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O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL EM SUA INTERFACE COM O TRABALHO RURAL ASSALARIADO:

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EVANDRO JOSÉ MORELLO

O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL EM SUA INTERFACE

COM O TRABALHO RURAL ASSALARIADO:

Limites e Desafios

Dissertação apresentada como requisito parcial para conclusão do curso do Programa de Mestrado em Direito e Políticas Públicas do Centro Universitário de Brasília – UNICEUB

Orientador: Prof. Dr. Frederico Augusto Barbosa da Silva

Brasília Dezembro de 2008

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DEDICATÓRIA

Para a minha esposa, Eliane, com quem tenho partilhado meus sonhos, angústias e realizações. Agradeço a paciência, a compreensão e o amor. Para as minhas filhas, Isabelle e Iasmin, que fortalecem a minha vida e expressam a esperança e a alegria de viver. Sou imensamente grato pelo carinho e pelos momentos em que me fazem retornar ao magnífico mundo da infância.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, fonte de amor e de inspiração, que nos conduz ao caminho da sabedoria e da retidão.

Aos meus pais, Valdir e Lúcia, por me ensinarem os valores da vida. Aos meus irmãos, Dernival, Rosângela, Marta e Warley, pelo cultivo da amizade.

À minha tia, Izaldina, pelo incentivo em estudar.

Aos meus amigos e colegas da CONTAG, pelo convívio de trabalho e pelo apoio recebido. Muito obrigado a todos.

Ao professor Frederico Augusto Barbosa da Silva, pela paciência e entusiasmo com que orientou esse trabalho.

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RESUMO

Essa pesquisa tem como objetivo analisar o direito de proteção social dos trabalhadores rurais assalariados a partir das transformações que vem ocorrendo nas relações de trabalho e de produção no meio rural, onde predomina o trabalho precário e informal que exclui esses trabalhadores do sistema de Previdência Social brasileiro. A pesquisa foi desenvolvida por meio do método dedutivo-histórico e analítico, e tem na obra de Robert Castel a sua principal fundamentação teórica ao abordar a problemática da questão social a partir do trabalho assalariado. A dissertação está dividida em duas partes, sendo na primeira analisados os elementos histórico-teóricos que fundamentam os modelos de proteção social desenvolvidos a partir da intervenção do Estado e que influenciaram na formação e na estrutura do sistema público de proteção social brasileiro. Na segunda parte, descrevem-se como as relações de trabalho assalariadas foram se estruturando e se reproduzindo no campo após o regime escravista, e como a proteção jurídica e social a este tipo de trabalho foi se desenvolvendo. Em seguida, contextualiza-se a situação dos assalariados rurais na Previdência Social a partir da Constituição Federal de 1988, tendo em conta a legislação que rege a matéria em toda a sua complexidade. Nesse sentido, é feita uma abordagem sobre a participação do assalariado rural no plano de custeio e no plano de benefícios da Previdência, identificando-se várias questões que dificultam o acesso desse trabalhador à proteção previdenciária devido ao alto índice de informalidade e à prática do trabalho precário, caracterizado por relações de trabalho de curta duração. Fazendo-se uma análise sobre os institutos que regulam os contratos de trabalho na área rural, averigua-se que são enormes os desafios para garantir maior proteção previdenciária dos assalariados apenas por meio da relação formal de emprego. Em conclusão, são apresentadas algumas proposições para discussão, visando ampliar a cobertura previdenciária dos assalariados, tendo por base a comprovação do trabalho, e não apenas do emprego, como elemento central. Nesse sentido, afirma-se que uma política previdenciária mais inclusiva não pode estar dissociada do sistema de Seguridade Social.

PALAVRAS-CHAVE: Proteção Social. Assalariado Rural. Relações de Trabalho. Emprego. Previdência e Seguridade Social.

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ABSTRACT

This research aims to analyze the right to social protection of rural salaried workers from the transformations which are happening in the working and productive relationships in rural areas, where predominate the precarious and informal work which excludes those employees from the Brazilian Social Welfare. The research was conducted by the deductive historical and analytical method, and was mainly theoretically based on the Robert Castel works when addressing the problem of social issue from the employment. The dissertation is divided into two parts, being analyzed in the first the historical and theoretical factors which substantiate the social protection models developed from the state intervention and that influenced on the formation and structure of the public system of the Brazilian social protection. In the second part, it is described how the employment relations have been structured and reproduced on the field after the end of slavery system, and how the legal and social protection to this type of work was being developed. Then, it is contextualized the situation of rural salaried workers in the Social Security from the Federal Constitution of 1988, taking into account the laws which govern the matter in all its complexity. Accordingly, an approach on the participation of the rural salaried in terms of the Welfare cost and benefit plans is made, identifying several issues that hinder the access by these workers to the welfare protection due to the high level of informality and to the practice of precarious works, characterized by short term working relations. By the analysis over the institutes which regulate the employment contracts in the rural area, we can deduct that are huge the challenges to ensure greater welfare protection of employees only through the formal employment relationship. Concluding, are presented some proposals for discussion, seeking out the expansion of the welfare coverage of employees, based on the evidence of work, not just as employment, as a central element. In that sense, it is affirmed that an inclusive welfare policy cannot be dissociated from the Social Security system.

KEY WORDS: Social Protection. Rural employee. Working relationships. Employment. Welfare and Social Security.

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SUMÁRIO

Introdução...08

PARTE I FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DO DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL ...15

1 O desenvolvimento de mecanismos de proteção social ... 16

1.1 Considerações gerais ... 16

1.2 Os primeiros institutos de proteção social ... 17

1.3 O Estado e a proteção social ... 21

1.3.1 A assistência pública, a propriedade privada e a emergência de um novo modelo de proteção... 21

1.3.2 A técnica securitária como mecanismo de proteção social... 26

1.3.3 A seguridade social como novo paradigma de proteção social... 31

2 O desenvolvimento dos mecanismos de proteção social no Brasil ... 37

PARTE II O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL CONFIGURADO NO TRABALHO RURAL ASSALARIADO...48

1 Referenciais históricos e teóricos sobre a conformação das relações de trabalho e dos institutos de proteção social aplicados na área rural ... 49

1.1 Considerações gerais ... 49

1.2 Regimes de trabalho no meio rural no período pós-escravista ... 50

1.3 A estrutura das relações sociais de trabalho no meio rural no período pós 1930 ... 54

1.4 Reestruturação produtiva e os impactos nas relações de trabalho ... 59

1.5 O trabalho rural assalariado em perspectiva ... 63

2 Proteção social e jurídica ao trabalho rural ... 68

2.1 Os trabalhadores rurais sob o estigma da exclusão... 68

2.2 Os primeiros institutos de garantia de direitos sociais aos trabalhadores rurais... 72

3 Os trabalhadores rurais no contexto da Seguridade Social brasileira ... 78

3.1. Os novos parâmetros de proteção social ... 78

3.2. A proteção social sob dois vieses: natureza da atividade x natureza das relações de trabalho... 81

3.3. Estrutura da previdência rural brasileira... 84

3.3.1 Tipificação dos segurados rurais ... 84

3.3.1.1 Os segurados especiais...84

3.3.1.2 O contribuinte individual rural...88

3.3.1.3 O empregado rural...88

3.3.2 O financiamento da Previdência Social e as contribuições oriundas da área rural 89 3.3.3 As espécies de benefícios e os critérios de elegibilidade para acesso à proteção previdenciária... 94

