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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM HISTÓRIA MOISÉS DE CARVALHO PORTO

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM HISTÓRIA

MOISÉS DE CARVALHO PORTO

CANDOMBLÉ COMO ATO VISUAL: FOTOGRAFIA E IDENTIDADES NA CONSTITUIÇÃO DO ILÊ FARÁ IMORÁ ODÉ (1980-2013)

GOIÂNIA- GO 2021

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MOISÉS DE CARVALHO PORTO

CANDOMBLÉ COMO ATO VISUAL: FOTOGRAFIA E IDENTIDADES NA CONSTITUIÇÃO DO ILÊ FARÁ IMORÁ ODÉ (1980-2013)

Dissertação de mestrado apresentada como requisito para a obtenção do grau de mestre em História da Universidade Federal de Goiás.

Área de concentração: Cultura, Fronteiras, Identidades.

Linha de pesquisa: Fronteiras, Interculturalidades e Ensino de História. Orientadora: Profa. Dra. Heloísa Selma Fernandes Capel

GOIÂNIA- GO 2021

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

CDU 94 Porto, Moisés de Carvalho

Candomblé como ato visual: Fotografia e Identidades na constituição do Ilê Fará Imorá Odé(1980-2013) [manuscrito] / Moisés de Carvalho Porto. - 2021.

CLXIV, 164 f.

Orientador: Profa. Dra. Heloísa Selma Fernandes Capel. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de História (FH), Programa de Pós-Graduação em História, Goiânia, 2021.

Bibliografia.

Inclui fotografias, gráfico, tabelas, lista de figuras.

1. Candomblé. 2. Fotografia. 3. Identidade. 4. Ilê Fará Imorá Odé. I. Capel, Heloísa Selma Fernandes, orient. II. Título.

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A minha avó: Maria da Paz

A minha família de axé: Ilê Fará Imorá Odé, lugar de encontros com o sagrado e com a cumplicidade de irmãos e companheiros de jornada.

A todos os orixás e guardiões do candomblé, que com amor, me ensinam acreditar na felicidade.

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AGRADECIMENTOS

O ato de agradecer nos faz lembrar as pessoas que sempre estiveram conosco nas batalhas da vida. São aquelas que seguram nossas mãos e dão “aquele empurrãozinho”, para que no momento da queda, não sejamos paralisados pela energia da derrota e do fracasso. Pensando nestas pessoas, gostaria de agradecer primeiramente aos reis das minhas encruzilhadas, Sr. B.C e Sr. T.R, por mostrarem, sempre, que dentro desse menino cheio de inseguranças e medos, há alguém forte e que consegue alcançar seus objetivos, apesar dos seus demônios internos, Laroyê Exú!!!

Gostaria de agradecer, também, aos meus irmãos de sangue Claudio, Gilberto, Rárea e Jonatas, que de formas tão singulares, e tão dispersas, fazem da nossa irmandade um ato de resistência e coragem, nós já somos vencedores irmãos, apesar de todas as perdas e ausências, nós somos vencedores!

Apesar de já ter dedicado este trabalho também a Dona Maria da Paz, gostaria de agradecer mais uma vez, por cada gesto de amor, por cada carinho e dedicação de avó e mãe, que você pôde me presentear durante a sua vida, te amo meu eterno amor!

Agradeço à Dona Teresinha que apesar de não ter tido filhos biológicos, fez de mim, dos meus irmãos e de tantos outros ‘Portos’, seus filhos de alma e amor. Que felicidade poder mostrar o resultado de toda esta dedicação, te amo Têtezona!!

Agradeço imensamente meu companheiro João Marcos, pelo amor, parceria e cuidado que durante estes quatro anos juntos, tem feito de mim um homem melhor a cada dia; espero poder compartilhar de mais momentos felizes, e também de tristezas com você meu amor. É incalculável o tamanho do carinho que sinto por você e pelo seu jeito sempre atento e observador, sempre muito cuidadoso e gentil comigo e com as pessoas que me rodeiam, te amo meu nêgo!

Nas encruzilhadas da vida, às vezes nos perdemos, mas também nos encontramos com pessoas que de tanto amor, cuidado, cumplicidade e amizade tornam-se família e eu tenho a sorte de ter encontrado meu pai Marcos, que além de tornam-ser o homem que Ossayin escolheu para nascer de mim, tornou-se a pessoa que tenho como referência de pai, de amigo, de professor. Obrigado pai Marcos, por acreditar em mim, mas não só em mim, em todas as pessoas que tem no senhor um lugar de segurança, de cuidado e de afeto. Sou muito grato pela sua existência e a tudo que o senhor representa para mim e para meus irmãos do Ilê Fará Imorá Odé.

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Agradeço, também, ao meu irmão Kelvis, pelos anos de amizade e companheirismo, que mesmo do nosso jeito silencioso, melindroso, e , porque não dizer um tanto observadores, (típicos de homens filhos de senhores da mata) nos cuidamos e temos um no outro um ombro de amigo e de irmão.

Agradeço à Natalia minha mãe, irmã e amiga. Só você sabe o tanto que lutei e sonhei por este dia. Obrigado pelos conselhos, pelos puxões de orelha e por me fazer uma pessoa melhor para mim e para as pessoas. Te amo nêga!

Sou eternamente grato a minha família Ilê Fará Imorá Odé, lugar de encontros, rizadas, aprendizados e de exercício de fé pelo sagrado que vive em mim. Repousar minha cabeça e sentir o chão dessa casa de axé me torna parte desse mundo inteiro, constituído pela natureza que vive nele, a benção pai Marcos e Família, obrigado mais uma vez!

Não posso esquecer também das pessoas que fizeram desse trabalho algo possível. Neste caso, agradeço à minha orientadora Heloisa Capel, por aceitar orientar este trabalho, que com muito cuidado, paciência, amor e dedicação de uma excelente professora, me motivou e me encorajou a continuar o processo de escrita e conclusão deste trabalho. Obrigado professora Heloisa!

Agradeço ao professor Marcos Torres, que além de exercer o papel de pai santo, de amigo, professor e orientador durante a graduação, agora faz parte da minha jornada, também, como membro avaliador da minha banca de defesa do Mestrado e contribuiu com importantes observações para o crescimento e melhoria deste trabalho.

Agradeço também ao professor Alexandre Martins, que com muita espontaneidade, leveza e cuidado, fez importantes observações sobre a pesquisa, e tornou possível também que ela fosse desenvolvida da melhor forma possível. Obrigado Professor Alexandre!

Não posso deixar de agradecer em particular aos irmãos e fotógrafos do Ilê Fará Imorá Odé, Iohannah Hardy (Io Hardy) e Kelvis Torres, pois sem as fotografias e a sensibilidade visual tão natural e competente de vocês, este trabalho não seria possível, muito obrigado irmãos, motumbá!

Sigo navegando, às vezes em oceanos bravos e perigosos, outras vezes em águas calmas e aconchegantes, mas eu continuo minha jornada acreditando que a vida é isso mesmo, de altos e baixos, repetindo e dizendo pra mim mesmo, como em um mantra, que o importante é não se dar por vencido!

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“Quando o sol aqui não mais brilhar Quando a lua o seu clarão refletir É sinal que está na hora É ele quem chega agora Já deu meia noite Tranca rua é quem chega aqui” (Ponto de Umbanda - Autor Desconhecido)

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RESUMO

A dissertação discute o papel das fotografias na constituição identitária de uma casa de candomblé em Goiânia: o Ilê Fará Imorá Odé, entre os anos de 1980 e 2013. Parte da ideia que na construção das singularidades do candomblé no Brasil e, especialmente, em Goiás, as fotografias atuaram como atos visuais, contribuindo para firmar as identidades sociais e míticas da casa. Nessa trajetória, a relação entre fotografia e identidades é um ato fundamental expresso em diversas categorias de imagens: nos registros cotidianos, incluindo o ato de cozinhar, as festividades e experiências do transe. Por meio dessas imagens, é possível compreender os elementos que contribuem para demarcar a construção da casa em seus fundamentos religiosos e tramas visuais. Ao considerar a imagem como um documento analítico, podemos desta forma, pensar sobre a sua importância para a pesquisa como um mecanismo de reconstrução da memória do Ilê Fará Imorá, bem como um gatilho ativador da lembrança de sua comunidade referente à sua identidade esquecida e/ou negada, assim como em dinâmicos processos de reafirmação identitária.

