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Ambivalência, educação e solidariedade no horizonte da pluralidade "com" e "a partir de" Zygmunt Bauman

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

AMBIVALÊNCIA, EDUCAÇÃO E SOLIDARIEDADE NO HORIZONTE DA PLURALIDADE “COM” E “A PARTIR DE” ZYGMUNT BAUMAN

CLAUDIONEI VICENTE CASSOL

Tese apresentada no programa stricto sensu de pós-graduação em Educação nas Ciências – Unijuí – Ijuí-RS, como parte dos requisitos exigidos para o doutoramento em Educação nas Ciências, sob a orientação do Professor Dr. Sidinei Pithan da Silva.

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C342a

Cassol, Claudionei Vicente.

Ambivalência, educação e solidariedade no horizonte da pluralidade ―com‖ e ―a partir de‖ Zygmunt Bauman / Claudionei Vicente Cassol. – Ijuí, 2018.

242 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

―Orientador: Professor Dr. Sidinei Pithan da Silva‖.

1. Individualidade. 2. Comunidade de diferentes. 3. Hermenêutica pluralizadora. 4. Diálogo real. 5. Incertezas. I. Silva, Sidinei Pithan da. II. Título.

CDU: 37.035.2

Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

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À quem, do ambivalente mundo da vida, apresentou-me o mundo compartilhado em sua plural possibilidade de compreensão, existência e ação; é companhia/presença, auxílio e guia no diálogo instituinte da solidariedade, acontecimento educativo:

- família – [...], João Victor, Vera

- orientador – Professor Sidinei Pithan da Silva

- colegas – Zuchi, Juliana, Andiara, Márcia, Celito

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―O que dissermos, não importa o quê, será contestado, e tanto o que dissermos quanto as refutações terão com muita frequência suas boas razões‖ (BAUMAN 2011a).

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Resumo

Pensar a produção teórica baumaniana como operação de pensamento desenvolvendo-se no interior de uma alternativa paradigmática, a ambivalência, e deste território encontrar um caminho para pensar a educação e a solidariedade é objetivo principal desta tese. A ado-ção da metodologia hermenêutica e da pesquisa bibliográfica com características monográfi-cas elege obras referenciais das três fases do pensamento baumaniano, centrais no pensar a Ambivalência, a educação e a solidariedade no horizonte da pluralidade ―com‖ e ―a partir de‖ Zygmunt Bauman. Um conjunto de problematizações, em três momentos, compõe o texto que desenvolve uma investigação acerca da possibilidade de vislumbrar vínculos entre a educação e a solidariedade, no pensamento baumaniano e a partir dele. O primeiro movimento ocupa-se em debater as fontes das quais Bauman se apropria para desenvolver seu percurso teórico. O segundo momento pensa uma estrutura paradigmática da ambivalência. O terceiro momento, considerando apresentada a existência de um paradigma da ambivalência, presença no mundo simbólico/imaginário e no mundo real/concreto, desenvolve-se no enfrentamento da possibili-dade de pensar a educação e a solidariepossibili-dade como residuais de alguma solidez no mundo lí-quido/volátil. Parece que os elementos da condição humana como a comunidade plural e o diálogo autêntico instituem as possibilidades de educação e de solidriedade na comunidade pendular entre segurança e liberdade, identidade e comunidade. A ambivalência presente no mundo humano, nas dimensões do real/concreto/existência e da lingua-gem/simbólico/imaginário, interpela os indivíduos a movimentos hermenêuticos pluralizado-res de onde advém o aprendizado da efetividade do dialógico e da constituição de movimen-tos de solidariedade embalados pelo pêndulo da relação paradoxal entre segurança e liberda-de, indivíduo e comunidaliberda-de, sólido e líquido.

Palavras-Chave: Individualidade. Comunidade de diferentes. Hermenêutica plurali-zadora. Diálogo real. Incertezas.

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Abstract

To think about the theoretical production of Bauman as thought operation developing in the interior of a paradigmatic alternative, the ambivalence, and of this territory to think alterna-tives to find education and solidarity is the main aim of this thesis.The adoption of hermeneu-tical methodology and bibliographic research with monographic characteristics elects refer-ence works of the three phases of baumanian thought, central in the thinking the Ambiva-lence, education and solidarity in the horizon of plurality “with” and “from” Zygmunt Bauman.A group of problematizations, in three moments, composes the text that investigates possibilities of glimpsing links between education and solidarity, in the baumanian thought and from it. The first movement deals with debating the sources which Bauman appropriates to develop his theoretical path; The second moment thinks a structure paradigmatic of ambiv-alence; and in the third moment, considering presented the existence of a paradigm of ambiva-lence, presence in the symbolic /imaginary world and in the real/concrete world, it develops in confrontation of possibility to think education and solidarity as residuals of some solidity in the liquid/ volatile world. It seems that the elements of human condition as the plural commu-nity and the authentic dialogue institute the possibilities of education and the solidarity in the pendular community between security and freedom, identity and community. The ambiva-lence present in the human world, in dimensions of the real/ concrete/ existence and lan-guage/symbolic/ imaginary, challenges the individuals pluralizer hermeneutic movements from where comes the learning of the affectivity of the dialogical and constitution of the soli-darity movements packed by pendulum of the paradoxical relationship between security and freedom, individual and community, solid and liquid.

Key-Words: Individuality. Community of different. Pluralizing hermeneutics. Real dialogue. Uncertainties.

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SUMÁRIO

1 A GÊNESE DA AMBIVALÊNCIA: PERCURSO PLURAL DO PENSAMENTO

BAUMANIANO ... 17

1.1 A condição humana no mundo que compartilhamos: o social e o crítico ... 20

1.2 Liberdade e segurança: a instituição das individualidades/subjetividades e comunidades 33 1.3 Do sólido ao líquido por múltiplas vias: saídas e regressos na modernidade ambivalente 51 2 A CONDIÇÃO PARADIGMÁTICA DA AMBIVALÊNCIA: A HERMENÊUTICA PLURALIZADORA COMO CAMINHO DIÁLOGICO ... 66

2.1 Algumas razões que facultam o status de paradigma à ―ambivalência‖ enquanto categoria sócio-filosófica em Bauman ... 73

2.1.1 Do porquê ―ambivalência‖ se institui em sistema paradigmático ... 74

2.1.2 Aproximações e diferenças entre dialética e ―ambivalência‖ ... 79

2.1.3 Da relação entre ―ambivalência‖ e hermenêutica pluralizadora ... 82

2.2 Esforço de síntese conceitual hermenêutica: arqueologia do paradigma da ambivalência 90 2.3 Sobre a possibilidade de uma educação baumaniana a partir da ambivalência, ou construindo na liquidez ... 97

2.4 Aproximações possíveis entre a condição paradigmática da ambivalência - Paradigma da Ambivalência – e a via, ainda diluída, da educação para a solidariedade ... 108

3 PARA UMA ARQUEOLOGIA DO PARADIGMA DA AMBIVALÊNCIA: DESENHANDO UM PARADIGMA CONCRETO E SIMBÓLICO ... 112

3.1 Processos congnitivos em Bauman: considerações acerca de conhecimento/ciência ... 113

3.2 A possibilidade de ciência/conhecimento do interior do paradigma da ambivalência ... 123

3.3 Comunidade plural: a sociedade ambivalente de Bauman entre a solidez e a liquidez da modernidade ... 132

4 GÊNESE DA SOLIDARIEDADE NA FONTE DA AMBIVALÊNCIA: POSSIBILIDADE DE AÇÃO DA EDUCAÇÃO ... 139

4.1 Ação pendular pela satisfação do indivíduo: segurança e liberdade ... 142

4.2 A comunidade baumaniana no princípio da solidariedade: desafios sociais oriundos da modernidade líquida? ... 152

4.3 Ambivalência e Educação ... 163

4.3.1 A possibilidade de pensar a educação para a solidariedade a partir do paradigma da ambivalência ... 164

4.3.2 Educação e sociedade em Bauman – sobre um vínculo no labirinto... 174

4.3.3 Educação e solidariedade à luz da ambivalência ... 178

4.4 A comunidade baumaniana na ambivalência: satisfação dos regressantes na ação pendular entre a segurança e a liberdade ... 186

4.4.1 Entre os sentidos possíveis de incorporar a questão da ambivalência no trato com a questão educacional ... 193

4.4.2 Em busca da práxis educativa solidária na lógica da razão ambivalente ... 201

CONCLUSÃO ... 221

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INTRODUÇÃO

“A verdade – cuja omissão põe em risco a demo-cracia -, não obstante, é que não podemos defen-der efetivamente nossas liberdades em nossa pró-pria terra colocando cercas entre nós e o resto do mundo e cuidando apenas dos nossos interesses” (BAUMAN, 2013a).

