• Nenhum resultado encontrado

A estrutura das relações sociais de trabalho no meio rural no período pós 1930

PARTE II O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL CONFIGURADO NO TRABALHO

1.3 A estrutura das relações sociais de trabalho no meio rural no período pós 1930

Os anos 1930 marcam o início de importantes transformações políticas, econômicas, sociais, jurídicas e culturais no cenário brasileiro. O Estado engaja-se diretamente no processo de modernização econômica inaugurando a intervenção estatal do tipo desenvolvimentista, tomando como eixo central desse processo a industrialização e a urbanização. Marca-se também o início da efetiva regulamentação do mercado de trabalho, sendo instituído um conjunto de medidas com o objetivo de tecer uma força de trabalho que pudesse servir ao setor industrial.

98 A própria Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, que proibia a aquisição de terras devolutas a não ser que

fosse por meio da compra, autorizava o governo a utilizar os próprios recursos da venda das terras para financiar a vinda dos imigrantes europeus visando constituir o mercado de trabalho livre. O texto normativo assim disciplinava: “Art. 18. O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente à custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem emprego logo que desembarcarem. Brasil”. Ver: BRASIL. Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ ccivil_ 03/ Leis/ LIM/LIM601.htm> Acesso em 25.09.2007.

99 THEORODO, Mário. As características do mercado de trabalho e as origens do informal no Brasil. In:

Questão social e políticas sociais no Brasil contemporâneo. Luciana Jaccoud (organizadora). Brasília: IPEA, 2005, p. 104-105.

100 O colonato constituiu-se num sistema particular de parceria muito utilizado na lavoura cafeeira do Estado de

São Paulo junto à mão-de-obra imigrante européia. A participação do colono na lavoura cafeeira se dava desde a sua formação, recebendo para tanto um salário fixo anual e uma cota da produção colhida. Além disso, com a autorização do fazendeiro, era permitido ao colono produzir gêneros de subsistência nas faixas intercalares ao café, o que lhe propiciava além do consumo próprio uma renda extra pela venda dos excedentes.

Com efeito, no primeiro governo Vargas intensifica-se o processo de migrações internas com o deslocamento dos trabalhadores rurais para os centros urbanos, aonde a indústria vai se consolidando, e implanta-se uma estrutura complexa regulando as relações de trabalho com a garantia de alguns direitos sociais e trabalhistas apenas para uma parcela da mão-de-obra considerada urbana. É o começo da gestação de uma superpopulação agora criada para e pelo capital. Esta regulação segmentada continuou mantendo na área rural a reprodução truncada da classe trabalhadora, bem como a manutenção de um subproletariado com vínculos de subordinação indireta com o capital, vivendo da realização de atividades eventuais e precárias às quais não conformavam um estatuto do trabalho e nem conferiam reconhecimento de direitos sociais.

As mudanças na estrutura agroeconômica também provocaram profundas transformações nas relações de trabalho rural, sobretudo em dois setores que historicamente sempre demandaram muita mão-de-obra no processo produtivo: a cafeicultura e a cana-de- açúcar.

A crise na cafeicultura, ocorrida na década de 1930 e ocasionada pela superprodução e preços baixos no mercado internacional, impôs um rearranjo na estrutura fundiária devido ao endividamento dos latifundiários que tiveram que dispor de parte de suas terras, fato que aumentou o número de propriedades em várias regiões do país. Boa parte da lavoura cafeeira, nas grandes propriedades, começou a ser substituída pela produção pecuária, iniciando-se a diversificação da produção com prioridade para culturas comerciais, tendo em vista a formação, ampliação e proximidade dos centros urbanos e industriais consumidores de produtos variados.

É o início de um processo de desestruturação das formas tradicionais de produção agrícola e a emergência da policultura de matérias-primas para a indústria. Em decorrência, deflagrou-se a crise do regime de colonato, gerando um enorme contingente de

mão-de-obra desocupada.0 Uma parte dos trabalhadores rurais que laborava sobre esse regime permaneceu no campo desempenhando outras atividades numa relação instável e bastante precária de trabalho. A outra parte começou a migrar para os centros urbanos à busca de melhores ocupações na indústria.

Já no setor canavieiro, o maior impacto foi decorrente da regulamentação dos preços do açúcar pelo governo brasileiro com a edição do Estatuto da Lavoura Canavieira - Decreto-Lei n. 3.855, de 1941. Desde o fim do regime de escravidão as relações de trabalho neste setor encontravam-se predominantemente assentadas nas relações de parceria agrícola, que se revelara mais interessante para o usineiro na medida em que podia compartilhar os riscos da produção com os parceiros, tendo em vista as oscilações dos preços do açúcar no mercado internacional. Com os preços do açúcar regulamentados no mercado interno não havia mais a necessidade de o usineiro dividir eventuais prejuízos com os parceiros, tornando- se, portanto, desvantajosa a relação de parceria vigente. Esse foi também um dos motivos de expulsão do trabalhador do campo, já que o parceiro habitava a propriedade rural como uma espécie de colono.

