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Comunidade plural: a sociedade ambivalente de Bauman entre a solidez e a liquidez da

3 PARA UMA ARQUEOLOGIA DO PARADIGMA DA AMBIVALÊNCIA:

3.3 Comunidade plural: a sociedade ambivalente de Bauman entre a solidez e a liquidez da

Ao olharmos a sociedade a partir das possibilidades da ambivalência compreendemos seu o amplo espectro operando no concreto da liquidez e da solidez para reconhecer a ampli- tude dos horizontes/fronteiras. Bauman é pensador hermeneuta e desenvolve o seu projeto utilizando-se de metáforas. A dialética, em nossa compreensão, tem contribuição fundamen- tal, também, no seu percurso teórico porque dela se utiliza para uma espécie de ―limpar o campo‖/confrontar conceitos/sentidos e ações e jogar luz sobre seu caminhar hermenêutico, permitindo-lhe não vincular-se a uma escola específica, mas apropriar-se de elementos de uma variedade de tradições. Essas assimilações reflexivas são responsáveis pelo seu transitar amplo, não fixo ou sólido/cimentado em um único modo de ver/compreender e explicar o mundo, especialmente, o mundo humano. Em nossa compreensão é, igualmente, dessa ampli- tude compreensiva que Bauman envereda para a hermenêutica pluralizadora, na contramão, diz ele próprio, de uma hermenêutica que talvez se preste a simplificação. Da pluralização, Bauman autoriza-se a estabelecer relações complexas entre as tradi- ções/compreensões/pensamentos/ciências/conhecimentos, caminhando no sentido de abarcar

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uma totalidade sempre maior. Esta hermenêutica pluralizadora e a dialética, lhe iluminam no sentido da consciência da não conclusividade e definitivismo das verdades, dos conceitos, das ideias, expressões e ações. É justamente da hermenêutica pluralizadora que, utilizando-se de metáforas, deixa claro que, do interior do paradigma da ambivalência, as mesmas coisas, as mesmas ações, as mesmas expressões/imagens, podem ter sentido/compreensões e desencade- ar ações distintas/diferentes/paradoxais.

Entre as grandes e iluminadoras metáforas da teoria baumaniana, encontramos a em- blemática modernidade sólida e modernidade líquida. Contudo percorrem todo o pensamento baumaniano, as não menos interessantes metáforas da sociedade/razão legisladora e intérpre- te, sociedade de construtores e sociedade de consumidores, turistas e vagabundos, os de den- tro e os de fora ou nativos/conhecidos e estrangeiros/estranhos. Na sua linha de pensamento e construção teórica, também utiliza terminologias como Estado-Nação e comunidade. Apesar dessas distinções paradoxais e, num primeiro momento contraditórias, é possível adotar posi- ções de diálogo entre elas, aproximadas por uma substância de solidariedade que subsiste nas diluições da modernidade líquida. Em nossa compreensão, não teria sido a modernidade lí- quida, a diluição dos sólidos – na concepção marxiana – uma forma/metodologia hermenêuti- ca de ver revelado/ver revelando-se elementos até então escondidos/privilégio de pou- cos/domínio de alguns ou verdades centralizadas? Paradoxalmente, um movimento que, tam- bém em conformidade com a compreensão baumaniana, só é possível do interior da moderni- dade, justamente porque a modernidade é movimento/dinâmica/desestruturação82.

Caracterizar a modernidade sólida e a modernidade líquida, opção que fazemos para continuarmos a empreitada no esforço de justificativa do paradigma da ambivalência e, da amplitude das possibilidades que decorrem desse modo de olhar o mundo comum e a condi- ção humana, da ancoragem fornecida pela hermenêutica pluralizadora, ampliando-se as possi- bilidades, é, de alguma forma, também apostar na caracterização/iluminação do paradigma da ambivalência como presença forte na atitude científica e da compreensão das inter-relações do pensamento baumaniano. Desse modo, ―As relações são muito mais complicadas do que con- seguimos tipificar; são cheias de efeito do tipo reação e recuo por parte de qualquer elemento na totalidade prática‖ (BAUMAN, 2012, p. 106).

