios, uma média de 26.314m²; e 39 andares de apartamentos residenciais, uma média de 32.396m² construídos. As quatro figuras abaixo mostram, respectivamente: as obras de infraestrutura viária da construtora, feitas sob a premissa da contrapartida urbanística (Figs. 2, 3 e 4); e a implantação do empreendimento, onde localizam-se as novas vias construídas (Fig. 5).

Figura 2. Abertura de via na Rua Butantã.

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Figura 3. Chegada da via na Rua Amaro Cavalheiro.

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2017.

Figura 4. Segunda abertura de via na Rua Butantã.

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Figura 5. Implantação do empreendimento sobre imagem satélite, com destaque para a região do Largo da Batata (círculo tracejado à direita) e para o sistema viário: acessos pelas Ruas Butantã (à

direita), Paes Leme (acima) e Amaro Cavalheiro (à esquerda).

Fonte: elaborado pela autora a partir de imagem satélite (google.com.br/maps) e implantação do empreendimento (cyrela.com.br), 2017.

Segundo a premissa das contrapartidas urbanísticas de Outorga Onerosa, as obras urbanas devem ser realizadas dentro do perímetro da Operação Urbana em vigência, no sentido de qualificar a área como um todo, provendo: acessibilidade, mobilidade e melhoria ou criação de espaços públicos. No caso da realização da contrapartida urbanística do empreendimento Thera Faria Lima, foi possível observar que as premissas para a construção de novas vias pode ser flexibilizada no sentido de atender exclusivamente o edifício ou terreno o qual se pretende aumentar o Coeficiente de Aproveitamento (C.A.). Não garantindo, dessa forma, melhorias para a cidade de fato, posto que as novas vias abertas em miolo de quadra resultaram em uma situação urbana árida cercada de muros (Figs. 6 e 7).

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Figura 6. Calçada da Rua Amaro Cavalheiro, sentido Rua Butantã.

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2017.

Figura 7. Fotos da calçada da Rua Amaro Cavalheiro, sentido Rua Butantã.

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2017.

Ainda assim, o benefício foi aprovado e é ilustrado abaixo (Fig. 8), onde pode-se observar o gabarito da região estabelecido pelo zoneamento e respeitado pela construção do SESC Pinheiros, 2004 (à esquerda) e o impacto na paisagem urbana com o aumento do potencial construtivo do empreendimento em questão, 2017 (centro).

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Fonte: modificada pela autora a partir de cyrela.com.br, 2017.

Em 1995, principalmente como consequência da Operação Urbana Faria Lima, o instrumento Outorga Onerosa ganhou uma nova forma de operação. A criação dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs), permite que a captação das contrapartidas possa ser feita por meio de títulos financeiros (SANDRONI, 2008). Alienados em leilão ou licitação públicos, podem ser comercializados para qualquer pessoa, independentemente de ser proprietária ou não de qualquer imóvel ou terreno na área de influência da Operação. Seu valor é especulado de acordo com os critérios do mercado e suas emissões são regulamentadas pela Administração Municipal. Segundo o autor, permitem, desta forma, que empreendedores obtenham exceções dos direitos de construir estabelecidos pela legislação urbana, mas que atendam a regulamentação fixada pela Operação Urbana.

A ideia de que a instituição de uma operação urbana consorciada pode acarretar na modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerando o impacto ambiental delas decorrentes e na regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente, leva à ideia de que sua instalação se equivale a um verdadeiro estado de exceção, uma vez que um pedaço de território é colocado fora do ordenamento jurídico. (CASTELLAR, 2010, p.10)

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Segundo Deák e Shiffer (2007), este é o momento que marca a entrada do neoliberalismo de caráter financeiro na organização espacial das aglomerações urbanas. Fix (2001), por sua vez, questiona a presença deste instrumento no Estatuto da Cidade, dado que independentemente de regulamentação, as Operações Urbanas por princípio se opõem a um desenvolvimento urbano democrático, tendo sido estruturadas a partir de uma lógica capitalista de privilégio da iniciativa privada. Por exemplo, o instrumento só se viabiliza em áreas de interesse do mercado imobiliário, ou seja, recepcionam a ideia da Parceria Público-Privada ampliada à lógica financeira, garantindo ainda mais controle privado sobre a destinação dos fragmentados fundos públicos (p.3). Fix (2007) e Ferreira (2003) afirmam ainda que as Operações Urbanas demonstraram ser uma das estratégias mais rentáveis para o setor imobiliário nas últimas décadas, pois os investimentos realizados são de ordem de grandeza muito superiores aos valores ressarcidos. Da mesma forma como subvertem o propósito do investimento público voltado aos interesses coletivos, pois:

