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A comunidade baumaniana no princípio da solidariedade: desafios sociais oriundos da

3 PARA UMA ARQUEOLOGIA DO PARADIGMA DA AMBIVALÊNCIA:

4.2 A comunidade baumaniana no princípio da solidariedade: desafios sociais oriundos da

O primeiro movimento da tematização deve apontar, em nossa compreensão, para o conceito de modernidade líquida em Bauman. Entre outras conceitualizações, decorrentes da que agora elaboramos, trazemos a contida na obra El retorno del pendulo, por sua centralida- de e, dessa forma, amplitude característica do percurso teórico baumaniano e compreensão da fase histórica denominada como liquidez. Portanto, para Zygmunt Bauman (2014, p. 151), ―modernidade líquida‖ se desenha nitidamente como ―el movimiento pendular que va y viene de la libertad a la seguridade (dos valores igualmente indispensables para lograr una condi- ción humana gratificante, pero incompatibles y reñidos en todas las etapas […]‖. Assim, pros- segue Bauman em carta de 30/07/2012 a Gustavo Dessal, ―Este desplazamiento seminal es lo

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que llamo «fase líquida» de la modernidad. Desde hace un tiempo tengo la sensación cada vez más fuerte de que esa fase está frenando en seco y que ahora atravesamos la subsiguiente in- versión del rumbo‖.

Então, um dos desafios que vemos na sociedade líquida e elegemos para esse debate é a educação tanto em seu sentido formal, quanto informal, já exposto a partir de Savater, ou seja, enquanto instrução/formação escolar e as estruturas que lhe são pertinentes, e educação enquanto acontecimento social/comunitário constituinte do indivíduo a partir das relações que o vinculam à família e às pertenças cotidianas. Nessa compreensão ampliada de educação, vemos, em sua história, ações de construção de verdade, de valores, de pilares de sustentação social e da própria ciência. Tem sido a educação, diz Bauman (2011b, p. 113) ―um pacote de conhecimentos‖. Como pensar em algo sólido, duradouro, se, nos tempos atuais, no ―Turbi- lhão de mudanças, o conhecimento parece muito mais atraente quando apto ao uso instantâ- neo e único‖, continua Bauman? Na continuidade, responde como ser devido a isso que a ideia de educação como um ―produto‖ destinado à apropriação e conservado para sempre, é desanimadora, pois se constitui em um movimento de direção única do pêndulo, de afirmação da verdade simples da segurança. ―O conhecimento sempre foi valorizado por sua fiel repre- sentação do mundo; mas, e se o mundo se transformar de maneira tal que desafie continua- mente a verdade do conhecimento existente até então e pegue de surpresa mesmo as pessoas ‗mais bem informadas‘?‖ (BAUMAN, 2011b, p. 114). Bauman também nos chama para pen- sar sobre a educação que, de alguma forma, assegura a continuidade das comunida- des/sociedades, e acontece no cotidiano das relações familiares, ao dizer que ―[...] la sociedad para la cual los padres deben instruir o educar a sus hijos ha cambiado. Ya no es una sociedad que moldea a sus miembros principalmente para los roles de productores y soldados, sino una sociedad que exige a sus miembros desplegar y practicar en primerísimo lugar las virtudes del consumidor (BAUMAN; DESSAL, 2014, p. 43). Mas mesmo assim, como movimento da ambivalência, típico da modernidade líquida, ―debemos estar agradecidos de que nuestra vida encuentre así una renovación de su sentido‖, compreende Gustavo Dessal (BAUMAN; DES- SAL, 2014, p. 62), ―y que el deseo recargue su movimiento eterno hacia la nada‖. Dessa for- ma, o nada ou o não-lugar, não representam somente a diluição/desconstrução; mas, de outro modo, também a ressignificação dos sentidos/conceitos, o repensar ante a clareza que se apos- sa da consciência humana da multiplicidade de oportunidades/possibilidades/vias. Posta a ambivalência, como condição paradigmática, apresenta-se no horizonte o alargamento das possibilidades/das vias, a amplitude dos caminhos e, desse mesmo paradigma, visualiza-se a

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ausência da comunidade como uma decorrência do estado de liquidez; mas também autoriza a ver essa ausência/enfraquecimento da comunidade como problemática para os indivíduos pois ela, a comunidade, é necessidade humana.

