• Nenhum resultado encontrado

O desenvolvimento dos mecanismos de proteção social no Brasil

PARTE I FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DO DIREITO À PROTEÇÃO

2 O desenvolvimento dos mecanismos de proteção social no Brasil

Diferente do que ocorreu nos países desenvolvidos, que desenvolveram seus sistemas de proteção social para enfrentar os problemas sociais decorrentes do processo de industrialização e de urbanização, no Brasil, a problemática da questão social advém de uma economia arcaica baseada no latifúndio e no trabalho escravo. Por isso, a intervenção estatal na organização de um modelo que pudesse garantir um mínimo de proteção social resultará complexa e só aparecerá de forma um pouco mais estruturada e consistente no início do século XX, praticamente 100 anos depois de o país ter alcançado a sua independência.

Num escorço histórico bem abreviado, tem-se o registro de que, no passado, um dos primeiros mecanismos de proteção ocorrera por meio da beneficência, inspirada na caridade, a exemplo do que fora praticado pela Santa Casa da Misericórdia fundada pelo Padre José de Anchieta, no século XVI. Em seguida, já no século XVII, aparecem as mutualidades vinculadas às Irmandades de Ordens Terceiras.

Já a assistência pública aparece pela primeira vez, em nosso ordenamento jurídico, na Constituição imperial de 1824 (inciso XXXI), e mais tarde na Lei Orgânica dos Municípios (em 1888)67. Tratava-se, no entanto, de um dever genérico do Estado, de escassa efetividade, que nascia com a construção de um Estado nacional ideológico e organizacionalmente influenciado pelo liberalismo da época.

Baseadas em atributos ocupacionais outras medidas de proteção viriam a surgir a partir do fim do Império em favor apenas de determinados empregados públicos, a exemplo da Caixa de Socorros para os empregados das estradas de ferro do Estado (Lei n.º 3.397, de 24/11/1888); o Fundo de Pensões do pessoal das oficinas da Imprensa Nacional

67 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1993,

(Decreto n.º 10.269, de 20/07/1889); e o Montepio obrigatório dos empregados no Ministério da Fazenda (Decreto n.º 942-A, de 31/10/1890).

Na primeira Constituição Republicana, de 1891, estabeleceu-se a previsão de aposentadoria para quem se invalidasse a serviço da nação (art. 75). Entretanto, tal aposentadoria não exigia qualquer contribuição do beneficiário, sendo a mesma concedida de forma graciosa pelo Estado.

Seguindo a experiência internacional, em 1923 implanta-se no Brasil a técnica do seguro social como mecanismo de proteção para os trabalhadores da iniciativa privada, tendo por referência o modelo bismarckiano do tipo alemão. A doutrina majoritária considera como marco inicial da Previdência Social a publicação do Decreto-Lei n.º 4.682, de 24 de janeiro de 1923, mais conhecido como Lei Eloy Chaves, que cria a Caixa de Aposentadoria e Pensão dos Ferroviários mediante contribuições dos trabalhadores, das empresas e do Estado (este por meio de recursos adicionais de tributação, ou seja, recursos extraídos da própria sociedade), assegurando benefícios de aposentadoria por velhice, invalidez e pensão aos dependentes, além da assistência médica. Wanderley Guilherme dos Santos descreve o modelo instituído da seguinte forma:

A rigor, tratava-se, ainda, de um contrato, mediante o qual a empresa e seus empregados comprometiam-se a sustentar o empregado atual, no futuro, em troca de parcela da renda deste, no presente. Não se tratava de um direito de cidadania, inerente a todos os membros de uma comunidade nacional, quando não mais em condições de participar do processo de acumulação, mas de um compromisso a rigor privado entre os membros de uma empresa e seus proprietários. Ademais, a previdência de que se cuidava cobria apenas os empregados de uma só e mesma empresa, ou seja, o capítulo moderno da legislação social brasileira abre-se caracterizado, basicamente, por estabelecer uma dimensão extra nos contratos de trabalho, um novo tipo de

contrato social, em que as partes contratantes abdicam o escopo do contrato

aos participantes da comunidade mais elementar da sociedade industrial moderna, isto é, a empresa68.