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RESUMEN

La disertación discute el papel de la fotografía en la construcción identitaria de una casa candomblé en Goiânia: Ilê Fará Imorá Odé, entre los años 1980 y 2013. Parte de la idea que en la construcción de las singularidades del candomblé en Brasil y, especialmente, en Goiás, las fotografías actuaron como actos visuales, contribuyendo a establecer las identidades sociales y míticas de la casa. En esta trayectoria, la relación entre fotografía e identidades es un acto fundamental expresado en varias categorías de imágenes: en los registros cotidianos, incluido el acto de cocinar, las festividades y vivencias del trance. A través de estas imágenes, es posible comprender los elementos que contribuyen a demarcar la construcción de la casa en sus cimientos religiosos y tramas visuales. Al considerar la imagen como documento analítico, podemos pensar entonces en su importancia para la investigación como mecanismo de reconstrucción de la memoria de Ilê Fará Imorá, así como detonante que activa la memoria de su comunidad sobre su identidad olvidada y / o negado, así como en procesos dinámicos de reafirmación identitaria.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa: Rotas de migração do candomblé ... 50

Figura 2 : Pai João de Abuque ... 51

Figura 3: Esculturas Orixás, expostas no parque Vaca Brava. ... 57

Figura 4: Prédio da sede da Federação de Umbanda e Candomblé de Goiás (FUCEGO) ... 60

Figura 5 : Babá Djair de Logunedé ... 62

Figura 6: Ilê Asé Omi Gbató Jegedé, Kelvis Torres, 2019. ... 63

Figura 7 : Estrutura hierárquica do Candomblé ... 66

Figura 8 : Bori sendo realizado no Ilê Fará Imorá Odé , Kelvis Torres, 2020. ... 68

Figura 9 : Mesa de Bori ,Kelvis Torres, 2020. ... 69

Figura 10: Planta Ilê Fará Imorá Odé ... 71

Figura 11 : Barracão Ilê Fará Imorá Odé ... 72

Figura 12: Fogueira de Xangô ,Io Hardy, 2016. ... 74

Figura 13 : Comidas de Orixás ... 77

Figura 14 : Iaô em transe no orixá Oxóssi, Fabrício Lemes, 2019 ... 80

Figura 15 : Run de Oxóssi de pai Marcos em sua saída em 1999 ... 87

Figura 16 : Registro do Bloco do Caçador no Carnaval 2017 da Cidade de Goiás ... 99

Figura 17 :Axé do Ilê fará Imora Odé como altar, Kelvis Torres,2020. ... 123

Figura 18 : Axé do Ilê fará Imorá Odé, espaço de circulação energética, Kelvis Torres,2018. ... 125

Figura 19: Axé do Ilê Fará Imorá Odé, lugar de manifestação do sagrado II, Kelvis Torres,2020. ... 127

Figura 20 : Abian do Ilê fará Imorá Odé., Io Hardy,2016. ... 129

Figura 21 : Iaô de Airá., Io Hardy,2016. ... 131

Figura 22 : Babá Marcos de Oxóssi e suas Ekejis no Ilê Fará Imorá Odé, Io Hardy,2016. ... 133

Figura 23 : Iaô preparando acarajés para Oiá, Io Hardy,2017. ... 138

Figura 24 : Ekeji fazendo bolas de cará , Kelvis Torres, 2020. ... 140

Figura 25: Iaôs fazendo acaçás , Kelvis Torres, 2020. ... 142

Figura 26 : Orixá Ogum realizando seu jinká e gritando seu Ilá, Io Hardy,2017. ... 145

Figura 27 : Orixá Oxóssi em ato de caça, Io Hardy,2017. ... 146

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Titulações Acadêmicas dos Membros do Ilê Fará Imorá Odé ... 97

Quadro 2 : Integrantes do Ilê Fará Imorá Odé segundo sua raça e gênero ... 103

Quadro 3 : Quantidade de membros divididos por orientação sexual ... 103

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 : Crescimento do terreiro a partir da quantidade de pessoas iniciadas ... 94 Gráfico 2 : Quantidade de integrantes segundo sua posição hierárquica ... 95

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO I – OJU LORI IGBAGBO: TRAJETÓRIA DO CANDOMBLÉ NO BRASIL ... 31

1.1 Candomblé: Traços da origem e universalização do sagrado negro ... 31

1.2 Caminhos do axé: O candomblé em terras goianas ... 47

1.3 Candomblé: Espaços sagrados, estrutura hierárquica e liturgia ... 64

CAPÍTULO II – AGÔ: DEIXA O FARÁ IMORÁ FALAR ... 83

2.1 Oké arô: Trajetória do filho do caçador ... 84

2.2 Fará Imorá: Processo de consolidação do Ilê Fará Imorá Odé ... 89

2.3 Todos abraçam o Caçador: diversidades e resistências identitárias no Ilê Fará Imorá Odé ... 102

CAPÍTULO III – IMAGENS EM TRANSE: CONSTRUÇÕES VISUAIS DO ILÊ FARÁ IMORÁ ODÉ ... 108

3.1 Olhares identitários: acervo fotográfico do Ilê Fará Imorá Odé ... 108

3.2 Oju odé: as fotografias como espaços de construção identitária do Ilê Fará Imorá Odé ... 121

3.2.1 Ressignificando o Lugar e o Ambiente ... 122

3.2.2 Vestindo-se de Sacralidade ... 128

3.2.3 Cozinhar para Incluir ... 137

3.3 Visualidades em Transe: Identidades Reveladas ... 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 154

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INTRODUÇÃO

Há uma discussão sobre o papel da fotografia, seu significado, sua representatividade e sua influência na sociedade, dentro dos espaços de culto às religiões de Matriz Africana, mais especificamente no candomblé, como será discutido nesse trabalho. Sendo assim, esta dissertação tem como objetivo compreender o uso da fotografia no candomblé, como meio de rememoração, reafirmação, ressignificação e reconstrução de identidades, através das imagens fotográficas da comunidade de terreiro Ilê Fará Imorá Odé, comunidade que será melhor detalhada mais a frente no decorrer da apresentação do trabalho.

Para compreender a discussão sobre a constituição de identidades por meio das fotografias, é preciso compreender primeiramente sobre quais identidades elas se referem. Neste caso, intenciona-se abordar sobre as identidades sociais dos praticantes do candomblé, estas constituídas pela forma como esses sujeitos se inserem na sociedade e que tem no espaço do terreiro, um lugar de reafirmação e de empoderamento. Além de suas identidades sociais, pretende-se também, discutir sobre as contribuições das imagens no processo de constituição identitária mítica dos integrantes do Ilê Fará Imorá Odé, esta por sua vez formada por meio de elementos simbólicos - religiosos presentes na estrutura ritualística do candomblé.

Para poder abarcar o conceito de identidade social, o presente trabalho recorre a Kathryn Woodward, em seu artigo intitulado: Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual, realizado para o livro: Identidade e diferença: A perspectiva dos estudos culturais de Stuart Hall (2011), em que a autora afirma:

O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é necessário para a construção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são “vividas” nas relações sociais (WOODWARD, 2011, p.14).