Ao assumirmos a tese da ambivalência a partir de Bauman e a apresentarmos como possível paradigma da ambivalência1 assumimos, também, as suas plurais e diversas referên-cias teóricas colhidas e frutificadas no percurso teórico que desenvolve, em nossa compreen-são, pelo pensamento e metodologia da pluralidade ou, como denomina alhures, hermenêutica sociológica e, posteriormente, pluralizadora. Bauman, nesse sentido, apropria-se criticamente de porções teóricas liberais e socialistas, habermasianas, gramscianas, marxianas e, sem pre-conceitos científicos ou exclusões, incorpora noções, lições e compreensões de seus professo-res e professoras. A amplitude da gênese de seu pensamento, das influências recebidas, não são filtradas com a lógica instrumentalizadora e excludente de pensamentos, teses, teorias, ciência e princípios que o servem, o justificam e o acomodam ou indicam explicações apres-sadas, simples e suficientes; as fontes plurais que estimulam sua construção teórica alimentam a consciência2 da ambivalência da condição humana no mundo compartilhado/mundo da vida, de onde é possível a solidariedade e a educação.

Pensar, com e a partir do contemporâneo Bauman, a temática da educação e buscar vinculá-la com a solidariedade no atual contexto da pós-modernidade, da relativização do mundo das certezas e volatilização das forças hegemônicas instituídas pelo mercado consu-mista/capitalista/burguês e da ambivalência, configura nossa tese central. Assumimos, nessa tese então, pensar a educação, na relação com a solidariedade, no mundo contemporâneo – o mundo que atualmente compartilhamos – e se constitui a partir do percurso teórico de Zyg-munt Bauman. Empreendemos nosso esforço traçando como objetivos:

1 O sentido de paradigma que buscamos encontrar/identificar em Bauman, tratamos no decorrer desta introdução e no capítulo dois, item 2.1.

2 O sentido de consciência na compreensão desse texto aproxima-se daquilo que Rousseau escreve em Emílio: ―A consciência é a voz da alma, as paixões são a voz do corpo. [...] Vezes demais a razão nos engana, conquis-tamos até demais o direito de recusá-la, mas a consciência nunca nos engana. Ela é o verdadeiro guia do homem; ela está para a alma assim como o instinto está para o corpo: quem a segue obedece à natureza e não tem medo de se perder‖ (ROUSSEAU, 2004, p. 405). Também, em outro momento da referida obra, Rousseau assim es-creve: ―Ora, é do sistema moral formado por essa dupla relação, consigo mesmo e com seus semelhantes, que nasce o impulso da consciência. Conhecer o bem não é amá-lo; o homem não tem um conhecimento inato do bem; mas, assim que a sua razão faz com que o conheça, sua consciência leva-o a amá-lo: é este sentimento que é inato. [...] Consciência! Consciência! Instinto divino, imortal e celeste, voz; guia seguro de um ser ignorante e limitado [...]‖ (ROUSSEAU, 2004, p. 411).

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1) estudar o pensamento baumaniano como operando na ambivalência e, desse lugar, insti-tuindo uma possibilidade paradigmática, como via de crítica à lógica do pensamento unifor-me, da solução formalizada/petrificada; 2) compreender a educação, a partir de Bauman, co-mo ainda residual, ou seja, que mantém-se sob a necessidade de ensinar a nova dinâmica, as novas necessidades para os indivíduos: compreender que o conviver, a volatilidade, a brevi-dade dos laços e a superficialibrevi-dade das relações embaladas pelo consumo, pela lógica do mer-cado, estão presentes na sociedade e atitudes individuais dos tempos presentes e, a partir daí, 3) pensar alternativas de solidariedade remanescentes na condição humana, potencialmente possível, a partir das subjetividades, não como soluções definitivas, mas construção perma-nente.

Adotamos a metodologia hermenêutica pluralizadora, que faz a crítica aos métodos puramente positivistas, racionalistas e instrumentalizadores, porque também nos permite o diálogo com o diferente, com outras tradições de pensamento. Por vezes, a dialética se apre-senta para tematizar o percurso teórico de Zygmunt Bauman e nele nos debruçarmos para investigar o trânsito pela ambivalência. No sentido da ambivalência, a compreendemos como uma espécie de tensionamento, de conteúdo, de possibilidade ampla, dialógica/dialética e, também, complexa e paradoxal com existência nas coisas, nas relações e na linguagem. Am-bivalência é sentido plural e possibilidade da pluralidade no diálogo: a multiplicidade de vo-zes/compreensões no esforço potencializado do consenso, da compreensão da diferença. As obras, Por uma Sociologia Crítica (1976) e Legisladores e Intérpretes (1987) desenham a trajetória de pensamento baumaniano, como Ensaios sobre o conceito de cultura (1975), Mo-dernidade e Ambivalência (1991) e O mal-estar da pós-moMo-dernidade (1997) e dimensionam a amplitude com que Bauman encontra e opera com suas fontes. Esse método pluralizador pode expressar um modo paradigmático de compreender o mundo/a realidade, os sentidos/a lingua-gem. Um paradigma não fechado, não completo e não absoluto nem, tampouco, regulató-rio/definidor/singular; mas um paradigma transitório, democrático, dinâmico.

A relevância do debate que empreendemos decorre, em nossa justificativa, do sentido atribuído à solidariedade que encontra e encanta a nossa vivência no cotidiano da rede pública de educação há duas décadas e indica alternativas para pensar e repensar a práxis. Nos pomos, assim, no enfrentamento do conhecimento tácito para pensar a educação e o status atual onde ela se encontra e para onde indicam possibilidades, enquanto grupo e indivíduo, alimentando trocas de experiências, tanto pela anterioridade e docência quanto pela reflexão/tematização teórica empreendida. É nesse percurso que chegamos a delimitação do texto Ambivalência,

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educação e solidariedade no horizonte da pluralidade “com” e “a partir de” Zygmunt Bauman. Colocamo-nos no interior do exercício cotidiano de sala de aula, das relações esco-lares, do ensino, da estrutura educacional oficial e da educação para além dos muros escola-res/mundo da cultura, da educação que se desenvolve no cotidiano – educação formal e in-formal – pensarmos a educação e a solidariedade no contexto da ambivalência baumaniana. Nossa problemática de estudo, então, pode expressar-se na questão: é possível, do interior do paradigma da ambivalência, pensar uma educação com vínculos na solidariedade?

Ao pensarmos a delimitação do tema, levantamos alguma suspeitas que adotamos co-mo hipóteses de nosso estudos, co-motivados pela compreensão de que tanto o sólido, quanto o líquido, na teoria baumaniana, assim como a compreensão de sociedade de construtores e so-ciedade de consumidores – e outras metáforas como turista e vagabundo, legisladores e intér-pretes, destino e caráter, jardineiro e caçador, identidade e diferença –, são expressões que Bauman utiliza para, ao longo de seu pensamento, delinear a ambivalência da vida, do concre-to/do real, dos discursos, dos sentidos, da existência, das compreensões, dos conceitos. A teo-rização baumaniana, ampara, em nossa hipótese, a pluralidade das vias/das possibilidades de uma sociedade/comunidade3 e das próprias subjetividades/individualidades nos seus caminhar e pensar, nos seus instituir e sentir cotidianos. Nesse contexto se manifesta, paradigmatica-mente, a ambivalência como âncora de sua teoria4, compreendendo-a como propriedade do mundo compartilhado e da condição humana.

3 Bauman utiliza o conceito ―comunidade humana‖ para significar sua compreensão de comunidade que parece permanecer no conjunto de sua obra, mas especialmente trabalho em Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Comunidade é, em Bauman, um coletivo plural, não padronizado étnica e culturalmente; mas uma pluralidade, um conjunto de indivíduos conscientes da multiplicidade, das diversidades, dos conflitos, paradoxos e, igualmente, das identidades, subjetividades constitutivas dos coletivos. A comunidade humana é reconheci-mento das diferenças, das individualidades, conceito distinto do comunitarismo, o qual critica. Cremos que Bauman pensa nessa direção em afastamento às compreensões centralistas, homogeneizadoras e sintéticas de identidade, etnocentrismo e Estado-jardineiro que resultaram em totalitarismos e supressões dos estranhos. A compreensão baumaniana de comunidade, embora assuma o debate proposto por Dürkheim e por Weber, parece transcendê-los, pois, não assume uma divisão estrita como aparece em Gemeinschaft e Gesellschaft.