4 Controvérsias que envolvem o assalariado na Previdência Social ... 99

4.1 Considerações iniciais ... 99

4.2 O empregado e o dilema da sua caracterização como rurícola... 101

4.2.1 Os parâmetros estabelecidos pelo Direito do Trabalho ... 102

4.2.2 A posição da doutrina e da jurisprudência... 105

4.2.3 Critérios metodológicos para a identificação do empregado rural... 111

4.3 Elementos que caracterizam a prestação de trabalho com vínculo empregatício na área rural ... 114

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4.3.2 Pessoalidade ... 116

4.3.3 Onerosidade ... 117

4.3.4 Continuidade ou não-eventualidade ... 117

4.3.5 Subordinação... 118

4.4 O assalariado rural e a prestação de trabalho de curta duração: vínculo empregatício ou trabalho eventual? ... 121

5 Conflitos e dilemas das regras previdenciárias que demarcam limites da proteção social do assalariado rural ... 129

5.1 O dilema da proteção social do assalariado e do agricultor familiar ... 129

5.2 A regra transitória de acesso à aposentadoria por idade mediante comprovação da atividade rural ... 139

5.2.1 A prorrogação do prazo para de acesso à aposentadoria por idade mediante a comprovação da atividade rural ... 141

5.2.2 Os novos critérios de acesso à aposentadoria ... 144

5.2.3 Perspectivas quanto ao futuro do assalariado rural em alcançar a aposentadoria por idade ... 147

6 Proteção previdenciária e formalização do contrato de trabalho na área rural... 150

6.1 Considerações iniciais ... 150

6.2 Aspectos que influenciam a informalidade do mercado de trabalho rural ... 153

6.3 Modalidades de contrato de trabalho aplicáveis na área rural ... 156

7 A proteção do assalariado rural na perspectiva do contrato de trabalho por pequeno prazo instituído pela Lei n.º 11.718/2008 ... 162

Conclusões...174

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Introdução

As diferentes formas de proteção social assumidas pelas sociedades, em face da miserabilidade e dos infortúnios da vida, podem ser analisadas a partir do contexto social, econômico, político e cultural no qual historicamente tiveram origem e são resultantes de consensos sóciopolíticos que mudam conforme a evolução da própria sociedade. Dessa forma, os mecanismos de proteção social podem assumir diferentes modalidades como o mutualismo, a assistência, o seguro social e, mais recentemente, a seguridade social, base sobre a qual se fundou o Estado Social. O predomínio de uma ou outra destas modalidades em cada sociedade configurou distintos padrões de intervenção estatal no trato das questões sociais, que se diferenciam em função da maior ou menor justiça e eqüidade dos sistemas prestadores de serviços sociais.

No Brasil, as desigualdades e injustiças sociais foram forjadas numa cidadania restrita e com um Estado que historicamente não se responsabilizou com a questão social. O desenvolvimento das políticas de proteção social enfrentou problemas específicos, que foram desde às limitações de políticas específicas e emergenciais vinculados a práticas clientelistas e populistas até se chegar a um sistema de Seguridade Social que congrega as políticas de saúde, previdência e assistência social, e que mesmo articulado por princípios constitucionais orientadores de uma política de proteção social universal, eqüitativa e redistributiva, ainda não se efetivou por completo em nosso meio.

Por certo, vários são os fatores que influenciam no grau de efetividade das políticas insertas no sistema de Seguridade Social brasileiro e que expõem, em certos casos, a fragilidade do sistema. Um destes fatores é o trabalho formal - regulado legalmente - tomado como referência dominante, inclusive para a garantia do direito à proteção previdenciária, já que o mesmo se apresenta como um suporte fundamental de filiação e de inscrição do

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indivíduo na estrutura do sistema de proteção vigente. Como é cediço, há uma forte correlação entre o lugar ocupado na divisão social do trabalho e a participação no sistema de proteção que cobre os indivíduos diante dos acasos da existência. Onde há uma inserção do indivíduo no mercado de trabalho, por meio de uma relação de trabalho estável, verifica-se que, de fato, há uma base sólida de integração e de segurança social. Já o contrário, a não participação em qualquer área produtiva e a prática do trabalho precário tem efeitos desestabilizadores e excludentes desastrosos para os que se encontram nessa situação, compatibilizando os efeitos negativos para produzir a exclusão e a desfiliação do sistema de proteção. Resulta assim, um processo de vulnerabilidade social circunscrito numa zona intermediária instável que conjuga a precariedade do trabalho e a fragilidade dos mecanismos de proteção social e de solidariedade.

No cenário brasileiro essa é uma questão crítica dado o contingente de pessoas que se encontram socialmente desprotegidas por não laborarem mediante uma relação de trabalho formal. De uma população efetivamente ocupada1 na ordem de 89,3 milhões de pessoas, 34 milhões encontram-se no trabalho informal.

Na área rural essa realidade é extremamente marcante no segmento dos assalariados rurais, que conta com aproximadamente 4,772 milhões2 de trabalhadores na ativa. Destes, apenas cerca de 1,591 milhão trabalha mediante vínculo de emprego formal e estável ao passo que os demais 3,181 milhões trabalham na informalidade ou conseguem algum emprego temporário no decorrer de cada ano. Isso configura um panorama de

1 MISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Boletim Estatístico da Previdência Social. Vol. 12, n.º 10,

Outubro 2007. Cumpre observar que ao nos referirmos ao contingente de pessoas socialmente desprotegidas, seguimos a metodologia utilizada pelo Ministério da Previdência Social que considera pessoas socialmente protegidas os contribuintes para o RGPS e RPPS e os segurados especiais da área rural que mesmo sem contribuição direta para o sistema de proteção social têm direitos assegurados pela regra da comprovação da atividade rural.

2 Conforme: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional por

amostra de domicílios 2006. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ condiçãodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais 2006 >. Acesso em 22.05.08.

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instabilidade social para o qual se requer medidas que possam, senão resolver, ao menos amenizar a questão da desproteção.

É em face desse panorama que apresentamos como tema dessa dissertação “O direito à proteção social em sua interface com o trabalho rural assalariado”. O propósito é analisar os limites e desafios que se colocam para a efetivação do direito à proteção social para o segmento dos assalariados rurais, considerando as especificidades que demarcam o trabalho precário e informal no campo. Cabe aqui esclarecer que o nosso foco de análise está centrado basicamente em uma política do nosso sistema de Seguridade Social: a Previdência Social.

Nesse sentido, a estrutura dessa pesquisa está dividida em duas partes com seus respectivos capítulos, sendo desenvolvida por meio do método dedutivo-histórico e analítico. A primeira parte tem como foco de análise o desenvolvimento de mecanismos de proteção social e o papel do Estado como propulsor desse direito já que, em pleno século XXI, convivemos com um intenso debate em torno de modelos distintos de inclusão e de proteção social. Assim, o alcance do nosso ponto de vista a respeito dos objetivos desse trabalho nos remete a uma análise - feita no capítulo 1 - sobre os elementos históricos e teóricos que fundamentam o desenvolvimento dos modelos de proteção social, em especial daqueles que se configuraram sob a tutela do Estado e que influenciaram na formação e na estrutura do sistema público de proteção social brasileiro – que é objeto de análise no capítulo 2. A nosso ver, essa análise é essencial até porque o debate sobre a atuação do Estado na questão social não está superado nas sociedades hodiernas. Como deve o Estado atuar para garantir proteção social aos seus cidadãos?