Bauman alerta – a partir do paradigma da ambivalência – para a necessidade de agir ao contrário dos apelos realizados pela onda incentivadora do ―surf‖: ―fazer o contrário do que estamos acostumados: inverter o padrão e organizar nosso pensamento não mais a partir da- quele em que o ‗indivíduo‘ está no centro, mas segundo uma ordem alternativa centrada em práticas éticas e estéticas que privilegiem a relação e o contexto‖, conclama Bauman (2011b, p. 164), citando Mark Furlong. E continua explicando essa necessidade de coletividade, ao utilizar a metáfora do paciente:

[...] não há curas instantâneas para doenças prolongadas e crônicas. Há poucas chan- ces de se sarar a doença sem a cooperação voluntária e dedicada, muitas vezes árdua e envolvendo sacrifício espontâneo do paciente. Todos nós somos pacientes no que diz respeito à doença sociocultural que nos afeta. Portanto, há necessidade de cooperação de todos e de cada um (BAUMAN, 2011b, p. 164).

Essa proposta baumaniana se apresenta no sentido oposto àquilo que são denominadas ―medidas de emergência generosamente oferecidas pelos governos‖. Elas se põem na condi- ção da cidadania, da instituição e/ou auto-instituição, pois dependem, ―do que nós, seus atores [...] viermos a fazer‖ (BAUMAN, 2011b, p. 164-5). É compromisso individual e coleti- vo/responsabilidade, o que nos remete ao horizonte da ética e amplia a consciência da ambi- valência das relações humanas na tematização da condição humana e na dinâmica do mundo da vida e do mundo compartilhado. Então, um dos grandes desafios da modernidade líquida, que expressa com profundidade e amplitude a laboração baumaniana do interior do paradigma da ambivalência, diz respeito a ação ―individualizadora‖ dos tempos atuais. Os indivíduos se cercam de suas certezas precárias ante um mundo de incertezas, do aleatório, na compreensão, do inusitado e da insuficiência de planejamentos e racionalizações, especialmente naquelas esferas que envolvem a coletividade.

Para debater a situação, Bauman encontra um referencial em Pierre Bourdieu que, ao discutir a situação atual do trabalho, desregulado, flexível, volátil, temporário e desprovido de relações fortes que possam vislumbrar demandas consistentes de nível massivo, também dis- cute a precariedade dos laços comuns entre os humanos. Nessa concepção, concordam Bau- man e Bourdieu, que a condição de individualização, distanciamento dos interesses e das de- mandas, inclusive, ―priva as posições de solidariedade de seu status antigo de táticas racionais e sugere uma estratégia de vida muito diferente da que levou ao estabelecimento das organi-

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zações militantes‖, de modo que encontram-se quebrados os ―fundamentos das solidariedades passadas e que o resultante desencantamento vai de mãos dadas com o desaparecimento do espírito de militância e participação política‖ (BAUMAN, 2001, p. 170).

A solidariedade (ou, antes, a densa rede de solidariedades grandes e pequenas, super- postas e cruzadas) serviu em todas as sociedades como um abrigo e garantia de certeza (ainda que imperfeitos) e, portanto, de crédito, autoconfiança e coragem sem os quais o exercício da liberdade e a vontade de experimentar são impensáveis. Foi essa solida- riedade que se tornou vítima primária da teoria e prática neoliberais (BAUMAN, 2000, p. 37).