4 É pertinente situar o debate no início da argumentação para dizer da opção que fazemos, nesta tese, em demar-car o campo paradigmático da ambivalência e o campo do significado de teoria. Em nossa compreensão, a teoria baumaniana se desenvolve no lastro do paradigma da ambivalência. Assim, teoria é um modo de tematizar a problemática sócio-filosófica da condição humana, em Bauman, desenvolvendo-se nos parâmetros, nos horizon-tes paradigmáticos da ambivalência. Embora teoria não seja algo de menor intensidade e amplitude, no compara-tivo com paradigma, ela diz os modos como os elementos, as compreensões, os olhares, reflexões, discursos, se desenvolvem e se revestem de sentidos. Como compreende Gadamer (2001, p. 27s), teoria ―é sempre um ver, desde a contemplação da liberdade interior, passando pela intuição da ordem cósmica global, até à visão do divi-no. O equivalente latino de theoria‖, em Gadamer, é ―a contemplação‖ e, nesse sentido, escreve ser ―a contem-placio, ao mesmo tempo, speculatio‖. Na sequência, no mesmo capítulo, Elogio da teoria, toca na ―raiz do que se pode chamar de teoria: a visão daquilo que existe. Não significa [a teoria] a trivialidade da verificabilidade da-quilo que, de facto, se nos apresenta‖. Então, Gadamer, estabelece um alerta para a tematização da teoria: o qual se refere à dificuldade de conseguirmos ―ver àquilo que existe, e não o que gostaríamos que existisse‖. No estu-do de Gadamer, ―o sentiestu-do originário, grego, de teoria, theoria‖, tem seu significaestu-do construíestu-do a partir de ―ob-servação, por exemplo, das constelações de estrelas, significa ser espectador, por exemplo, no teatro, ou ser

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Na referência ao estado do conhecimento, os escritos pesquisados na vinculação com Bauman, concentram-se nas suas ricas metáforas e/ou antíteses, o que não pode ser considera-do pouco; antes, o contrário. Contuconsidera-do, parecem debater a partir considera-dos produtos considera-do constructo teórico baumaniano porque, cremos, as antíteses, paradoxos, aporias, metáforas baumanianas, decorrem da condição paradigmática que a ambivalência assume no pensamento de Zygmunt Bauman. Ainda que emblemática, a questão da liquidez em Bauman e expressão de pluralida-de ampla e profunda pensamos que ver aí apenas a liquipluralida-dez é reduzir seu pensamento a um minimalismo teórico. Além dessas abordagens, Bauman tem sido citado na área de conheci-mento das artes no viés do pensaconheci-mento crítico à dominação de uns poucos sobre os demais. Na literatura e nas artes, a perspectiva teórica baumaniana confere lastro aos debates da ques-tão das migrações e da liberdade de uns poucos como dominação de outros tantos.

A proximidade baumaniana com a Sociologia rende iluminações a pensadores que se ocupam das questões sociais, especificamente, quanto aos outcasts/os fora dos padrões, rene-gados, os estranhos. No lastro das tematizações baumanianas, vertentes teóricas dirigem-se a críticas à flexibilização/volatilização da modernidade e, por outro lado, há quem, igualmente, desenvolva críticas acerca das ruínas da história. O pensamento de Zygmunt Bauman consti-tui-se âncora teórica para análises desde a área do Direito/Ciência Jurídica, envolvendo a questão da paternidade/amor/liquidez, problematizações das questões sociais e políticas, da governabilidade, da juventude e do mundo do trabalho – como a tematização da flexibilização das leis trabalhistas, da problemática da juventude e saúde e dos processos de identidade do sujeito/subjetivação. Parcela considerável de estudiosos de Bauman segue sua trilha teórica enveredando pelas discussões acerca do ―risco‖ e da ―incerteza‖. Mas o grande debate, no entorno do pensamento da filosofia social de Bauman, aponta para as questões da condição

ticipante de uma embaixada festiva. Não significa o mero ‗ver‘ que verifica o que está presente e/ou armazena informações. A contemplatio não se detém num ente determinado, mas num âmbito. A theoria não é o acto indi-vidual instantâneo, mas uma atitude, uma posição e um estado em que nos demoramos. É um ‗assistir‘ no seu belo duplo sentido; significa não só presença, mas também que o presente está ‗inteiramente‘. Alguém é partici-pante num procedimento ritual ou numa cerimónia, quando fica absorto na participação, e isso encerra sempre um tomar parte com outros ou um partilhar o mesmo com outros possíveis. ‗Teoria‘ não é, pois, em primeiro lugar um comportamento pelo qual nos apoderamos de um objeto ou o tornamos disponível através da explica-ção. Tem a ver com um bem de outra espécie‖ (GADAMER, 2001, p. 36-7), o que demonstra que a teoria não se esgota no serviço imediato da práxis (GADAMER, 2001, p. 37). Julgamos pertinente apresentar dois momentos gadamerianos que, em nosso modo de compreender, elucidam mais a concepção de teoria, na demarcação com paradigma: ―Não é só o nosso autoconhecimento que nos impede de vislumbrar, na plena satisfação das necessi-dades humanas, a condição prévia cujo preenchimento só a teoria permite‖ (GADAMER, 2001, p. 38) e, em outra passagem: ―Não temos a escolha de ser deuses ou homens – e, como homens, não estamos como o divino sempre despertos, mas somos seres naturais de carne e osso. Como homens, existimos também sempre como homens entre homens, como seres sociais, e somente a partir da práxis desta condução humana pode alguém – de tempos a tempos e por um momento – dedicar-se ao conhecimento puro‖ (GADAMER, 2001, p. 39). Theoria, desde a compreensão gadameriana a partir dos gregos, é ―a intensificação da vida‖, num movimento de ―Abstrair de si, atentar ao que existe‖ (GADAMER, 2001 p. 40).

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humana (ALMEIDA, GOMES & BRACHT, 2009), acentuando-se, na atualidade, a questão dos imigrantes.

Fortes debates, na esteira teórica de Bauman, também tematizam a sociedade de con-sumo e possibilidade da criatividade. No entanto, as referências ao termo ambivalência, cen-tralidade, em nossa compreensão, no pensamento baumaniano, têm sido dirigidas para um sentido negativo como o de deturpar/prejudicar, provocar nebulosidades nas compreensões, nas ações, nas teorias, nas condutas e pensamentos. Poucos pensadores, como Bauman, apon-tam para a ambivalência como a pluralidade de possibilidades e como aspecto da condição humana, do pensamento, da ciência, tanto no simbólico quanto no concreto da existência/da vida. As referências a esta terminologia baumaniana, apresentam, em alguns momentos, um sentido negativo como aquele compreendido na passagem: ―tratava-se de denunciar as contra-dições e ambivalências da razão moderna [...]‖ (PITHAN DA SILVA, 2017b, p. 06), o que nos remete à ideia de ambivalência como um problema para a modernidade. Cremos, em ou-tro contexto, que o termo ambivalência expressa a condição de nebulosidade/de não clare-za/de opacidade e perturbação da compreensão/da lógica/da verdade, como na ―noção de mundo ordenada que pretendia planificar e controlar o mundo suprimindo a diferença e a am-bivalência‖ (DÜRKS; PITHAN DA SILVA, 2014, p. 36).

Ao pesquisarmos por ―Bauman‖, no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, nos úl-timos cinco anos, na área das Ciências Humanas, encontramos 243 trabalhos versando sobre os temas baumanianos mais evidenciados, de usos mais comuns, como: mundo líquido, indi-vidualidade, subjetividade, identidade, sociedade do consumo, corporeidade e mundo virtual. Trazemos a dissertação do Daniel Bardini Durks, Educação e políticas do corpo na moderni-dade líquida: desafios sociais da Educação Física, desenvolvido na UNIJUÍ, como exemplo dos trabalhos em que Bauman aparece como autor de fundo no debate.