A segunda parte da pesquisa, dividida em sete capítulos, tem como questão problematizadora em que perspectiva deve-se colocar a efetividade do direito de proteção social para os assalariados rurais no contexto atual. Para uma melhor compreensão dos

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limites e desafios postos nessa questão procuramos, nos dois capítulos iniciais, trazer à reflexão as dimensões históricas da formação do mercado de trabalho rural brasileiro e dos institutos jurídicos de proteção social que foram se concretizando no decorrer do tempo. O objetivo foi o de projetar as mudanças ocorridas na perspectiva de se compreender a complexidade das relações de trabalho que envolve os assalariados rurais, e como se processa o direito a sua proteção social num cenário que sempre demarcou horizontes de um campo de reivindicações.

As análises feitas demonstram que as relações de trabalho no assalariamento rural foram se reproduzindo no Brasil de forma precária e informal envoltas no trabalho em regime de produção para uma economia de subsistência, sendo o direito de proteção social efetivado a partir da comprovação da atividade de natureza rural e não por meio de uma contribuição direta para o sistema de proteção. Essa característica marcante, vigente desde os primeiros institutos de proteção social implantados na área rural, vem sendo mantida por uma regra transitória que começa agora a dar sinais de esgotamento. Essa, aliás, é uma questão analisada a partir do capítulo terceiro, que contextualiza a política de proteção social dos trabalhadores rurais a partir da Constituição Federal de 1988. Neste capítulo, são abordadas as mudanças introduzidas pelo texto constitucional e a importância de se ter a política de proteção previdenciária rural vinculada ao sistema de Seguridade Social. No entanto, enfatiza-se que os novos parâmetros de proteção ao enquadrar os trabalhadores rurais em categorias distintas rompem, por conseqüência, com a forma de identificação do assalariado rural no regime de proteção: antes pela natureza da atividade rural; agora pela natureza da relação de trabalho, empregatícia ou autônoma.

Os impactos dessas mudanças projetam um cenário nebuloso quanto à possibilidade do assalariado rural alcançar o direito à proteção pelos novos mecanismos estabelecidos. Isso porque, o alto índice de informalidade também tem nexo com o ciclo das

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culturas produzidas no campo que demanda um conjunto de atividades de natureza sazonal reproduzindo, em larga escala, o trabalho assalariado temporário de curta duração. Assim, surgem controvérsias quanto à natureza desse tipo de trabalho que à luz da legislação vigente e da jurisprudência dos Tribunais é interpretado ora sob a natureza de vínculo empregatício, ora sob a natureza de um trabalho eventual/autônomo, o que reflete a dificuldade de formalização do contrato de trabalho e, por conseqüência, na própria tipificação do assalariado perante o Regime Geral de Previdência Social. Essa questão foi abordada no capítulo 4.

Outros dois dilemas trazidos pela legislação previdenciária são identificados no capítulo 5 e reforçam o panorama desafiador quanto ao futuro do assalariado rural na Previdência Social. Um, refere-se à permissão legal para o agricultor familiar contratar mão-de-obra assalariada por alguns períodos no ano e manter-se no direito de ser protegido pela regra que o reconhece como um segurado especial. Como se sabe, o segmento da agricultura familiar contrata mão-de-obra por curtos períodos e o fato da legislação caracterizar o agricultor como um empregador acabou criando obstáculos à efetivação do direito do assalariado, que não tem a relação de trabalho formalizada. O outro são as mais recentes mudanças feitas na legislação previdenciária que praticamente encerram, a partir de 2011, o tratamento especial de garantia mínima do assalariado rural a uma aposentadoria por idade pela via da comprovação da atividade rural, independente do trabalho ser prestado sob a relação de vínculo empregatício ou como trabalho eventual.

Conjugando todas essas questões, analisa-se no capítulo 6 se os institutos de regulação das relações de trabalho estão adequados para promover maior formalização dos contratos de trabalho e, por conseqüência, maior inclusão previdenciária dos assalariados rurais. Procurou-se considerar que as regras jurídicas precisam ter sua validade analisada não apenas pelo ângulo formal, mas também a partir das realidades sociais, culturais, políticas e

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econômicas que a cercam, o que permite tomá-las como instrumento potencial para maior ou menor efetividade do direito de proteção social.

Seguindo essa linha de raciocínio, o sétimo e último capítulo discorre sobre as possibilidades que se colocam para ampliar a cobertura previdenciária do assalariado rural por meio do contrato de trabalho rural por pequeno prazo instituído pela Lei n.º 11.718/2008. Trata-se de uma modalidade contratual com uma configuração bastante específica para ser aplicada na área rural, mas de conteúdo conflituoso amplamente expressado nos debates que antecederam a sua aprovação pelo Congresso Nacional. De todo modo, é um instrumento de regulação importante, mas que está ainda a demonstrar a que veio.

Por fim, é de se enfatizar que essa pesquisa não tem por ambição apontar uma solução miraculosa à situação-problema averiguada. Entretanto, o tratamento do tema numa perspectiva histórica permite identificar algumas questões estruturais que dificultam ou impedem a maior efetividade do direito do assalariado rural à proteção previdenciária se mantida as condições e as regras atualmente vigentes. Por isso, tomamos a liberdade, em nossas conclusões, de apresentar para o debate algumas proposições, ainda que incipientes, na perspectiva de se promover políticas previdenciárias que sejam mais inclusivas, indicando que o alcance desse objetivo perpassa pelo fortalecimento dos princípios e da estrutura do nosso sistema de Seguridade Social.

Uma última questão a considerar, é que embora a pesquisa tenha sido focada sobre um segmento social específico – o assalariado rural -, não se pode olvidar que a desproteção social, na forma problematizada, atinge milhões de trabalhadores brasileiros em situação muito semelhante ao panorama apresentado, se levado em conta a informalidade e a precariedade das relações de trabalho. Nesse sentido, espera-se que essa pesquisa seja um elemento indutor do debate sobre novos rumos que conduzam ao aprimoramento das políticas

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públicas pertinentes à proteção social. Até porque, temos a convicção de que é basicamente por meio do diálogo social que se alcançará o aperfeiçoamento de tais políticas.

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PARTE I

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS

DO DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL

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1 O desenvolvimento de mecanismos de proteção social

1.1 Considerações gerais

A história do direito à proteção social pode ser escrita sob vários enfoques, tomando-se por base a cultura, as leis, a linguagem ou contexto social, econômico e político de cada época. Sabe-se, no entanto, que aquilo que hoje se faz para proporcionar segurança ao homem, ressarcir os danos que o infortúnio lhe causa, torná-lo, afinal, capaz de desfrutar uma existência digna, nada mais é que a concretização de velhos anseios aqui e ali inscritos, primeiro pelo costume, depois pelo ordenamento jurídico, devido à emergência dos conflitos sociais gerados nas economias capitalistas e pelas demandas por igualdade gestadas num contexto de lutas pela democracia.

