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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS

DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR.

Mestrado em Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade

PUC-SP

SÃO PAULO

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS

DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR.

Mestrado em Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação da Professora Doutora Leda Maria Rodrigues.

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Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade.

RESUMO

A presente pesquisa consiste em descrever e analisar como foram construídos os processos de permanência e de sucesso escolar, de um grupo de alunos da Educação de Jovens e Adultos do município de Francisco Morato – uma cidade dormitório na região metropolitana de São Paulo, que possui um dos mais baixos I.D.H. (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado –, contrariando a perspectiva que relaciona a E.J.A. à evasão e ao fracasso escolar, frequentes em tal modalidade de ensino. Os fundamentos teóricos situam-se na área da Sociologia da Educação e, para tratar as questões referentes ao sucesso e à longevidade escolar das classes populares, norteamo-nos pelas teorias de Bourdieu (1998), Lahire (1997), Charlot (2000), entre outros. Conforme Thiollent (1982), a pesquisa será quantitativa, no perfil dos sujeitos e qualitativa nas entrevistas. Trabalhamos com as falas dos sujeitos, respeitando a singularidade de cada um. Utilizamos questionários com perguntas fechadas e abertas e entrevista semi-estruturada. Os sujeitos desta pesquisa desenvolveram estratégias intra e extra-escolares que favoreceram o processo de permanência, tais como uma nova relação com a escola, a mobilização pessoal e familiar e a possibilidade de adquirir um capital cultural que possibilitou ascensão social e no mundo do trabalho.

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Society). São Paulo: Pontifical Catholic University of São Paulo – PUCSP/ Program of Graduate Studies in Education: History, Politics, Society.

ABSTRACT

The present research consists of investigating, describing and to analyze as the processes of permanence and pertaining to school success had been constructed, of a group of pupils of the Education of Young and Adults of the city of Francisco Morato - a city dormitory in the region metropolitan of São Paulo, that possesss one of the lowest I.D.H. (Index of Human Development) of the State - opposing the perspective that relates the E.J.A. to the evasion and the failure pertaining to school, that is frequent in such modality of education. The theoretical beddings are placed in the area of the Sociology of the Education and, to deal with the referring questions to the success and the pertaining to school longevity the popular classrooms, we will be guided by the theoretical explanations of Bourdieu (1998), Lahire (1997), Charlot (2000), among others. As Thiollent (1982), the research will be quantitative, in the profile of the citizens and qualitative in the interviews. We will work you say with them of the citizens respecting, therefore, the singularity of each one. We look for to remove of the citizens to the answers and not presenting immediately alternative of choice, for the collection of data, we will use questionnaires with questions closed and opened and half-structuralized interview and that they will make possible to better investigate the characteristics of these citizens: it’s social and economic conditions and previous pertaining to school trajectory. The citizens of this research had developed strategies intra and extra-pertaining to school that had favored the permanence process, such as: a new relation with the school, the personal and familiar mobilization, and the possibility to acquire a cultural capital that makes possible social ascension and in the world of the work.

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Em primeiro lugar, agradeço a Deus por completar esta jornada.

Agradeço a minha orientadora, professora Leda Maria Rodrigues, pela dedicação, pelas broncas e por não desistir da minha pesquisa. Sinto-me orgulhoso por ter sido orientado por alguém que é uma referencia na Educação brasileira;

aos professores José Geraldo, Kazumi Munakata, Mauro Castilho, Circe Bittencourt, Carlos Giovinazzo, pelas aulas ministradas no curso de Educação, História, Política, Sociedade que contribuíram para esta pesquisa;

a Betinha, secretária do programa, que sempre foi eficiente, atenciosa e que teve muita importância em minha trajetória neste curso e na conclusão desta pesquisa;

a Christianne Gally, pela revisão do texto;

aos meus colegas Nelson e Tatiana, pelo companheirismo e, principalmente, pela amizade que desenvolvemos durante esta jornada;

à direção, professores e funcionários do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara dos Santos e da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, que se mostraram colaboradores em todas as etapas deste trabalho;

aos alunos e suas famílias que acolheram a mim e a pesquisa, permitindo que conhecesse um pouco das suas vidas na instituição e fora dela;

a Aparecido Roberto Tonellotti (in memorian), meu professor, meu amigo e a quem considero um pai;

a meu pai Isverdilino, minha mãe Anita e meus avós Antonio e Helenita, por serem exemplos e referências para mim;

aos meus familiares e aos familiares da minha esposa, que também podemos considerar como o sucesso dos improváveis;

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Pg.

Introdução... 11

Capítulo I- Referencial teórico... 20

1.1. Abordagem Metodológica da Pesquisa ... 27

1.1.1 Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos e Escola Estadual Lenita Camargo: um campo de pesquisa... 28

1.1.2. Os sujeitos da pesquisa... 31

1.1.3. Instrumentos de Pesquisa ... 32

Capítulo II - Educação de jovens e adultos: contexto histórico ... 35

2.1. Trajetória da Educação de Jovens e Adultos do Período Colonial até 1930... 35

2.2. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova... 38

2.3. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas Décadas de 30 e 40.. 41

2.4. A Trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas décadas de 50 e 60.. 45

2.5. Paulo Freire e a Educação Popular... 47

2.6. O Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – I.S.E.B... 48

2.7. Os movimentos de Educação e Cultura Popular... 50

2.8. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos durante a Ditadura Militar.. 52

2.9. A Fundação EDUCAR – 1985 até 1990... 54

2.10. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no governo de Fernando Henrique Cardoso... 55

2.11. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no primeiro mandato do Presidente Lula... 57

2.12. O importante papel da Educação de Jovens e Adultos... 58

2.12.1. Os Sujeitos da E.J.A... 63

2.13. Identidade da EJA e políticas públicas ... 64

2.14. Constituição Federal de 1988, L.D.B. 9394/96 e outros marcos jurídicos da educação de jovens e adultos... 70

Capítulo III - Trajetórias escolares interrompidas ... 74

3.1. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: análise do perfil escolar anterior... 74

3.2. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: a relação com a escola. 75 3.3. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: a família. 82

3.4. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: o trabalho... 87

Capítulo IV- Sucesso escolar ... 90

4.1. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a escola... 90

4.2. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a família... 101

4.3. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o trabalho... 110

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Pág.

