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Modalidades de contrato de trabalho aplicáveis na área rural

PARTE II O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL CONFIGURADO NO TRABALHO

6 Proteção previdenciária e formalização do contrato de trabalho na área rural

6.3 Modalidades de contrato de trabalho aplicáveis na área rural

O contrato de trabalho que viabiliza a concretização da relação jurídica empregatícia na área rural, tipificada no artigo 2º e 3º da Lei n. 5.889/73, assume modalidades distintas em face do pacto laboral estabelecido. Basicamente são duas as modalidades de contratos de trabalho constituídas: o contrato por prazo indeterminado e o contrato por prazo determinado. Cada um deles comporta elementos específicos que os diferenciam.

O contrato de trabalho por prazo indeterminado é característico das relações de trabalho estáveis e duradouras, sendo a indeterminação da duração contratual o meio de se conferir concretude ao princípio da continuidade da relação de emprego previsto no Direito do Trabalho. A ordem jurídica confere a esse tipo de contrato a presunção de sua existência244 em qualquer contexto em que haja a relação empregatícia, tanto que não se exige forma especial para a sua constituição. Aliás, nesse particular, o direito trabalhista segue a tendência do Código Civil (art. 107) que prescreve: “a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Contudo, para a garantia do reconhecimento dos direitos previdenciários do assalariado, a formalização do contrato de trabalho é essencial, sob pena da sua total exclusão do sistema protetivo. Tradicionalmente, no Brasil, o contrato de trabalho se formaliza por meio do seu registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado e em livros ou fichas de registro de empregados pertencentes ao empregador (art. 13 da CLT).

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Prescreve a Súmula nº 212 do TST que o “O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado”. Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

Na prática, é o contrato por prazo indeterminado o que melhor assegura ao assalariado o direito à proteção social e a um conjunto maior de direitos trabalhistas. Garante a contagem contínua do tempo de carência para acesso aos benefícios previdenciários; em caso de despedida arbitrária, importa em verbas rescisórias específicas mais favoráveis do que o contrato a termo (aviso prévio, multa rescisória sobre o FGTS, etc.); enseja a indenização relativa ao período de estabilidade no emprego (da gestante, do dirigente sindical, do cipeiro, do acidentado, etc.), dentre outros direitos. Contudo, na área rural, são poucos os assalariados rurais que alcançam seus direitos por meio dessa modalidade de contrato.

Já o contrato de trabalho por prazo determinado constitui-se numa exceção à regra geral, sendo permitido somente nos casos em que a lei autoriza (art. 443, § 1º da CLT). Nessa modalidade, a relação de emprego terá sempre seu termo final prefixado, podendo ser estabelecido por unidade de tempo ou pela natureza do serviço a ser executado.

As hipóteses para que se pactue o contrato de trabalho por prazo determinado são bem delineadas pela legislação trabalhista: em caso de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; quando se tratar de atividades empresariais de caráter transitório; e, em se tratando de contrato de experiência (art. 443, § 2º, alíneas a, b e c, da CLT). Outras hipóteses, porém, estão previstas na legislação extravagante à CLT, a exemplo do contrato de trabalho temporário (Lei n. 6.019/74) e do contrato por prazo determinado (Lei n. 9.601/98).

Na modalidade do contrato de trabalho por prazo determinado destaca-se na área rural o contrato de safra instituído pela Lei n.º 5.889/73 (art. 14, parágrafo único) e regulamentado pelo Decreto n. 73.626/74 (artigos 19 e 20), considerado o mais tradicional e importante instrumento jurídico utilizado nas regulações de trabalho temporário na área rural. Comumente utilizado nos períodos de colheitas, o contrato de safra caracteriza-se pela sazonalidade e intermitência do modo de produção rural, vinculando-se ao

trabalho não-eventual inserido na atividade-fim do empreendedor rural. Sua duração dependente da influência das estações nas atividades agrárias, ou seja, da sazonalidade de cada cultura, não sendo possível, por isso, precisar o dia exato do seu término por estar vinculado aos elementos da natureza. Pode, no entanto, ser fixada a data aproximada do seu termo, que está subordinado ao término da safra. A lei ainda permite a sua prorrogação por pelo menos uma vez com o mesmo empregador (art. 451 da CLT). Ultrapassado esse limite converter-se-á em contrato por prazo indeterminado.