De certo modo, o temor da insegurança acompanha desde sempre o ser humano que jamais deixou de mobilizar a sua inteligência a perquirir um meio de se pôr ao abrigo dos fatos imprevistos, especialmente daqueles que provocam más conseqüências. Naturalmente, à medida que a civilização avança mais complexas se tornam as atividades humanas e, com isso, mais sensíveis se tornam os riscos imanentes dessa atividade e da própria natureza. Por isso, desde a antiguidade até os nossos dias, tem sido recorrente a busca de mecanismos de defesa e de reparações de natureza econômica desses riscos, que é o fundamento da subsistência e segurança material de cada ser humano.

São, portanto, nas fórmulas de proteção sucessivamente adotadas no decorrer da história, cujas raízes remontam épocas muito remotas, que encontramos os fundamentos dos atuais institutos de proteção social que asseguram o amparo do homem quando atingido pelo infortúnio, e que servem de inspiração à própria evolução do direito. Bobbio já observara que “os direitos dos homens, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em

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defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.”3

Daí a importância de se tomar como referência a evolução histórica do direito e dos mecanismos de proteção social para que se possa vislumbrar, numa sociedade democrática, a crença nos institutos de proteção social alinhados aos princípios da solidariedade e da universalidade como forma de enfrentar os infortúnios da vida, promover maior coesão social e superar uma visão estritamente individualista do modo de viver em sociedade.

1.2 Os primeiros institutos de proteção social

A vida em sociedade, cujo advento está na percepção dos indivíduos sobre as benesses que teriam ao se agruparem para viver, traz ínsita a idéia de proteção social amparada no postulado prévio sobre a necessidade individual de segurança. Essa noção fez com que se projetasse nas sociedades modernas um arcabouço coletivo-estatal para assegurar aos indivíduos condições mínimas de sobrevivência, cuja evolução gradativa permitiu que se chegasse ao fornecimento de bens e serviços de forma a propiciar maior bem-estar social.

Na gênese da estrutura protetiva encontram-se mecanismos marginais e fragmentários de auxílio à orfandade e à miséria, cujo sistema de regras vincula os membros de um grupo dentro de um espaço territorial a partir de seu pertencimento familiar, da vizinhança, do trabalho, mediante uma rede de interdependência que não demanda a mediação de instituições específicas. É o que Robert Castel4 denomina de “sociedade sem social” regida pelas regulações de uma “sociabilidade primária”5. O indivíduo está vinculado, desde o seu

3 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992,

p. 5.

4 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 48.

5 Ao referir-se a uma “sociedade sem social”, Robert Castel observa que a expressão “social” não deve ser

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nascimento, a uma rede de obrigações estabelecida por regras ancestrais impostas de um modo sintético e diretamente normativo, reproduzindo a ordem da tradição e do costume que permitem a transmissão das aprendizagens e a reprodução da existência social. Assim, a proteção ao órfão, ao inválido ou ao indigente ocorre por força de uma solidariedade natural, que tem na família e na comunidade de grupos a sua base de sustentação. Essa estrutura fechada de proteção constituiu, por exemplo, a organização social dominante na sociedade feudal, cuja estabilidade era assegurada por dois vetores principais de interdependência: “as relações horizontais presentes no seio da comunidade rural e as relações verticais da sujeição senhorial”6. A unidade do sistema era composta por famílias da mesma linhagem unidas diante das exigências militares e econômicas para a manutenção do poder.

Outro mecanismo de proteção social também conhecido desde a antiguidade é o mutualismo, cuja principal característica é a ajuda recíproca entre as pessoas vinculadas a um mesmo grupo ou instituição, sendo exemplos desse sistema as associações de ajuda mútua presentes na antiga Grécia e na antiga Roma7; as corporações de ofícios e as guildas germânicas e anglo-saxônicas8 que se organizaram na Idade Média atuando na defesa dos interesses comuns de seus membros.

mas sim como uma configuração específica de práticas não encontradas em todas as coletividades humanas. Já a expressão “sociabilidade primária”, explica o autor, opõe-se à sociabilidade secundária que é uma sociabilidade construída a partir da participação em grupos supondo uma especialização das atividades e das mediações institucionais.

6 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 50.

7 Tem-se conhecimento de que uma das primeiras associações de ajuda mútua na antiga Grécia, conhecida como

“énaroi”, cobrava contribuições regulares de seus associados e concedia empréstimos sem juros aos mesmos quando se vissem colhidos por qualquer adversidade. Na Roma antiga, existiam as associações conhecidas como “collegia” ou “sodalitia”, que, mediante contribuições de seus associados, tinham por escopo assegurar as despesas dos funerais dos sócios (ASSIS, Armando de Oliveira. Compêndio de Seguro Social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas – serviços de publicações, 1963, p. 55).

8 As guildas germânicas e anglo-saxônicas agrupavam-se em três categorias: religiosas e sociais; de artesãos; e

de mercadores, que buscavam a defesa dos interesses comuns dessas organizações, sendo que algumas delas incluíam em suas finalidades a assistência em caso de doença e a cobertura das despesas de funeral. (CABANELLAS DE TORRES e ZAMORA y CASTILLO. Tratado de Política Laboral y Social. Tomo I, p. 235 – apud: ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental à Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 23).

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No período em que surge o fenômeno dos Estados Nacionais laicos9 e soberanos do mundo ocidental e a noção de indivíduo como sujeito dotado de direitos, a proteção às necessidades sociais efetiva-se por intermédio das “irmandades de socorro”, que conferia a seus membros direito subjetivo de obter um quadro mais amplo de auxílios que ia além da doença e funeral, chegando aos casos de velhice e invalidez. Posteriormente, surgiram os montepios subvencionados pelo Estado que asseguravam a proteção apenas a determinados grupos de profissionais, como militares e funcionários das oficinas reais.10 Desse modo, a pertença dos indivíduos a essas organizações de profissionais (corporações de ofício, guildas, irmandades) decorria da necessidade de garantir proteção e segurança em face das contínuas guerras e dos riscos de epidemias e de fome a que estavam submetidos.

Não se pode falar, portanto, que nas sociedades pré-modernas há reciprocidade de direitos e deveres de um ser humano em relação ao outro em sentido universal. Isso porque, a relação pela qual os direitos e deveres são determinados tem como ponto de partida a posição que o indivíduo ocupa dentro de uma estrutura social escalonada. “Cada grupo tem seu próprio código de honra, gerado a partir das necessidades e aspirações particulares, que determinam os deveres no interior do grupo”11. Não se compartilha entre os membros dos vários grupos sociais os males e as misérias da espécie humana. As obrigações mútuas e a consideração de um ser humano pelo outro como semelhante só ocorrem entre as pessoas de um mesmo grupo ou estamento. Tocqueville expõe essa relação entre as pessoas e entre as diferentes classes da seguinte forma:

Num povo aristocrático, cada casta tem suas opiniões, seus sentimentos, seus direitos, seus costumes, sua existência à parte. Assim, os homens que a

9 Com o processo de laicização, que se iniciou a partir do enfraquecimento da estrutura feudal, a ordem social

desvincula-se do plano religioso e passa a ser entendida como ordem humana. O projeto político passa a ser visto como fenômeno histórico não divino e os valores de deslocam do imobilismo inerente à terra para o movimento inerente ao capital.