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INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (E.J.A.) possui, como uma de suas características mais marcantes e negativas, um elevado número de alunos que desistem do curso antes de completarem a etapa da escolaridade em que estavam matriculados. As estatísticas sobre os percentuais de evasão na E.J.A. comprovam, de forma incisiva e dramática, essa realidade1.

Esta pesquisa buscará analisar e interpretar as razões que explicam o sucesso escolar de alunos dos meios populares, que estudaram na Educação de Jovens e Adultos, em duas escolas do município de Francisco Morato, na grande São Paulo. Contrariando as estatísticas – no Brasil, a evasão na E.J.A. é de 42,7% e no município é de Francisco Morato é de 28,9% –, os alunos desses estabelecimentos voltaram aos estudos nas séries iniciais e, sem interrupções, conseguiram terminar o ensino médio. Para isso, eles romperam com problemas de ordem econômica, social e até cultural que também os impediam de voltar, permanecer e concluir seus estudos.

Investigar os diferentes fatores que incidem sobre a decisão de alguns jovens e adultos em permanecer na escola torna-se relevante, pois, apesar de vários problemas escolares, sociais ou econômicos, eles não desistiram do processo de escolarização propiciado, especificamente, por duas escolas de Educação de Jovens e Adultos, na cidade de Francisco Morato. As escolas são o campo de pesquisa deste trabalho.

O Município de Francisco Morato, lugar onde também resido, é uma cidade dormitório, com mais de 150 mil habitantes, que possui um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do Estado de São Paulo (I.D.H.2) de 0,738 – enquanto o Índice do

Estado é de 0,814. A maioria absoluta da população3 é constituída por migrantes das mais diversas regiões do país, especialmente do nordeste brasileiro, em busca, principalmente, de emprego.

1 Enquanto percentuais de evasão nas outras modalidades do Ensino Fundamental variaram entre 7,2% em 1984 e 6,9% em 2004, segundo dados do MEC reproduzidos por Garschgen (2007, p. 43), pesquisa do IBGE divulgada em 2009 indica evasão de 42,7% na E.J.A.

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Ela está a 48 km do centro de São Paulo e possui linha férrea que liga a cidade ao centro de São Paulo e linhas do Metrô-SP. Seus habitantes, na maioria, possuem casa própria, pois os preços dos terrenos são bem mais baratos – os terrenos são vendidos apenas com água e luz e, praticamente, toda cidade foi loteada desta maneira. A renda per capita é 1,17 salários mínimos, enquanto que a renda do Estado é de 3,36 salários mínimos. Apenas 26,86% do município possuem rede de esgoto sanitário, enquanto que no Estado esse número é de 82,77%. Segundo o perfil dos municípios paulistas da Fundação S.E.A.D.E. (2010), Francisco Morato pertence ao grupo dos municípios mais desfavorecidos, tanto em riqueza quanto em indicadores sociais, dos municípios que formam o Estado de São Paulo.

Os indicadores educacionais do município4 apontam que grande parte da população acima dos quinze anos é formada por analfabetos – 10,80% enquanto que o Estado possui uma média de 6,64%; a média de anos de estudos da população de quinze anos e mais é de 5,81%, e a média estadual é de 7,96%; e a média da população com vinte e cinco anos a mais, com menos de oito anos de estudo, gira em torno dos 76,60%, enquanto que no Estado essa media é de 55,55%.

Os levantamentos da Fundação S.E.A.D.E. demonstram também que há um número expressivo da população composto de analfabetos funcionais ou de pessoas que possuem estudos incompletos.

Segundo critérios do I.B.G.E.5, uma pessoa alfabetizada é aquela que é

capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece. Aquela que aprendeu a ler e a escrever, mas que esqueceu e a que apenas assina o próprio nome é considerada analfabeta. E o analfabeto funcional é aquela pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas.

No Brasil, segundo os dados preliminares do censo demográfico de 20106, o número de brasileiros analfabetos – ou seja, que não sabem ler nem escrever– é de 9,6 da população.

4 Perfil do município no portal S.E.A.D.E – 2010 (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).

5 I.B.G.E. – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Resultados da amostra. Notas metodológicas.

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Entre os mais extremamente pobres, o índice chega a 22%, nas cidades, e a 30%, nas zonas rurais. O analfabetismo atinge também os jovens entre 15 e 17 anos: dos que moram nas cidades 5,2% são analfabetos e, na zonas rurais, 30,3%.

Esse grande contingente humano, portanto, precisa voltar aos bancos escolares. No início do semestre letivo, a procura por vagas é muito grande, mas, apesar disso, muitos desistem durante o percurso e não completam os estudos. Isso ocorre tanto nas séries iniciais do ensino fundamental que está a cargo do município, quanto nas séries finais. Depois de vários anos afastados dos bancos escolares, por inúmeros motivos, alguns indivíduos retornam aos estudos e conseguem êxito.

Os indivíduos de classes populares buscam ampliar suas perspectivas – para obter ascensão social e para conseguir um trabalho mais qualificado – por meio da educação. Nesse processo, são adquiridos pelos sujeitos e enriquecidos, através da escolarização, não só o capital econômico, social, cultural, como também o capital simbólico.