A pesquisa por ―ambivalência‖, mantendo os mesmos padrões de busca, ou seja, teses e dissertações produzidas nos últimos cinco anos na área de Ciências Humanas nos programas de pós-graduação brasileiros, verificamos 29 trabalhos, nos quais a temática das identidades se destaca. Apresentamos alguns exemplos da direção que as discussões têm tomado: Cristina Maria Costa Leite escreve a tese: o lugar e a construção da identidade: os significados cons-truídos por professores de Geografia do ensino fundamental, produzido na UNB; dissertação de Lucimar da luz, Representações de gênero e de sexualidade nas brincadeiras infantis e na docência: discurso, consolidação, resistência e ambivalência, escrito na Universidade Esta-dual de Maringá. Esta última pesquisa desperta a atenção pelo debate que realiza em torno dos

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estudos contemporâneos. Eles têm apontado que gênero e sexualidade são identidades que aludem às aprendizagens construídas nos processos de socialização e na educação. No texto, ―o conceito ambivalência é utilizado porque as representações das docentes, participantes da pesquisa, quanto ao gênero e à sexualidade no brincar, mostram-nos ideias contraditórias em meio às diferentes questões dos questionários aplicados junto a elas‖ (LUZ, 2018, p. 19 e 20). Parece distanciar-se do sentido de ambivalência baumaniana, mesmo a partir da citação que faz de Bauman (1999b, p. 9) porque ambivalência não é apenas o contraditório, mas os senti-dos diferentes que os termos, os conceitos, o mundo da realidade pode assumir.

A pesquisa direcionada à ―solidariedade‖ nos revelou 127 trabalhos com os mesmos parâmetros definidos, nos quais haja, desde o título/delimitação da abordagem relações entre solidariedade, educação e ambivalência vinculados à Bauman. Os resultados mostram Thais Barcelos Dias da Silva com a dissertação produzida na UERJ intitulada Narrativas "docentes" sobre processos de formação nos movimentos estudantis: tecendo diálogos sobre práticas democráticas. E, ainda o trabalho de mestrado, É possível uma educação para a paz? - a psi-cologia nas discussões sobre uma pedagogia pacificadora entre 1927 e 1934 na Europa, de Clarice Moukachar Batista Loureiro, desenvolvido na UFMG; o texto final de doutoramento de Lucio Gomes Dantas, A escola e a opção pelos pobres, apresentado na UnB. Destaca-se, em nossa percepção, a tese de Marcio de Freitas do Amaral: Jovens de periferia e a arte de construir a si mesmo: experiências de amizade, dança e morte, desenvolvido na UFRGS. En-contramos, também, de Sara Moitinho da Silva, Educação, direitos humanos, igualdade e diferença: o que dizem os professores?, apresentado na USP; a dissertação O Ensino Médio em instituições escolares do Rio Grande do Sul e a formação humana integral, de Dirceu Adolfo Dirk, apresentada na UFSM; de Claudia Priscila Pires, Economia solidária e Educa-ção: possibilidades, limites e desafios, dissertação apresentada na UFSCAR; Tese de Rafael Bianchi Silva, Lugares para a amizade na sociedade contemporânea: caminhos educativos a partir da obra de Zygmunt Bauman, escrito na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-quita Filho; tese de Marcia Hoffmann do Amaral e Silva Turri, intitulada Sentidos de solida-riedade, defendida na USP; de Maria de Fatima Alves São Pedro, Um novo paradigma ético para o Direito Ambiental, desenvolvido na UFRJ; Gestão Educacional resiliente: uma pro-posta para o contexto de mudanças paradigmáticas, de Altimar Costa da Silva, tese apresen-tada na UNICAMP e a dissertação de Renata de Salles Santos Pristelli, Relações de consumo responsável em educação: um diálogo com a economia popular e solidária através da traje-tória do Instituto Kairós, desenvolvida na USP.

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O estado da arte na busca em periódicos a partir do sítio eletrônico da Biblioteca Má-rio OsoMá-rio Marques, para acesso ao portal de periódicos da Capes, nos mostrou dez textos nos parâmetros seguintes: 1) pesquisa pelos termos ―ambivalência‖, ―Bauman‖, ―solidariedade‖ e ―educação‖, 2) concentração no último quinquênio em publicações com texto completo dis-ponível; 3) periódicos A1, A2, B1, B2 e B3, seguindo as exigências do Regimento Interno do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí para defesas de teses; 4) exibição por ordem de relevância a partir dos critérios da Capes e, dos resultados obtidos, 5) elegemos aqueles que, em nossa compreensão, debatem a questão da solidariedade, da educa-ção e da ambivalência, de alguma forma, relacionados com a perspectiva que Bauman apre-senta em nossa tese:

Autor/a Título Objeto Fonte

Isabel Baptista Ética e Educação Social: Interpela-ções de contempo-raneidade

Los profesionales del conoci-miento sociopedagógico en relación sobre todo con indivi-duos y grupos en situación de privación humana Pedagogia Social, 2012 vol:19. p:37. Dagmar Ester-mann Meyer; Carin Klein; Maria Cláudia Dal‘Igna; Luiz Fernando Al-varenga Vulnerabilidade, gênero e políticas sociais: a feminiza-ção da inclusão so-cial

Pesquisa realizada com gesto-res/as e técnicos/as, vincula-dos/as a secretarias municipais, envolvidos/as com a imple-mentacão de politicas e pro-gramas de inclusão social, em um município da grande Porto Alegre/RS Revista Estudos Feministas, 2014, p. 22 (3) Rosilda Men-des; Cláudia Maria Bogus; Marcia Faria Westphal; Juan Carlos Aneiros Fernandez Promoção da saúde e redes de lideranças

Estudo relações existentes en-tre as lideranças de Capela do Socorro-SP e sua articulação em redes e quanto elas facili-tam ações voltadas para a me-lhoria das condições de vida

Physis [online]. 2013, vol.23, n.1, p.209-226. Marques, Ange-la Cristina Sal-gueiro; Martino, Luis Mauro As

Não fale com estra-nhos: solidariedade e comunicação entre identidade e alteri-dade.

Delineia aspectos da noção de comunidade, a partir de uma perspectiva que entrecruza comunicação, moral, política e alteridade. Revista Famecos - Mídia, Cultura e Tecnologia, 2017, vol.24(2) Pepe, Albano Marcos Bastos ; Hidalgo, Dani-ela Boito Maurmann Da disciplina a transdisciplinaridade pela transgressão waratiana: uma re-leitura heideggeria-na do ensino jurídi-co.

Reflete a educação a partir de um novo paradigma: da vivên-cia e da transdisciplinaridade, em que, pelo caminho da fala waratiana se desenvolve a in-tersubjetividade e ao reconhe-cimento do outro. Sequencia: estu-dios juridicos e politicos, Jan, 2013.

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Ao tematizar a perspectiva teórica baumaniana, tem acontecido que pesquisas nessa direção, limitam-se a ver apenas o sólido e o líquido, o moderno e o pós-moderno, na constru-ção de Zygmunt Bauman. Escritos que acabam por reduzir o pensamento do sociólogo semi-ta-polonês/inglês a apenas uma das manifestações de seu plural sistema sócio-filosófico5. O que, de modo algum, quer significar incompreensões, inconsistências ou deméritos de quem escreve sob este viés. Contudo, em nossa interpretação e para o enfrentamento dos problemas de pesquisa, adotamos o enfoque teórico-metodológico que orienta-se pela perspectiva quali-tativa e interprequali-tativa e, desse modo, debatemos os conceitos caros ao desenvolvimento da tese como ambivalência, cultura, modernidade sólida e modernidade líquida, no primeiro ca-pítulo. A temática da educação e da solidariedade, compreendida como resíduo ainda latente e ―persistente‖ - segundo o próprio Bauman - na modernidade líquida, compõem a tessitura interpretativa do segundo capítulo, já compreendidas no interior do paradigma da ambivalên-cia. O terceiro e quarto capítulo, a partir da conceitualização da educação enquanto elemento da cultura nos tempos das modernidades e ambivalências discutem a educação e a solidarie-dade como possibilisolidarie-dades que se desenvolvem pelas carências que começam a ser visíveis pelos indivíduos na própria sociedade em que vivem; necessidades que suas consciências e experiências cotidianas passam a enfrentar e problematizar.

5 Seguimos a adjetivação de Gianni Vattimo à Zygmunt Bauman desenvolvida em entrevista à Stefano Caselli, publicada por Il Fatto Quotidiano, em 10-01-2017, com tradução de IHU On-Line, para quem Bauman é ―um verdadeiro sociólogo-filósofo‖ (VATTIMO, 2017).

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1 A GÊNESE DA AMBIVALÊNCIA: PERCURSO PLURAL DO PENSAMENTO BAUMANIANO

“los hombres [y las mujeres] luchan y pierden la batalla, pero aquello por lo que lucharon llega a pesar de la derrota [o mismo con la victoria], y cuando llega se descubre que no era eso a lo que se referían, de modo que otros hombres [y muje-res] tienen que salir a pelear por aquello a lo que en verdad se referían, bajo otra denominación…” (BAUMAN; DESSAL, 2014).

