• Nenhum resultado encontrado

Aspectos que influenciam a informalidade do mercado de trabalho rural

PARTE II O DIREITO À PROTEÇÃO SOCIAL CONFIGURADO NO TRABALHO

6 Proteção previdenciária e formalização do contrato de trabalho na área rural

6.2 Aspectos que influenciam a informalidade do mercado de trabalho rural

Decerto que a não proteção social do assalariado rural, em face da informalidade nas relações de trabalho, não é um problema eminentemente jurídico, pois as soluções a essa questão dependem de diversos outros fatores como o nível de crescimento da atividade econômica, o papel desempenhado pelas instituições públicas atuantes nas áreas do trabalho e da previdência social, o poder de organização e de pressão das entidades de classe e da sociedade, etc. Contudo, a existência de um marco regulatório concatenado com a realidade do mundo do trabalho rural é essencial para a melhor funcionalidade do mercado de trabalho podendo servir de estímulo à formalização dos contratos, à maior eficiência e cobertura da proteção social e ao desenvolvimento de políticas públicas voltadas a esses fins. Na verdade, é fundamental contar com uma legislação e uma prática laboral que garantam os direitos tanto dos trabalhadores como dos empregadores e que se apliquem plenamente.

Nesse sentido, alguns aspectos importantes merecem ser sopesados para fins de análise do instrumental jurídico disponível ao enfrentamento da questão posta. É que o trabalho informal em condições precárias na área rural está situado em dois segmentos bastante distintos do sistema produtivo: no segmento empresarial, que é bem estruturado e organizado em termos de recursos humanos, tecnológicos e financeiros; e no segmento da agricultura familiar, que conta com unidades produtivas pouco estruturadas integrando, inclusive, a base da economia informal, e que tem na mão-de-obra de terceiros uma base de apoio para ajudar no processo produtivo como estratégia de sobrevivência. Visto assim, é de se considerar o seguinte:

a) Existem empreendedores rurais que demandam mão-de-obra permanente para tocar o seu empreendimento, mas procuram forjar a relação de trabalho adotando práticas no intuito burlar o arcabouço legal e dissimular a relação de subordinação e de regularidade que caracteriza a relação de emprego. Faz parte da estratégia terceirizar os serviços, contratar por meio de falsas cooperativas de trabalho, contratar mão-de-obra utilizando a intermediação de terceiros, permitindo a rotatividade da mão-de-obra de modo a dar a entender que o assalariado rural tem sempre autonomia e está livre para decidir a quem vai prestar serviços. Como bem esclarece Milton Inácio Heinen, o assalariado se submete a participar de um “leilão diário de mão-de-obra”, demonstrando desconhecer as vantagens de trabalhar para um único tomador enquanto durar o serviço243. Essa prática ocorre, sobretudo, naquelas localidades onde a mão-de-obra é farta e o empregador tem fácil acesso para contratar.

Certamente o trabalho assalariado informal e precário decorrente dessas circunstâncias precisa ser enfrentado com ações mais consistentes das entidades sindicais representativas dos trabalhadores e com leis e fiscalizações rigorosas, por tratar-se de verdadeiro delito cometido pelo tomador de serviços, que não afeta somente o assalariado rural, mas sim o próprio sistema de seguridade social que deixa de receber recursos fundamentais para desenvolver políticas universais de proteção social.

b) Pelos elementos históricos que marcam as relações de trabalho na área rural, é de se considerar que o trabalho informal e precarizado tornou-se um hábito nas diversas regiões do país, onde tanto o assalariado quanto o produtor rural estão acostumados a essa sistemática, não considerando, pois, que a relação de trabalho que se estabelece entre si ocorre sob o domínio de uma relação de emprego.

243 HEINEN. Milton Inácio. Trabalho rural: mudanças na realidade e inovações na legislação. Texto produzido

para exposição no Primeiro Seminário de Direito Agrário e Ambiental de Goiás. Organização: Escola Superior de Advocacia do Estado de Goiás e Instituto Goiano de Direito Ambiental. Goiânia, 01 a 03 de setembro de 2008.

c) É preciso considerar os argumentos dos produtores/empregadores rurais de que na relação de trabalho de curto período existem dificuldades em cumprir com as exigências clássicas para formalizar o contrato de trabalho, que consiste na anotação do contrato na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e em livros ou fichas de registros de empregados; fazer controles de jornada de trabalho; recolher as contribuições nos prazos determinados; proceder com a realização de exames médicos admissional e demissional, etc.; além do que, muitos produtores argumentam ter dificuldades em dispor de estrutura administrativa suficiente para atender aos imperativos legais e regulamentares que envolvem a formalização do contrato nos moldes tradicionais estabelecidos.

d) São reais as dificuldades financeiras que envolvem a relação de trabalho de curto prazo, tanto de um lado como de outro. Considerável número de produtores nem sempre tem condições financeiras suficientes para manter empregados em sua propriedade trabalhando sob uma relação mais consistente e duradoura. Em se tratando de um produtor rural menos capitalizado, é comum nem mesmo ter demanda de trabalho por períodos mais longos. Já o assalariado, na medida em que trabalha sem um contrato formalizado, está habituado a procurar aquela atividade que lhe remunere melhor, migrando, portanto, de uma propriedade para a outra a qualquer tempo, conforme as condições de trabalho que lhe são oferecidas e o preço que lhe pagam.

Diante desse contexto, evidenciam-se enormes desafios para se alcançar a proteção social do assalariado rural pelo mecanismo da relação de emprego devidamente formalizada. Além da demanda por instrumentos que dêem suporte a ações de fiscalização mais eficazes na área rural, existem questões históricas, culturais e de ordem econômica que influenciam a não formalização da relação contratual de trabalho, demandando assim marcos regulatórios apropriados que leve em conta essa realidade. Para uma abordagem mais clara dessa questão, veremos a seguir os institutos jurídicos que regulam os contratos de trabalho

aplicáveis na área rural, e como esses institutos dialogam com as relações de trabalho de curto prazo.

Documentos relacionados