Dentre os dezesseis anos de magistério, um grupo de estudantes chamou minha atenção, porque passou a ser um caso de sucesso. Apesar de situações adversas – falta de recursos materiais necessários à atividade escolar, desconhecimento da "regra do jogo" escolar, ausência de um capital cultural valorizado pela escola, reduzido domínio da linguagem trabalhada e valorizada na e pela escola –, alguns alunos conseguiam tornar-se a exceção de uma regra, ou seja, conseguiam atingir o sucesso escolar, alcançando, em alguns casos, até a continuidade de estudos após o ensino médio.

Passei, então, a me questionar sobre o que tornava esses alunos uma exceção, quando comparados aos demais alunos de outras escolas do município que também trabalhavam com Educação de Jovens e Adultos e que apresentavam um alto número de evasão. O que ocorria com alunos que, em "situação de fracasso", rompiam com todas as dificuldades, obtendo sucesso ao longo do processo de escolarização? Quais seriam os fatores escolares e extra-escolares que os levaram a desistir do processo de escolarização? E os fatores que os fizeram voltar e permanecer e conseguir concluir o ensino médio?

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indivíduos conseguem obter sucesso na escola: "se, afinal, é fácil mostrar porque não é tão surpreendente que as crianças de meios populares fracassem, ficamos sem explicação diante daquelas que obtêm sucesso" (CHARLOT, 1996, p.48)

Segundo Charlot (2000), o fracasso não é algo em si, mas a história daquele que fracassa. O que existe são alunos que não conseguem aprender, histórias escolares que terminam mal, e são essas histórias que devem ser analisadas. Esse fracasso não é um fato que a experiência permitiria constatar, é uma maneira de verbalizar a experiência, a vivência e a pratica, e por essa razão, uma certa maneira de recortar, interpretar e categorizar o mundo social.

Voltar aos bancos escolares, para algumas dessas pessoas, é também romper com certo

habitus, classificado por BOURDIEU (1998) como a incorporação de uma determinada estrutura social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma que se inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente. O diploma do ensino fundamental ou médio exerce papel fundamental tanto para seu crescimento pessoal quanto para sua ascensão social.

Para conhecimento e aproximação da realidade que os sujeitos revelam, queremos saber, dos que voltaram à escola e foram entrevistados, quais as razões para esse retorno. Será que essas razões dizem respeito a uma inclusão social, de modo geral, ou apresentam aspectos específicos no que diz respeito às relações sociais de família, trabalho, etc? Ou ainda, seria a escola o único meio de conseguir superar fracassos escolares, pessoais e sociais (uma espécie de escolarização à força), proporcionando a inclusão social desses sujeitos? Dentro do grupo que permaneceu, será que a mobilização7 pessoal desses alunos encontra pesos e formas diferenciadas, bem como as estratégias familiares utilizadas para viabilizar esse sucesso?

Segundo Lahire (1997), esses aspectos, no entanto, assumem diferentes pesos e importância, diante da mobilização dos sujeitos face ao potencial maior, ou menor, da herança cultural familiar que aproxima, ou distancia, a experiência familiar e pessoal da experiência escolar. Voltamos, assim, nossa atenção para o envolvimento e relevância que o próprio sujeito/aluno desenvolve em relação ao seu sucesso escolar e, para a família, como formadora

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de habitus e de atitudes que influenciam positivamente, ou negativamente, a trajetória escolar dos alunos.

Pretendemos, portanto, analisar como foram desenvolvidas as estratégias de permanência deste grupo de estudantes da E.J.A. e a importância das configurações familiares que contribuíram para construir histórias de sucesso – término do ensino médio na E.J.A –, ou de fracasso escolar.

Para atingir o objetivo, procuraremos conhecer a trajetória escolar anterior e apreender o valor atribuído por eles à educação, como forma de ascensão social; analisaremos o valor da "mobilização pessoal" e das estratégias de investimentos pessoais na construção do sucesso escolar, bem como as inter-relações construídas dentro do espaço escolar; e, finalmente, apreenderemos como as configurações familiares interferem na volta aos bancos escolares e sua permanência.

A E.J.A. tem um papel de grande importância social para esses indivíduos, pois, com a escolaridade, eles devem ser vistos, não mais como excluídos de uma sociedade letrada, e sim como incluídos dentro de um novo mundo, da informação e da cultura, do desenvolvimento de novas relações interpessoais, buscando superar uma longa história de fracassos escolares anteriores. Em sua maioria, eles frequentaram a escola em outros momentos e, por diferentes razões, tiveram que interromper seus estudos. “A Escola está no princípio do sofrimento das pessoas interrogadas, decepcionadas com seu próprio projeto ou nos projetos que fizeram para os seus descendentes ou então pelos desmentidos infligidos pelo mercado de trabalho às promessas e às garantias da escola”.(BOURDIEU, 1997, p. 587)

No inicio do mês de agosto de 2004, um grupo de 40 alunos, divididos em duas classes de 20, ficaram entregues a duas professoras: Maria e Aparecida8, que os acompanhou nos dois

anos de curso – os alunos deveriam ficar um ano para completar as séries iniciais do ensino fundamental, mas por falta de vagas ficaram dois anos.

Segundo as professoras, três fatores foram pontos diferenciais desses sujeitos: o tempo de estudo a mais que tiveram, as relações de amizade que desenvolveram e o “método tradicional”9 de aprendizagem que utilizaram. Ainda, segundo as professoras, foi a

8 Os nomes das professoras e dos sujeitos citados nesta pesquisa são fictícios.

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metodologia de ensino, chamada de altamente “tradicional”, que apresentou eficácia, pois, ao final do período correspondente às séries iniciais do ensino fundamental, todos estavam alfabetizados e com boa base para seguir os estudos.