Com a eleição deste título para o capítulo primeiro trazemos a intencionalidade de ex-pressar o Bauman filósofo-sociólogo, defensor, em nossa compreensão - empreitada que as-sumiremos no decorrer do desenvolvimento da tese – da república, simultaneamente, socialis-ta e liberal, expressão recorrente em seu pensamento. É nessa concepção de Essocialis-tado, de gover-no, de política e sistema social que o próprio Bauman encontra, até então, o espaço de melhor qualidade construído na modernidade para a o desenvolvimento da dignidade humana e onde a condição humana encontra sua maior possibilidade de segurança na construção do viver a liberdade como essência humana. Nessa compreensão de república6 estão assentadas as bases mais sólidas, ainda remanescentes, com possibilidades de garantir um pouco de justiça social e ainda capacitadas para desenvolver o compromisso humano com a moralidade7. É desse ponto que Bauman parte, como partiu da Polônia8, para, teoricamente, refletir com espírito crítico a condição humana. Não vemos Bauman formatado/condicionado sob o prisma para-digmático da ambivalência; mas pretendemos marcar uma de suas características centrais e fortes na compreensão/reflexão sobre a realidade da condição humana. Seguindo, então, a

6 ―A busca do bem comum, por si mesma, não garante que os cidadãos (ou melhor, nesse caso, os supostos cida-dãos) serão de fato capazes de se comprometer a ―tomar conta de si mesmos‖ e ―se questionar‖, lançando um olhar crítico e julgando as leis que a todos governam. Mas sem aquela busca o apelo aos pretensos cidadãos para fazer exatamente isso soaria apenas vazio. É aí que o republicanismo e o liberalismo se separam: enquanto o liberalismo inclina-se a apear do trem republicano na estação do laissez-faire – viver e deixar viver – o trem da república continua a rodar, para criar com a liberdade individual uma comunidade que se autofiscaliza e assim utiliza essa liberdade na busca comunitária do bem comum. Recusando-se a trilhar esse trecho da estrada, o liberalismo fica com um grupo de indivíduos livres mas solitários, livres para agir mas não tendo voz ativa no cenário em que atuam nem a mais vaga ideia do propósito a cujo serviço pode ser colocada sua liberdade e, so-bretudo, nenhum interesse em cuidar para que outros sejam também livres para agir e em falar-lhes sobre os usos da liberdade de cada um‖ (BAUMAN, 2000, p. 171).

7 Para essas afirmações estamos nos baseando nas reflexões que Bauman realiza sobre si mesmo, contidas em BAUMAN (2011a), além de em outros momentos de sua obra, sem jamais perder a força do significado com que usa suas categorias. As trazemos de imediato, justamente pela centralidade que assumem no pensamento bauma-niano, especialmente no Bauman da década de 70 e o Bauman recente.

8 A alusão a esse aspecto biográfico busca situar a naturalidade de Zygmunt na polonesa Poznań, em 19 de no-vembro de 1925 e migrações: para a União Soviética, em 1939, e para a Inglaterra, em 1968. Crê-se, como de-corrência da condição de migrante e, de alguma forma, estrangeiro em sua própria terra, pois, de descendência judia, que suas categorias ―errante‖, ―turista‖, ―estrangeiro‖, ―nativo‖, sejam reflexos das suas vivências (BAU-MAN, 2011a). Zygmunt Bauman (19 novembro de 1925 - 09 janeiro de 2017).

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tônica do pensamento baumaniano, assumimos a terminologia ―ambivalência‖, como um marco, em nossa compreensão, central e paradigmático do seu percurso teórico.

Em nossa interpretação, a ambivalência é um elemento que o destaca no cenário inte-lectual, advindo da sua capacidade de dialogar com as diferentes tradições filosóficas, transi-tando das bases teóricas marxianas, ao pensamento liberal para, no momento seguinte e, por-tanto, atual de sua obra, elaborar suas reflexões do interior da pós-modernidade ou, como de-nomina, modernidade líquida. Contudo, não abandona os elementos apropriados ao longo do percurso, das plurais e diversas teorias/tradições; antes, as reelabora. Cumpre perceber, então, sua maturidade intelectual para transportar, com tranquilidade, os elementos significativos de cada teoria, sem absolutizá-las. É nessa espécie de democracia teórica, condição da república, que vão se constituindo os líquidos e os sólidos da ambivalência e da hermenêutica pluraliza-dora. O plano de trabalho que perseguimos neste capítulo, apoiados nas abordagens dos auto-res de influência em Bauman, concentra-se no esforço de tecermos aproximações tanto no sentido horizontal, ou seja, de quem ele herda categorias e elementos da instituição de sua teoria, como no sentido vertical, ao costurarmos essas influências e multiplicidade de pensa-mentos, para caracterizarmos a arqueologia do paradigma da ambivalência, que vemos como plano de fundo, grande marca do pensamento baumaniano.

Entre a multiplicidade de pensadores que influenciam Bauman na construção do seu sistema sócio-filosófico, elegemos alguns que, a nosso ver, compõem uma centralidade histó-rica no seu pensamento9. Por isso, procurando nos manter fiéis ao sociólogo-filósofo, vemos como elucidativo e ponto de reflexão também, a adoção dessa metodologia de escrita para o conjunto da construção. Ressaltamos quatro grandes momentos da constituição do percurso teórico de Bauman no que tange a suas influências e fazemos isso para, de imediato, demons-trar a tranquilidade com que transita por uma gama complexa de construções teóricas de onde tece a compreensão/o sentido da ambivalência que, nesta tese compreendemos paradigmática: 1) as bases socialistas, adquiridas do pensamento marxista e da interpretação gramsciana, ver-tente para sua aproximação com Jürgen Habermas, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer; 2) a aproximação com os ideais liberais republicanos e iluministas, inclusive capturando ar-gumentos centrais para sua teoria, em pensadores socialistas utópicos; 3) a identificação bau-maniana com o pensamento pós-modernista (entre outros, Jean-François Lyotard, Michel Foucault, Jacques Derrida, Georg Simmel, Anthony Giddens) e com pensadores que

9 Zygmunt Bauman reconhece em Bauman sobre Bauman (2011a) e deixa claro em seu percurso intelectual, a multiplicidade de influências acolhidas da diversidade epistemológica pelas quais transita. Entre os/as pensado-res/as citados/as na sequência do parágrafo, lembramos também Pierre Bourdieu, Max Weber, e Emanuel Lévi-nas.

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naremos independentes como seus mestres primeiros (Mary Douglas, Michel Crozier), Hans Jonas, Hannah Arendt, Cornelius Castoriadis, não filiando-se a uma escola filosófica específi-ca; 4) a psicanálise e um certo pragmatismo, na aproximação com Richard Rorty, acompa-nham o pensamento baumaniano e se constituem, juntamente com a hermenêutica, em pode-rosa chave para compreender seu pensamento plural.

Cremos que a circulação baumaniana pelas variadas tradições de pensamento, colhen-do as forças de cada uma, tem enriquecicolhen-do sua teoria e afirmacolhen-do consistências que lhe permi-tem transcender o dogmatismo/pensamento único e permitido colher os gens de sua herme-nêutica pluralizadora10. Nesse modo de compreender, Bauman pode ser estudado como pen-sador eclético11 e autor compromissado com a condição humana. As plurais vertentes de sua teoria são potencializadas no sentido de tematizar criticamente a condição humana que nos parece constituir a centralidade de sua obra. As teses que elegemos nesta parte inicial do tex-to, balizam o percurso teórico baumaniano e nos ancoram na iluminação de nossa tese de