(...) os impactos sobre os preços dos terrenos no interior do perímetro e em áreas lindeiras são inevitáveis. Geralmente os preços tendem a se elevar, o que provoca movimentos de expulsão dos moradores de mais baixa renda que não têm condições de pagar os novos preços, seja para aquisição de moradia seja para enfrentar os novos aluguéis. Mas a valorização nas demais áreas pode provocar movimentos nos quais setores de classe média baixos são substituídos por camadas de renda mais elevada, o que se aplica também às edificações destinadas a negócios: pequenas lojas e escritórios sendo substituídos por edifícios comerciais e de serviços de alto padrão (SANDRONI, 2008, p. 4-5).

Assim, os consumidores finais capazes de se manterem nos locais onde moram ou de adquirir um imóvel na região pagam pelas infraestruturas criadas mediante a tributação e também pelo aumento do preço dos imóveis. Observa-se, portanto, que a elaboração e inclusão de marcos regulatórios mais democráticos na legislação urbana brasileira não está imune a flexibilizações discriminatórias. Segundo Fernandes (2011), o direito urbanístico está se reproduzindo exclusivamente em uma dimensão instrumental, ou seja, técnica e objetiva, que dá soluções legais imediatas para problemas de dimensões maiores e mais complexas, variadas, não passíveis de generalização e em dinâmico avanço.

As práticas ilegais, dessa forma, parecem ter substituído a legislação oficial no plano das transações dos mercados imobiliários: os grandes condomínios fechados ou enclaves comerciais de aprovação questionável sinalizam a fragilidade do direito oficial e da aplicação de instrumentos urbanísticos de igual proporção aos assentamentos informais.

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Não raro, também é possível observar uma favela ocupar um terreno em área de interesse de especulação e o próprio mercado se impor determinando que cumpra-se uma reintegração de posse. Por outro lado, margens de córregos, várzeas, mangues, áreas de proteção ambiental, não por acaso, lugares ambientalmente frágeis onde a lei impede a ocupação imobiliária de mercado, é onde se reproduz de forma significativa a ocupação ilegal ou informal da cidade.

O espraiamento horizontal da cidade, evidentemente, culmina nas questões de mobilidade e utilização de espaços públicos. Nobre (2009) e Frúgoli (2012) consentem que o instrumento das Operações Urbanas esteja coerente com o projeto nacional de implantação de intervenções urbanas rodoviaristas decorrentes do avanço da indústria automobilística, pois, em geral, são baseadas em um programa de obras viárias (com exceção da Operação Urbana Centro, 1997). A constante ênfase no transporte individual em detrimento do transporte coletivo, por exemplo, é mais um indicativo de segregação que contribui de forma considerável para o desencadeamento de importantes consequências nas relações urbanas.

O fortalecimento da lógica de desenvolvimento urbano restritivo territorial e socialmente coloca os espaços privados e controlados cada vez mais como a solução dos problemas urbanos, não no sentido de resolvê-los, mas de evitá-los. Além de não serem capazes de retomar plenamente a atividade dos espaços públicos heterogêneos e verdadeiramente coletivos, afetam na fragilidade e rarefação de seus usos e apropriações.

2.2. A DIMENSÃO PÚBLICA DO ESPAÇO

A liberdade não é a liberdade moderna privada, da não-interferência, mas sim da liberdade política, de participação democrática que exige um espaço próprio: o espaço público da palavra e da livre ação (ABRAHÃO, 2008, p.23).

Espaço público e a urbanidade contemporânea

A amplitude de campos semânticos que o conceito de público tangencia, segundo Lavalle (2005), dificulta consideravelmente uma plena assimilação da pluralidade de seus sentidos (p.34). Apesar de sua origem advinda do conceito de privado ou de propriedade privada ser clara, ao longo dos últimos seis séculos, foram empregados e extinguidos diversos significados ao conceito. Sua abrangência pressupõe três grandes dimensões: i) público em oposição à privacidade, onde a vida pública se expõe com amplo acesso para a sociedade e

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a privacidade se manifesta com um caráter doméstico, em uma esfera íntima e restrita; ii) público em objeção à propriedade privada, a qual volta-se para interesses particulares, eventualmente relacionada ao valor de uso, mas de forma geral, restrita aos moldes ideológicos do sistema capitalista, discutidos no primeiro capítulo; e iii) público como o que é exposto à luz pública, de sentido recente e associado à noção de publicidade, em contraposição ao privado como a informação não difundida, que se mantém de conhecimento particular ou módico.