Ao final de dois anos, 36 alunos concluíram as séries iniciais do ensino fundamental, dentro do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos. Os 36 alunos foram encaminhados para a Escola Estadual Professora Lenita Camargo e, após três anos e meio, 32 concluíram o ensino médio.

A pedido das professoras, que foram pessoalmente até a Escola Estadual Professora Lenita Camargo e atendendo a um pedido de seus alunos, eles foram matriculados na mesma sala de aula, pois elas também destacaram o fato de um ajudar sempre o outro nas atividades escolares.

Em relação aos fatores que influenciam positivamente a permanência dos alunos dentro da Educação de Jovens e Adultos, foi realizado um levantamento junto ao banco de dissertações e teses da CAPES (DATACAPES) e verificou-se que havia um pequeno número de pesquisas nessa linha. Das dissertações e teses presentes no sistema, foram selecionados, pelo critério de data de publicação (a partir de 2004), sete trabalhos, dos quais quatro apresentavam maior relevância, considerando-se o tema e o objeto de nossa pesquisa.

Garcia (2004) analisa e investiga os fatores que levaram dez jovens e adultos a iniciarem seus estudos formalmente ou a reiniciarem esses estudos. Buscou-se compreender as histórias de vida dos sujeitos pesquisados, falas e narrativas, a fim de obter indícios das possíveis motivações que levaram esses alunos aos bancos escolares, ou seja, ouviu suas vozes, para além de uma ótica imposta pelo discurso oficial – que considera o analfabetismo como um mal a ser “cortado pela raiz” e que, a partir do momento em que esses sujeitos leem e escrevem, eles passam a pertencer a uma nova concepção social, ou seja, passam a pertencer a que a autora chama de “sociedade letrada”.

Assim como a pesquisa de Garcia (idem), nossa investigação busca os fatores que influenciaram os sujeitos desta pesquisa a iniciar ou reiniciar os estudos nessa fase de suas vidas e o papel fundamental de inserção social representada pela E.J.A., através do processo

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de escolarização e a relação família, escola e trabalho que, segundo Garcia, foram fatores impeditivos para que os mesmos iniciassem ou continuassem suas trajetórias escolares.

Pereira (2005) analisa situações de sucesso escolar em meios populares e, para isso, parte do pressuposto de que tanto o aluno quanto a sua família desempenham um importante suporte, pois a mobilização pessoal e familiar tem um papel preponderante para que essa situação se configure. Para a autora, o sucesso escolar deve ser entendido como aqueles casos em que alunos, filhos de pais com baixo grau de escolaride – apesar de não terem um alto capital escolar, participam e incentivam da vida escolar dos filhos – e pertencentes às frações ou grupos das classes populares, com o investimento e a valorização da escola, aliada à mobilização pessoal e familiar, conseguiram êxito e foram aprovados no vestibular do Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais – C.O.L.T.E.C. Apesar de esse estudo não focalizar a E.J.A., ele tem importância para nossa pesquisa, pois analisa as mobilizações pessoais e as estratégias familiares como aspectos importantes para o sucesso escolar. No caso dos sujeitos da pesquisa, a mobilização pessoal encontra pesos e formas diferenciadas, bem como as estratégias familiares utilizadas viabilizaram o sucesso escolar desses sujeitos.

Santos (2007), em “A produção do sucesso na educação de jovens e adultos: o caso de uma escola pública em Brazilândia-D.F.”, investigou os fatores que facilitavam a permanência de uma turma de educandos jovens e adultos em uma escola na periferia de Brasília-DF. O resultado da pesquisa evidencia que a permanência dos alunos da E.J.A. acontece porque as práticas pedagógicas da sala de aula, realizadas pelos professores, estiveram pautadas na dialogia dialética10, na escuta sensível e no acompanhamento diferenciado.

Nossa pesquisa tem norteadores semelhantes aos de Santos (idem): investigaremos um grupo de alunos que voltou aos bancos escolares, após muitos anos ou que já possuía histórias de fracassos escolares anteriores. Preocupa-nos também, como foram desenvolvidas as relações interpessoais dessa turma, nosso objeto de pesquisa, e o trabalho pedagógico desenvolvido pelas duas escolas, onde eles estudaram.

Mileto (2009) tomou, como objeto de pesquisa, os processos de permanência e conclusão no segundo segmento do Ensino Fundamental em uma escola do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de

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Janeiro. A E.J.A. foi vista sob uma perspectiva inversa àquelas que naturalizam o fenômeno da evasão nessa modalidade de educação, a fim de compreender como sujeitos da E.J.A. construíram estratégias de permanência e estabeleceram relações entre as trajetórias escolares (e de vida) com os processos de permanência ou de desistência/evasão na escola pesquisada. Também como possibilidade de adoção de ponto de vista menos tradicional, foi usada a noção de relações pedagógicas no sentido amplo como o conjunto de interações que se desenvolveram nos espaços sociais, não se limitando às relações intencionalmente empreendidas por educadores profissionais. Analisaremos, igualmente a MILETO (idem), um grupo que possui um perfil social muito próximo ao observado em sua pesquisa. Será possível também verificar se os processos de permanência mantêm uma relação diretamente ligada aos processos de construção de redes de sociabilidade, fundamentadas em vínculos de cooperação e solidariedade entre alunos e professores.

Uma das características, como vimos anteriormente, da Educação de Jovens e Adultos relaciona-se quase sempre com as desistências dos alunos antes mesmo de completarem a etapa da escolaridade em que estavam matriculados. Os alunos, porém, da Escola Estadual Lenita Camargo, no município de Francisco Morato, permaneceram até a conclusão do ensino médio, fato considerado como sucesso nesta pesquisa.