A modernidade líquida traz, na sua intencionalidade desconstrutiva/diluidora, a ideia da não permanência e apresenta, com isso, no próprio Bauman a consciência de que as cons- truções mais sólidas até o momento, têm sido estabelecidas por uma certa hegemonia sócio-

82 Para ampliação deste debate indicamos, também, a obra de Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no

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econômica e cultural. Os sentidos que Bauman e Jameson debatem, cada um do seu campo, o primeiro da sociologia e filosofia e o segundo, da literatura, aproximam-se na crítica às fortes estruturas solidificadas da modernidade e, no oposto, reivindicam a necessidade de repensá- las, visto que para Jameson, a cultura pós-moderna parece ser expressão e veículo do capita- lismo tardio, tendo sido absorvida pela economia, na compreensão de Pithan da Silva (2015b). Ao mesmo tempo, uma pretensão de universalidade, mas também de reconhecimento da difi- culdade de atingir esse patamar, principalmente, pela ilusória crença do futuro que Bauman parece ver no modernismo (PITHAN DA SILVA, 2015b). Em Bauman (2012, p. 109) ―[...] o conceito diferencial de cultura é logicamente incompatível com a noção de universais cultu- rais (o que não significa que não se possa fazer esforço para localizar esses universais sem extrair conclusões lógicas e rejeitar o paradigma diferencial [...]‖. Contudo, o que os dois pen- sadores chamam a atenção é para as diluições advindas com as intencionalidades do mundo do capital, ampliadas globalmente pelas forças midiáticas e da internet, em especial, e a ação sorrateira do capital/mercado volatilizando/diluindo relações – tanto na dimensão privada quanto pública/coletiva – produtoras de efeitos arrasadores na persecução da condição huma- na.

Naquilo que podemos compreender da modernidade líquida, determinada em sua meta de mostrar, em Bauman, duas condições – a da crítica e das possibilidades -, empreende es- forço demonstrativo para desenvolver ampla crítica do percurso altamente regulador, estratifi- cante, racional, empreendido pela humanidade até o momento. Nessa questão, Bauman incor- pora a análise das estruturas do Estado-Nação, a ação dos construtores, dos filósofos - agentes do fundamento teórico e da justificação/defesa da necessidade e viabilidade das estruturas -, das regulações e valor da priorização da segurança. Isso significava, em última análise, aco- lher um conjunto de regramento e a submissão a princípios determinados pelo poder científi- co/racional, legítimo/validado socialmente, do Estado.

Modernidade líquida é utilizada por Bauman para diferenciar-se das interpretações er- rôneas de seu pensamento, lido como sinônimo entre pós-modernidade e pós-modernismo. Mas, principalmente, a pesquisa de nova denominação da pós-modernidade - termo que utili- zou para significar o momento presente da modernidade até fins dos anos 1990 quando publi- cou Modernidade Líquida, 2000 na Inglaterra e 2001 no Brasil - tem sido radical no sentido de não negar a modernidade e nos vermos ainda em seu interior. É falso o fim da modernida- de transparente no termo ―pós-modernidade‖. ―Somos tão modernos como nunca, ‗moderni- zando‘ de modo obsessivo tudo aquilo que tocamos. Um dilema, portanto: o mesmo, embora

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diferente, a descontinuidade na continuidade‖ (BAUMAN, 2011a, p. 112). Com essa mesma interpretação, Bauman não concorda de todo com as expressões ―modernidade tardia‖, de Anthony Giddens – diz ser um apressamento a afirmação de já estamos no fim da modernida- de -, e também não vê muito conteúdo significativo na terminologia cunhada por Ulrich Beck, ―segunda modernidade‖, pois não apresenta as diferenças com uma suposta primeira moder- nidade. ―Modernidade líquida‖, desse modo, ―aponta ao mesmo tempo para o que é contínuo (a fusão, o desencaixe) e para o que é descontínuo (a impossibilidade de solidificação do fun- dido, de reencaixe)‖ e, para Bauman (2011a, p. 112) ―ajuda a entender tanto as mudanças quanto as continuidades‖.

Na outra extremidade ativa da liquidez, age a amplitude de possibilidades dos indiví- duos – também das instituições -, em certo sentido, cansados da regulação, desejosos de viver para além do controle, ansiosos pela experiência da radicalização de suas identidades. Bus- cam, assegurados pelas garantias instituídas no seio da regulação/controle do Estado, a ex- pressão dos desejos recônditos, latentes há muito, sintetizados na liberdade. Nesse horizonte, a relatividade assume a centralidade da cimentada estrutura com pretensões racionais de orga- nização e limitação do princípio da modernidade deslocando a centralidade do ponto coletivo para o outro extremo, o individualismo. Na crítica baumaniana aos processos individualista, vê que se desenvolve, também, embalada pela potencialidade diluidora da liquidez, a ressigni- ficação dos valores que pautam/podem regular o mundo da vida83, e a ufanização do individu- alismo como anteposição ao cansativo/descaracterizador coletivismo, como possibilidade efe- tiva de manifestação dos ideais de liberdade e vivência dos recônditos desejos. De certo mo- do, é o que Bauman (2012, p. 106), citando David Aberle, assevera acerca da cultura/das rela- ções no mundo humano/mundo compartilhado: ―[...] tal como a linguagem, cultura ‗é seleti- va‘, cada qual é ‗uma configuração singular. Não há categorias gerais de análise‘‖. Embora a hermenêutica assuma, nesse sentido, as condições reais de possibilidades explicativas ou de atribuição de sentido para o mundo da vida e para as vivências individuais, na compreensão baumaniana, do interior da modernidade líquida, a pluralidade pode salvar um novo imperati- vo. Na compreensão de Jameson (2007), esse imperativo pode vir no embalo encantador do capital globalizado, adornado de consumismo com características de liberdade e alado como o cavalo mitológico Pégaso que, ao corcovear, derruba o cavaleiro Belerofonte, lhe tirando a vida.