68 SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:

Assim, dá-se início a um modelo de proteção securitária organizado por categoria sócio-ocupacional de uma mesma empresa, sendo que foi rápida a disseminação do formato previdenciário estabelecido. Com efeito, em 1932 funcionavam 140 Caixas de Aposentadorias e Pensões similares à primeira que fora criada com os mesmos fins e o mesmo esquema de financiamento. Santos observa que nesse período a preocupação do Estado era “reordenar as relações no processo de acumulação”, enquanto que a questão social era resolvida, privadamente, pelos empregadores e empregados mediante os acordos de seguro: “ao Estado incumbia zelar por maior ou melhor justiça no processo de acumulação, enquanto que às associações privadas competia assegurar os mecanismos compensatórios das desigualdades criadas por esse mesmo processo”69.

Aos poucos foi se percebendo os inconvenientes do regime de filiação por empresa. Com a ploriferação das pequenas Caixas de Aposentarias e Pensões – CAPs, poucas delas mostravam-se viáveis do ponto de vista de seu funcionamento. Ao mesmo tempo, milhares de trabalhadores permaneciam excluídos da proteção previdenciária. Dá-se, então, início a uma reestruturação do modelo de proteção vigente.

Dessa maneira, uma inflexão quanto à postura do Estado viria a ocorrer a partir de 1933, quando foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) englobando toda uma categoria profissional em âmbito nacional70, ficando sob a responsabilidade do Estado a coordenação da gestão de tais instituições. Na visão de Santos,

69 SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:

Campus, 1979, p. 31.

70 A primeira instituição de base nacional criada foi o IAPM - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos

Marítimos (Decreto 22.872, de 29.06.1933); Posteriormente, foram criados o IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e o IAPB – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, em 1936; o IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado, e o IAPETC - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, estes em 1938.

isso fez com que ficasse sobe a jurisdição do Estado duas ordens de problemas: “o da acumulação e o da equidade”71.

A Constituição de 1934 veio inaugurar esse novo papel do Estado ao introduzir no ordenamento constitucional um capítulo sobre a ordem econômica e social, cuja organização deveria assegurar a todos uma existência digna (art. 115), reconhecendo a existência dos direitos sociais que competia à União preservar ao mesmo tempo em que delegava aos poderes públicos a competência para intervir e regular os contratos privados que se processavam na esfera da produção. Previu-se também a intervenção legislativa para a fixação de melhores condições de trabalho, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país (art. 121), e ainda, inseriu o sistema tríplice de participação no custeio da previdência social mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte (art. 121, § 1º, alínea “h”).

Contudo, é de se observar que os Institutos de Aposentadorias e Pensões, embora congregando dentro do regime de proteção toda uma categoria profissional em âmbito nacional, continuaram reproduzindo os mesmos vícios de exclusão das Caixas de Aposentadorias e Pensões, já que mantinham um sistema de filiação compulsória sob o regime de capitalização72, provendo benefícios apenas para os componentes de determinados segmentos do mercado de trabalho formal urbano. Vianna, ao analisar esse arranjo institucional dentro do contexto político e econômico da época, observa que os institutos

de um ponto de vista global, representaram a agregação de direitos sociais ao conjunto de leis trabalhistas implementado por Vargas, como parte de seu projeto de reorganização do processo acumulativo, para encaminhar preventivamente o conflito entre capital e trabalho. Em estreita ligação com a estrutura sindical corporativa montada no mesmo período, a Previdência

71 SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:

Campus, 1979, p. 31.