10 Bauman assume a denominação proposta por Odo Marquard, de ―Hermenêutica Pluralizadora‖ (O mal estar

da pós-modernidade, 1997 na Inglaterra e 1998 no Brasil), em complemento à noção de Hermenêutica Socioló-gica (Legisladores e Intérpretes, 1987 na Inglaterra e 2010 no Brasil). Zygmunt Bauman (1998, p. 247-8), citan-do Ocitan-do Marquard, apresenta a ―hermenêutica pluralizacitan-dora‖, em oposição à ―hermenêutica singularizacitan-dora‖, indicando um caminho metodológico interessante para a construção desta tese. A partir de outra narrativa, escre-ve: [...] ―o texto pode ser compreendido de um modo diferente e, se isso não é o bastante, de outro modo, e ainda outro‖, pode-se dizer que eles [dois intérpretes] podem principiar a negociar, ―e quem negocia não mata‖. A ―hermenêutica pluralizadora‖, ao contrário da ―hermenêutica singularizadora‖, prenuncia um ―ser voltado para o texto‖, no lugar do ―ser voltado para o assassínio‖ [...]. O sentido para essa categoria, assumida por Bauman que imagina-se, autorizadora de compreensões desenvolvidas no seio da ―racionalidade dialógica‖, de Habermas, de quem Bauman se aproxima, está expresso no Posfácio da obra onde tematiza a liberdade. Alhures apreende-se que, enquanto ―hermenêutica‖ e enquanto ―pluralizadora‖, expressa: ―a liberdade indica que nada foi estabeleci-do para sempre‖ (BAUMAN, 1998, p. 246). Um pouco antes, escreve: ―Em toestabeleci-do jogo há venceestabeleci-dores e perdeestabeleci-do- perdedo-res. No jogo chamado liberdade, todavia, a diferença tende a ser toldada ou completamente obliterada‖. Na se-quência, parece resumir um pouco o sentido dessas manifestações: ―A história está cheia de assassínios de massa cometidos em nome de uma e única verdade‖ (BAUMAN, 1998, p. 248). Na continuidade, em sentido semelhan-te, escreve que o ―um‖ e único‖ transmite a una e única mensagem: o direito ao monopólio do poder para alguns, o dever da total obediência para outros‖ (BAUMAN, 1998, p. 248). Cita ainda Marquard, para justificar a con-cepção de ―hermenêutica pluralizadora‖: ―exatamente a variedade é a possibilidade da liberdade humana‖ (BAUMAN, 1998, p. 249). Ainda insiste no sentido, ao escrever: ―É benéfico para o indivíduo como indivíduo ‗ter muitas convicções‘, ‗ter muitas tradições e histórias‘, e muitas almas – oh! – num peito‘, ‗ter muitos deuses e muitos pontos de orientação‘‖ (BAUMAN, 1998, p. 249). O sentido parece completar-se no anúncio de Bauman (BAUMAN, 1998, p. 249): ―é no cemitério do consenso universal que a responsabilidade, a liberdade e o indiví-duo exalam seu último suspiro‖. Ver também BAUMAN; DESSAL, 2014, p. 141.

11 O sentido assumido nessa afirmação ancora-se em ―ecletismo‖ como uma matriz filosófica, muito próxima do pensamento de Victor Cousin (MORA, 2005a, p. 791-3) não pejorativa/depreciativa; antes, demonstrativa de uma grande capacidade de integração, de síntese, de apropriação de conceitos a partir de leituras de diversas fontes visualizando amplitude e profundidade. Nessa compreensão, ecléticos são filósofos, pensadores, não sec-tários, não dogmáticos, podendo ser denominados de ecléticos ilustrados. Assim são pensadores sábios ao incor-porar o que as tradições têm de ―verdadeiro‖, de autêntico, de modo a desenvolver uma atitude conciliadora e/ou formando uma visão de mundo pluralista. Escreve Mora (2005a, p. 793): ―...são principalmente a oposição ao dogmatismo e ao radicalismo em nome da tolerância e da conciliação. [...] a busca de um critério de verdade que permita não apenas justificar as próprias posições, mas também posições adotadas por outros pontos de vista; a busca de uma harmonia‖. Nos parece que essas compreensões se substancializam com a perspectiva da ambiva-lência.

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do ao tematizar Bauman como um pensador filósofo-sociólogo operando do interior do para-digma da ambivalência apoiado em um enfoque metodológico dialético-hermenêutico e, espe-cificamente, vitalizando a hermenêutica pluralizadora que, em nossa interpretação, abre pos-sibilidades de construção e desconstrução.

1.1 A condição humana no mundo que compartilhamos: o social e o crítico

Embora não seja possível, em nossa compreensão, delimitar horizontes sólidos na constituição do pensamento filosófico de Zygmunt Bauman, a análise de suas obras permite estabelecer indicativos de pensamento sócio-filosófico crítico com vertentes plurais apropria-das a seu modo, sem muito distanciar-se do envolvimento sistemático com a teoria marxista-gramsciana. Para Bazzanella (2012), porção significativa dessa aproximação se deve à in-fluência recebida da hermenêutica desenvolvida com a tese marxiana da flaci-dez/volatilidade/não eternidade dos sólidos12. Desta fonte marxiana, irriga suas reflexões, por vezes ácidas, sem descuidar da profundidade, da amplitude, da pluralização das vias possíveis e da necessária construção provisória das alternativas. Neste sentido, Bauman não é apenas um teórico da solidariedade mas da liberdade e da diferença, da segurança e da identidade. Trata da liberdade e da segurança como liberal e crítico marxista e a solidariedade do lugar da crítica sócio-histórica. O diálogo com viés solidário transcende o imanente e sugere a pauta da liberdade, mas, também, a da segurança. Tanto a liberdade quanto a solidariedade precisam dialogar com a diferença e a identidade. Em diálogo com Foucault e o espírito do marxismo, Bauman, parece indicar que somente em contexto social e histórico as categorias fazem senti-do. A amplitude teórica baumaniana o autoriza a inserir suas grandes categorias no âmbito da política e da crítica-social para pensar o curso da democracia e da mudança social.

Também vemos Bauman baseado em Freud e transitar na perspectiva da tematização radical da condição humana, debatendo a condição da liberdade e da segurança do indivíduo na sociedade moderna. Essa característica de incorporação das várias fontes fortalece sua con-cepção ambivalente e, compreendemos, a elabora desde sua juventude. Sem ousarmos no ex-cesso interpretativo biográfico – o que seria reducionismo e problemático para Bauman –, vemos sua vida e experiências pautando sua concepção de sociedade, de ciên-cia/conhecimento e de indivíduo. Então, transita da filosofia à sociologia e vice-versa,

12 Para aprofundar o conceito, além da fonte referenciada na bibliografia, podem ser consultadas as obras: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, e ENGELS, Friedrich; MARX, Engels. O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997.

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tando-se com a literatura, a psicologia/psicanálise, a arte, usufruindo das possibilidades e am-plitudes da linguagem, da reflexão, da crítica.

Keith Tester, sociólogo inglês, nos ensina que Bauman ―acredita que a sociologia é mais capaz de captar e abraçar a totalidade da experiência humana do que qualquer outra dis-ciplina‖ (BAUMAN, 2011a, p. 15). Para Tester, em Bauman a experiência humana, assim como a sociologia, não respeita fronteiras rígidas entre o social, o político, o econômico e, mesmo, o poético (BAUMAN, 2011a, p. 15). É da condição humana a ambivalência, a plura-lidade e, desse modo, o transcender fronteiras, transitar para além de esferas bloqueadoras da liberdade. A sociologia, em Bauman, identifica-se com a vida, com a existência porque ―é uma disciplina singular, e o que muitos comentadores podem identificar como a fraqueza ter-minal da disciplina (sua tendência a assumir ideias vindas de outros lugares, sua incapacidade de construir altas muralhas entre ela mesma e, digamos, a política ou a filosofia) é, na verda-de, sua força profunda‖ (BAUMAN, 2011a, p. 15). Desse modo particular de ser, Bauman considera que dividir as ciências, separá-las, é prejudicial ao conhecimento abrangente e rele-vante do mundo social; ―as fronteiras entre as disciplinas devem ser tratadas com suspeita e até ignoradas na busca de um conhecimento mais abrangente e relevante do mundo social‖, (BAUMAN, 2011a, p. 16). Bauman ressalta, pela sociologia, a polivocalidade das ciências e a multiplicidade de narrativas que compõem a ambivalência sócio-histórica das construções humanas. Com essa mesma intensidade, reivindica para a sociologia a responsabilidade da apresentação dos elementos necessários para os indivíduos assumirem postura crítica em rela-ção à sociedade. A sociologia deve ter a capacidade de mostrar os elementos viabilizadores de atitudes humanas comprometidas, de presentificar aos indivíduos as condições sócio-históricas do percurso da humanidade, as suas possibilidades e riscos. Dessa forma, nos pare-ce que Bauman (2000) encaminha uma nepare-cessária ação do educar, ao escrever que: ―Nenhu-ma sociedade que esquece a arte de questionar ou deixa que essa arte caia em desuso pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem‖ (BAUMAN, 2000, p. 14) e re-força a ideia do compromisso da sociologia ensinando que ―estar ciente‖ daquilo que ―pode ocorrer é a garantia de que não ocorrerá‖ (BAUMAN, 2000, p. 15), ou, pelo menos, possa ser, em tempo suficiente, evitado.