É de se considerar que não se exige forma especial para o contrato de safra, podendo o mesmo ser tacitamente ajustado. Desse modo, pode o mesmo ser provado por qualquer meio de prova que seja lícito. Pondera-se, contudo, que não se deve eliminar a importância da forma (instrumento escrito, por exemplo) em sua dinâmica, pela relevância em evidenciar tal pacto de relação empregatícia, sobretudo pela importância que isso tem na garantia de direitos previdenciários, conforme já mencionamos.

Nos seus efeitos rescisórios, em linhas gerais, o contrato de safra obriga o empregador a pagar ao assalariado a verba referente de 13º salário proporcional, férias proporcionais com um terço constitucional (Súmula 328, TST), e liberação de FGTS, dispensando-se, no entanto, o pagamento do aviso prévio e a multa rescisória de 40% sobre o FGTS.

Embora a expressão safra reporta-se diretamente à noção de produção e colheita, foi o regulamento normativo da Lei 5.889/73 por demais extensivo ao disciplinar que o contrato de safra é aplicável de acordo com as variações estacionais das atividades agrárias, “assim entendidas as tarefas normalmente executadas no período compreendido entre o preparo do solo para o cultivo e a colheita” (art. 19, parágrafo único do Decreto n. 73.626/74). Nos termos estabelecidos, o Decreto conduz à compreensão de que o contrato de safra pode ser aplicado também no lapso temporal que envolve todo o ciclo de uma cultura que vai desde

o preparo do solo, o plantio, os tratos culturais e a colheita. Esse entendimento provoca controvérsias, pois, na prática, torna o contrato de safra não mais a exceção ao princípio da continuidade da relação de emprego, mas sim a regra contratual para a maioria da mão-de- obra assalariada rural. A esse respeito, mostra-se a jurisprudência bastante oscilante, ora emergindo entendimento de que o contrato de safra pode ser aplicado para todo tipo de atividade desenvolvida durante o ciclo de uma cultura245, ora restringe a aplicação desse contrato basicamente ao período de colheita246, não podendo vinculá-lo aos fins permanentes da atividade do empreendedor.

Indubitavelmente é mais coerente a linha de interpretação que vê na simultaneidade de contratos de safra pactuados entre o assalariado e o empregador a existência de uma relação de vínculo empregatício por prazo indeterminado. Isso porque, em culturas onde se tem um ciclo de produção mais longo, como ocorre, por exemplo, na produção da cana-de-açúcar, da laranja, do café, dentre outras, pode acontecer de o

245 A visão mais extensiva da jurisprudência acerca da aplicação do contrato de safra é no seguinte entendimento:

EMENTA - CONTRATO DE SAFRA - CONCEITUAÇÃO - ABRANGÊNCIA - ATIVIDADE DE IRRIGAÇÃO DO SOLO - De conformidade com o artigo 19 do Decreto n. 73.626/73 que regulamenta a Lei n. 5.889/73, a safra não se limita àcolheita dos frutos, vez que sua duração depende de variações estacionais das atividades agrárias, envolvendo o preparo do solo para o cultivo e a plantação, alcançando todas as etapas da produção agrícola do ano, ensejando, por certo, a formalização do contrato por prazo determinado, com observância de todo esse lapso temporal, mormente quando, na região em que se desenvolve a prestação laborativa, o autor laborava na irrigação do solo, utilizando-se de vinhaça, subproduto da fabricação de açúcar e de álcool a partir da cana de açúcar, atividade esta abrangida pelo período considerado como de safra, autorizando a modalidade contratual regida pela norma em comento. (Ver: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3. REGIÃO. Processo 01291-2004-063-03-00-1 RO, Órgão Julgador: Sexta Turma, Relator: convocada Maria Cristina Diniz Caixeta. Data de publicação 07/07/2005, DJMG, página: 11). No mesmo sentido: (TRT da 3. Região, RO 5942/95, Órgão julgador: quarta turma, Relator: Deoclecia Amorelli Dias. Data da publicação: MG - 05/08/1995).

