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CAPÍTULO III – IMAGENS EM TRANSE: CONSTRUÇÕES VISUAIS DO

3.1 Olhares identitários: acervo fotográfico do Ilê Fará Imorá Odé

Para iniciar este último capítulo, propõe-se realizar uma discussão teórica acerca do documento fotográfico, assim como sua importância dentro das comunidades de terreiro. Apresentando e dialogando, ao mesmo tempo, com o processo de coleta e catalogação das fotografias do Ilê Fará Imorá Odé, que serão trabalhadas neste primeiro item, em seguida, nos itens 3.2 e 3.3, tem-se o objetivo de iniciar a análise das imagens, ligadas com a discussão de identidade e memória, quando serão expostas as fotografias ao processo de análise de imagem.

No que tange a disposição desta pesquisa ,em trabalhar com o tema fotografias, o primeiro fator a ser apontado é que não se pode perceber o documento fotográfico apenas pelo seu processo mecânico e químico109, mas sim, deve-se apontar o olhar para o ato de ver e ser visto, ou seja, é preciso se preocupar com as complexidades que estão inseridas no processo de percepção e de contemplação deste documento fotográfico (DUBOIS, 2012).

Ao apontar para a importância do processo perceptivo do ato fotográfico, o autor se contrapõe ao sentido de expressão do real presente no documento fotográfico, principalmente por autores do século XIX, acerca disso, Dubois ( 2012) explica:

Trata-se aqui do primeiro discurso (e primeiro) sobre a fotografia. Esse discurso já está colocado por inteiro desde o Século XIX(sabe-se eu o nascimento da prática foi acompanhada de imediato por um número impressionante de discursos de escolta). Embora comportasse declarações muitas veze contraditórias e até polêmicas, ora de um pessimismo obscuro, ora francamente entusiastas o conjunto de todas essas discussões, de toda essa metalinguagem nem por isso deixava de compartilhar uma concepção geral bastante comum: quer seja contra, quer a favor, a fotografia nelas é considerada como a imitação mais perfeita da realidade. E de acordo com os discursos da época, essa capacidade mimética procede de sua própria natureza técnica, de seu procedimento mecânico, que permite fazer aparecer uma imagem de maneira “automática”, “objetiva”, quase natural ( segundo tão- somente as leis da ótica e da química), sem que a mão do artista intervenha diretamente. Nisso, essa imagem “aqueiropoieta”, se opõe à obra de arte, produto do trabalho, do gênio e do talento manual do artista”( DUBOIS, 2012, p.27)

Analisando os apontamentos do autor, observa-se como era percebida a fotografia no século XIX, sempre ligada com a ideia de um artefato, no sentido de plataforma, de uma base documental e física resultado de um processo mecânico

109 O centro da produção de fotografias hoje é digital e a disseminação dessa tecnologia possibilitou uma nova realidade na era digital, em que quase todos e em quase todo o tempo podem fotografar. Isso impõem uma nova dinâmica pelo volume de artefatos digitais produzidos, por um lado, por outro pela multiplicidade de olhares e situações que passam a ser percebidas e representadas imageticamente.

realizado pela máquina fotográfica, e que se distanciava do cunho artístico ou fugia do controle e das interferências e intenções do fotógrafo. A ideia de não distanciamento do documento fotográfico, daquilo que está sendo fotografado, está ligada com a capacidade do documento fotográfico de produzir a realidade e de capturar o instante, como já citado anteriormente.