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É por meio da importância das identidades sociais, caracterizadas pela raça1, gênero e orientação sexual dos integrantes da comunidade em estudo, assim como sua identidade religiosa, formada pelos elementos simbólicos do candomblé, que o trabalho pretende abordar, a importância do ato visual, do registro e do registrar como ato, nestes espaços. Ou seja, por meio das fotografias produzidas pelos membros da comunidade de terreiro em questão, bem como os caminhos de reconstituição das identidades que estão sendo reafirmados no processo do ato fotográfico durante suas festividades, que pretende-se responder aos questionamentos levantados nesta pesquisa. Bem como, os trabalhos dentro da comunidade, ou no momento em que os religiosos estão em transe com os orixás, entendendo desta forma a importância de se fotografar nos terreiros de candomblé, que neste caso, seria a principal questão a ser abordada nesta dissertação.

Antes de compreender mais a fundo sobre os caminhos que serão percorridos durante este trabalho, faz-se necessário, entender do que se trata o candomblé, para que o leitor tenha uma visão geral sobre a religião, ponto central de discussão deste trabalho. O candomblé é uma religião brasileira que tem sua origem africana. A reconstrução simbólica ,produzida na diáspora dos negros africanos nas Américas, produziu um novo campo de representação no ambiente da escravidão vivida no Brasil. Stuart Hall ,em obra clássica intitulada Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais (2003), apresenta esta busca simbólica pela reconstrução dos elementos culturais Africanos provocados pela diáspora. O autor, em sua experiência nos estudos culturais e identitários, com conhecimento nos estudos sobre a diáspora e suas consequências nas terras caribenhas, destaca:

Retrabalhar a África na trama caribenha tem sido o elemento mais poderoso e subversivo de nossa política cultural no século vinte. E sua capacidade de estorvar o “acordo” nacionalista pós-independência ainda não terminou. Porém, isso não se deve principalmente ao fato de estarmos ligados ao nosso passado e herança africanos por uma cadeia inquebrável, ao longo da qual uma cultura africana singular fluiu imutável por gerações, mas pela forma como nos propusemos a produzir de novo a “África”, dentro da narrativa caribenha. Em cada conjuntura, seja no garveyismo, Hibbert, rafastarismo ou a nova cultura popular urbana, tem sido uma questão de interpretar a “África”, reler a “África”, do que a “África” no que a África poderia significar para nós hoje, depois da diáspora (HALL, 2003, p.40) ((grifos nossos)).

1 Aqui se compreende raça não apenas como conceito que engloba características fenotípicas, como a cor

da pele ,por exemplo, trata-se de como o individuo se autodeclara pertencente a determinado grupo racial, de acordo não apenas com suas características morfológicas. Entendendo, assim, que a definição de raça

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Interessa aqui observar que a busca por uma reconstrução da “África” no contexto das terras do Caribe, aproxima - se sutilmente com a realidade vivenciada pelos negros africanos no Brasil, em que através de elementos simbólicos de sua terra, procuraram reproduzir de forma diferenciada os meios que viviam no continente africano, adaptando-se ao novo mundo em que estão inseridos, com referências e com intencionalidade de uma construção de uma identidade cultural através da diferença. Essa construção, não acontece como uma tentativa de reprodução exata dos componentes culturais do local de origem, mas perpassa elementos dentro do novo contexto cultural que vivem nos processos pós-diaspóricos.

Ao levar isso em consideração, as comunidades afro-brasileiras podem ser vistas como lugares de existência e resistência de elementos que nos remetem à África, pois os marcadores identitários, presentes nestas comunidades, como as músicas, as divindades que são cultuadas, os componentes míticos e ritualísticos nos transportam às terras africanas. Entretanto, deve-se considerar que as cerimônias religiosas nestes espaços, mesmo ao apresentar um conjunto de elementos simbólicos que remetem à África, não são totalmente fiéis a forma como é praticada nas terras africanas.

O candomblé pode assim ser compreendido, como um espaço de resistência e existência da identidade cultural africana, mas é uma religião brasileira, em que os cultos sofreram alterações significativas na permanência dos africanos no Brasil. Por isso a escolha neste trabalho por referir às comunidades religiosas de culto aos orixás como religiões afro-brasileiras.

Quanto à importância de se pensar a diferença como construção da identidade e o significado desta diferença na construção da identidade cultural Kathryn Woodward (2011), aponta:

As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença (WOODWARD, 2011, p. 40).

É sobre a importância desta diferença na construção da identidade cultural que se pode pensar a realidade das comunidades afro-brasileiras, em que estas, através de seus elementos simbólicos, buscam suas referências nas terras africanas, mas o que as definem como religiões brasileiras é justamente a diferença que se apresentam através dos marcadores identitários que ao mesmo tempo em que nos remetem a África, se diferenciam e se adaptam às novas realidades impostas pela sociedade branca e

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europeia. Faz-se necessário entender como essa diferença é construída e como essa formação da diferença dialoga com a realidade das casas de candomblé. Ainda sobre o olhar e pensamentos de Woodward (2011), a pesquisadora pontua:

A diferença pode ser construída negativamente – por meio da exclusão ou marginalização daquelas pessoas que são definidas como “outros” ou forasteiros. Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enriquecedora: é o caso dos movimentos sociais que buscam resgatar as identidades sexuais dos constrangimentos da norma e celebrar a diferença (afirmando, por exemplo, “que sou feliz sendo gay”) (WOODWARD, 2011, p. 51).

A autora destaca e reafirma em sua fala que a identidade depende da diferença e que pode ser pensada tanto de forma positiva, quanto de forma negativa. Os elementos negativos, apontados por Kathryn, fazem parte constantemente do cotidiano nas comunidades de terreiros no qual esses grupos religiosos são frequentemente marginalizados, excluídos da sociedade. Contudo, quando a autora fala que essa diferença pode ter aspectos positivos, pois pode ser vista como expressão da diversidade e de resgate de sua identidade cultural e de resistência das mesmas, também dialoga com os terreiros de candomblé em que essas comunidades são construídas, através da diferença, apresentando dentre seus membros a expressão desta diversidade que constrói sua identidade.

Para além da importância dos movimentos diaspóricos, sua intima ligação com os conceitos de identidade e diferença e sua importância para pensarmos a construção das comunidades de terreiro como espaços de existência e resistência e reafirmação das identidades culturais religiosas e sociais dos membros do candomblé, faz-se necessário destacar também o que essa religião se propõe cultuar, explicando como funciona sua estrutura mítica e religiosa, para a compreensão desses lugares de construção e de resistência das diversidades identitárias.

O candomblé cultua, especificamente, os Orixás, energias da natureza que se comunicam com os iniciados através do transe. Para que os iaôs2 possam ter esse contato mais íntimo com os Orixás é preciso passar por um processo de iniciação, o qual é realizado dentro do terreiro, do solo sagrado das casas de santo e, posteriormente, por um processo de maturação, atendo-se à estrutura hierárquica da religião.

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As casas de santo possuem diferentes ambientes sagrados, locais em que são realizadas as festividades e os rituais. Quanto aos locais sacros pertencentes ao espaço das casas de axé, destaca-se o barracão, local em que são realizadas as festividades; o rundeime3, reservado aos iaôs que ficam reclusos por determinado tempo; e o sabaji4, que por sua vez refere-se ao ambiente de vestimentas e preparação das divindades que participarão das cerimônias festivas. Há também locais que não se encontram dentro do solo sagrado das casas de santo, considerados naturalmente sacros para a realização de rituais, exemplos disso são: as matas, rios e encruzilhadas.

Com isso, o presente trabalho tem o objetivo de se amparar nas imagens, especificamente as fotografias produzidas durante as atividades do Ilê Fará Imorá, a fim de compreender o documento fotográfico como auxiliar no processo de construção e reconstrução da memória da comunidade em questão, assim como meio de reafirmação das identidades sociais e religiosas de seus membros. Desse modo, pretende reforçar que as fotografias não são apenas imagens sem significados, e sim documentos que propõem discussões e reflexões sobre problemáticas e os lugares em que estão inseridos, um ato visual. Sobre esta questão da fotografia não ser apenas um documento de representação, Philippe Dubois em seu livro intitulado: O Ato Fotográfico (2012) aponta:

A foto não é apenas uma imagem (o produto de uma técnica e de uma ação, o resultado de um fazer e de um saber-fazer, uma representação de papel que se olha simplesmente em sua clausura de objeto finito), é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato icônico, uma imagem, se quisermos, mas em trabalho, algo que não se pode conceber fora de suas circunstâncias, fora do jogo que a anima sem comprová-la literalmente: algo que é, portanto, ao mesmo tempo e consubstancialmente, uma imagem-ato, estado compreendido que esse “ato” não se limita trivialmente apenas ao gesto da produção propriamente dita da imagem (o gesto da “tomada”), mas inclui também o ato de sua recepção e de sua contemplação (DUBOIS, 2012, p.15).