Esse diagnóstico baumaniano parece referir-se também à fragmentação do conheci-mento, à desumanização da ciência/conheciconheci-mento, sempre que predominarem as tentativas de absolutização da verdade de cada uma das ciências em ação/construção particular sobre os acontecimentos/fatos. Assim, também, a adoção de uma tradição de pensamento, como

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ca, rompe a pluralidade da vida e do conhecimento, a dinamicidade do mundo da vida/mundo compartilhado13 e a própria natureza do humano. Nesse mesmo horizonte, o conhecimento mais alargado, não dogmático/único, se dá como pesquisa e construção, pois, é complexo, não superficial/simplificado. Essas condições ampliam as possibilidades hermenêuticas, dialéticas e desconstrucionistas, não encerrando sentidos e delimitando as fronteiras de alcance do pen-samento e das possibilidades da ação humana. Operam na intencionalidade, talvez não evi-dentes ou profundamente conscientes, da transgressão/superação dos padrões, dos entendi-mentos solidificados e, desse modo, abrem um grande/plural conjunto de vias onde também é possível articular caminhares para a realização, para a felicidade, para a liberdade e a segu-rança, justamente do interior da ambivalência.

Bauman é apresentado por Keith Tester como operando sua base conceitual, de conhe-cimento, a partir do interior do ―ecletismo‖ – é compreensão baumaniana que ―a própria vida humana é fundamentalmente abrangente, diversificada e impossível de se apreender sob uma única classificação‖ (BAUMAN, 2011a, p. 16) – e da universalidade. O que ―faz Bauman‖ é ―praticar e promover o pensamento sobre as relações, situações e forças vivenciadas e con-frontadas por homens e mulheres, e - o que é importante - vivenciadas como reais‖ (BAU-MAN, 2011a, p. 17). Quem faz a história, então, não são burocratas, institui-ções/organizações, elites, mas os indivíduos (os homens e as mulheres) nas suas ações cotidi-anas. Nessa tônica de pensamento, Bauman, na compreensão de Tester, segue pela vida do revisionismo marxista ou marxismo humanista (BAUMAN, 2011a, p. 18).

Na interpretação de Keith Tester – ocasião em que entrevista Zygmunt Bauman, diá-logo que dará origem ao livro Bauman sobre Bauman – Bauman esforça-se em ―mostrar que o mundo não tem de ser dessa maneira‖, assim como sempre o conhecemos ou nos ensinaram que é. Então, para nós, é possível encontrar resíduos sólidos onde ancorar o veleiro da experi-ência humana e, também das vivexperi-ências e sentidos dos indivíduos na sua luta diária pela

13 A proximidade teórica, em medida considerável, de Zygmunt Bauman com Hannah Arendt, em nossa análise, permite uma aproximação conceitual e o fazemos com a consciência da profundidade e amplitude dos seus sen-tidos. Ao longo do texto, recorremos a categorias arendtianas como ―mundo comum‖ e ―mundo humano‖ para expressar a proximidade das compreensões, pois Bauman utiliza o termo ―mundo que compartilhamos‖ e ―mun-do da vida‖, Lebenswelt, com senti―mun-dos que nos parecem cognatos, especialmente porque Bauman incorpora o sentido sociológico de ―mundo da vida‖, construído por Jürgen Habermas. Apreensão que temos, por exemplo, quando Bauman escreve ser o ―mundo que compartilhamos [...] as opções que todos nós – gostemos ou não – enfrentamos, e entre as quais teremos de fazer nossa escolha, inevitavelmente, num futuro previsível‖ (BAU-MAN, 2017b, p. 114). Contudo, Bauman parece aproximar-se mais da compreensão habermasiana de mundo da vida, onde transita com mais facilidade pela racionalidade comunicativa e na amplitude da compreensão plurali-zadora da sociologia. Nesse sentido, compreendemos ―Mundo da vida‖, Lebenswelt, como conceito que em Bauman identifica sua teoria e aproxima-se da linguagem arendtiana. Percebemos essa aproximação conceitual, também, em ―Antropológicas versus temporárias: as raízes do ódio‖, capítulo final de Estranhos à nossa porta (2017b).

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quista da liberdade e garantia de segurança, na educação, na condução do Estado, na formula-ção das leis, na distribuiformula-ção das riquezas, no mundo do trabalho, na construformula-ção da felicidade e, em todas as áreas do conhecimento e dimensões da vida. Há alternativas ―àquilo que cor-rentemente parece tão natural, tão óbvio, tão inevitável. Essa preocupação traz a marca de duas das principais influências no desenvolvimento do pensamento social de Bauman: o mar-xismo pós-leninista de Antonio Gramsci e a sociologia de Georg Simmel (BAUMAN, 2011a, p. 17).

A partir das influências de Karl Marx, Bauman (2011a, p. 35) passa a crer ―na infinita e perpétua incompletude do potencial humano‖. Em sendo o ser humano permanente constru-ção, caminho aberto de possibilidades, expõe-se, na sua instituição e auto-instituiconstru-ção, com toda a pluralidade de sentidos e interpretações próprias da condição humana. E, dessa forma, se apresenta como agente da multiplicidade de compreensões desenvolvidas para e com a prá-xis do mundo comum. A ambivalência14 e, com ela, a complexidade, a dialética e a hermenêu-tica pluralizadora se instituem elementos constitutivos na dinâmica da existência/experiência e do imaginário/simbólico15. Entre as infinitas possibilidades, se não estamos operando em equívoco ao compreendermos Bauman, se apresentam as tendências humanas e sociais dos tempos atuais, tanto quanto alternativas de interpretação e de ação. Nessa condição fortemente

14 Compreendemos a ambivalência, tese central apresentada nesse texto, como envolvimento intrínseco com a hermenêutica sociológica/hermenêutica pluralizadora assumida por Bauman. É sobre essa pluralidade que bus-camos pensar no decorrer dessas formulações e que apresentamos neste capítulo como âncora e iluminação do pensamento baumaniano. Nessa compreensão, eximimo-nos de vinculá-la, a cada recorrência, à construção e desconstrução, ao sólido e ao líquido, à liberdade e à segurança, entre outas categorias caras a Bauman e expres-sivas desta condição paradigmática da ambivalência, porque compreendemos que elas são constituintes do para-digma da ambivalência. O parapara-digma da ―ambivalência‖ traz à tona, para a superfície, para a luz, aquilo que por longos períodos e sistemas teóricos ficou à margem na tentativa humana de, racionalmente, assimilar a totalidade do conhecimento, controlar as explicações todas e, desse modo, as verdades. A ―ambivalência‖ e seus elementos constitutivos, a dialética, a hermenêutica pluralizadora - heranças ou não de outros sistemas filosóficos – e a complexidade das relações, aprendizados, conceitos, ações e significados, como discutido por Pithan da Silva (2015, p. 42-3), compõem os sentidos que encontram este paradigma na cultural/sócio-histórica ambiguida-de/paradoxalidade da práxis humana. Para Pithan da Silva a ―complexidade‖ se põe como ―contraponto‖ à ―perspectiva de racionalidade‖ do ―paradigma cartesiano/newtoniano, nos moldes mecanicistas‖ que ―produziu [...] uma visão deturpada/reificada da realidade, contribuindo para a cegueira existencial‖ (2015, p. 42-3). A consciência dessa complexidade fornece ―contribuições‖ na direção do ―reconstruir nossas visões acerca da realidade e das inter-relações que subjazem às várias ciências‖ e, se inserem com pertinência na ―educação, prin-cipalmente escolar, pois permitiria outros olhares acerca da natureza das relações humanas e epistemológicas na contemporaneidade‖ (PITHAN DA SILVA, 2015, p. 42-3).

15 Embora esses elementos já estejam presentes em outros paradigmas, como nos parece ser com o paradigma da complexidade, de Edgar Morin, compreendemos que pensar a ambivalência é incorporar cada um desses elemen-tos numa mesma chave de análise. Ao longo do texto, expomos nossa compreensão acerca da hermenêutica e da dialética. Também o fazemos em relação à complexidade. Mas dizemos, desde agora, nos referindo ao termo complexidade que desejamos concebê-lo como a superação do saber racionalista moderno, da especialização, simplificação e fragmentação dos saberes. Portanto, transição para construções conceituais mais ampliadas, plurais que se aninhem com a multiplicidade e reconheçam as falibilidades, as impossibilidades, contingências, insuficiências da condição humana e, desse modo, se desenvolvam possibilidades de visualizar/pensar as coisas, relações e sentidos/conceitos, com mais amplitude, com olhares pluralizadores.