Evidentemente que as três dimensões apontadas pelo autor refletem transformações históricas demandadas ao longo do tempo. É importante ainda apontar que os sentidos não se sobrepõem, senão acrescem uns aos outros, sendo necessária a conjugação de todos para constituir categoricamente um fenômeno público autêntico. Perspectiva essa, que subsidia a reflexão do espaço público sob um panorama consideravelmente abrangente. As demandas contemporâneas desencadeiam novas tipologias de espacialidade contidas entre público e privado: representam um conceito ampliado de espaço coletivo, onde se introduzem mecanismos de gestão privada de espaços públicos ou usos coletivos de espaços privados (Sansão, 2013).

Milton Santos (1996) sugere que qualquer espécie de prática espacial vivida em público seja analisada independentemente da definição de propriedade do espaço, pois sua natureza abrange duas instâncias indissociáveis: os componentes inerciais, representados pela materialidade e forma física e os componentes dinâmicos, as ações sociais espacializadas. O espaço, dessa forma, é parte integrante da dialética social que compõe a sociedade, da mesma maneira como a dialética social se realiza não sobre, mas sim em conjunto com o espaço, em uma confluência de inúmeras atuações: do Estado, do mercado e da articulação política da sociedade civil.

Neste contexto, a urbanidade é entendida como o conjunto de atributos materiais e imateriais que caracterizam a ordem urbana. Sendo uma representação física, o espaço público é um indicativo do que a sociedade representa (BORJA, 2013). Assim, utilizado como instrumento de análise e intervenção, o espaço público proporciona sua história particular e suas microdinâmicas entre agentes e espaços simultâneos a da própria cidade, representando uma relação intrínseca entre a dimensão local e a ampliada (SANSÃO, 2013).

Entendo, de um modo ampliado, que o conceito de urbanidade seja inerente à arquitetura do espaço público, de um modo geral. Refiro-me à urbanidade inerente às diferentes escalas do espaço público, desde o desenho do

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corrimão da escadaria da praça, que em algum momento vai dar guarida à mão do velho, passando pela largura da calçada, chegando até à definições sobre o desenho de ruas, quarteirões e bairros inteiros. Cada um desses elementos, vindos de diferentes escalas, tem a sua contribuição à condição de urbanidade, na medida em que cada um deles tem uma qualidade arquitetônica intrínseca que vem da adequação, melhor ou pior, da sua forma ao corpo, individual e coletivo (AGUIAR, 2012, p.2).

Aguiar (2016), por sua vez, vincula os atributos qualitativos da constituição do espaço em três dimensões baseadas nos conceitos de legibilidade e funcionalidade, já explorados de diferentes formas por autores como Jacobs (1961), Lynch (1960), Gehl (1987), entre outros. Assim, a dimensão local é associada à arquitetura urbana, vista e entendida com mais facilidade na escala do pedestre. É a visualização um trecho de rua ou uma praça, “tudo o que o habitante urbano tem, via de regra, à sua disposição para localizar-se, ainda que a informação ali existente possa pouco mostrar, visualmente, do que ocorre no quarteirão vizinho” (AGUIAR, 2012, p.5). É definida em primeiro momento pela sua condição e características espaciais evidentes na forma e desenho urbano. No momento seguinte se manifesta na funcionalidade, que não implica necessariamente na presença de segurança ou conforto na relação do corpo com a cidade.

Já a escala local pressupõe uma simultaneidade à vivência de escala global, pois a condição de urbanidade resulta da sinergia entre as duas dimensões. Uma configuração espacial local, por exemplo, se duplicada para outro contexto global, terá exatamente a mesma conformação espacial, mas apresentará distinta condição de atividades e movimento de pessoas. A sinergia entre as duas dimensões resulta em um atributo imaterial do espaço: a percepção subjetiva das pessoas em uma dimensão simbólica e cognitiva do espaço urbano como fator de qualidade espacial. É o que Aguiar (2012; 2016) denomina como a sensação de acolhimento e o que Sansão (2013) designa como o conceito de amabilidade urbana, ambos associados à cidade como abrigo, a forma como a comodidade e o conforto das pessoas é alterado de acordo com determinada relação entre as dimensões global e local.

A presença de atributos físicos de qualidade como mobiliário urbano, arborização ou abrigo para intempéries, por exemplo, podem ser catalizadores potenciais de atividade e presença humana em um determinado espaço público na escala local. Porém, a falta de acessibilidade ou a fragilidade de segurança do mesmo espaço, características da dimensão global de uma cidade podem, pelo contrário, ocasionar em seu esvaziamento. Evidencia-se, assim, uma relação intrínseca entre características materiais do espaço,

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