72 Num regime financeiro de capitalização as contribuições feitas pelo trabalhador ao longo do tempo vão sendo

tornou-se um instrumento de incorporação controlada, definindo que direitos integravam o pacote de cidadania e quem a ele tinha acesso.73

Com isso, reconhecia-se o direito à proteção apenas aos membros da comunidade nacional localizados em ocupações regulamentadas pelos preceitos legais, o que transformava em pré-cidadãos aqueles cujo trabalho não era reconhecido pela lei, como era o caso dos trabalhadores rurais, autônomos, domésticas, etc. Tal situação retrata bem o que Santos denominou como “cidadania regulada”74, que apenas reforçava a estrutura de desigualdades sociais do país.

Durante o período do Estado Novo praticamente não houve avanços na estrutura da política de proteção social. Em 1945, com a edição do Decreto-Lei n.º 7.526, de 07 de maio, tentou-se uniformizar as normas a respeito dos benefícios e serviços devidos por cada instituto de classe por meio da criação do Instituto dos Serviços Sociais do Brasil (ISSB). Entretanto, não se obteve êxito nesse intento, pois com a destituição do Governo Vargas, em outubro de 1945, o Decreto-Lei não foi regulamentado75.

Nos anos seguintes praticamente nada de significativo ocorre até o golpe militar de 1964. Apenas uma mudança a ser registrada, foi a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) - Lei n.º 3.807, de 26 de setembro de 1960 - que ampliou e uniformizou os benefícios e serviços concedidos a todos os contribuintes dos diversos Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAPs - sem, contudo, mexer na estrutura administrativa dessas instituições76. A despeito de se manter preservada a segmentada

73 VIANNA. Maria Lúcia Teixeira Werneck. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan: UCAM, IUPERJ, 1998, p. 140.

74 O termo “cidadania regulada” é descrito por Wanderley Guilherme dos Santos como: “o conceito de cidadania

cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei.” (SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 75).

75 ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental à Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2004, p. 62.

76 SANTOS, Wanderley Guilherme. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:

estrutura administrativa do sistema Vianna observa que, com a ampliação dos benefícios e com o crescimento da população assalariada filiada aos IAPs, houve um abandono do regime financeiro de capitalização para um regime financeiro de repartição simples77, conforme já vinha sendo aplicado nos países europeus a partir do Plano Beveridge. Compartilha dessa mesma idéia Ignácio Godinho Delgado, para quem a LOPS representou

a culminação de um processo de mudança da Previdência Social Brasileira, que, testada, segundo os postulados da capitalização, com um perfil marcadamente protecionista, transforma-se ao longo do regime populista, num sistema regido pelos princípios da repartição simples, com uma estrutura pródiga de benefícios.78

Já sob o regime político autoritário do governo militar, cria-se, por meio do Decreto n.º 72, de 21 de novembro de 1966, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unificando todos os institutos existentes, exceto o IPASE - Instituto de Previdência a Assistência dos Servidores dos Estados. Promovia-se, assim, a unificação político- administrativa de todas as agências estatais incumbidas de prover serviços de proteção social, permitindo a filiação à Previdência de toda a mão-de-obra urbana com carteira assinada, independente de sua categoria profissional.

Houve também, no contexto do regime militar pós-64, um progressivo ingresso, ao universo da proteção, daqueles trabalhadores que se encontravam excluídos. Em 1971, pela Lei Complementar n.º 11, cria-se o Prorural/Funrural, que estende aos trabalhadores do campo o início de uma legislação previdenciária efetiva e o direito a alguns benefícios previdenciários (como melhor veremos adiante); em 1972, pela Lei n.º 5.859, estende-se a proteção previdenciária às empregadas domésticas; e, pela Lei 5.890, de 1973, essa mesma proteção chega aos trabalhadores autônomos. Assim, a cobertura social

77 No regime financeiro de repartição simples os trabalhadores ativos passam a financiar, com suas contribuições

presentes, os benefícios dos inativos e demais serviços. Diferente, portanto, do regime de capitalização em que as contribuições feitas pelo trabalhador vão constituindo um fundo próprio para garantir um benefício no futuro.