10 PASTOR, José Manoel Almansa. Derecho de la Seguridad Social. 7 ed. Madrid: Tecnos, 1991, p. 86-87. 11 BARZOTTO, Luis Fernando. Os direitos humanos como direitos subjetivos: da dogmática jurídica à ética. In:

Os desafios dos direitos sociais. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 56 – set./dez. 2005. Cláudio Ari Mello (coordenador). Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 59.

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compõem não se parecem com todos os outros; não têm a mesma maneira de pensar nem de sentir, e mal crêem fazer parte da mesma humanidade.12 ...

(...) as diferentes classes são como vastos recintos, de onde não se pode sair e onde não se poderia entrar. As classes não se comunicam entre si; mas no interior de cada uma delas os homens convivem forçosamente todos os dias. Ainda que naturalmente não se agradem, a convivência geral de uma mesma condição os aproxima.13

Vigora assim, em tais sociedades hierárquicas, a idéia de que os seres humanos tende a ser, por natureza, desiguais, não havendo o reconhecimento de uma proteção comum a ser partilhada entre os membros dos vários grupos sociais. O princípio do socorro, do auxílio mútuo é regido por uma “ética particularista da fraternidade”14 fundada em direitos igualitários apenas no interior desses grupos. Não se pode esquecer, no entanto, que a estrutura do sistema econômico desses grupos sociais, conforme assinala Karl Polanyi15, sustentava-se nos princípios de reciprocidade e de redistribuição fundados nos costumes, na lei e na religião. Havia uma convergência de preceitos que induziam o indivíduo a cumprir regras de comportamento.

Mesmo aquelas organizações que asseguravam algum tipo de proteção vinculada ao caráter de mutualidade, como ainda não tinham incorporado os pressupostos técnicos e jurídicos do seguro, não ofereciam nenhuma garantia de que poderiam atender seus filiados em um momento de grave necessidade social.

12 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões. Livro II. Trad. Eduardo

Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 204.

13 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões. Livro II. Trad. Eduardo

Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 268.

14 A expressão “ética particularista da fraternidade” é usada por Luis Fernando Barzotto tomando-se por base o

pensamento de Max Weber sobre a ética da fraternidade da comunidade de vizinhança e as experiências sociais e crenças religiosas presentes no pensamento de São Tomás de Aquino. Tal expressão advém da concepção de ética presente nas sociedades pré-modernas e que fundamenta a relação de direitos e deveres entre as pessoas pertencentes a um mesmo grupo social. Para o autor, a ética particularista da fraternidade inviabiliza a idéia de direitos universais como os direitos humanos vez que estes se fundam numa ética universalista da fraternidade. Ver: BARZOTTO, Luis Fernando. Os direitos humanos como direitos subjetivos: da dogmática jurídica à ética. In: Os desafios dos direitos sociais. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 56 – set./dez. 2005. Cláudio Ari Mello (coordenador). Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 58 a 66.

15 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Trad. Fanny Wrobel. 2. Edição. Rio

(22)

1.3 O Estado e a proteção social

1.3.1 A assistência pública, a propriedade privada e a emergência de um novo

modelo de proteção

Na marcha evolutiva dos mecanismos de proteção social dos indivíduos, a assistência social aparece como medida de ordem pública em algumas legislações nacionais a partir do século XVI, sendo uma prestação de socorro aos mais necessitados em face da ameaça da fome e da miséria que assolava grandes grupos de excluídos.

Sob a atuação do Estado Absolutista, países como Alemanha (no ano de 1530) e França (no ano de 1556) instituíram leis regulando a assistência aos desvalidos, sendo que essas políticas posteriormente se estenderam para outros países europeus, como a Inglaterra (no ano de 1601), onde a intervenção estatal na assistência aos pobres desenvolve-se de forma mais ampla com a famosa Poor Law.16 Segundo Eric J. Hobsbawm, esse modo de atuação do Estado nas sociedades pré-industriais era reflexo do risco que os governantes e autoridades políticas corriam em perder sua legitimidade caso não prestassem socorro aos desvalidos, posto que houvesse em tais sociedades o reconhecimento em favor das pessoas de “uma prerrogativa moral legítima a certos elementos básicos essenciais da vida”.17

Impregnada do sentimento de caridade inspirado pela doutrina cristã, essa forma de amparo era um meio de proteger os desafortunados da sociedade do avanço avassalador do mercado. Porém, bem lembra Feijó Coimbra18, não se afirmara ainda na consciência dos cidadãos a compreensão de que seria imprescindível a adoção de um sistema respaldado em normas jurídicas, consagrando a assistência como direito subjetivo. Em tais

16 Conforme Venturi (1994, p. 47), a Poor Law determinava a nomeação, em cada paróquia, de dois ou mais

“overseers of the poor” encarregados de recolher fundos de todos os que estivessem em condições de contribuir, destinados: a) para viabilizar a obtenção de emprego para as crianças pobres por meio da aprendizagem que poderia ser obrigatória até os 24 anos para os varões e até os 21 anos para as mulheres; b) o ensinamento do trabalho para os pobres que não tinham nenhuma especialização; c) ao atendimento dos inválidos em geral. Ver: VENTURI, Augusto. Los fundamentos científicos de la seguridad social. Colección Seguridad Social, n.° 12. Madrid: Ministerio del Trabajo y Seguridad Social, 1994. p. 44-47.

17 HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho. Tradução de Waldea Barcellos e Sandra Bedran. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 2000, p. 428.

18 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1993,

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circunstâncias, a ação assistencial pública era desprovida de qualquer compromisso, oscilando em intensidade e amplitude de acordo com a política de cada governante.

Embora muito distante da concepção atual, a assistência pública aos mais necessitados é erigida como uma obrigação da sociedade e do Estado a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada pela Revolução Francesa, em 1789, que inscreve uma mudança na concepção da proteção social do indivíduo. Tanto é que a Constituição Francesa de 1793, inspirada pelos princípios contidos na Declaração, prescreve em seu artigo 21: “Les secours publiques sont une dette sacrée. La société doit la subsistence aux citoyens malheureux, soit en leur procurant du travail, soit en assurant les moyens d’existence à ceux qui sont hors d’état de travailler”.19

Feijó Coimbra, manifestando-se sobre a evolução do direito de proteção social, vê que é entre os princípios da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que se encontra a pedra fundamental da moderna Seguridade Social.

O objetivo social a enfrentar era, no caso, o mesmo de anteriormente – a segurança do homem ante os riscos da vida. A diferença, entretanto, residia em que pela Declaração, o auxílio prometido passava a ser uma dívida da sociedade, do que decorria, limpidamente, ser proclamado ‘direito do cidadão’. Reconhecido que fosse tal direito pela legislação, instaurada estaria a era da seguridade social, pois teria no rol dos direitos do homem, juridicamente protegidos, o de ser amparado pelo Estado em todas as situações de necessidade, derivadas de um risco social.20

Entretanto, como adverte Coimbra, aos legisladores e aos juristas do século XVIII, faltavam condições de empenhar-se a fundo na obra de tornar a assistência pública uma obrigação do Estado. Tudo o que fosse feito no anseio de amparar o economicamente débil, com base em uma ação estatal, era visto pelos economistas liberais como aumento da área de atuação do Estado e criação de despesas públicas, o que demandaria novos encargos

19 "Os socorros públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos desafortunados,

seja em lhes procurando trabalho, seja em assegurando os meios de existir àqueles que não estão em condição de trabalhar".