Nas suas reflexões acerca da modernidade líquida, Bauman (2001, p. 173) argumenta sobre uma possível origem do desequilíbrio nas relações sociais, a partir da conjuntura do trabalho, ao escrever que ―A velocidade de movimento se tornou um fator importante, talvez o principal, da estratificação social e da hierarquia da dominação‖. É dessa forma que ocorre a facilitação do ―surfar‖ do capital, de seu ―dançar‖ livre. ―Como tudo o mais no mundo, o co- nhecimento não pode deixar de envelhecer rapidamente e assim é a ‗recusa a aceitar o conhe- cimento estabelecido‘, a seguir os precedentes e a reconhecer a sabedoria das lições da expe- riência acumulada que é agora vista como preceito básico da eficácia e da produtividade‖, denuncia Bauman (2001, p. 177).

O movimento de desconstrução de Bauman que lhe permite operar no sentido de ques- tionar os dogmatismos provoca nosso questionamento acerca das condições de possibilidades para o que asseguraria a continuidade/o compromisso com o próprio corpo/a própria vida, os próprios desejos/demandas em uma sociedade distante de valores de alguma solidez e orienta- ções desconstrucionistas? Há ainda, na desconstrução, algo que signifique alguma ação vincu- lar com a comunidade? Associado a esta questão, outro problema advindo com a modernidade líquida é a globalização. Para Bauman (2003, p. 89), uma ―rede de dependências‖ que ―adqui- re com rapidez um âmbito mundial‖ não ―acompanhado na mesma extensão pelas instituições passíveis de controle político e pelo surgimento de qualquer coisa que se assemelhe a uma cultura verdadeiramente global‖ se instala na sociedade diluindo as relações estruturadas e as próprias estruturas já assimiladas. O movimento de globalização na sua luta contra o Estado- nação ou, pelo menos, para enfraquece-lo enquanto instituição da cidadania, se constitui em um desafio para a modernidade líquida, muito mais próxima da condição intérprete da socie- dade e, ambivalentemente, volátil, passageira, fugaz. Mas é desse lugar, pensamos a partir de Bauman (2003, p. 89) que a globalização, no seu advento, provoca ―o desenvolvimento desi- gual da economia, da política e da cultura‖, e simultaneamente, o afastamento das possibili-

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dades coordenadoras do Estado-nação. Além dessas fragmentações, atua na ―separação do poder em relação à política; o poder, enquanto incorporado na circulação mundial do capital e da informação, torna-se extraterritorial, enquanto as instituições políticas existentes permane- cem, como antes, locais‖. Um dos acontecimentos graves levados a efeito, na denúncia de Bauman (2003, p. 89), é a incapacidade do Estado em ―reunir recursos suficientes para manter as contas em dia com eficiência e de realizar uma política social independente‖. A ação do capital financeiro e da força da informação, talvez atuando como um novo poder, profunda- mente ideológico, na nossa compreensão, promove a desregulamentação ou força o Estado a ―abrir mão do controle dos processos econômicos e culturais, e entrega-los às ‗forças do mer- cado‘‖ (BAUMAN, 2003, p. 89).

Globalização é, então, força extraterritorial, portanto, sem localização, sem corpo, sem risco de responsabilização e sem, da mesma forma, possibilidades de impedimento/de frena- gem – pelo menos tradicionais – como aprisionamento, processo ou explosão. Encontra-se em estado liquefeito, volátil, portanto, praticamente, onipresente/ubíqua, mas não tátil fisicamen- te. Nessa perspectiva, ―A ordem global precisa de muita desordem local ‗para não ter o que temer‘‖ (BAUMAN, 2003, p. 96). Adotando esse lastro de compreensão, percebemos a globa- lização, alimentada pelas forças de mercado consumidor e intencionalidades burguesas- capitalistas, abandonando os ideais liberais, mesmo ante a insuficiên- cia/incapacidade/desinteresse de sua realização, decretando a impossibilidade da continuidade do projeto e associando-se ou acomodando-se aos apelos do laissez-faire. Com isso indica um caminho necessário: a vida está em suas mãos, nas mãos de cada um/a. A existência é respon- sabilidade pessoal, o que não quer dizer o retorno ao sentido sartreano de responsabilidade, a partir da existência; mas a abdicação do Estado na proteção e regulação social e garantia da segurança e liberdade. Para Bauman, ―[...] o cenário moral pós-moderno‖ pode ser visto ―co- mo uma paisagem cheia de ameaças e promessas, perigos e oportunidades‖ (BAUMAN, 2011a, p. 107). Esse é um tempo líquido no qual