O tema foi trabalhado por um dos mais importantes autores dos estudos de imagem do século XX, trata-se do filósofo e sociólogo Roland Barthes que nos apresenta em sua obra A Câmera Clara de 1980 o discurso do século XIX sobre a ligação e conexão da fotografia com o que está sendo representado, é importante destacar que o autor é um pesquisador do século XX, estruturalista, que vai contra a expressão de realidade da imagem, entretanto, será analisado aqui seu discurso ainda sobre os olhares e discursos do século XIX . Acerca da imagem, o autor nos diz:

Tal foto, com efeito, jamais se distingue de seu referente (do que se representa), ou pelo menos não se distingue dele de imediato ou para todo mundo (o que é feito por qualquer outra imagem, sobrecarregada, desde o início e por estatuto, com o modo como o objetivo é simulado): perceber o significante fotográfico não é impossível ( isso e feito por profissionais), mas exige um ato segundo de saber ou de reflexão. Por natureza, a fotografia ( é preciso por comodidade aceitar esse universal, que por enquanto apenas remete à petição incansável da contingência) tem algo de tautológico: um cachimbo, nela, é sempre um cachimbo, intransigentemente” ( BARTHES,2017, p.12-13)

Percebe-se no discurso, apresentado por Barthes (2017), um expressivo afrouxamento realizado pelos estudiosos do século XIX entre o documento fotográfico e sua indissociável ligação com seu referente, neste caso em específico, o que está sendo “representado” pelo material fotográfico. Há uma tonalidade de conservadorismo em relação ao ato fotográfico, em que este por sua vez, passa a ser apenas uma representação imagética do que foi fotografado, separando-se teoricamente do pensamento de Dubois (2012), o qual percebe o ato fotográfico para além da representação do real, mas entende o documento fotográfico como exercício de ver e de ser olhado.

Não é de se espantar que haja discursos que vão de oposição aos autores do século XIX, em relação à ideia da imagem ser uma expressão da realidade. No século XX, há estudiosos que trabalham com o conceito da imagem, neste caso, a fotografia como elemento transformador do real. Philippe Dubois (2012) apresenta os possíveis caminhos para a compreensão de quais correntes e quais sujeitos estavam à frente nesta

caminhada. Sobre a ruptura do pensamento do efeito de realidade da imagem, o autor diz:

Se, de maneira geral, o discurso do século XIX sobre a imagem fotográfica é o da semelhança, seria possível dizer, sempre globalmente, que já o século XX insiste mais na ideia da transformação do real pela foto. Provavelmente a grande onda estruturalista constitui uma espécie de ponto culminante de todo esse vasto movimento crítico de denúncia do “efeito de real”(ver, por exemplo ,

as análises semiológicas de um Christian Metz sobre o que chama de “ impressão de realidade” no cinema). Quase não insistirei aqui sobre tais discursos semióticos padrão muitas vezes bastante conhecidos e cujos efeitos analíticos desempenharam bem o seu papel( ver, além de Metz, os trabalhos de Umberto Eco, Roland Barthers, René Lindekens...”(DUBOIS,2012,p.36)

Dubois (2012) foi categórico ao separar os dois discursos dos diferentes períodos, como também apresenta autores que trabalham com a temática da imagem como transformação do real. Dentre estes autores destaca-se Roland Barthes, já citado anteriormente, que expõe sobre o efeito de transformação da realidade, ou do referente, mediante as lentes da máquina fotográfica. Recorre-se novamente aos seus estudos acerca das modificações realizadas pela imagem, neste caso em particular, a fotografia, sobre o que está diante das lentes da máquina fotográfica:

Ora, a partir do momento em que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem. Essa transformação é ativa: sinto que a fotografia cria meu corpo ou modifica, a seu bel- prazer( apólogo desse poder mortífero: alguns partidários da comuna pagaram com a vida seu consentimento em posar sobre as barricadas: vencidos, foram reconhecidos pelos policiais de Thiers e quase todos fuzilados)”( BARTHES,2017,p16-17)

Observa-se por meio do pensamento do autor, uma clareza sobre a ação modificadora da fotografia a partir do momento que se apresenta como resultado de um processo mecânico que modifica o que está sendo “representado”. Há alterações, como aponta o autor, no corpo e uma recriação do mesmo, transformações estas que são produzidas de forma instantânea pela fotografia. Neste caso, pode-se pensar que não se trata mais do “eu” representado e sim uma criação, modificada e transformada do “eu”.