78 DELGADO, Ignácio Godinho. Previdência social e mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2001,

praticamente abrangia a quase todos os trabalhadores, exceto os que se encontravam no mercado informal de trabalho, isto é, não regidos pela CLT.

A rigor, as medidas de unificação e ampliação do sistema de previdência, segundo Fernandes79, ocorrem para responder à necessidade de legitimação política dos governos militares, mas também para atender aos mecanismos de reprodução do trabalho assalariado e às formas de produção de mais-valia, decorrente do modelo de desenvolvimento adotado, espelhado no fordismo80.

Para Sônia M. Fleury Teixeira, a intervenção do regime burocrático- autoritário promoveu uma inflexão nos mecanismos de proteção social que seguiu a quatro ordens de questões: a centralização e concentração do poder nas mãos da tecnocracia, retirando os trabalhadores do jogo político e da administração das políticas sociais; o aumento da cobertura mediante a incorporação precária de determinados grupos de trabalhadores; a criação de fundos e contribuições sociais, como o FGTS, PIS-PASEP, Finsocial, e outros; e a privatização dos serviços sociais81.

No limiar da década de 1980, com o esgotamento do crescimento econômico, as questões sociais ressurgem acelerando o processo de exclusão dos trabalhadores do regime de proteção. As mudanças na área das políticas sociais vieram no sentido da privatização da assistência médica e do aumento dos fundos privados de previdência - franqueando ao capital privado o mercado dos seguros - e de um forte processo

79 FERNANDES, Ana Elizabete Simões da Mota. Cultura da crise e seguridade social: um estudo sobre as

tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. São Paulo: Cortez, 1995, p.43.

80 Segundo Maria E. S. da Mota Fernandes, o modo de produção fordista, após a II Guerra, assimilava um

conjunto de mudanças técnicas necessárias ao restabelecimento do processo de acumulação e ao mesmo tempo construía uma nova sociabilidade do trabalho assalariado, provocando mudanças nos padrões comportamentais dos trabalhadores. Por isso, para a autora, o fordismo expressou um projeto muito mais amplo do que criar modos de organização do trabalho, viabilizadores da reestruturação produtiva. “No bojo de suas práticas, ele procurou ‘criar uma nova forma de sociedade e um Novo Homem, com as qualidades morais e intelectuais exigidas por essa nova sociedade’”. (FERNANDES, Ana Elizabete Simões da Mota. Cultura da crise e seguridade social: um estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. São Paulo: Cortez, 1995, p.41).

81 TEIXEIRA, Sônia M. Fleury,. A seguridade social inconclusa. IN: A era FHC e o Governo Lula: Transição?

de deteriorização dos serviços sociais e rebaixamento dos benefícios previdenciários. Tratava- se, assim, de imprimir um modelo de proteção associando mercantilização e assistência, ou seja, de privatização da saúde e da previdência, e de difusão da necessidade de ampliação dos programas de assistência social voltados para a população mais pobre, o que se mostrava, portanto, coerente com a concepção de Estado mínimo e com a necessidade de reduzir os impactos sociais dos ajustes econômicos defendidos pelos neoliberais. Para Vianna, isso marcou um processo de americanização perversa82 do sistema de proteção social brasileiro.

Contudo, é de se reconhecer que a sociedade brasileira também experimentou, no início dos anos 80, um novo modo de organização por meio da ação sindical e partidária, e que ao lado de outros movimentos populares de caráter contestatório e reivindicatório clamavam por mais democracia e por mudanças na ordem econômica social do país. Isso culminou com uma nova ordem constitucional, em 1988, que representou uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro em busca da universalização da cidadania.