83 O sentido de mundo da vida, nesse momento do texto, refere-se à compreensão husserliana, portanto, a dimen- são do simbólico, mas sem excluir a compreensão habermasiana, apontada para o horizonte sociológico. Sentido que, cremos, também se referir à próxima ocorrência do conceito nesse mesmo parágrafo.

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A ambivalência, presente na modernidade líquida, aponta desafios/novidades, reco- nhece limitações, mas descortina possibilidades para a amplitude de compreensões e a consci- ência, ao mesmo tempo, da necessidade de novas construções, contudo, não mais na lógica cimentada; mas na dinâmica do movimento, da atualização constante, da relatividade e transi- toriedade das circunstâncias, processos e sentidos. Olhando do paradigma da ambivalência, compreendemos que a ―cultura é de fato um sistema fechado de características que distingue uma comunidade de outra [...]‖. Desse modo, então, ―Se qualquer cultura, por definição, cons- titui uma entidade singular, coesa e fechada‖, da mesma forma, ―qualquer situação de ambi- guidade, incerteza, falta de compromissos unilaterais visíveis, e mesmo de evidente falta de coesão, tende a ser percebida como um ‗encontro‘ – e não como um ‗choque‘ – entre totalida- des culturais distintas e consistentes‖ (BAUMAN, 2012, p. 125). Nessa relação ambivalente, o diálogo institui-se no processo cultural como encontro.

O pensamento baumaniano transita pela realidade líquida da modernidade, mas não abandona a crítica como método de sua reflexão, assim como, não isenta a própria liquidez da sua rigorosidade. Com olhar contundente, Bauman (2011b, p. 181) encontra as ―cidades [...]. ―principalmente as megacidades como Londres‖, na condição de ―lixeiras nas quais nos des- fazemos dos problemas gerados pela globalização‖. Por outro lado, operando na ambivalên- cia, radicaliza afirmando serem também ―laboratórios onde se realizam experiências com a arte de conviver com esses problemas (embora não com a arte de resolvê-los)‖. Então, distan- te das comunidades/do espírito comunitário, dos grupos identitários e/ou plurais, de onde os indivíduos se asseguram e têm a possibilidade, se não a necessidade, de desenvolver/expressar solidariedade e reivindicar a liberdade sufocada/desejada, cresce a globalização. Para nós, tanto na leitura de Bauman, quanto de Jameson, a globalização é fruto de nebulosa intenciona- lidade do capital que, boicotando o Estado e o convertendo a ideais burgueses, não mais ori- ginários do espírito revolucionário iluminista/liberal, promove fragmentação nos processos naturais de convivência e relações humanas, como o diálogo, a solidariedade e, de alguma forma, o próprio auto-controle/normatividade/regulação, gestão e reconhecimento das deman- das de onde ecoam as múltiplas vozes e os anseios das diferenças.

Além das reduções nas legítimas e intrínsecas forças/capacidade de ação/atuação do Estado, das instituições e competências que lhe foram atribuídas historicamente, o Estado, na onda globalizadora, transmutou-se em servo do capital flexível/volátil – onipresente e, ao mesmo tempo, impossível de ser capturado/detido – responsável pelo culto ao consumismo. O arcabouço da proposta capitalista pós-industrial – seguindo na ótica da análise de Pithan da

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Silva (2010), especialmente o item 3.3 da sua tese no qual tematiza ―Da modernidade sólida à modernidade flexível: a racionalidade sob os desígnios do capital‖ – ocorrência típica da li- quidez moderna, ao ufanizar a liberdade e o indivíduo como acontecimento último, retirando os vínculos naturais da condição humana e da relação humana no mundo, desqualifica a capa- cidade humana de envolver-se com suas próprias questões/problemáticas e bloqueia emprei- tadas com tais intencionalidades. Bauman (2011b) vê dois grandes problemas oriundos da globalização: 1) o divórcio entre o poder e a política e 2) o deslocamento para o mercado de capital, das funções antes exercidas pelas autoridades políticas. ―Na maior parte de sua histó- ria, a modernidade foi uma era de ‗engenharia social‘ em que não se acreditou na emergência e na reprodução espontânea da ordem; com o desaparecimento das instituições auto- regenerativas da sociedade pré-moderna, a única ordem concebível era uma ordem projetada com os poderes da razão e mantida pelo monitoramento e manejo quotidianos‖ (BAUMAN, 2003: 39).