246 O posicionamento jurisprudencial mais restritivo à aplicação do contrato de safra manifesta-se da seguinte

forma: EMENTA - UNICIDADE CONTRATUAL CONTRATO DE SAFRA E CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. Comprovado pela prova oral, inclusive depoimento do preposto, que a empregadora tem como regra rescindir os contratos de safra e em seguida firmar novos contratos para os períodos de entressafra, para execução de atividades relacionadas ao preparo da terra, mostram-se nulos os contratos de

safra e de experiência invocados pela empregadora, seja porque a atividade do trabalhador não era sazonal,

seja porque o autor já havia prestado serviço anteriormente para a reclamada na mesma função, além de ultrapassado o limite temporal de 90 dias nos contratos de experiência, justificando-se a declaração de continuidade e unicidade do contrato de trabalho firmados pelos litigantes. Ver: (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3. REGIÃO. Processo 00250-2002-080-03-00-1 RO. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Júlio Bernardo do Carmo. Data de publicação 02/10/2002, DJMG, página: 15). No mesmo sentido: (TRT TRT da 15ª Região. Processo 01708-1995-075-15-00-9 RO. Órgão Julgador: Terceira Turma. Relator: Mauro César Martins de Souza. Data de publicação: 01/12/1999).

assalariado rural ficar trabalhando para o mesmo empregador por vários meses seguidos vinculado a contratos de safra. Isso praticamente cria um desvirtuamento desse tipo de contrato que foi instituído para regular a prestação de trabalho cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo. Não se pode olvidar que os princípios do direito do trabalho primam pela pactuação de contrato de trabalho por prazo indeterminado.

Nesse sentido, ao regular a relação empregatícia rural, o contrato de safra cumpre com seus objetivos ao ser aplicado naquelas atividades que demandam um contingente de mão-de-obra além do normal, por um período transitório, para o empreendedor manter seu negócio em funcionamento. Empiricamente, constata-se que esse tipo de contrato é utilizado com mais freqüência pelas empresas rurais na regulação das relações de trabalho em atividades de colheitas com prazo de duração superior a trinta dias, como ocorre, por exemplo, nas culturas da cana-de-açúcar e do café. A propósito, conforme aponta Balsadi, a mão-de-obra temporária empregada nessas duas culturas é a que alcança um melhor índice de contratos registrados em Carteira de Trabalho247, podendo-se considerar alguns fatores como decisivos para que isso aconteça, dentre os quais, maior fiscalização dos órgãos públicos a essas empresas; existência, nessas culturas, sobretudo na lavoura canavieira, de um mercado de trabalho assalariado mais estruturado e um movimento sindical com histórico de atuação em busca de melhores condições de trabalho; e a capacidade e estrutura administrativa que as empresas têm para cumprir com toda a burocracia de formalização dos contratos de trabalho temporários.

247 Outras informações interessantes trazidas por Balsadi a partir dos microdados da PNAD/IBGE 2005, é que

dos empregados rurais temporários residentes na área urbana, 73,9% dos ocupados na cultura da cana-de- açúcar e 20,7% dos ocupados na cultura do café tinham Carteira assinada.Quando analisado os dados dos empregados rurais temporários residentes na área rural, o índice dos que alcançaram o registro do contrato em Carteira caiu para 47,1% dos ocupados na cultura da cana e 10,6% na cultura do café. (Ver: BALSADI. Otavio Valentim. A Polarização da Qualidade do Emprego na Agricultura Brasileira. In: Análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD: 2005 – Mercado de trabalho. Brasília: MTE, AI, 2007, p. 98).

Com isso, queremos enfatizar que o alcance da maior formalização dos contratos de trabalho na área rural não é apenas uma questão de regulação jurídica. Existem diversos fatores que, se somados, podem conduzir a isso. No entanto, os tradicionais instrumentos jurídicos disponíveis mostram-se pouco apropriados para dialogar com uma realidade em que os serviços são prestados por poucos dias e que carece de maior formalização.

Além das culturas da cana e do café, é no universo das atividades agroeconômicas e das especificidades de produtos que se cultivam na área rural com ciclos de duração e/ou colheitas de curtos períodos, a exemplo da cultura do feijão, tomate, milho, soja, frutas, hortaliças, dentre outras, que se encontram os milhares de assalariados rurais trabalhando na informalidade. Não se deve esquecer, portanto, que existem dificuldades e burocracia em demasia para formalizar a relação de trabalho pelo método tradicional, mormente, como já afirmado, naqueles casos de contratação de trabalhadores por curtos períodos, cujo prazo é inferior a trinta dias. Apenas para demonstrar uma evidência dessas dificuldades, cita-se a exigência para que o produtor rural anote o contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado248 e a devolva ao trabalhador no prazo de quarenta e oito horas, para, logo em seguida, com o término dos serviços, consignar a rescisão do contrato no referido documento.

248 Dispõe o artigo 29 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que “a Carteira de Trabalho e Previdência

Social será obrigatoriamente apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito horas para anotar, especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, (...)” do contrato de trabalho.

7 A proteção do assalariado rural na perspectiva do contrato de trabalho

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