A Constituição de 1988 avançou em relação às formulações legais anteriores, contemplando um capítulo específico para os direitos sociais dentro do Título concernente aos Direitos e Garantias Fundamentais, e inovou ao emancipar a Ordem Social da Ordem Econômica, convertendo aquela em um Título próprio (Título VIII – art. 193), que passou a congregar, dentre outras políticas, a Seguridade Social concebida como gênero das

82 Vianna demonstra que a americanização da proteção social no Brasil, iniciada no governo militar, teve várias

facetas perversas, pois as medidas adotadas aqui, além de serem inadequadas à realidade nacional, se desviavam por completo da matriz que lhe servia como fonte inspiradora. Citando o exemplo da saúde, Vianna aponta a privatização dos serviços da assistência médica que foram implantados sem uma regulação adequada para o seu funcionamento e com ausência de mecanismos de fiscalização; mostra que, enquanto nos EUA, a saúde pública era destinada a atender 20% de americanos considerados pobres e 80% ficava aos cuidados do mercado, no Brasil essa proporção era inversa, ou seja, 20% constituíam demanda do mercado e 80% dependiam do serviço público. (VIANNA. Maria Lúcia Teixeira Werneck. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan: UCAM, IUPERJ, 1998, p. 152).

técnicas de proteção, do qual são espécies as políticas de Saúde, Previdência e Assistência (art. 194)83.

Para Vianna, o texto constitucional de 1988 estabeleceu um sistema de Seguridade Social bastante avançado que correspondeu, à época, às expectativas criadas em torno da política social, identificada como um campo singular sobre o qual poderia ser realizada a intervenção estatal para melhor distribuição de renda84. Já Teixeira, observa que a nova ordem constitucional significou uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro por “romper com as noções de cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal de trabalho e afrouxar os vínculos entre contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos”85.

Além dessas inovações, há que se realçar que a Seguridade Social foi organizada em torno dos princípios da universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços prestados às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios e serviços; eqüidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; e gestão quadripartite, democrática e descentralizada, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo em órgãos colegiados (art. 194 da Constituição Federal/88). Desse modo, a Constituição introduz, tanto do ponto de vista conceitual quanto do arranjo institucional, inovações na experiência brasileira de bem-estar, redefinindo benefícios e formas de organização do sistema de proteção social na perspectiva da cidadania. Na doutrina de Wagner Balera, a Seguridade

83 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil: 1988. 23. ed. Brasília: Câmara dos Deputados,

Coordenações de Publicações, 2004.

84 Embora reconheça os avanços trazidos pelo texto constitucional de 1988, Vianna adverte que o processo de

americanização do sistema público de proteção social no Brasil não foi barrado durante a década de 1990. (VIANNA. Maria Lúcia Teixeira Werneck. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan: UCAM, IUPERJ, 1998,. p. 151).

85 TEIXEIRA, Sônia M. Fleury,. A seguridade social inconclusa. IN: A era FHC e o Governo Lula: Transição?

Social é, nos dias atuais, “o instrumental de que dispõe o Estado, na Ordem Social para, mediante duas vias de acesso – a previdenciária (seguro social) e a assistencial (integrada pelos setores de saúde e de assistência) – e com a cooperação dos atores sociais, resolver a questão social”86.

Todavia, é de observar que se do ponto de vista dos princípios e das regras constitucionais estabelecidas o Brasil se equipara aos sistemas de proteção das sociedades desenvolvidas, o mesmo não se pode dizer quanto às condições objetivas para implementá- las, tanto é que milhões de trabalhadores brasileiros encontram-se socialmente desprotegidos. Nesse aspecto, é preciso lembrar que muito ainda pesa sobre a Seguridade Social a “cultura política da crise”87, que nas últimas décadas foi sendo disseminada pelo grande capital, e também pelos governos, para impedir que os preceitos constitucionais em torno do sistema se materializem e para promover reformas, sobretudo na previdência, que tem conduzido à

Documentos relacionados