Diante dos altos índices de evasão e retenção na E.J.A. e da permanência vista em alguns grupos de alunos, levantamos o seguinte problema: por que alguns sujeitos voltam ao processo de escolarização, começando na alfabetização e permanecendo no curso até o ensino médio? Para elucidá-lo, podemos ainda estabelecer outras questões: quais são os fatores escolares e extra-escolares que interferem e garantem a alguns permanecerem, sem interrupções, e obterem sucesso dentro de sua trajetória escolar? Que diferencial apresenta esses sujeitos que romperam histórias de vida marcada pelo fracasso escolar e exclusão social? Como foram construídas as trajetórias e estratégias de permanência desses sujeitos?

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Advém, dessa inversão, conhecer o diferencial desses sujeitos que concluíram o ensino médio. Para isso, trabalharemos com os seguintes objetivos específicos:

• identificar a origem social e a trajetória escolar dos sujeitos de pesquisa; • caracterizar os contextos familiares, econômicos e sociais a que pertencem; • identificar as razões da procura e permanência desses sujeitos na E.J.A;

• caracterizar as escolas e a interferência do trabalho pedagógico realizado que proporcionou tal êxito.

A hipótese é a de que o sucesso escolar dos alunos da E.J.A. está ligado à construção de estratégias, à mobilização pessoal e familiar, à necessidade de inclusão social, às novas demandas do mercado de trabalho e à construção e o domínio de um conjunto de valores que serão proporcionados pelo capital escolar.

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CAPÍTULO I

REFERENCIAL TEÓRICO

Os conceitos de capital econômico, social e cultural, presentes na obra de Pierre Bourdieu, servirão de referencial teórico nesta pesquisa. A sociologia é vista como a necessidade da construção do conhecimento sobre o mundo social, um instrumento para a sua transformação. Levando-se em conta os objetivos desta investigação, essa ideia é bastante pertinente.

Essa concepção do conhecimento como práxis proporciona outras possibilidades de diálogo com uma obra que, dificilmente, pode deixar de estar presente quando se estuda a educação de jovens e adultos. Bourdieu, ao criticar o objetivismo e o conhecimento fenomenológico, formula outro modo de conhecimento, inicialmente denominado de “praxiológico”, cujo objetivo é articular dialeticamente estrutura social e ator social. Para ele,

o conhecimento praxiológico tem como objetivo não somente o sistema de relações objetivas, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições duráveis dos agentes, nas quais elas se atualizam. Com isso busca ressaltar o duplo processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade. (apud MARTINS, 2002, p. 172).

Como possibilidade de uma mudança, que se distancia de algumas concepções pedagógicas mais tradicionais, enfatizarei a percepção na qual os processos educativos escolares não estão circunscritos às ações planejadas, promovidas pela iniciativa dos agentes institucionais. Adoto a perspectiva que considera como relações pedagógicas o conjunto de interações desenvolvidas nos espaços sociais e interessando-me, especificamente, mas não exclusivamente, em função do necessário recorte metodológico, pelas inter-relações estabelecidas no âmbito do espaço da unidade escolar tomada como campo de pesquisa.

A pesquisa utiliza a permanência como categoria11 central de análise, procurando compreender como são construídas estratégias e quais trajetórias escolares favorecem a

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permanência ou a constituição dos alunos permanentes. Para THOMPSON (1981), as categorias analíticas possibilitam estabelecer as relações entre as condições de vida e a sua produção, as práticas culturais e representações sobre o cotidiano, as práticas políticas e relações de vizinhança ou comunitárias, etc., pois a experiência articula a tradição, as práticas sociais e as representações.

A categoria ‘estratégia’ nesta pesquisa tem o sentido proposto por Bourdieu, ou seja, “[...] os agentes sociais têm a capacidade de enfrentar situações imprevistas e constantemente renovadas; além do mais, nos diversos campos sociais, sabem estabelecer relações entre os meios e os fins para adquirir os bens raros”. (BONNEWITZ, 2003, p.14). Para Bourdieu (2000), o termo estratégia não é como um produto inevitável de um cálculo custo-benefício nem como mero resultado do acaso. “Se certas ações podem ser fruto de decisões explícitas e racionais, outras decorrem do processo de interiorização das regras do jogo social e revelam a intuição prática que marca um bom jogador, o estrategista” (NOGUEIRA, 2000, p. 128). No caso dos alunos em estudo, não se trata de uma intervenção planificada, com objetivos precisos. Trata-se de um retorno à escola com a ausência de regras conscientes, desobedecendo a regularidades. Quais são elas?

Da mesma forma, seguindo a formulação do sociólogo francês, utilizo a categoria ‘trajetória’ como uma “... série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações”. (BOURDIEU, 1996, p.189).

Assim, relacionando-se ao nosso objeto de estudo, coloca-se o êxito na trajetória escolar destes sujeitos como uma importante forma de conseguirem inserção social.

Esta pesquisa trabalhará também com o conceito de experiência para E. P. Thompson, historiador inglês, que se dedicou especialmente à educação de adultos, e como ele afirma, o estudante adulto leva para a escola toda a sua experiência – o trabalho, sua trajetória de vida, suas relações sociais, e esses processos rompem com a lógica vigente nos processos de escolarização. Se, por um lado, a experiência pode ser pensada como um processo que acontece no âmbito individual, por outro lado, assume-se que ela está vinculada às determinações macrossociais sem serem definidas única e exclusivamente por estas.