Dubois define bem o que é a fotografia, apresentando o documento fotográfico como elemento que foge ao papel simples de apenas ilustração do que está sendo representado, assim também como se distancia do lugar tão somente de resultado de um complexo jogo mecânico produzido pela máquina fotográfica. Segundo o autor, a

3 Rundeime: lugar no qual são realizados os processos de iniciação dos iaôs.

4 Sabaji: espaço no qual são realizados alguma cerimônias do processo de iniciação, além de ser utilizado

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fotografia deve ser vista como documento que considera o ato perceptivo do olho que observa a imagem registrada, ou seja, o instante deixa de ser visto apenas como um fragmento da realidade e passa a apresentar um processo de separação daquilo que vejo e daquilo que me olha, por meio do processo perceptivo e crítico que ocorre ao ter contato com um registro fotográfico.

Por outro lado, sobre a necessidade de separação daquilo que vejo e do que nos olha, o historiador e filósofo Didi-Huberman em sua obra intitulada: O que vemos o que nos olha (2010), diz: “O que vemos só vale, só vive, em nossos olhos pelo que nos olha. Inelutável, porém é a cisão que separa dentro de nós o que vemos daquilo que nos olha. Seria assim partir de novo desse paradoxo em que o ato de ver só se manifesta ao abrir-se em dois” (HUBERMAN, 2010, p.29).

Analisando as palavras de Didi-Huberman, podemos verificar mais especificamente o que Phillipe Dubois quer dizer com a importância da separação entre o processo mecânico e químico da fotografia e o de captação da consciência fotográfica na construção da imagem. Este último ,enquanto documento que foge do lugar normal de representatividade do real e passa a ser visto como registro que leva a provocação do olhar frente ao que está sendo visto, direciona ao lugar de observadores críticos sobre a imagem. Quanto a este ato de ver desvairado, sempre em busca de novos significados e sentidos a partir do olhar as imagens, o autor salienta:

O ato de ver não é o ato de uma máquina de perceber o real enquanto composto de evidências tautológicas. O ato de dar a ver não é o ato de dar evidências visíveis a pares de olhos que se apoderam unilateralmente do “dom visual” para se satisfazer unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre inquietar o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto uma operação fendida, inquieta, agitada, aberta. Todo olho traz consigo sua névoa, além das informações de que poderia num certo momento julgar-se o detentor (HUBERMAN, 2010, p.77).

É interessante notar que o autor define o ato de ver como um processo de inquietação do olhar. É justamente esta sede do olhar que transforma as imagens, ou as fotografias, neste caso, como documentos detentores de uma complexidade visual, levando o documento imagético ou fotográfico a posição de imagens críticas. Para entendermos do que se tratam estas imagens críticas, recorre-se novamente à Huberman:

Assim teremos talvez uma chance de compreender melhor o que Benjamin queria dizer ao escrever que “somente as imagens dialéticas são imagens autênticas”, e por que, nesse sentido, uma imagem

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autêntica deveria se apresentar como imagem crítica: uma imagem em crise, uma imagem que critica a imagem, capaz, portanto de um efeito, de uma eficiência teórica, e por isso uma imagem que critica nossas maneiras de vê-la verdadeiramente. E nos obriga a escrever esse olhar, não para “transcrevê-lo”, mas para constituí-lo (HUBERMAN, 2010, p.171-172).

Considerando as palavras de Didi-Huberman, é possível entender que a imagem crítica é aquela que provoca o olhar, assim como, este último, por sua vez ,é desafiado a buscar novas acepções para o ato de ver e de ser olhado durante o processo fotográfico e da produção das imagens. Entendendo a imagem como um documento analítico, pode-se desta forma, pensar sobre a sua importância para este trabalho como um mecanismo de reconstrução da memória do Ilê Fará Imorá, assim como um gatilho da lembrança de sua comunidade ,referente à sua identidade esquecida, assim como sua reafirmação identitária.

Sobre os aspectos da memória, o trabalho trará os estudos do filósofo Paul Ricoeur, sobretudo no que tange os inúmeros ativadores da memória que estão inseridos nas fotografias, por meio dos corpos que estão sendo representados, dos marcadores identitários que reafirmam a identidade do povo de candomblé. Assim como, as constroem por meio do olhar, lembrando ao povo de santo suas identidades esquecidas, ou seja, neste caso a fotografia seria um forte aporte no ato de esquiva do esquecimento. Sobre a importância da memória na sistemática ruptura com o esquecimento, Ricoeur apresenta:

É de fato a recordação que oferece a melhor ocasião de fazer “memória do esquecimento”, para falar por antecipação como Santo Agostinho. A busca da lembrança comprova uma das finalidades principais do ato da memória, a saber, lutar contra o esquecimento, arrancar alguns fragmentos de lembrança à “rapacidade” do tempo (santo Agostinho dixit), ao “sepultamento no esquecimento" (RICOEUR, 2007, p.48).

É na busca da elaboração da memória do que foi esquecido, que se procura entender o candomblé como lugar de rememoração, ou seja, a busca da lembrança colocada por Ricoeur como método de batalha contra o esquecimento, neste caso, é realizada pelas comunidades de terreiro, e neste caso em especifico do Fará Imorá Odé, à utilização das fotografias como meios de rememoração, reconstituição e reafirmação das identidades de seus integrantes.

Importa também compreender, como o terreiro de candomblé, pode ser visto como lugar de memória, em que seus adeptos possam entrar em contato com sua

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identidade referente à sua ancestralidade, esta por sua vez, demonstrada por meio dos orixás que os acompanham, assim como seu lugar na escala hierárquica da religião, como também no processo de afirmação de sua identidade étnico-racial e de gênero.

Estes dois pontos, salientados anteriormente como expressões de resistência tanto da identidade cultural religiosa afro-brasileira, através dos marcadores identitários do Ilê Fará Imorá Odé, na consolidação de suas identidades sociais e individuais, quanto aos lugares de memória, Ricoeur diz:

A transição da memória corporal para a memória dos lugares é assegurada por atos tão importantes como orientar-se, deslocar-se, e, acima de tudo, habitar. É na superfície habitável da terra que nos lembramos de ter viajado e visitado locais memoráveis. Assim, as “coisas” lembradas são intrinsecamente associadas a lugares. E não é por acaso que dizemos, sobre uma coisa que aconteceu que ela teve lugar. É de fato nesse nível primordial que se constitui o fenômeno dos “lugares de memória”, antes que eles se tornem uma referência para o conhecimento histórico. Esses lugares de memória funcionam principalmente à maneira dos reminders, dos indícios de recordação, ao oferecerem alternadamente um apoio à memória que falha, uma luta na luta contra o esquecimento, até mesmo uma suplementação tácita da memória morta. Os lugares “permanecem” como inscrições, monumentos, potencialmente como documentos, enquanto as lembranças transmitidas unicamente pela voz voam, como voam as palavras (RICOEUR,2007,p.57-58)

Para Paul Ricoeur os lugares de memória são espaços de suporte para as lembranças, ou seja, por meio destas, é possível visitar acontecimentos passados. Neste caso, os terreiros de candomblé podem ser visto como lugares de memória, auxiliando no caminho da recordação das identidades construídas através dos elementos simbólicos presentes em sua estrutura cerimonial e religiosa , assim como também, podem ser entendidos como lugares de busca, recordação, reconstituição e empoderamento de suas identidades sociais e míticas.