Compreendemos que a análise de Bauman, enquanto sociólogo e estudioso crítico da condição humana procura fugir da onda moderna de valorização exacerbada do individualis- mo que cultua a celebridade. Ao evitar o autobiográfico, valoriza a ―vida pública” – o único tipo de vida que pode constituir os alicerces de uma política íntegra e respeitável – possa ser fortalecida e praticada‖ (BAUMAN, 2011a, p. 12). Algumas bases, na hermenêutica que rea- lizamos do pensamento de Bauman, estão lançadas para não invalidar o espírito forte e positi- vo da modernidade líquida/flexível; mas, por outro lado, o vemos recorrendo a uma necessi- dade de estabelecer e - o que seria mais autêntico com seu pensamento - reconhecer identifi- cações ou instituintes como pontos de ancoragem, que nos permitem situar Bauman no não- lugar do paradigma da ambivalência e, vê-lo conservando o essencial da modernidade sólida. Não somente a crítica ao individualismo, ao consumismo e à volatilização do capital, agigan- tamento da globalização e guinada tendenciosa do Estado regulador/dos poderes do Estado, mas, à busca do elo que nos prende enquanto humanos, àquilo que é antropológico/próprio do humano, constituinte da condição humana, não como ocorrência dada, mas construção huma- na nas suas relações, seguindo a crítica desenvolvida por Bauman em Legisladores e intérpre- tes. Contudo, se nos apresenta mais urgente nessa problematização a solidez da comunidade plural, possibilidade de refúgio e também porta aberta para demonstrações e vivências da hu- manidade. Isto equivale, em nossa compreensão, ao retorno do pêndulo para a solidariedade; não como um retorno simples a algo já vivenciado ou, mesmo, a concepções/conceitos pré- estabelecidos; um retornar ao interior da condição humana, àquilo que é antropológico e onto-

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lógico, ressignificando o movimento, os seus sentidos e os significados da solidariedade com olhares ambivalentes. Como compreendemos, não há, na sociedade líquida, uma condição pré-estabelecida, ordenada, teleológica, que assegure as relações e seja capaz de definir segu- rança e liberdade, educação e solidariedade, no mundo compartilhado, com amplitude e dina- micidade suficientes. Então, a viabilidade dessa dinâmica encontra no diálogo uma alternativa ou, como dissemos, uma âncora para a humanidade como instituinte/instituindo-se a partir dos indivíduos. Para Bauman (2014, p. 13), então, ―el estado líquido de la civilización es al mis- mo tiempo un caldo que admite el cultivo de formas alternativas de ser, de amar y de gozar‖.84

84 ―o estado líquido da civilização é, simultaneamente, um caldo que suporta o cultivo de formas alternativas de ser, amar e desfrutar‖, na tradução livre do autor.

4 GÊNESE DA SOLIDARIEDADE NA FONTE DA AMBIVALÊNCIA: POSSIBILI- DADE DE AÇÃO DA EDUCAÇÃO

“En ningún otro punto de inflexión de la historia humana los educadores debieron afrontar un desa- fío estrictamente comparable con el que nos pre- senta la divisoria de aguas contemporánea” (BAUMAN, 2008b).

Ao assumir a realidade/o mundo comum, como ambivalente, Bauman passa a operar a construção de seu percurso teórico a partir de tal condição paradigmática. Aí também insere a condição humana, não como limitação, mas enquanto possibilidade plural, complexa. Ao compreender a modernidade, sua construção histórica, o valor/a força desse período histórico do modo como operava o pensamento, a ciência, o conhecimento e, também, sua relevância e significado para a humanidade e, igualmente, considerando a complexidade, dialética, ambi- guidade e ambivalência da modernidade, compreendemos que Bauman passa a adotar as ter- minologias ―modernidade sólida‖ e ―modernidade líquida‖. Para nós, essa dinâmi- ca/pluralidade do percurso teórico baumaniano, empreende na direção de instituir/reconhecer o paradigma da ambivalência. O que, em nossa compreensão, revela que a modernidade não pode ser limitada a fronteiras estáticas, claras, ou ajustadas em toda sua intercorrên- cia/potencialidade/força simbólica e empírica.