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estabelece que a experiência é o elo entre a superestrutura econômica e a infra-estrutura sociocultural. Ele reafirma a importância das condições materiais e sociais de existência como constitutivas da experiência, o que equivale dizer que esta é social; ou segundo Lobo (1992), a experiência será o “elo articulador” entre as esferas da estrutura social e aquelas nas quais o ator social exerce sua função.

A diversidade de trajetórias e histórias de vida evidencia que uma pluralidade de interferências pode ser observada nos processos que levam os sujeitos a decidirem entre desistir ou permanecer na E.J.A. Para efeitos de análise, adotarei, em relação à instituição escolar, a classificação de Melo (1979), que identifica fatores externos e fatores internos vinculados à permanência ou à evasão. Os fatores externos estão vinculados, principalmente, aos obstáculos interpostos pelas estruturas sócio-econômicas que se refletem no cotidiano e nas histórias de vida dos alunos. Os fatores internos decorrem da configuração das relações sociais instituídas no âmbito do espaço escolar, destacadamente nas interações estabelecidas no interior da turma – ou classe, segundo a designação usada em alguns estados brasileiros (MELO, 1979). As ações pedagógicas, no sentido amplo, que se processaram nesses grupos sociais constituíram aspectos de fundamental relevância para a pesquisa.

A compreensão das diferentes estratégias construídas pelos sujeitos com o objetivo de permanência e conclusão dos estudos na E.J.A. possibilita significativos avanços para o campo. É imprescindível a superação tanto da perspectiva que responsabiliza o próprio aluno e a família – privilegiando fatores extra-escolares – quanto da perspectiva que atribui à instituição – os fatores intra-escolares – a responsabilidade pelos processos excludentes. Será necessário efetuar, então, os recortes metodológicos necessários à construção do objeto e a própria investigação social e estar atento aos dinamismos da realidade social.

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família". Esta pesquisa irá verificar se, no caso dos sujeitos investigados, é possível que esse investimento não tenha ocorrido de forma essencial.

O capital cultural é constituído por um conjunto de estratégias, valores e disposições proporcionados, sobretudo, pela família e pela escola, além de outros agentes socializadores, que cria, no indivíduo, uma predisposição a uma atitude mais dócil e de reconhecimento frente às práticas educativas (SETTON, 2002). Segundo Bourdieu, esse capital é herdado e possui a capacidade de se transformar em outros capitais; por exemplo, em capital social, que consiste no "... conjunto de relacionamentos sociais influentes..." (apud NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2002, p. 21). Ademais, o capital cultural pode existir sob três estados: incorporado, isto é, sob a forma de disposições duráveis do indivíduo; objetivado, que corresponde aos bens culturais; e institucionalizado – outro tipo de objetivação do capital cultural, como os diplomas.

Bourdieu (1998, p. 75) afirma, ainda, que a maioria das propriedades do capital cultural pressupõe sua incorporação, estando, portanto, ligada ao corpo e à subjetividade. Assim, esse capital é algo que, apesar de herdado, torna-se parte inerente ao próprio indivíduo: "O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da 'pessoa', um habitus". Os alunos da escola em questão buscam adquirir e incorporar esse capital cultural, valorizado e adquirido através da escola.

Segundo Bourdieu (1975), o habitus consiste em um sistema de disposições duradouras e transferíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, ou seja, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas, geradores e organizadores de práticas e de representações que podem estar objetivamente adaptadas a um fim. O habitus é um produto da relação dos agentes sociais com diversas modalidades de estruturas sociais.

Para Nogueira, Romanelli & Zago (2000), o sucesso escolar, nas camadas populares, e mais especialmente na E.J.A., está também na aposta da escolarização como forma de ascensão social ou até mesmo da inserção social.

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por serem estes que geram, nos indivíduos, a produção de estratégias para que tentem alcançar o que almejam.

As estratégias desenvolvidas pelos alunos, objeto de estudo desta pesquisa, são conjuntos de lances condutores de determinadas ações, que podem ser inconscientes e não-racionais. A intenção inicial das estratégias é atingir o sucesso, porém deve-se levar em consideração que o contexto de aplicação de uma estratégia pode fazer com que ela produza o efeito inverso, ou seja, o fracasso. Além disso, o resultado desejado pode não ser imediato. As aspirações subjetivas mais as chances objetivas facilitam chegar até as possibilidades objetivas.

As aspirações subjetivas dizem respeito aos desejos e ambições do sujeito; as chances objetivas estão relacionadas à oferta de materialidade necessária para a realização prática das aspirações; e as possibilidades objetivas são o resultado dessa soma que determina os limites materiais e simbólicos para a execução das aspirações do agente.

Em outros termos, a estrutura das oportunidades objetivas de ascensão social e, mais precisamente, das oportunidades de ascensão pela escola condiciona as atitudes frente à escola e à ascensão pela escola – atitudes que contribuem, por uma parte determinante, para definir as oportunidades de se chegar à escola, de aderir a seus valores ou a suas normas e de nela ter êxito; de realizar, portanto, uma ascensão social – e isso por intermédio de esperanças subjetivas (partilhadas por todos os indivíduos definidos pelo mesmo futuro objetivo e reforçadas pelos apelos à ordem do grupo), que não são senão as oportunidades objetivas intuitivamente apreendidas e progressivamente interiorizadas. (BOURDIEU, 1999, p. 49).

A permanência de alunos de classes populares na E.J.A., entretanto, ocorre de forma mais árdua. Esses alunos fazem maiores investimentos em estratégias que podem trazer retorno em curto prazo devido às urgências financeiras determinadas por sua posição no universo social. Assim, as classes populares não fazem fortes investimentos na instituição escolar por ela ter retornos materiais e simbólicos visíveis apenas em médio e longo prazo. No entanto, como a homologia existente no espaço social torna próximas as classes populares e as classes médias, algumas famílias dos meios populares acreditam no poder de elevação social, e isto somente será possível por meio da escolarização.