Nesse sentido, os documentos fotográficos da comunidade de terreiro em estudo, serão importantes na busca de elementos que remetem às expressões da identidade cultural religiosa afro-brasileira, que estão presentes em seu cotidiano, e que resistem e existem diante da sociedade. A análise será feita a partir das fotografias da casa de santo, escolhidas para realizar a pesquisa, compreendendo os elementos da identidade e de resistência que podem ser expressos pelo documento fotográfico como manifestação de afirmação, reconstituição das identidades sociais e religiosas de seus membros, assim como os movimentos de rememoração da ancestralidade das pessoas que estão inseridas neles.

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A escolha da comunidade, base para o trabalho, fora do próprio pesquisador, uma vez que este ,enquanto membro efetivo do Ilê Fará Imorá Odé, considerando sua ligação afetiva e espiritual, busca, dentro da pesquisa, legitimar essa intimidade com o objeto pesquisado. Além disso, observa-se que o papel do iaô não é apenas de se colocar no exercício de suas atividades dentro da comunidade, ou seja, ele se estende para além do espaço sagrado dos Orixás e se coloca também no espaço acadêmico, isto para se posicionar e se colocar em defesa e empoderamento na sociedade.

O Ilê Fará Imorá Odé é uma comunidade de terreiro que possui um processo de surgimento que pode ser dividido em três etapas. A primeira quando o Babalorixá5 Marcos de Oxóssi, que está à frente da comunidade trazida nesta pesquisa, inicia seus trabalhos em sua residência no setor Crimeia Leste na cidade de Goiânia; a segunda quando a comunidade de terreiro se instala e inaugura em um terreno alugado no Residencial Talismã; e por ultimo, sua inauguração definitiva no mês de dezembro de 2018, em um espaço próprio. Nesta etapa, a casa está mais consolidada e possui aproximadamente 100 pessoas que frequentam e cultuam os Orixás, além dos simpatizantes e amigos que tem nesse espaço um lugar para praticarem sua fé no que é considerado mágico neste lócus, e nas divindades africanas ali cultuadas.

O trabalho apresenta a relação entre fotografia, resistência, identidade e memória. Temas estes, que norteiam esta dissertação e que direciona a hipótese deste trabalho, que é compreender as fotografias do Ilê Fará Imorá Odé como um ato decolonial , que contribui como um forte aliado documental para a ressignificação das identidades da comunidade em questão, presentes no espaço sagrado do terreiro.

Os aspectos teóricos da decolonialidade são importantes nesta discussão, entendendo que os terreiros de candomblé são espaços nos quais seus elementos simbólicos, cerimoniais, linguísticos e sua ligação com o corpo e os elementos da natureza, assim como suas manifestações de resistência das identidades míticas e sociais, apresentam uma ruptura com sistema colonial de poder (QUIJANO 2005).

Deste modo, a colonialidade do poder, pode ser entendida como um sistema de controle tanto político quanto cultural, pelo pensamento ocidental ,já os terreiros de candomblé como espaços que possuem sistema ritualístico e cerimonial que criam formato no Brasil e trazem suas referências da África, esta última por sua vez seria capaz, através da sua relação com a natureza e com o místico, se apresentar como uma

5 Babalorixá: termo usando dentro das comunidades de terreiro para denominar o sacerdote de comando

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forma de resistência a este sistema europeizado de poder. Sistema este, que pode ser percebido como uma forma de controle, não só cultural, mas uma forma de exclusão étnica, social e religiosa, assim como restringe à forma como se comportam e expressam sua cultura. Além disso, o caráter repressor da colonialidade do poder pode ter sua origem em sua ligação com o eurocentrismo sobre isto podemos pensar através da fala de Quijano, que diz:

A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir que demonstram um caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. Essa perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo. (QUIJANO, 2005, p.126)

De acordo com Quijano, pode-se entender que a colonialidade teria como principal base o eurocentrismo, e este por sua vez teria o papel de dar formato ao que pode ser entendido como colonialidade do poder, que teria essa força de excluir e reprimir povos, grupos e etnias que não se enquadram nessa perspectiva europeia e nesta não ligação destes povos com o modo de viver e pensar europeu, fundamentando o caráter colonizador do pensamento moderno que é apresentado pelo autor.

No entanto, é importante destacar que a colonialidade do poder apresenta uma forma peculiar de dominação das etnias e povos não europeus, expressando um domínio que não se caracteriza apenas de uma forma física, mas também de uma forma ideológica e cultural. Basílio Nunes em seu artigo: Orixá, natureza e homem: O candomblé na perspectiva decolonial (2018), fala um pouco sobre esta característica da colonialidade do poder, em que afirma que este meio de controle não se contenta apenas a repressões físicas dos indivíduos dominados, mas possui também um movimento de inserção e naturalização do pensamento europeu, na forma de se conectar com o meio ambiente e sociedade, assim como na sua individualidade, apresentando-se, portanto como uma colonização epistêmica.

Ao tratar o sentido da naturalização do pensamento europeu, Nunes (2018), destaca que a colonialidade do poder não só controla os indivíduos fisicamente, mas tenta controlar seu conhecimento de vivência e cultura, que muitas vezes está ligado a sua tradição e tem ligação com a natureza. Esta forma de dominação pode ser verificada, por exemplo, no sistema educacional que reconhece a variedade cultural do país, entretanto exclui a forma de aprendizado e o saber prático que está mais próximo à realidade dos seus alunos, com isto estudantes candomblecistas, quilombolas e

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indígenas são enquadrados a um sistema de educação que não compactua com sua vivência e realidade cotidiana, dando lugar preferencial a uma educação embranquecida e de base europeia.

Contudo, as casas de candomblé apresentam uma forma ímpar de aprendizado e que pode ser vista como uma forma de resistência a esse modelo europeizado, como verificado anteriormente, pois os terreiros de candomblé apresentam uma forte ligação com os elementos da natureza, além de um conjunto de símbolos e signos que estruturam a característica performática das comunidades tradicionais africanas que se expressam através do corpo durante o transe com os orixás, além da língua, culinária e a forma como se vestem e conduzem suas cerimônias.

Para além da ligação do candomblé com os elementos da natureza, é importante destacar que existe dentro dos terreiros uma forma de aprendizado que caracteriza esta resistência ao pensamento europeu e que a prática e o aprender fazendo e escutando os mais velhos, direciona a uma forma diferenciada do saber. A própria tradição oral presente no candomblé pode ser pensada como uma forma de resistência ao modelo colonizador de aprendizado, assim como as fotografias presentes nestas comunidades, pois ao se depararem com suas imagens, podem se reconhecer nestes registros, se reafirmarem enquanto indivíduos sociais, expressando suas diferenças e singularidades de gênero, raça e sexualidade. Este reconhecimento de si e da comunidade nos registros fotográficos podem ser considerados como um ato decolonial.

Seguindo esta última ideia, o trabalho busca demonstrar que a fotografia, documento moderno e mecânico, adentrando no espaço sagrado, não como participante efetivo no ritual, mas como documento historiográfico que expressa às diversidades que existe neste espaço , assim como possibilita a reconstituição das identidades presentes no Fará Imorá Odé e que no processo de reconstituição e na presença dos ‘eus’ dentro do terreiro, esta comunidade, apresenta-se como espaço de existência de diversidades culturais e de sua resistência.

O Ilê Fará Imorá Odé, enquanto casa de axé, constituída há sete anos, possui um variado acervo fotográfico que pôde ser trabalhado na pesquisa, para compreender um pouco sobre os processos e métodos de conservação e de construção identitária da comunidade. Esse acervo pode ainda ser compreendido como documento em que a comunidade de terreiro faz-se presente, como reafirmação de suas identidades, expressões de resistência e sua diversidade identitária, cultural e religiosa.