20 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1993,

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para cobrir os gastos com as medidas de proteção. “Uma ação dessa índole revelar-se-ia adversa ao pensamento dominante, de que o Estado deveria eximir-se de intervir na vida econômica, pois ‘en el mundo econômico, como en el natural, todo marcha espontaneamente”.21

Com efeito, sob ótica do liberalismo econômico – incompatível com a visão estreita de um poder soberano ilimitado e arbitrário que atrelava em demasia a expansão econômica – a assistência pública à pobreza foi tratada como uma questão marginal e um direito limitado. Acreditava-se que o ócio das pessoas advinha de um vício estimulado pelo Estado absolutista e que, portanto, teria uma tendência em recuar com o progresso da civilização baseada no desenvolvimento da divisão do trabalho e na extensão do direito de propriedade.

Assim, a pedra angular estava em assegurar ao mesmo tempo a proteção civil dos indivíduos, fundada no Estado de direito, e a proteção social fundada na propriedade privada.22 John Locke23, um ideólogo do Estado liberal, ao tratar da organização e dos fins da sociedade política e do governo como forma de superar o estado de natureza, compreende que a principal finalidade de os homens unirem-se em Estados e submeterem-se a um governo seria para a preservação de sua propriedade24, algo inalcançável no estado de natureza25. Segundo Robert Castel, a propriedade sob a ótica lockeana torna-se

21 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1993,

p. 6.

22 O Estado liberal adotou como premissa ser um Estado de segurança de modo a proteger as pessoas e seus

bens. Com isso, os indivíduos proprietários poderiam proteger-se usando os seus próprios recursos, ou poderiam fazê-lo pelo aparato legal do próprio Estado protetor da propriedade.

23 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Livro II. In: MORRIS, Clarence (Org.). Os Grandes Filósofos

do Direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 149.

24 É precisamente na teoria de Locke que o liberalismo, enquanto ideologia de uma sociedade de mercado,

encontra os pressupostos para aplacar a privatização generalizada do território, de modo a dividi-lo em propriedades privadas. Segundo Rosanvallon, isso se tornara necessário para a constituição de uma sociedade de mercado, passível de ser realizada somente por um duplo movimento: “a desterritorialização da economia” mediante a abertura do espaço econômico, e “o fechamento do território jurídico” mediante a privatização da propriedade (ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico: história da idéia de mercado. Trad. Antônio Penalves Rocha. Bauru-SP: EDUSC, 2002, p. 127). Esse movimento do “fechamento” do território, iniciado na Inglaterra no século XVIII, representou um remembramento dos openfields, que era um regime de

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O alicerce de recursos a partir do qual um indivíduo pode existir por si mesmo e não depender de um patrão ou da caridade de alguém. É a propriedade que garante a segurança em face das circunstâncias imprevisíveis da existência, da doença, do acidente e da miséria de quem não pode mais trabalhar. E a partir do momento em que o indivíduo é chamado a eleger seus representantes no plano político, é também a propriedade que garante a autonomia do cidadão, livre, graças a ela, para das suas opiniões e fazer escolhas, não podendo ser comprado para garantir seu voto, nem intimidado para constituir-se uma clientela.26

Desse modo, a propriedade passa a ser vista “como instituição social por excelência, no sentido de que ela cumpre a função essencial de salvaguardar a independência dos indivíduos e de assegurá-los contra os riscos da vida”.27 Neste contexto, a proteção dos indivíduos era considerada como algo inseparável da proteção de seus bens. A defesa da ordem social é fundada na propriedade privada que é tomada como o alicerce para que o indivíduo possa encontrar as condições de sua independência e se livrar das redes tradicionais de proteção.

Em tal contexto, a assistência pública era provida para compensar parcialmente as situações de extrema miseralibilidade.Bobbio (et al)1,fazendo uma análise ocupação do solo agrícola derivado do regime feudal, explorado por pequenos agricultores autônomos (yeomen), cujo retalhamento e imbricação das propriedades os obrigavam a uma exploração segundo regras comunais, ou seja, a realizar uma cultura colaborativa ou solidária da terra, sob o direito eminente do senhor rural. O objetivo era dar maior significação à propriedade do solo e, conseqüentemente, aumentar a produtividade agrícola, sobretudo para abastecer o mercado industrial. Em decorrência dessa reestruturação fundiária e da nova exploração capitalista da terra, logo se percebeu os efeitos econômicos e sociais dessa transformação. Conforme descreve Fábio Konder Comparato, o que se viu foi a ascensão de uma nova classe de burgueses e de nobres proprietários de terra; a substituição de uma agricultura de subsistência por uma agricultura extensiva; e a condenação à miséria a totalidade dos trabalhadores diaristas rurais que, embora não proprietários, serviam-se das terras comuns para retirar os bens de consumo. (COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 222).

25 Desde uma perspectiva liberal, a formação do Estado moderno, nas precisas palavras de Rosanvallon, é

“indissociável da constituição de uma sociedade civil indiferenciada, fragmentada, atomizada”, características estas indispensáveis para a constituição de uma sociedade de mercado. Por isso, o Estado “não se limita a produzir um território político e jurídico homogêneo, rompendo com a geografia heterogênea do mundo feudal. Procura territorializar ao seu modo a própria sociedade”. Daí o papel fundamental do Estado moderno em desestruturar as formas de socialização intermediárias instituídas no regime feudal, constituídas por comunidades naturais e grupos sociais (clãs familiares, comunidades aldeãs, confrarias, ofícios, etc.), que eram suficientemente importantes na dimensão protetiva de seus membros. O Estado transforma-se, assim, numa superestrutura diferenciada de sociabilidade impondo a todos os indivíduos a mesma fraqueza diante de si. (ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico: história da idéia de mercado. Trad. Antônio Penalves Rocha. Bauru-SP: EDUSC, 2002, p. 137-138).

26 CASTEL, Robert. A insegurança social: o que é ser protegido?. Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. Rio de

Janeiro: Vozes, 2005, p. 18.

27 CASTEL, Robert. A insegurança social: o que é ser protegido?. Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. Rio de

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comparativa sobre o modo como a questão social foi abordada pelos Estados liberais logo após o início da Revolução Industrial, observa:

(...) foram precisamente os Estados patrimoniais mais distantes das formas de legitimação legal-racional que foram mais além nas formas de defesa do bem-estar dos súditos, enquanto que, nas sociedades em que se ia consolidando a Revolução Industrial, as normas de defesa das populações mais fracas surgiam como barreiras medievais opostas à livre iniciativa. (...) a assistência constitui-se um desvio imoral do princípio ‘a cada um segundo os seus merecimentos.28

Contudo, o postulado liberal da não intervenção estatal na ordem econômica e social aos poucos foi perdendo consistência, na medida em que as garantias dos direitos civis e políticos e a livre concorrência se mostraram insuficientes para harmonizar os conflitos de interesses entre aqueles que concentravam a propriedade e a renda e a classe trabalhadora que se encontrava em situação de miséria e marginalizada.