Esta pesquisa não está focada detalhadamente sobre o debate da fotografia como expressão do real, ou como transformação da mesma, entretanto, é importante entender

as variações discursivas acerca da temática, para que se possa compreender o seu papel nos estudos historiográficos em geral, assim como documento auxiliador nos estudos das religiões afro-brasileiras. Também é importante considerar, ainda, que a mediação entre realidade e imagem será definida pelos recortes propostos pelo autor da fotografia, quando ele escolhe o que será fotografado, recortando o real e ainda, ao escolher ângulos e posições o modo como esse recorte será representado como será visto mais adiante. Sobre o papel da fotografia como auxiliadora e apoio nos estudos científicos, Dubois (2012), aponta:

O papel da fotografia é conservar o traço do passado ou auxiliar as ciências em seu esforço para uma melhor apreensão da realidade do mundo. Em outras palavras, na ideologia estética de sua época, Baudelaire recoloca com clareza a fotografia em seu lugar: ela é um auxiliar (“um servidor”) da memória, uma simples testemunha do que foi (DUBOIS,2012,p.30)

É nesta ideia da fotografia, como auxiliar e apoio nos estudos científicos, que é possível entender a importância deste documento para o desenvolvimento deste trabalho, assim como para o desenrolar desta terceira parte da pesquisa, em que irá discutir sobre construções identitárias a partir da mediação do acervo fotográfico do Ilê Fará Imorá Odé. Entendido isso e realizada uma breve discussão teórica sobre o documento fotográfico, segue o segundo momento deste subtópico, no qual se apresentará o acervo fotográfico da comunidade de terreiro, a justificativa das fotografias escolhidas para o processo de análise, a apresentação dos sujeitos que realizaram as fotografias, como também, demonstrar a importância destas pessoas no processo de formação identitária da comunidade em questão. Também faz-se necessário demonstrar os caminhos tomados para coletar e catalogar as fotografias que serão apresentadas e analisadas nos últimos dois subtópicos deste trabalho.

As fotografias, que serão analisadas nos últimos itens deste capítulo, foram consultadas a partir do acervo particular do Ilê Fará Imorá Odé, em que os membros da comunidade compartilham entre si as fotografias realizadas durante as festividades e o cotidiano da casa.

O acervo da comunidade, até janeiro de 2021, contava com cerca de 2.046 fotografias, organizadas no google drive restrito apenas aos membros do terreiro. Registros realizados desde a inauguração do terreiro, em Outubro de 2013, e que segue como uma prática presente nas atividades da comunidade em estudo. As fotografias

foram selecionadas levando em consideração sua estética, assim como seu diálogo com o debate proposto no trabalho, no qual a partir das imagens que retratam momentos da rotina das obrigações110 religiosas, festividades e cotidiano da comunidade de axé, assim como fotos entre os membros, percebeu-se o olhar do Fará Imorá ao registrar suas cerimônias.

Durante a pesquisa para este trabalho e também como membro da comunidade, este autor tem condições de redigir a respeito da motivação do grupo em reunir o registro de seus festejos e encontros. A intenção de montar um acervo fotográfico do terreiro está em produzir uma memória de si, na qual se apresenta com uma condição para que seus integrantes possam formar suas relações de pertencimento. Neste sentido, é preciso criar uma memória coletiva, desse grupo, que ordene e organize as experiências dessa comunidade e também contribui para a construção de futuros trabalhos acadêmicos sobre a comunidade de terreiro.

Por uma decisão hierárquica, advinda mais especificamente do Babalorixá Marcos de Oxóssi, o acervo não se faz público, esta decisão está diretamente relacionada, com os possíveis ataques de intolerância e demonização que podem atingir não somente o Ilê Fará Imorá Odé, mas também outras comunidades semelhantes. Sobre o assunto, recorre-se ao artigo Fotografia: ver e ser visto no candomblé, da socióloga Ivete Miranda Previtalli, em que a autora trabalha sobre as experiências dos adeptos de candomblé referente à utilização das fotografias dentro de suas comunidades, assim como seus enfrentamentos quanto à intolerância e demonização por parte de igrejas neopentecostais, por exemplo. Assim diz a autora:

A ideia de tornarem-se os “estranhos” e os fornecedores do “espetáculo” num mundo em exposição, não atrai os pais e mães-de Santo dos velhos terreiros baianos. Outra exposição visual que tem preocupado os adeptos do candomblé são as atuais conversões para modernas igrejas televisivas, principalmente a Igreja Universal do Reino de Deus que mostram filmes realizados em terreiros e associam seus conteúdos como obras do demônio (PREVITALLI, 2013, p.76) Apesar de não ser o tema a ser abordado nesta primeira parte do capítulo, é importante salientar estas considerações quanto ao uso fotográfico dentro das comunidades de terreiro, para que seja possível entender o porquê do Ilê Fará Imorá

110 Este termo é utilizado popularmente entre os membros das comunidades de terreiro, para designar as atividades religiosas que são executadas durante as iniciações ou nas festividades realizadas pela comunidade de terreiro. De forma geral, as obrigações estão relacionadas ao trabalho, e a labuta dos membros dentro do terreiro de candomblé.

Odé manter seu acervo fotográfico restrito aos seus membros. Ao não divulgar midiaticamente as imagens, a comunidade procura reforçar seus laços internos e o sentido de pertencimento dos filhos da casa. Essa crença subjetiva é muito valorizada no discurso do babalorixá do ilê, como também não há um interesse do Fará Imorá para que seus adeptos sejam apontados socialmente como os “exóticos”, proporcionando, mesmo que não intencionalmente, um espetáculo por meio das fotografias de sua coletividade.

Além disso, também há o debate sobre a intolerância religiosa sofrida pelas comunidades de terreiro no mundo virtual, esta temática será abordada no item 3.3 intitulada Visualidades em transe: identidades reveladas no qual será discutido sobre o revelar das identidades através do transe. 111

Regressando a temática pertinente a este item, e entendida a localização das fotografias da comunidade, assim como sua escolha em manterem suas fotografias em poder dos próprios membros do terreiro, é hora de conhecer a autoria destas imagens. Sobre isso, é importante destacar que grande parte das fotografias foram produzidas pelos próprios integrantes do grupo em questão, entretanto, há dentro da comunidade membros que, por afinidade, ou por possuírem um conhecimento técnico e estético, realizam o trabalho fotográfico das atividades realizadas no espaço.

Toda a comunidade do Ilê Fará Imorá Odé, participa , possui de alguma forma contribuições no processo de registro fotográfico das inúmeras atividades do terreiro, entretanto, como uma forma de analisar imagens que poderiam ter sido pensadas e trabalhadas além da paixão pelo culto, trazendo um olhar técnico e sensível para o tema, a presente pesquisa focou em duas fontes específicas. A escolha dos registros de autoria da fotógrafa Iohannah, mas que se identifica nas fotografias como Io Hardy, abian do babá Marcos de Oxóssi, que transmite através do seu olhar feminino e subversivo, os detalhes e as belezas de uma religião de negros, mas que abriga e acolhe pessoas de diversas cores, orientações sexuais e etnias. Bem como houve a predileção por imagens de autoria de Kelvis Torres, um homem negro, que ocupa o posto de babá Egbé112 do Ilê Fará Imorá Odé, um dos cargos de maior destaque e importância na hierarquia do

111

O tema pode ser estudado com maior detalhes em: COSTER, Eliane. Fotografia e candomblé

modernidade incorporada?. 2007. Dissertação de mestrado - Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

112 Termo utilizado para denominar um dos postos hierárquicos das comunidades terreiro. O Babá Egbé é o pai da comunidade, esta pessoa tem como ofício se ater aos trabalhos diplomáticos não somente dentro da comunidade que está inserido, mas também executar, e prezar pela boa relação de seu terreiro com outras comunidades de axé.

candomblé e que faz das suas imagens expressões de sua identidade e exercício de sua ancestralidade, sempre com um olhar minucioso focado nos mínimos detalhes de cada ato fotográfico.