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Sendo assim, o trabalho utiliza-se de fotografias pertencentes à casa de santo, relatos do seu Babalorixá e outros integrantes da casa em questão, para discutir esta relação entre fotografia, candomblé e os processos de resistência, que direciona o processo do existir do povo de santo.

As imagens trabalhadas na dissertação são, em sua grande maioria, produzidas por dois membros da comunidade, Iohannah Hardy, que se identifica como Io Hardy na autoria das fotografias e Kelvis Torres, membro da comunidade de axé e que atualmente ocupa o posto de Babá Egbé6. Atualmente o acervo fotográfico da comunidade conta com 2.046 fotografias produzidas, porém, foram catalogadas apenas 575 imagens que correspondem ao recorte temporal de 2013 a 2020. Das fotografias catalogadas, foram escolhidas aquelas imagens que expressassem o cotidiano do terreiro, as festividades e os orixás em transe. As temáticas do documento fotográfico escolhidos para esta dissertação foram pensadas levando em consideração o debate sobre rememoração, ressignificação e reafirmação identitária através das fotografias do Ilê Fará Imorá Odé.

Os documentos fotográficos do Ilê Fará Imorá Odé estão presentes no acervo digital da comunidade, que por uma decisão hierárquica, são de acesso apenas aos integrantes da casa. As fotografias, geralmente, são das festividades principais que são realizadas dentro da comunidade afro-brasileira pesquisada. Sendo estas : a Festa de Oxóssi7, festa do patrono da casa e do Orixá do Babalorixá; Festa de Ogum8; Fogueira de Xangô9 e Olubajé10. Além disso, também há fotografias de iniciações de iaôs, especificamente o momento do run11, ou seja, o momento em que os Orixás são levados ao barracão para dançarem juntos aos membros da comunidade.

A presente pesquisa corresponde ao recorte temporal de 1980 a 2013, considerando o processo de chegada e de consolidação do candomblé na cidade de Goiânia, advinda do movimento migratório do candomblé na década de 70, em que a religião sai da Bahia e passa a se instalar em Estados, considerados, economicamente,

6 Termo utilizado para denominar um dos postos hierárquicos das comunidades terreiro. O Babá Egbé é o

pai da comunidade, esta pessoa tem como ofício se ater aos trabalhos diplomáticos não somente dentro da comunidade que está inserido, mas também executar, e prezar pela boa relação de seu terreiro com outras comunidades de axé.

7 Oxóssi: orixá da prosperidade e do direcionamento, geralmente está associado às matas e a comunidade. 8 Festa em homenagem ao orixá Ogum. Este orixá está relacionado aos metais, às guerras e a abertura de

caminhos.

9 Festa dedicada ao orixá Xangô. Este Orixá está relacionado ao elemento fogo, orixá guerreiro, e que

está diretamente relacionado ao sentido de justiça dos homens e das divindades espirituais.

10 Festa de agrado ao Orixá Omolu. Este orixá está relacionado às doenças e também a cura. Seu elemento

principal é a terra.

11 Momento no qual os orixás se apresentam no salão para dançarem e festejarem junto à comunidade de

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mais desenvolvidos como: Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. Neste processo migratório do candomblé foi enfatizada a importância de dois sacerdotes na consolidação da religião no Estado de Goiás; o primeiro conhecido como Pai João de Abuque, que por meio desses movimentos migratórios dos anos 70, se instala na cidade de Goiânia e monta seu terreiro, apresentando assim os traços de formação do candomblé na cidade, no qual ,por meio de inúmeros descendentes espirituais, reverbera na disseminação do candomblé na cidade.

Entretanto, o recorte aqui estabelecido a partir da década de 80 faz referência à chegada do Babalorixá Djair de Logunedé, que causa uma intensa migração de inúmeros babalorixás para a nação de Ketu, pois tanto João de Abuque, quanto seus descendentes pertenciam à nação de Angola. A importância de destacar a chegada de Baba Djair em Goiânia e sua relevância na história do candomblé na cidade, é que a partir do momento que há uma intensa mudança dos sacerdotes presentes na cidade para a nação de Ketu, as casas advindas posteriormente a este processo passam a pertencer à mesma nação trazida por pai Djair, caso este do Ilê Fará Imorá Odé, que possui como Babalorixá pai Marcos de Oxóssi, iniciado na nação de Ketu e que abre sua casa em 2013, na mesma nação na qual foi iniciado.

Para abarcar as constantes até aqui apresentadas, o trabalho possui três capítulos. O primeiro denominado Oju Lori Igbagbo: Trajetória do candomblé no Brasil, nele, pretende-se analisar os traços do surgimento e consolidação do candomblé no Brasil e sua universalização, afunilando o debate para o estado de Goiás e a cidade de Goiânia como recorte para desenvolvimento da pesquisa, além de entrar em contato com o universo mítico e ritualístico do candomblé a fim de que se entenda o conjunto hierárquico, seus espaços sagrados e sua estrutura cerimonial.

No segundo capítulo, intitulado Agô: Deixa o Fará Imorá Falar, é apresentado o processo de inserção do Babalorixá Marcos de Oxóssi no candomblé, até tomar seu posto como sacerdote na cidade de Goiânia, assim como o processo de constituição e consolidação do Ilê Fará Imorá Odé, em que se recorre a entrevistas realizadas com alguns membros da comunidade de terreiro que fizeram parte desta trajetória. As entrevistas foram realizadas para ouvir os membros da comunidade de terreiro e entender detalhadamente sobre este processo de surgimento da comunidade de terreiro, compreendendo a importância de seus membros como indivíduos que fizeram e fazem parte no processo de surgimento da comunidade em questão.

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Além do que foi exposto acima , saber os meios e os processos utilizados pelos filhos de santo, para que fosse possível a formação do terreiro, é primordial para o entendimento de quais os embates e dificuldades enfrentados pelas comunidades afro-brasileiras para que possam levantar suas estruturas e conservarem sua tradição. Para tanto, foram feitas entrevistas desde o processo inicial da pesquisa, realizado durante a graduação e que ganhou desdobramento e continuidade durante a pós-graduação, no ano de 2017 em que alguns membros específicos da casa foram ouvidos, escolhidos entre aqueles que participaram e vivenciaram o momento de consolidação da comunidade de terreiro em 2013 e que teve sua reinauguração no ano de 2018. Assim sendo, foram entrevistados três dos membros mais antigos da casa, a Yá kékeré12 Natalia de Obá13, a

Ekedi14 Jamile de Oxum15 e o Ogan16 Allan de Airá17, além do babalorixá da

comunidade Marcos de Oxóssi para que houvesse uma visão panorâmica da realidade vivenciada pelo terreiro e dos processos de surgimento do Ilê Fará Imorá Odé.

Durante o capítulo optou-se em apresentar debates sobre a diversidade identitária da comunidade, sobretudo sobre os quadros de gênero, sexualidade, raça e etnia dos membros. Na perspectivava de articular as diferentes dimensões da experiência nos jogos identitários foram apontados os elementos identificados, confirmando a pluralidade de grupos marginalizados e que tem no terreiro um espaço de empoderamento.

O terceiro capítulo ,intitulado Imagens em Transe: construções visuais do Ilê Fará Imorá Odé, aborda especificamente sobre a construção identitária do Fará Imorá Odé por meio das fotografias realizadas pelos fotógrafos Kelvis Torres e Io Hardy, membros da comunidade e que de forma geral realizam os registros da comunidade de axé. O capítulo foi dividido em três itens nos quais serão realizadas análises de algumas fotografias da comunidade e relacioná-las com a temática proposta deste trabalho que é pensar o documento fotográfico como realizador da constituição identitária da comunidade em estudo. Em primeiro momento concentrou-se em realizar uma

12 Yá kekeré: trata-se de um dos cargos de suma importância para a comunidade de terreiro. A yá kekeré

tem como função representar o babalorixá em sua ausência, tomando para sí grande parte da responsabilidade admistrativa e cerimonial do terreiro.