Com as transformações do modelo de produção econômica, decorrente da Revolução Industrial, a classe trabalhadora tornara-se vulnerável aos modos de produção capitalista. O trabalho retribuído por uma remuneração próxima de uma renda mínima, sem regulação alguma, era motivo de submissão dos trabalhadores às condições análogas a dos escravos, não existindo qualquer garantia de proteção ao indivíduo, seja na relação empregado-empregador, seja na questão relativa aos riscos da atividade laborativa para o caso de eventual perda ou redução da capacidade de trabalho29. Isso estimulou convulsões sociais30 que eclodiram a partir do início do século XIX e abalaram a estabilidade do tecido social de vários países, compelindo o Estado a abandonar a postura de neutralidade e de mero espectador da atividade econômica e social de forma a restabelecer um equilíbrio mínimo nas

28 BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmen C.

Varriale ... (et al). 3. Edição. Brasília: UNB, 1991, p. 416.

29 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São

Paulo: LTr, 2006, p. 34.

30 Diversas foram as convulsões sociais ocorridas no século XIX e que levaram os governantes dos Estados a um

novo despertar para a regulação da vida econômica e da proteção social. Cita-se o movimento cartista, na Inglaterra; as revoluções de 1848 e 1871, na França; a revolução de 1848, na Alemanha. (Conforme: CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 38).

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relações sociais. Como bem observa Paulo Bonavides, o liberalismo, “na estreiteza de sua formulação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise”31.

Emerge assim, uma nova postura do Estado buscando compatibilizar o sistema capitalista como forma de produção e concretização de um mínimo de bem-estar social geral, abrindo novos rumos para a construção de uma concepção do direito de proteção social.

Costuma-se referir à publicação da Encíclica Papal “Rerum Novarum” (do pontificado de Leão XIII), de 15 de maio de 1991, como um marco importante na formação dessa nova concepção, que consagra ser dever do Estado intervir na proteção dos direitos de todos os cidadãos, sobretudo dos mais fracos32. Outras doutrinas políticas e sociais também influenciaram nessa formação, como o solidarismo e o socialismo de Estado, que por modos diferentes destacaram a insuficiência das liberdades individuais para a promoção real do desenvolvimento e da personalidade humana, mediante um nível de vida no qual ficasse assegurado um mínimo existencial33.

1.3.2 A técnica securitária como mecanismo de proteção social

Muito utilizada no período mercantil para garantir bens e mercadorias, especialmente no transporte marítimo, a técnica do seguro começou a despertar o interesse para ser aplicada às pessoas a partir da Revolução Industrial. Como bem observa Pierre Rosanvallon34, a técnica do seguro surge em meio a outros dois modelos preexistentes que fundamentam o vínculo social: o contrato, na qual o vínculo social decorre de uma instituição

31 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 184. 32 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos de. Introdução ao Direito do Trabalho. 6. ed.

São Paulo: LTr, 1993, p. 62.

33 ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental à Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2004, p. 30.

34 ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: Repensando o Estado Providência. Brasília: Instituto

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voluntária e artificial e resulta de uma confrontação política; e o mercado, que se ergue como concorrente do contrato e funciona como uma “mão–invisível” para associar economicamente os indivíduos; já o seguro, surge como uma espécie de “mão-invisível” agindo em torno da solidariedade.

O seguro veio atualizar um modelo de solidariedade, mesmo que as pessoas que o contratam não estejam conscientes disso. Dissociando a obrigação legal da responsabilidade individual, o seguro social pode levar em conta a socialização dos interesses, consequência da solidariedade que une as diferentes partes do corpo social. Isso ocorre a tal ponto que um trabalhador não paga um seguro para ser solidário com os demais cotistas, mas o é. Tanto que seu interesse depende do interesse dos outros membros que compõem o quadro de assegurados e vice-versa.

Com efeito, após a Revolução Francesa, um dos principais problemas no campo social estava em adequar o princípio da responsabilidade individual (cada indivíduo é senhor de sua vida e deve responsabilizar-se por ela) ao princípio da solidariedade (a sociedade tem uma dívida para com os seus membros). Tratava-se de articular um direito com uma conduta, o que não ocorria de forma espontânea. No início, pensou-se que pelo princípio da responsabilidade individual a limitação do direito à assistência pública pudesse ser claramente identificada na vida social. No entanto, com a evolução da industrialização, foram ficando evidentes os limites de um sistema de regulação social pela via do princípio da responsabilidade individual, de forma que em determinado momento tornou-se difícil discernir, no campo da responsabilidade, o que devia ser imputado ao indivíduo e o que dependia de outros fatores35. Ademais, o pauperismo tornou-se um fato social maciço a ponto

35 Com a complexidade crescente dos processos produtivos a partir do século XIX, a questão dos acidentes de

trabalho tornou-se um fato social que demandava outros princípios, que não fosse o da responsabilidade direta do indivíduo para determinar quem deveria reparar o dano.

(29)

de haver dificuldade em distinguir entre um indivíduo vítima de um infortúnio e o ocioso imprudente.

Essas questões foram determinantes para que, em meados do século XIX, se introduzisse no campo da proteção social um modelo de sociedade securitária calcada na noção objetiva do risco e não mais na noção subjetiva da conduta do indivíduo, procurando, assim, superar os paradoxos decorrentes de uma visão de responsabilidade puramente individualista. Segundo Rosanvallon36, isso permitiu que as políticas sociais fossem apreendidas sem qualquer necessidade de recorrer a uma problemática jurídica e moral, o que levou os liberais a perceberem que as tarefas de redução das incertezas, vistas outrora da perspectiva do Estado protetor, poderiam ser operadas de modo quase técnico por mecanismos securitários, e que a instauração de um sistema de seguro lhes permitiria conjurar o espectro do socialismo. Desde então, na medida em que foi sendo universalizado por força de uma obrigação37, o seguro social tornou-se uma espécie de “transformador moral e social” funcionando sob o controle do Estado, produzindo a segurança e a solidariedade que a sociedade necessita. A vida social tornou-se, pelo menos como tendência, assimilável a certos números de riscos mais ou menos prováveis e calculáveis, dada à previsibilidade de que ocorram em algum momento.

Bobbio (et. al.) nos lembra que as leis aprovadas por Otto VonBismarck na Alemanha, entre 1883 e 188938, representam “a primeira intervenção orgânica do Estado em defesa do proletariado industrial mediante o sistema de seguro obrigatório contra os

36 ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: Repensando o Estado Providência. Brasília: Instituto

Teotônio Vilela. 1998, p. 36.

37 A obrigatoriedade que vincula os indivíduos ao sistema securitário está na exigência de contrapartida

contributiva incidente sobre determinado valor da remuneração auferida em face do trabalho exercido, que é utilizada no financiamento do sistema e, por conseqüência, para assegurar o direito a determinados benefícios em face dos riscos existentes.

38 Bismarck instituiu inicialmente o seguro-doença (em 1883), posteriormente ampliado com a proteção por

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infortúnios do trabalho, as doenças de invalidez e as dificuldades da velhice”39. No entanto, longe de tornar-se uma ruptura em relação à situação anterior, o seguro obrigatório nasce como um novo paradigma para gerenciar os antagonismos sociais da sociedade industrial, cuja implantação e extensão vai depender de condições sócio-históricas complexas nas diversas sociedades capitalistas. Feijó Coimbra explica que esse mecanismo de medida protetiva foi aceito por outras nações, só que com diferentes feições: “a autoritária e obrigatória, na Alemanha, na Áustria e em outros países; a de inteira liberdade, sem intervenção estatal, na Inglaterra e nos Estados Unidos; e a corrente intermediária da lei francesa”40.