As imagens, destes fotógrafos, foram escolhidas em primeiro lugar, por representarem a grande maioria no acervo fotográfico do grupo e por isso, pode-se perceber uma inclinação destas imagens em ocupar o lugar de expressões do olhar da comunidade , no processo de construção de sua memória, como também em seu processo de afirmação identitária. Também é importante ressaltar, o protagonismo de uma mulher e de um homem negro neste processo de construção imagética do Fará Imorá Odé, pois demonstra este espaço de realização das imagens da comunidade como um lugar de empoderamento e a possibilidade para que esses dois grupos marginalizados, do qual Io Hardy e Kelvis fazem parte ,possam integrar efetivamente a construção da memória da comunidade de terreiro.

Kelvis e Io Hardy não possuem formação acadêmica em fotografia, mas demonstram técnica e senso estético ao fazerem os registros que normalmente expressam momentos importantes para o Ilê Fará Imorá Odé. Como exemplo, podem ser citadas situações corriqueiras de trabalho na cozinha, mas que ao serem registradas por eles, revelam a intensidade dos atos, como a preparação das oferendas aos orixás e o cuidado com os elementos cerimoniais de limpeza e revitalização energética dos membros da casa.

Esta percepção de enxergar o extraordinário no que à primeira vista pode ter a aparência da simplicidade e que está presente nas imagens trazidas por Kelvis e Io justifica a escolha destas fontes para a presente pesquisa. Poder reconhecer a releitura do cotidiano, de uma comunidade, e fazer com que através das figuras trazidas, a fé pode ser renovada, é como a renovação do próprio culto, que não é um lugar posto e estático. A adoração ela é construída, assim como traz Didi-Huberman: “Cultus – verbo latino colere – designou a princípio simplesmente o ato de habitar um lugar e de se ocupar-se dele, cultivá-lo. É um ato relativo ao lugar e à sua gestão material, simbólica ou imaginária: é um ato que simplesmente nos fala de um lugar trabalhado (2010, p. 155)

Esta rememoração do culto, através dos registros trazidos aqui, faz parte da construção identitária da comunidade aqui estudada, mas não é possível afirmar que esta intenção esteve presente desde o início. Afinal, o que se compreende, o que é tomado para si durante o paciente exercício de captar um instante, é uma linha demasiadamente

sensível. Qual a história que se quer contar? O que o autor da fotografia quer mostrar àqueles que terão acesso à obra que está sendo construída? Do mesmo modo, o fotógrafo sabe que o que está sendo elaborado pode vir a contar uma história aos seus futuros e pretensos interlocutores? Ou o fazem de forma intuitiva, na inocência de que sejam percebidas nuances que eles mesmos só saberão uma vez que os cenários captados se transformam em fotografias. Barthes (2017) , traz uma visão a respeito da pessoa que registra e o ato de fotografar:

O fotógrafo, como um acrobata, deve desafiar as leis do provável ou mesmo do possível; em último instância, deve desafiar as do interesse: a foto se torna “surpreendente” a partir do momento em que não se sabe por que ela foi tirada; qual motivo e qual interesse para fotografar um nu, contra a luz, no vão de uma porta, a frente de um velho automóvel na grama, um cargueiro no cais, dois bancos em uma pradaria, nádegas de mulher diante de uma janela rústica, um ovo sobre uma barriga nua ( fotos premiadas em um concurso de amadores)? Em um primeiro tempo, a Fotografia, para surpreender, fotografa o notável; mas logo, por uma inversão conhecida, ela decreta notável aquilo que ela fotografa. O “ não importa o quê” se torna então o ponto mais sofisticado do valor (BARTHES,2017, p.36).

Neste caso os registros de Kelvis e Io tornam-se uma proposta sensível, para a construção da memória da comunidade, uma vez que ao se reconhecerem nos cenários criados pelos fotógrafos, os membros da comunidade de terreiro, podem enxergar sua própria trajetória com um olhar artístico que se mistura ao olhar sacro que possam ter de