13 Obá representa as águas revoltas dos rios.

14 Ekedi: cargo de cuidado e zelo do babalorixá e seu orixá, assim como de todos os membros da

comunidade terreiro e de seus respectivos orixás.

15 é a orixá das águas, principalmente, as águas calmas, e por isto está ligada às emoções.

16 Ogan: cargo que geralmente é direcionado aos membros homens da comunidade de terreiro. Tem como

função cantar e tocar para os orixás durante as festividades.

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apresentação do acervo da comunidade, no qual foi possível observar, por meio de números e dados coletados durante a pesquisa, como funciona o olhar da comunidade e seus interesses no momento do ato fotográfico dentro do Fará Imorá Odé.

Em seguida passou-se para o processo de análise das imagens, nas quais as fotografias, tanto de Io Hardy quanto de Kelvis Torres, são lidas como instrumentos de diálogo, bem como norteadores do processo de como as fotografias podem ser percebidas como elementos de rememoração, reconstituição, reafirmação das identidades sociais e míticas dos membros do terreiro de candomblé Ilê Fará Imorá Odé.

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CAPÍTULO I – OJU LORI IGBAGBO: TRAJETÓRIA DO CANDOMBLÉ NO BRASIL

Este capítulo propõe levantar os traços que desenham as escalas que proporcionaram o surgimento e consolidação do candomblé no Brasil. Igualmente, o seu processo de universalização a partir da década de sessenta, em que o candomblé quebra as fronteiras dos principais centros de culto dos orixás como a Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo e passa a ser uma religião que se expande para outras regiões do país. Além disso, também pretende abordar, a partir do seu processo de universalização, sua chegada ao estado de Goiás, especificamente à cidade de Goiânia, na qual se encontra o espaço de estudo desse trabalho. Com o fim de compreender o candomblé no Estado de Goiás, a partir da cidade de Goiânia, é importante articular uma compreensão sobre a dinâmica da cultura afro-brasileira no Estado, em seu processo de constituição, diálogos e resistências.

Diante disso, pretende apresentar o candomblé de forma panorâmica, demonstrando sua relação com seus espaços sagrados, sua estrutura hierárquica e litúrgica. As fotografias, neste terceiro momento do trabalho, possuem forte presença documental, pois não somente expressam algumas cerimônias e divindades em transe, mas demonstram significativa presença da resistência do candomblé através de seus elementos mágicos, além da construção e expressão de sua identidade religiosa e cultural afro-brasileira. Sendo assim, o primeiro capítulo divide-se em três momentos que organizam o debate proposto, o primeiro item intitulado: Candomblé: Traços da origem e universalização do sagrado negro; o segundo momento denominado Caminhos do axé: O candomblé em terras Goianas; e por último, o subtópico: Candomblé: espaços sagrados, estrutura hierárquica e litúrgica.

1.1 Candomblé: Traços da origem e universalização do sagrado negro

Para iniciar o debate, acerca da origem do candomblé no Brasil e sua difusão no território nacional, é preciso direcionar o olhar para a sociedade escravocrata a partir do século XVIII e observar algumas movimentações e articulações sociais realizadas pelos escravos, a fim de entender quais foram às estratégias utilizadas pelos negros escravizados para manterem, conservadas, suas tradições religiosas.

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A vida do escravo africano, em terras brasileiras, neste período, era banhada de restrições e opressões por parte dos seus senhores, assim como de uma sociedade tomada pelo colonizador europeu que seguia seus costumes religiosos baseados no catolicismo, religião predominante do colonizador e que, consequentemente, teve influência no modo pensar do povo brasileiro por todo o período a partir da chegada dos portugueses no Brasil.

Apesar das restrições, enfrentadas pelos negros escravos no Brasil, o que poderia causar um dado de isolamento social, pois parte de seu trabalho era realizado próximo ao seu senhor, havia outros tipos de atividades executadas pelos escravos que mesmo sobre a política opressora e escravocrata, dava a estas pessoas certa liberdade social. Esta pretensa liberdade ocorreu, principalmente, a partir da descoberta da atividade mineradora ainda no século XVIII. Reginaldo Prandi, sociólogo e pesquisador das religiões afro-brasileiras, em seu artigo De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião (2000), aborda essa flexibilização do ambiente da escravidão e as mudanças nas atividades exercidas pelos africanos no regime escravocrata:

Com a nova forma de uso da mão de obra escrava, novas maneiras de viver do cativo tomaram corpo, já não sendo necessário seu convívio na propriedade do senhor, nem tendo que se manter a senzala. A escravidão se urbaniza, o escravo ganha liberdade de movimentos, ampliou suas relações sociais e desenvolveu novas formas de sociabilidade (PRANDI, 2000, p.55).

O autor chama a atenção para as transformações, ocorridas no século XVIII, durante o ciclo do ouro, em que outro tipo de trabalho escravo vai tomando destaque na sociedade brasileira, neste, africanos escravos, denominados escravos de ganho, sob supervisão e controle de seu senhor, exerciam atividades comerciais nas vilas e cidades. Com efeito, os escravos saem do seu lugar de trabalho restrito a casa do seu senhor e do engenho e passam a exercer certa interação social, o que pode ser considerado como uma forma de inserção deste negro africano no meio de uma sociedade e cultura que não faziam parte de seu continente de origem. Possivelmente através deste afrouxamento do regime escravocrata, há uma formação de relações étnico-raciais, pois, por meio do convívio dos escravos no meio urbano, ocorre troca de experiências e se desenha uma inserção desse negro na sociedade. Torres dialoga com Prandi, ao apontar sobre isso em sua dissertação de mestrado intitulada: O silenciar dos atabaques: trajetória do candomblé ketu em Goiânia (2009), e diz:

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Este ambiente que é peculiar ao desenvolvimento da escravidão deve ser pensado, ainda em relação a dois outros pontos o primeiro o de uma constituição de uma população negra, mestiça e livre, que torna as relações étnico-raciais no ambiente urbano ainda mais complexas e por outro lado este amplo espectro da população, juridicamente e culturalmente excluída passa a estabelecer múltiplas relações de solidariedade, condição de vida partilhada por todos eles. Assim, a principal expressão destas redes será dada das irmandades, mas onde o próprio calundu, além de exercício de fé é também de apoio entre partes (TORRES, 2009, p. 41).

O autor alerta que é preciso pensar para além das fronteiras de opressão da sociedade escravocrata e olhar de forma cuidadosa sobre as transformações desta sociedade. Estas observações, de acordo com Torres, podem ser observadas através da interação do negro com a sociedade opressora através de seu convívio social em ambiente urbano, em que as trocas culturais e as articulações entre negros e a população branca, iniciam um processo de formação de uma ponte de interação e de articulação deste negro com esta sociedade. Ainda de acordo com a citação trazida, pode ser observado através das irmandades, que mesmo fazendo parte de uma instituição religiosa cristã e do branco europeu, há a inserção de uma “elite” negra que passa a negociar e articular com o mundo branco, tomando este espaço como um lugar de exercício de sua fé e espaço de interação entre seus iguais.

A princípio pode-se pensar que a complexidade e as interações sociais do negro, no espaço urbano e escravocrata, passa a se tornar um lugar de importância para o desenho de formação do candomblé no Brasil. Por conseguinte, neste espaço urbano é que são realizadas as trocas culturais e sociais, além de ser um lugar de negociação entre o negro e o branco. Através desta articulação, surge um lugar de possibilidades de construção de um espaço geográfico em que possam exercitar sua fé e entrar em intimidade de trocas de saberes e experiências entre os seus e resgatar o que se perdera no processo da escravidão, como por exemplo, a noção de comunidade.