Os códigos podem ter perdido grande parte de sua capacidade de desabilitar moral- mente, mas isso não teria ocorrido não fosse pela coincidência de outras inflexões cuja capacidade de desabilitar revelou-se não menor, se não maior, que a exigência de con- formidade. [...] a fragmentação da vida, seu caráter episódico, e a ascensão do desen- gajamento para uma posição fundamental nas estratégias de vida ―racionais‖, que cos- tumava ser ocupada pelos seus opostos, o engajamento e o compromisso. [...] a nova tendência de buscar segurança numa profusão de oportunidades alternativas, mas tam- bém invariavelmente transitórias [...] a especialização, a profissionalização e, em úl- tima instância, a comercialização da caridade – a nova proximidade do sofrimento ofe- recida pela mídia de alcance mundial proporciona também uma nova chance de mani-

157 pulação e canalização dos impulsos morais despertados por essa canalização dos im- pulsos morais [...]‖(BAUMAN, 2011a, p. 108-9, grifos no original).

Nessa volatilidade, apressamento das relações, velocidade exigida dos comportamen- tos e ações, concepções e atualizações de modos de ser/compreender, pela tendência imposta na pós-modernidade, intencionalmente, em nosso modo de analisar o movimento da moderni- dade líquida, produz/exige um novo indivíduo. Ele precisa ser, ao mesmo tempo, criativo, ágil, capaz de flutuar e, portanto, não se prender, mudar com rapidez, não vincular-se a com- promissos de longo prazo. Simultaneamente, alguém capaz de colocar-se acima, para além, das situações, capaz de uma atualização, tanto quanto alguém disposto a não se prender, a colocar-se em condição de liberdade. ―Nada disso é bom presságio para reconhecer a humani- dade do outro‖ (BAUMAN, 2011a, p. 110). Assevera Bauman que esses tempos líquidos são tempos de responsabilidade pelas escolhas, ou, pelo menos, ensinam essa lição. No espírito da ambivalência, há sempre uma pluralidade de sentidos das relações todas. Não somente neste momento de interregno, mas constantemente, pois é isso que o paradigma da ambivalência apresenta como consciência/novidade/factibilidade: perceber a pluralidade com que o mundo, as relações, a condição humana estão constituídos e constituindo-se.

A ascensão do monólogo e a desqualificação de seu oposto e inimigo declarado, o diá- logo (ou mais exatamente o polílogo), significam uma estrita e irresistível divisão de status entre ―sujeito‖ e ―objeto‖, ou ―fazer‖ e ―sofrer‖; significa, portanto, a legitimi- dade de uma única voz, somada à desqualificação, como ilegítimas, de todas as outras vozes; significa o direito de calar, silenciar, excluir do tribunal todas as vozes, exceto uma – ou ignorar essas outras vozes caso não se tenha pleno êxito em silenciá-las. Idealmente, significa a conquista, por essa voz, da prerrogativa de tornar todas as ―ou- tras vozes‖ inadmissíveis perante a corte de justiça e, portanto, pura e simplesmente inaudíveis – sendo isso suficiente para tornar qualquer nova argumentação redundan- te, se não um ato de profanação e um pecado de blasfêmias (BAUMAN, 2013a, p. 202-3, grifos no original).