Compreendemos, em nossa análise da obra baumaniana, que sua concepção da reali- dade se dá a partir da condição paradigmática da ambivalência. Não há um estágio final, uma perspectiva duradoura, eterna. Essa proposição é sólida a tal ponto de ser possível afirmar que tudo muda ou que, como disse Karl Marx, ―Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas enve- lhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era dos estados [ou ordens sociais — stän- disch] e estável se volatiliza‖ (MARX e ENGELS, 1997, p. 32). É nessa mesma perspectiva que Zygmunt Bauman, em nossa compreensão, pode ser compreendido como filóso- fo/sociólogo da ambivalência porque assume a grandeza teórica de ver a realidade e a com- preender tecendo uma hermenêutica a partir da amplitu- de/complexidade/paradoxalidade/dialética do real e do simbólico. Em nossa intuição, decor- re/deriva dessa relação uma hermenêutica pluralizadora – ou aproximação com ela – que, es- sencialmente, questiona-se constantemente pela verdade/equilíbrio entre liberdade e seguran- ça, precariedade e satisfação, produção e consumo, identidade/autonomia, pluralidade, diver- sidade/identidade. Preocupa-se, então, com o debate, a análise sócio-filosófica, a reflexão, em

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torno dos ―usos sociales /políticos/económicos del cambiante equilibrio entre el «principio del placer» y su compañero/adversário, el «principio de realidad» (BAUMAN; DESSAL, 2014, p. 71). É sobre esse espaço/universo moderno, complexo e dinâmico que Bauman pensa, não concluindo, mas problematizando, enriquecendo-o com a perspectiva da ambivalência. Escre- ve, então, em Modernidade Líquida, no título em que tematiza o Trabalho, sobre ―Os laços humanos no mundo fluido‖:

Os dois tipos de espaço, ocupados pelas duas categorias de pessoas, são marcadamen- te diferentes, mas inter-relacionados; não conversam entre si, mas estão em constante comunicação; têm muito pouco em comum, mas simulam semelhança. Os dois espa- ços são regidos por lógicas drasticamente diferentes, moldam diferentes experiências de vida, geram itinerários divergentes e narrativas que usam definições distintas, mui- tas vezes opostas, de códigos comportamentais semelhantes. E no entanto os dois es- paços se acomodam dentro do mesmo mundo – e no mundo de que ambos fazem parte é o mundo da vulnerabilidade e da precariedade (BAUMAN, 2001, p. 184).

Esse movimento, Bauman percebe também na dinâmica do capitalismo, que nesse mesmo espaço e nesse mesmo tempo, a modernidade, transmuta-se de ―capitalismo pesado‖ para ―capitalismo leve‖; mesma ocorrência que se dá com as relações fluídas/passageiras/sem duração, exceto durante o tempo da satisfação. Não que o capitalismo, para Bauman, seja ―mole‖, complacente ou, até mesmo, humanizado/compreensivo; antes o contrário. Na sua capacidade de surfar, de manter-se leve/flexível, assumiu a posição de estar acima, de onde pode mover-se com mais facilidade e de um modo ―panóptico‖, conhecendo – e, ao mesmo tempo, interferindo/dominando/controlando sem parecer que o faz – a realidade na qual nave- ga. Essa sua liquidez, facilita sua ação diluviana/inundadora85. Essa tematização produz uma denúncia baumaniana que procuramos debater como pano de fundo deste texto. Ela, a denún- cia, se refere à transformação provocada na modernidade por ação/inação dos intelectuais que, ao acompanharem as mudanças do sistema, encontram-se imersos em ―desengajamento‖86 – ―estratégia do poder e da dominação‖ (BAUMAN, 2003, p. 113) – e ―excesso‖ – ―substituto de hoje para a regulamentação normativa‖ (BAUMAN, 2003, p. 113). A transformação social

85 É nesse sentido que compreendemos as metáforas baumanianas Tempo/Espaço, de Modernidade Líquida (2001).

86 ―A cultura líquido-moderna não se percebe mais como uma cultura do aprendizado e do acúmulo, como as outras registradas nos relatos de historiadores e etnógrafos. Parece, em vez disso, uma cultura do desengajamen- to, da descontinuidade e do esquecimento‖ (BAUMAN, 2009, p. 83). Talvez, nesse sentido, é possível compre- endermos a posição baumaniana acerca das intenções da ―era líquido-moderna. De uma era que perdeu a auto-