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ambivalente, o humano constrói a história de lutas pela efetividade da liberdade e qualificação da segurança. Essa dialética, em nossa hermenêutica, tem direcionado Zygmunt Bauman, as-sim como ao mundo da vida/mundo compartilhado, sob os parâmetros da ambivalência. Em Habermas (1987b, p. 287) cremos encontrar um apoio nesse sentido:

[…] con la creciente posibilidad de ser echas de las cosas naturales y de las relaciones sociales crecen también, obviamente, los riesgos que habitan en el interior de nuestros conflictos; pero simultáneamente la pura reproducción de la vida se torna dependiente de presuposiciones cada vez más exigentes. La peculiar dialéctica que desde el co-mienzo puede estar fundada en el hecho de que la naturaleza humana era constante-mente más que naturaleza, se despliega hoy en día en una dimensión histórico-mundial.

Percebemos, nessa dialética, a possibilidade, igualmente, da ambivalência como con-dição humana, presença constante e própria do mundo humano, histórico-social, de modo que ―La posibilidad de ser hechas de las cosas y de las relaciones sociales crece fácticamente, in-dependientemente de si las hacemos con conciencia o no‖ (HABERMAS, 1987b, p. 285).

Nas influências sócio-filosóficas recebidas de Marx, Bauman, pela via hermenêutica nos parece que foi ―inspirado a desenvolver as estruturas cognitivas e avaliativas‖ (BAU-MAN, 2011a, p. 35), as quais são: 1) ―o desprezo por todas as formas de injustiça socialmente produzidas‖, 2) ―o desejo de expor as mentiras em que se tende a enredar e, assim, ocultar, a responsabilidade social pela miséria humana‖ e 3) ―a inclinação de suspeitar de um erro sem-pre que se considere ou justifique a imposição [...] sobre a liberdade humana‖. A escola do pensamento sociológico crítico, para nós, advém desse viés teórico humanizado do marxismo. Bauman admite ser com Gramsci sua dívida de salvação em não tornar-se um antimarxista. Seu ―desencanto‖ reconhecido, com o marxismo, está na ―forma ossificada que se deu à ver-são vulgata ‗oficial‘ do marxismo‖, e, de forma mais específica, ―com a proibição oficial de se aplicar a crítica marxista ao ‗socialismo real‘, com a eliminação ou depreciação do núcleo e da fonte éticos dos ensinamentos marxistas‖ (BAUMAN, 2011a, p. 35).

As influências marxianas lhe permitem transitar pela dialética e apropriar-se de tal me-todologia para estabelecer, não a separação de mundos e compreensões, mas a iluminação dos sistemas, das lógicas, das relações e, assim, posicionar-se com mais segurança/propriedade. É com este mesmo Marx, então, que Bauman busca ver o capitalismo moderno como um dos responsáveis pelo derretimento dos sólidos medievais com o explícito objetivo, mantido em sigilo diante da massiva maioria da população, de após liquefeitos, constituírem-se em novos sólidos, mais sólidos ainda; embora mais radicais nos seus disfarces, talvez até mesmo nos seus efeitos, mas ainda mais estruturado, mais rígido (BAUMAN, 2003, p. 33). Percebemos

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essa astúcia do sistema capitalista e a crítica a ela, ao longo da obra baumaniana que aciona um alerta acerca das suas consequências e intenções, buscando em Kenneth Jowit um valoro-so argumento:

A sensação de incômodo, uma reação que era de esperar numa situação sem alavancas de controle óbvias, foi captada de maneira clara e incisiva no título do livro [...] A no-va desordem mundial. Ao longo de toda a era moderna nos acostumamos com a ideia de que a ordem é equivalente a ―estar no controle‖. É dessa suposição – quer bem fundada ou meramente ilusória – de ―estar no controle‖ que mais sentimos falta (BAUMAN, 1999a, p. 65, grifo no original).

Apropriado da noção de diluição, no sentido e tradição percebidos/assumidos no mo-mento histórico medieval, o capital – enquanto sistema nascente e organizado pela burguesia - vê a possibilidade de aumentar as condições – para ele reais, viáveis, concretas - e capacida-des de ligação, de atingir/contaminar/inundar uma área maior sem chances para mergulhos, natações ou descansos em ilhas e, desse modo, ampliar suas zonas de influência e seu poder. Manter-se no controle, então, e imperceptivelmente, ampliar o poder centralizador e nebuloso, nos parece ser uma das consequências da globalização. Contudo, a globalização coloca-se para o pensamento baumaniano, na condição paradigmática da ambivalência. Uma delas é a consciência da condição de controle despertada pelo sentimento de perda que atinge todas as dimensões e relações. Compreendemos aqui uma negatividade para o sentido da globalização, fonte para as críticas baumanianas ao evento globalização econômica, como ação do poder sobre o mundo da vida/mundo compartilhado. Outra, entre uma série de possíveis sentidos, se apresenta como possibilidade de mundialização ou, nas palavras de Bauman, na condição de ―cidadãos do mundo‖ (BAUMAN, 1999a), no sentido das relações sociais, das possibilidades humanas ampliadas no mundo compartilhado. Adotando palavras de John Gray, Bauman (2011a, p. 154) responsabiliza a social-democracia europeia pela sua omissão no impedimento das ―consequências divisivas das operações do capitalismo tardio‖ nesse ―contexto de globali-zação‖ (BAUMAN, 2011a, p. 154).

Segundo as compreensões baumanianas, o reino do capital, astutamente, é capaz de produzir/cooptar governos para agir na concordância e efetivação ―das reformas do mercado em acordo com os moldes neoliberais‖ e intensificar o ―recuo do Estado‖ de ―sua responsabi-lidade em promover a justiça social‖, afastando-o da ―única ‗totaresponsabi-lidade‘ democraticamente controlada que a modernidade inventou‖ (BAUMAN, 2011a, p. 154): a república. A república é instituição com forças político-morais suficientes e legitimidade para impetrar ações

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mandadas pela coletividade16, contudo, essa compreensão baumaniana, transcende o libera-lismo como uma das fontes baumanianas de reflexão e supera a proposta burguesa liberal. A educação no sentido de formação dos indivíduos/da sociedade, enquanto instituição oficial regulada pelo Estado está entre estas possibilidades e condições instituídas pelas propostas republicanas, para Bauman (2011a), como responsabilidade/compromisso desse Estado repu-blicano e também como necessidade. Nesse sentido, Bauman responsabiliza, como tem sido a tônica de seu pensamento critico-social, o desenvolvimento/expansão e concentração da inter-net/redes de comunicação, como falsa participação e fator de apropriação pelo capitalismo pós-industrial, de modo mascarado, para ampliar a divulgação disfarçada/dissimulada de seus objetivos e obter a satisfação de seu deário. Essas ações do capital evidenciam a separação entre a política e o poder, fomento das classes burguesas (BAUMAN, 2013a).

Na denúncia de Gustavo Dessal (BAUMAN; DESSAL, 2014, p. 62), para essa lógica de mercado consumista, ―es fundamental aprovechar el carácter radicalmente insatisfecho del deseo, a fin de perpetuar el movimento circular de la lógica del capitalismo‖. Então, para o capitalismo/mercado consumista, a questão não está na satisfação, na plenitude e, tampouco, na racionalização das ações pessoais, na crítica às atitudes – autocrítica – assim como não está na compreensão do macro funcionamento/instalação global das metodologias do mercado mundializado; mas no oposto: a aceitação do movimento externo/imposto.

La asombrosa ―sabiduría‖ de la lógica capitalista consiste en haber logrado concentrar en un objeto ―universal‖ (en el sentido de su fabricación en serie) la promesa de una satisfacción cuyas características son específicas e inconscientes en cada sujeto. A tra-vés de la mediación de los objetos de consumo, se establece una relación de circulari-dad entre el mercado y el sujeto, donde ambos poseen su cuota de poder y ejercen sus presiones (BAUMAN; DESSAL, 2014, p. 67).

Acerca da globalização e de sua influência não podemos deixar de apresentar seu ―sig-nificado mais profundo‖, que, para Bauman (1999a, p. 67) ―é o de caráter indeterminado, in-disciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A globalização é a ‗nova desordem mundial‘‖. A concepção da globalização, diretamente relacionada com os devaneios do capital mundializado, põe-se na contramão da ―ideia de universalização‖, de-senvolvida no princípio da modernidade clássica, quando os ―conceitos de civilização, desen-volvimento, convergência, consenso‖, entre outros, preocupavam-se em transmitir ―a

16 Nesse sentido e também naquilo que segue na decorrência do texto, convidamos a visitar outras obras bauma-nianas: Comunidade: a busca por segurança no mundo atual (2003) e Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global (2013a).

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