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agregam um contingente expressivo em termos absolutos. No que diz respeito ao papel desempenhado na dinâmica social, sua expressividade cresce. (SOUZA & SILVA, 2003, p.159).

Segundo Bourdieu (1998), as atitudes com relação à escola e à cultura escolar e a noção de o que os estudos podem oferecer no futuro, estão muito fortes nas classes médias e, portanto, os pertencentes a essa classe recebem não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, “mas também um ethos12 de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola” (BOURDIEU, 1998, p. 48). Os alunos do E.J.A. em questão buscam êxito na escola e pela escola, para alcançar novos objetivos pessoais e profissionais, e suas famílias têm um papel fundamental nesse contexto, pois encorajaram e exortaram esses sujeitos a obterem sucesso escolar.

Na década de noventa, os pesquisadores voltaram sua atenção e interesse para as trajetórias escolares atípicas, para os casos denominados de “improváveis” por Lahire (1995) e que se referem ao fracasso escolar de jovens oriundos dos grupos de elite, bem como o sucesso escolar de alunos dos meios populares. Nogueira (2004) apresenta uma das observações feitas por Baudelot (1999), sobre essa questão, quando declara: “Doravante, o insignificante estatístico vai tornar-se sociologicamente significativo”. Os alunos das classes populares que obtêm sucesso escolar passam a ter importância e significado.

Pode-se afirmar que ganha corpo uma “sociologia das trajetórias”13 na qual se destaca a importância que tem sido dada a atuação das famílias nos percursos escolares de seus membros e a atuação do próprio sujeito nesse processo.

Para Lahire (1997), quando queremos compreender as “singularidades” das biografias escolares, as especificidades de cada caso, parece que, fatalmente, somos obrigados abandonar o plano da reflexão macrossociológica dos grandes estudos e estatísticas, para “navegar nas águas da descrição...monográfica”.(LAHIRE, 1997, p.14). Devemos considerar que as condições de existência de um individuo estão atreladas a um contexto social, escolar e familiar no qual está inserido.

12 “Sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar”. (BOURDIEU, 1998, p.48).

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Conforme nos alerta Zago (2000, p.20), ao estudarmos a realidade escolar nos meios populares, é preciso que levemos em conta também outras dimensões da vida do aluno, além da estritamente escolar, o trabalho e a rede de relações sociais da qual faz parte, ou seja, as trajetórias sociais desses alunos também são fundamentais.

As pesquisas de Bourdieu (1998) e Lahire (1997) mostram que, na trama social e escolar que permeia as histórias de sucesso ou fracasso escolar, diversos fatores têm sido apontados como fundamentais. Dentre eles, pode-se destacar a mobilização pessoal, o valor atribuído à educação pelas famílias, a ordem moral doméstica e a ascensão ou inclusão social.

As famílias dos meios populares, por não apresentarem uma familiaridade com a linguagem e com a cultura escolar, mostram-se, muitas vezes, desprovidas de recursos capazes de possibilitar aos filhos melhores resultados escolares (BOURDIEU, 1998; ZAGO, 2000). Isso não significa que os alunos desses meios estão sempre em situação de fracasso escolar.

Segundo Lahire (1997), ao analisar uma dada configuração social, é válido lembrar que se trata de uma rede de relações de interdependências específicas entre os seres sociais e que, portanto, devem ser contextualizadas as suas singularidades e particularidades. Porém, apesar disso, não podemos negar ser inquestionável a influência familiar e o peso das condições sociais, econômicas e culturais, na definição de uma determinada situação escolar.

Lahire (1997), em seu estudo sobre sucesso escolar nos meios populares, também afirma que, para compreendermos os resultados e os comportamentos escolares, é necessário que a rede de interdependências familiares seja reconstruída, pois os casos de fracassos escolares são de solidão dos alunos no universo escolar, pois aquilo que trazem da estrutura familiar não lhes dá possibilidade de enfrentar as regras do jogo escolar – os tipos de orientação cognitiva, os tipos de prática de linguagem, os tipos de comportamento (...) próprios da escola. “Quando voltam para casa, trazem um problema (escolar) que as pessoas que o cerca não pode ajudá-los a resolver: carregam, sozinhos, problemas insolúveis”. (LAHIRE, 1997, p. 19)

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significativo capital social, fundamental para outras conquistas, inclusive do capital econômico.

1.1. Abordagem Metodológica da Pesquisa

Para Bourdieu (apud THIOLLENT, 1982, p. 44), toda técnica de pesquisa é uma “teoria em atos”, ou seja, a forma como os fatos são buscados, selecionados, correlacionados e analisados, em cada técnica de pesquisa, é construída a partir dos pressupostos teóricos que orientam, conscientemente, ou não, a investigação. No caso desta pesquisa, o conceito de capital cultural orientou a busca dos dados e da construção dos instrumentos.

Thiollent (1982) afirma que método de investigação é parte do corpo teórico adotado. É esse corpo teórico prévio que comanda o processo da pesquisa. A consciência desse fato possibilita aos pesquisadores – que acreditam que o conhecimento está contido no próprio fato, independentemente do modo de intervenção de quem o observa – uma vigilância sobre o significado dos dados obtidos, evitando a ilusão da existência de uma objetividade científica neutra, predominante nos estudos empíricos. Para marcar a diferença dessa posição empirista e positivista, muitos autores, como Habermas, propõem substituir o termo observação pelo termo questionamento para descrever o modo de obtenção dos dados durante o processo de pesquisa (idem).