Essas comunidades passam a ter uma nova configuração cerimonial e mítica, pois se antes na África os grupos étnicos tinham como fatores principais do rito a presença da ancestralidade e da família, no Brasil a forma como exercitam sua fé passa a ser diferente, pois os laços familiares e de ancestralidade são rompidos através do processo de escravização. Prandi traz a seguinte reflexão sobre o tema:

O tecido do negro escravo nada tinha a ver com família, grupos e estratos sociais dos africanos nas suas origens. Assim, a religião negra só parcialmente pôde se reproduzir no Novo Mundo. A parte ritual da

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religião original mais importante para a vida cotidiana, constituída no culto aos antepassados familiares e da aldeia, pouco se refez, pois, na escravidão, a família se perdeu, a aldeia se perdeu (PRANDI, 1999, P.96).

Quando Prandi (1999) aponta, no texto acima, sobre as diferenças entre a forma como era praticada a religião na África e a que estava se configurando em terras brasileiras, reconhece-se a intervenção do branco europeu em terras africanas, pois no processo de escravidão dos africanos, elementos importantes como ancestralidade e formação familiar , que estruturava as organizações sociais dos negros na África ,foram se perdendo com a separação do grupo doméstico, tornando difícil a ligação das religiões negra com a ancestralidade.

Entretanto, como já explicitado anteriormente, as interações sociais e inserção do negro em sociedade e no ambiente urbano, através da formação das irmandades, organiza outra forma de configuração religiosa marcada pela diversidade e pela forte contribuição da igreja católica. Estes arranjos, feitos a partir da formação, aqui citada, podem ser vistos como estratégias de resistência e sobrevivência, do povo negro ,a partir da sua negociação com o mundo branco escravocrata.

Ao se deparar com a presença do negro, ou de uma “elite” negra dentro das irmandades, pode-se pensar que por meio da formação de tais grupos começam a se desenhar o candomblé nos dias atuais. Mas como identificar a presença deste esboço do candomblé no Brasil através das irmandades? Os estudos sobre tal questão apontam as instituições do início do século XIX como espaços de socialização da população negra na cidade de Salvador, como no caso do Ilê Axé Nassô Oká, que ancora o mito fundante do candomblé, segundo Silveira (2006). Quanto a isso, o babalorixá e pesquisador das religiões afro-brasileiras, Marcos Torres, aponta durante entrevista18:

Tem uma expressão muito utilizada que se construiu um consenso acadêmico, um consenso relativo eu diria no meio acadêmico que se chama religiões de Matriz Africanas ou religiões Afro-Brasileiras, que tem uma demarcação temporal, pelo menos há um esforço por parte da Bahia, muito particularmente por parte de Salvador de identificar o nascimento do candomblé no início do século XIX, entre décadas de 1910 e 1920 em torno do surgimento do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, que é a Casa Branca do Engenho Velho, casa considerada Matriz para nação Ketu. Constituiu-se esse mito, boa parte dos estudiosos como Renato Silveira, Vivaldo da Costa e Lima, uma parcela muito significativa de autores que construiu esta ideia (MARCOS DE ODÉ, 2020).

18 Entrevista concedida por TORRES, Marcos Antônio Cunha. Entrevista I. [06/02/2020].Entrevistador:

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O Babalorixá, no momento da entrevista, fala sobre o possível nascimento do candomblé ou pelo menos o que se conhece como religiões Afro-Brasileiras através do terreiro Iyá Nassó Oká. Neste espaço há um complexo meio de formação que está ligado à irmandade local, segundo estudos de Renato Silveira (2006) em sua obra: O candomblé da Barroquinha: Processo de constituição do primeiro terreiro baiano de keto. Silveira aponta uma série de interações dos negros, principalmente mestiços, com o mundo branco. Seja por intermédio das irmandades negras ou por manifestações artísticas e sociais, que eram realizadas por essas irmandades e que contribuem para melhor diálogo com a sociedade branca e montam um esboço de interação social com o universo de uma sociedade católica branca do século XVIII. Quanto a isso Renato Silveira aponta:

Na Bahia, o espetáculo negro desenvolvido pela população oriunda da área congo-angolana teve momentos de esplendor que ficaram registrados na Relação das faustíssimas festas de Francisco Calmon, publicada em 1762. Calmon, um acadêmico baiano, descreveu um magnifico Reynado do Congo que teve lugar em 1760 na cidade de Santo Amaro, por ocasião do casamento da rainha D. Maria I de Portugal. José Ramos Tinhorão comenta a respeito que “já a esta altura de meados dos setecentos, [é evidente] o vivo predomínio dos negros nas manifestações coletivas envolvendo musica e dança”. O Reynado fez tal sucesso que foi obrigado a desfilar mais três vezes durante a semana das comemorações, enquanto que apenas uma das exibições dos brancos, a cavalhada, foi bisada. (SILVEIRA 2006, p.90)

Os elementos trazidos, pela citação acima, demonstram mudanças, transformações na sociedade brasileira de cunho cultural e social que criam um espaço, um ambiente urbano e social que expressa um acolhimento da cultura negra no Brasil durante o século XVIII, e que se mostra mais consolidado nos século XIX através da ideia de inclusão deste negro em sociedade. A influência mútua ,destes nas irmandades , abrem caminhos de forma estratégica dentro do espaço urbano em busca de uma melhor inserção da cultura negra no Brasil que em contrapartida mostram-se como atalhos para uma melhor consolidação das religiões afro-brasileiras.

Mais uma vez o ambiente urbano apresenta-se fundamental para a interação da cultura negra com a sociedade branca, seja de forma direta , na comunicação entre o negro e branco em seu dia-a-dia, seja de forma indireta através das manifestações artísticas que delinearam um espaço de negociação através da arte e que não é diferente

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quando falamos do candomblé, quando este passa a se mostrar como um elemento de conversação entre o povo negro e o branco.

Seguindo esta linha de análise, pode-se observar que quando se trata da origem do candomblé no Brasil, fala-se de um arcabouço complexo, tanto social, cultural e temporal, o que torna difícil precisar com exatidão o surgimento do candomblé no Brasil, mas que se pode ter acesso às manifestações de elementos de transformação de uma sociedade que criaram um ambiente possível para que o candomblé se estruturasse. Em sua obra , Orixás (2002), Pierre Verger fala sobre a complexidade da formação do candomblé no Brasil e da impossibilidade histórica de definir com exatidão seu surgimento:

Não se sabe com precisão a data de todos esses acontecimentos, pois, no inicio do século XIX, a religião católica era ainda a única autorizada. As reuniões de protestantes eram toleradas só para os estrangeiros; o islamismo, que provocaram uma série de revoltas de escravos entre 1808 e 1835, era formalmente proibido e perseguido com extremo rigor; os cultos aos deuses africanos eram ignorados e passavam por práticas supersticiosas. Tais cultos tinham um caráter clandestino e as pessoas que neles tomavam parte eram perseguidas pelas autoridades (VERGER, 2002, p.29).

Analisando o pensamento de Verger (2002), é possível observar a extrema perseguição às religiões que fugiam aos padrões do catolicismo, nas quais o culto aos orixás era percebido como uma religião banhada de misticismos e pagã. As perseguições, aos espaços de culto das religiões afro-brasileiras, se mostram como um significativo elemento que justifica a inexatidão de quando o candomblé surge no Brasil. Isso, porque os terreiros de candomblé mudavam constantemente de lugar, como é o caso de um dos mais antigos terreiros da Bahia, o Àse Àirá Intilè, que segundo Verger (2002), teria sido constituído por mulheres escravas libertas, que faziam parte da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja da Barroquinha. O pesquisador aponta novamente a inexatidão dos relatos sobre a fundação deste primeiro terreiro de candomblé no Brasil, afirmando que:

As versões sobre o assunto são numerosas e variam bastante quando relatam as diversas peripécias que acompanharam essa realização. Os nomes das mulheres são eles mesmos controversos. Duas delas, chamadas Iyalussô Danadana e Iyanassô Akalá, segundo uns, e Iyanassô Oká, segundo outros, auxiliadas por um certo Babá Assiká, saudado como Essá Assiká no padê do qual falaremos mais tarde,

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