A pós-modernidade/modernidade líquida, apresenta três outros desafios provocados pelos efeitos da globalização da sociedade de consumo. 1) ―Um deles é a ‗desqualificação social‘, o descaso com relação ao aprendizado das habilidades de discutir e negociar com ou- tros as formas de escapar do problema; e a crença de que tais habilidades não são necessárias uma vez que a solução pode ser obtida com menos esforço e preço menor‖ no próximo mo- mento de aquisição (BAUMAN, 2011a, p. 129). Nesse primeiro desafio se encontra a ação da educação como debate/diálogo. A valorização da capacidade humana – inegociável – da lin- guagem/comunicação, manifestação das intenções e compreensões, nos parece ser uma alter- nativa educacional que desponta da hermenêutica pluralizadora de Bauman (2014; 2010b;

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1998). 2) O segundo desafio para os indivíduos/comunidades, ante o efeito da globalização consumista e disseminação desse ideal por entre as sociedades e indivíduos, consiste no en- frentamento dos ―problemas da vida, tal como o consumo‖, não como problemas individuais, particulares, ―solitário‖; mas que ganha ―efetividade se for conduzido em cooperação com outros‖ (BAUMAN, 2011a, p. 129). 3) ―O terceiro efeito consiste‖, para Bauman, ―em substi- tuir a cura da moléstia pela luta contra os sintomas‖ (BAUMAN, 2011a, p. 129). Nesse tercei- ro efeito Bauman indica a propaganda sistêmica para o esquecimento ou não visualização dos reais problemas e circunstâncias que recaem sobre os indivíduos, dispendida pelos meios de comunicação de massa e intenções da globalização do consumo. Uma espécie de ―novo‖ ópio, já, de alguma forma, em nossa compreensão, destacado por Karl Marx. O esquecimento das dificuldades pessoais – e porque não, coletivas/comunitárias – para buscar paliativos, apoios passageiros em miragens, ―dispositivos‖ alternativos, barulhos estranhos, enquanto os pro- blemas permanecem sem resolução/sem enfrentamento.

Em outro momento da sua obra, Bauman (2013a, p. 177), talvez sintetizando na ambi- valência, um sentido de modernidade liquida, a vê como ―marcada pelo afrouxamento ou dis- sipação das hierarquias burocráticas de autoridade, assim como pela multiplicação de lugares a partir dos quais recomendações concorrentes são vocalizadas‖ e aponta para esses dois fato- res como ―responsáveis pelo aumento da inocência e pela redução da audibilidade das vozes‖. Na preocupação baumaniana, a ―inocência do gesto‖, terminologia colhida de Günther Anders (BAUMAN, 2013a, p. 185) é fruto da oclusão mental, do abandono da capacidade de reflexão dos indivíduos, da superficialização das condutas e do caráter, abrindo espaço privilegiado para o ativismo sem causa e sem objetivo. O abrandamento das fronteiras morais/éticas deixa vir à realidade as manifestações mais traiçoeiras dos indivíduos, capazes de ―absolver e legi- timar o ato de fecharmos os olhos diante de nosso próprio potencial repulsivo e apavorante‖ (BAUMAN, 2013a, p. 187). A sensação líquida é do descompromisso tanto com as motiva- ções das ações, quanto com seus resultados.

Nessa dinâmica aterrorizadora, o mundo humano se imbrica e, com ele os indivíduos, absortos em seus fazeres como que, ao mesmo tempo, impossíveis de serem parados e de se- rem pensados. Nesse diluir das regulações, evaporam-se as racionalidades com condições de análise e ponderação na apresentação de razões para as ações. A percepção dessas falhas ati- tudinais, deficiências de sentidos e abdicação de defesas argumentativas acende outra urgên- cia educacional: o desenvolvimento da crítica ampliada ou, na linguagem baumaniana, a am- pliação dos sentidos, das compreensões. É nesse sentido que Bauman (2013a, p. 187) faz refe-