No sentido que lhe empresta Robert Castel, o seguro social marca uma profunda mudança na relação entre “a propriedade e o trabalho”, ou seja, sua inserção promove a primeira grande mudança em direção à “sociedade salarial” moderna em que a identidade social passa a se basear mais no trabalho assalariado do que na propriedade41. Com efeito, até então, o modo de resolução da questão social, como exposto, era visto apenas pelo acesso à propriedade privada considerada sinônimo de segurança e como instituição social capaz de livrar os cidadãos das privações da vida. Ser proprietário significa ter segurança. A instituição do seguro veio exatamente se justapor à propriedade privada constituindo o que Castel denomina de “propriedade social”42. Foi o instrumento adequado para promover a liberdade e a igualdade preconizada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, sem atingir as propriedades territoriais e industriais, dispensando assim, num primeiro momento, a partilha das fortunas e a edição de leis de reforma agrária. E ainda, permitiu aos

39 BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução de

Carmen C. Varriale... (et al). 3. Edição. Brasília: UNB, 1991, p. 416.

40 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1993,

p. 13.

41 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 386.

42 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

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cidadãos que dispunham apenas de sua força de trabalho para sobreviver que continuassem fora da propriedade privada sem ficar privado do direito de proteção social.

O advento do seguro sanciona, assim, o reconhecimento do caráter irreversível da estratificação social nas sociedades modernas e o fato de que possa ser fundada na divisão do trabalho e não mais apenas sobre a propriedade. Inversamente, os adversários do seguro obrigatório defendem a hegemonia do modelo do proprietário independente, da propriedade como fundamento exclusivo da dignidade social e da seguridade.43

A técnica do seguro tornou-se, portanto, um meio de repatriar boa parte dos cidadãos assalariados deixados à margem da sociedade pela industrialização, dado o risco que seria para a sociedade industrial consentir que o progresso fosse construído sobre estruturas marcadas pela vulnerabilidade social. Tornou-se também um modo de inscrever o beneficiário numa ordem de direito diferente daquele promovido pelas proteções próximas da assistência e das tutelas de proteção decorrentes do pertencimento a determinado quadro territorial, a fidelidade a um patrão ou a relações do tipo clientelista. Como bem observa Castel, o seguro obrigatório rompe com a vinculação secular da proteção personalizada, “instaurando uma associação inédita da seguridade e da mobilidade”44 de modo a permitir que a desterritorialização do trabalhador não significasse a sua desfiliação do sistema de proteção. Com isso, abriu-se o precedente necessário à maior racionalização do mercado de trabalho, exigências tanto da flexibilidade para o desenvolvimento industrial quanto do interesse do próprio trabalhador que passou a circular no espaço territorial sem perder o vínculo com o sistema protetivo, agora vinculado a uma ordem jurídica de caráter universal45.

Só após a Primeira Guerra Mundial o seguro social ganha contornos de uma política de proteção social que se universaliza46. Seu conceito foi inserido na Constituição

43 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 403.

44 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 408.

45 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução de Iraci D. Poleti.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 408.

46 Na sua concepção originária, o seguro social trouxe como princípios basilares a obrigatoriedade da

(32)

Mexicana de 1917; na Constituição de Weimar de 1919; no Tratado de Versalhes em 1919; e, nas Convenções da OIT- Organização Internacional do Trabalho que, desde a sua criação em 1919, passou a estabelecer o seguro social como instrumento fundamental de proteção dos trabalhadores e de suas famílias contra certos riscos sociais. Conforme aponta Marshall47, os mecanismos securitários que foram iniciados timidamente sob a ótica privada e destinados a reduzidas categorias profissionais espalharam-se no final do século XIX e início do século XX para diversos países.

Assim, em meio às crises cíclicas das economias capitalistas, o seguro social obrigatório desenvolve-se e torna-se um fenômeno da evolução social e demarca a moderna forma de solidariedade e de inclusão social, estabelecendo um novo relacionamento entre os homens para superar os paradoxos decorrentes de uma visão puramente individualista da vida social. Sua consolidação enquanto paradigma de proteção social ocorre com o forte crescimento econômico e a geração de empregos que marcaram os países desenvolvidos nos trinta anos que sucederam a II Guerra Mundial, contribuindo para estruturar os sistemas de seguridade social marcados pela idéia original de conceber de modo coerente um amplo leque de problemas sociais reunidos na categoria do risco. Ou seja, a incerteza passou a estar associada aos riscos da existência e a solidariedade passou a ser dada pelo sentido de eqüidade dos indivíduos perante esses riscos, que assim se dispõem a fazer contribuições para a formação de um fundo que os ampare nos momentos difíceis.

1.3.3 A seguridade social como novo paradigma de proteção social

Desde a Revolução Industrial e com o avanço do capitalismo os problemas laborais e econômicos ganharam um significado político central intimamente associado ao protagonismo do movimento operário, e a denominada “questão social”, no sentido que lhe

47 MARSHAL, Thomas Humprey. Política social. Tradução Meton P. Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores,

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empresta Castel48, tem sido um tema crucial no debate público nos mais diversos países. Tanto é que a construção de sistemas públicos de proteção social, para fazer frente aos riscos e vulnerabilidades sociais ante o fenômeno da Revolução Industrial e suas conseqüências, historicamente procurou responder à emergência dos conflitos sociais gerados nas economias capitalistas e nas lutas por maior democracia.

Um novo pensar sobre as políticas de proteção social surge com a grande crise do capitalismo, ocorrida em 1929, ocasionada por uma superprodução do setor industrial e uma retração no consumo, cujo ápice dessa crise ocorre com a queda da Bolsa de Valores de Nova York. As tensões sociais criadas pela inflação e pelo desemprego provocaram uma corrosão nas condições de vida dos trabalhadores. A crise possibilitou o surgimento de sérios questionamentos teóricos aos postulados da economia liberal clássica fundamentada numa economia de mercado. A principal crítica incidiu no fato de que o modelo econômico capitalista vigente não demonstrava uma tendência universal para se estabilizar sob o pleno emprego49, o que levou a esmaecer a percepção estatal minimalista e, em contrapartida, a florescer um conceito positivo e substantivo de liberdade a exigir um Estado mais atuante, desempenhando um papel estratégico no jogo econômico e social, quer pela normatização quer pela participação positiva. Na exposição de Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan:

Pode-se, preliminarmente, referir que o modelo liberal se consolidou e se expandiu no séc. XIX, embora os infortúnios que atingiam os segmentos populares crescessem em conseqüência do próprio desenvolvimento econômico do liberalismo. No campo das liberdades, já nas suas décadas finais, um novo componente emerge, a justiça social, e reivindicações igualitárias transformam as suas faces fazendo emergir o modelo do Estado do bem-estar ou Welfare State.50

48 A “questão social” vista por Robert Castel, constitui-se numa “aporia fundamental sobre a qual uma sociedade

experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura”. Consiste ainda no modo pelo qual uma sociedade é constantemente testada na sua capacidade de se organizar e de “existir enquanto um conjunto ligado por relações de interdependência.”. (CASTEL. Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Trad. de Iraci D. Poleti. Petrópolis, RJ”: Vozes, 1998, p. 30).

49 MATIAS PEREIRA, José. Finanças Públicas: a política orçamentária no Brasil. São Paulo: Atlas, 1999, p.

87-88.

50 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre:

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