As evidências de que começava a surgir um excedente de mão-de-obra nas grandes cidades fez com que o governo brasileiro incentivasse o movimento de fronteira, que se denominou “rumo ao oeste” e se serviu do “espírito bandeirante” para ocupar novos espaços do território brasileiro em direção ao interior do país, com o apoio e a assistência do Estado. Esse movimento, sob a ótica do Estado Novo, teve por objetivo levar para zonas com maior potencial produtivo a mão-de-obra excedente de certas regiões do país e impedir que se aglomerasse nos grandes centros urbanos um excessivo contingente de pessoas desocupadas101. Visava também impedir que os imigrantes estrangeiros ocupassem as novas

101 VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato. 2. ed. São Paulo – Rio de Janeiro:

áreas que seriam exploradas temendo-se a influência destes nas relações de trabalho que viriam a ser estabelecidas102.

Até a década de 1950 a organização da agricultura no Brasil assentou-se em métodos rudimentares de produção e de divisão e organização do trabalho. As relações de produção – movidas principalmente pela força humana e animal –, amparadas por uma base técnica frágil, sustentavam relações sociais de trabalho de cunho paternal ou até mesmo subserviente, como era o colonato. Esse panorama pode ser mais visualizado quando se toma por referência o detalhamento dos dados do Serviço Nacional de Recenseamento do ano de 1950103,demonstrando que a mão-de-obra agrícola brasileira, trabalhando em terras alheias, era composta por cerca de 6,017 milhões de trabalhadores (homens, mulheres e menores) distribuídos da seguinte forma: 20,6 % eram parceiros agrícolas; 9,6 % eram ocupantes; 7,7 % trabalhavam como arrendatários; e, 62,1% trabalhavam como empregados, sendo que destes, apenas 38% detinham vínculo de emprego permanente, enquanto que 62% eram considerados empregados temporários. Neste universo, os homens representavam 67,8% da força de trabalho, enquanto que as mulheres representavam apenas 18,3%, e os menores 13,9%. Para Octávio Ianni104, os referidos dados são também um indicativo de que a reposição da força de trabalho no campo ocorreu, principalmente, pelo trabalho da mulher e dos menores, na medida em que eram os homens que migravam para os centros urbanos à busca de ocupação nas indústrias.

Ao tomar os dados acima como referência, abre-se aqui um parêntese para anotar a similitude do grau de informalidade e de precarização nas relações de trabalho rural

102 Como bem observa Otávio Guilherme Velho, a participação de imigrantes como lideranças nas primeiras

greves e movimentos trabalhistas ocorridos antes de 1930, fez com que o Estado os temesse por suas influências ideológicas e como causadores da desordem social (op. cit. p. 149).

103 Serviço Nacional de Recenseamento. Cf. Conjuntura Econômica. Ano X, n.º 12, Rio de Janeiro, Dezembro de

1956, p. 75, apud, IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 3. edição. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1975, p. 77.

104 IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 3. edição. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,

1975, p. 77.

assalariadas, existentes na década de 1950, com os dados mais recentes divulgados pelo IBGE. Como já mencionamos, os dados da PNAD/IBGE 2006 apontam que dos atuais 4,7 milhões de assalariados rurais apenas 33% conseguem ter um vínculo de emprego permanente. O que causa perplexidade nessas informações é que, passados mais de meio século, não obstante os direitos sociais instituídos na Constituição Federal de 1988 e a existência de um arcabouço jurídico específico para o campo em matéria trabalhista e previdenciária, o grau de trabalho precário e informal na área rural dá mostras de resistência, inclusive, com um percentual menor de assalariados rurais trabalhando mediante um vínculo de emprego permanente do que fora no passado.

Os referidos dados são também bastante incisivos para demonstrar que a força de trabalho no campo foi se reproduzindo sob vários esquemas de relações. Os trabalhadores agrícolas, nas suas mais diversas definições sociais, tipificados como volante, empreiteiro, colono, parceiro, rendeiro, meeiro, camarada, peão, seringueiro, arrendatário, agregado, etc., estavam submetidos a relações de trabalho marcadas por conteúdos comunitários e patrimoniais, desprovido de conteúdo e caráter político. Como bem observa Octávio Ianni,

Nessa situação, o trabalhador não dispõe de recursos culturais e intelectuais para definir o proprietário ou o capataz como outro. Todos participam do mesmo nós. E quando ele pensa o proprietário das terras como ‘outro’, não o toma como categoria política, mas apenas como categoria social, bafejada pela tradição, a sorte e os laços de família.105

Somente quando se modificam as condições de produção é que as relações de trabalho começam a se transformar. Conforme a seguir veremos, na área rural isso veio ocorrer somente em período muito recente com o processo de “modernização da agricultura”, que transformou boa parte dos agricultores em assalariados, constituindo a proletarização dos trabalhadores agrícolas.

105 IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 3. edição. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,

Documentos relacionados