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rência a Anders, esclarecendo que ―em nossos dias, a tarefa moral mais importante é tornar as pessoas conscientes de que precisam ficar alarmadas e de que os medos que as assaltam têm motivos válidos‖. Talvez pudéssemos incluir a força educacional na propulsão da não- naturalização dos acontecimentos e na potencialização dos debates, dos enfrentamentos, dos conflitos e oposições, não com a pretensão de abrandá-los ou anulá-los, mas de desencadear processos dialéticos e dialógicos permitindo a ampliação das interpretação e a clareza das ambivalência do mundo da vida.

O esforço é deslocado para atrações terceiras, desencadeando uma espécie de fuga in- duzida pelos apelos facilitadores externos ao indivíduo. Seria a apregoação de uma espécie de liberdade – pretensa liberdade - facilitando a existência e promovendo a alienação – distanci- amento de si próprio e do contexto do indivíduo – conduzido para objetivos que não mais os seus próprios/conscientes/autônomos, mas estranhos e distantes de suas originais proposi- ções/buscas/objetivos. As razões pessoais, objetivos/demandas dos indivíduos – e consequen- temente, da própria comunidade – estariam na bolsa de valores/na ordem do mercado de con- sumo. Os valores pessoais e da condição humana, seguiriam nessa lógica da valoração efeti- vada por terceiros/estranhos e volátil – porém não menos forte – poder. ―A ascensão do con- sumidor é a queda do cidadão‖, nas palavras de Bauman (2011a, p. 130).

A ação educacional se dirige, interpretando o pensamento de Bauman, para a insistên- cia ―na verdade de que o consumismo não é uma situação do tipo ‗não há alternativa‘‖. Ele, o consumismo, é sempre – embora, por vezes, inconsciente – uma escolha e aí estão duas moti- vações para a educação: 1) o trabalho/a ação no despertar a crítica da consciência – agitar a consciência imanente para transcender – e, uma vez nessa condição crítico-reflexiva, 2) agir na elaboração/debate/práxis da construção/visualização de horizontes/vias alternativas ao labi- rinto posto pelo capitalismo pós-industrial. Para Bauman, no olhar paradigmático da ambiva- lência, o consumismo pode ser também uma alternativa de alguma forma consciente, na luta pela dignidade, pela efetivação da liberdade e na satisfação das reprimidas demandas dos in- divíduos. Contudo - e concordamos nesse sentido vendo uma possível ação educacional loca- lizada na reflexão autocrítica -, ―não se pode culpar alguém pelas condições‖ que levam às opções, ―só é possível culpar alguém por não inventariar as perdas que essas condi- ções[/opções] infligem quando suas bênçãos são computadas ou usufruídas de modo irrefleti- do‖ (BAUMAN, 2011a, p. 131). A ação educacional se concentra na questão fundamental da condição humana, na tematização da responsabilidade pela opção/escolha. Nos parece que em Bauman essa práxis pode ser assumida no horizonte da educação pela possibilidade da forma-

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ção do indivíduo para a própria sociedade à medida que ele, o indivíduo, ocupa-se, com res- ponsabilidade, sobre si próprio. Consciência que pode ter seu estopim/ponto inicial aceso com o questionamento acerca da dignidade e da liberdade pretendida/buscada via apelos do con- sumo.

Vemos que, dessa perspectiva, a educação precisa ser práxis. Estar comprometida com o mundo compartilhado/mundo da vida, com a ação enquanto promotora de algum resultado não externo ao indivíduo ou instrumentalista, mas interior, no reconhecimento/auto- reconhecimento da capacidade e possibilidade de instituir-se e instituir. Para Bauman (2011a, p. 147),

A verdadeira questão é que, embora sabendo o que fazer (e o que evitar), carecemos das agências que poderiam conduzir os assuntos humanos da maneira como achamos