A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador não só com o ambiente, mas também com a situação que está sendo investigada, exigindo, dessa forma, um trabalho intensivo de campo para presenciar as situações e os atores inseridos em seu ambiente natural. (LUDKE & ANDRÉ, 1986)

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A escolha da abordagem qualitativa para nortear esta investigação justifica-se pelo fato de ser uma abordagem utilizada pelos pesquisadores em educação por melhor contribuir para desvelar os conteúdos no campo e por ter, como pressuposto, a compreensão dos fatos e valores, sem separá-los. A partir dos questionamentos levantados e dos limites traçados no desenho deste estudo, pode-se caracterizá-lo, em termos metodológicos, como uma pesquisa qualitativa. Nesse sentido, esta pesquisa pretende dar voz aos atores sociais para analisar os múltiplos aspectos e particularidades que envolvem a experiência escolar de alunos de camadas populares. Buscamos considerar as falas dos sujeitos, respeitando seu conteúdo e seu contexto, social e histórico.

Realizamos, assim, a investigação com um grupo de sujeitos que pertence às classes populares que, voltaram a estudar em duas escolas públicas do município de Francisco Morato, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental – sem interrupções e com pouquíssimas desistências – até concluírem o Ensino Médio.

1.1.1. Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos e Escola Estadual Lenita Camargo: um campo de pesquisa.

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar e interpretar as razões que explicam o sucesso escolar de alunos de classes populares, que estudaram na Educação de Jovens e Adultos, em duas escolas do município de Francisco Morato, região periférica da grande São Paulo. Esses alunos voltaram aos estudos desde as séries iniciais e, sem interrupções, uma grande parcela deles conseguiu terminar o seu processo de escolarização.

A pesquisa reunirá informações nos diálogos desencadeados durante a aplicação dos questionários e entrevistas realizadas não só com alguns desses alunos que concluíram o Ensino Fundamental e o Médio na E.J.A., como também com as duas professoras que lecionaram para eles nas séries iniciais do Ensino Fundamental I14 no C.E.J.A. Professora

14

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Elimara e com o professores do Ensino Fundamental II15 e outro do Ensino Médio, na Escola Lenita Camargo.

O Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos, localizado nas proximidades do centro da cidade, é uma escola municipal inaugurada em 2002, com o objetivo de atender, exclusivamente, a Educação de Jovens e Adultos. Possui 08 salas de aula e funciona em dois períodos: vespertino (15h às 18h30) e noturno (19h às 22h30). Por estar próximo ao centro e, principalmente, da estação ferroviária, o C.E.J.A. recebe, em sua maioria, moratenses, que trabalham em São Paulo ou nas cidades próximas, como Jundiaí e Cajamar. A merenda escolar é oferecida a esses alunos trabalhadores antes do horário das aulas.

Os sujeitos desta pesquisa deveriam ficar três semestres – que corresponderiam à conclusão das séries iniciais do Ensino Fundamental I – no C.E.J.A., mas, por falta de vagas devido a uma reforma na Escola estadual Lenita Camargo, os alunos tiveram que ficar mais um semestre. Segundo suas professoras, Maria e Aparecida,

Este semestre a mais foi algo em comum acordo entre alunos, professores e a direção do Centro, pois partiu dos alunos, em consenso, que ficariam mais um semestre, desde que, ao final deste (sic), todos fossem colocados na mesma escola [Lenita Camargo] e na mesma sala de aula. Eles tinham vagas garantidas em outras escolas só que seriam espalhados em várias escolas e estas não eram próximas do centro da cidade. E sentimos um grande prazer em continuar com eles pelas relações de amizade desenvolvidas entre eles e conosco e pelo grande interesse que tinham em aprender cada vez mais. (Entrevista realizada em 08/03/2011).

No inicio do mês de agosto de 2004, um grupo de 40 alunos, divididos em duas classes de 20, ficaram entregues a duas professoras, Maria e Aparecida, que os acompanhou por quatro semestres do curso. As professoras desenvolveram um excelente trabalho pedagógico, conforme o depoimento do aluno Ariovaldo:

15

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Elas foram maravilhosas como pessoa e como professora, porque depois do tempo que ficamos com elas todos nós estávamos lendo, escrevendo e como elas falavam que era o mais importante, é uma palavra difícil, interpretando. Eu sou mestre de obras, o mais importante em uma construção é a fundação e o alicerce, então elas deram pra gente tudo que a gente precisava para ir em frente com fé e segurança na gente.(Entrevista realizada em 05/03/2011).

Ao final desses quatro semestres, dos 40 sujeitos que iniciaram, 36 alunos concluíram as séries iniciais do ensino fundamental I, dentro do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos. Os 36 alunos foram encaminhados para a Escola Estadual Professora Lenita Camargo e, após três anos e meio, 32 deles concluíram o ensino médio.

Em agosto de 2006, os trinta e seis sujeitos chegaram à Escola Estadual Professora Lenita Camargo, localizada no centro da cidade e bem próximo também da estação ferroviária. Essa escola possui 12 salas de aula, funciona em três períodos, e oferece, especificamente, o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, para a Educação de Jovens e Adultos, nos períodos matutino, vespertino e noturno.

Os sujeitos da pesquisa foram colocados na mesma sala de aula, e essa turma formou um grupo diferenciado dentro da escola, conforme afirmação do professor Marcelo16:

Eu tive a oportunidade de lecionar Matemática para este grupo desde a 5ª série e os acompanhei até o 3º ano do Ensino Médio. Eles chegaram e foram um diferencial, porque todos escreviam, liam, não tinham medo de perguntar e se não entendiam a matéria, eles ajudavam muito uns aos outros, e me chamava muito a atenção a forte relação de amizade entre eles. Dar aula para eles foi um marco na minha carreira como professor, aprendi muito. (Entrevista realizada em 08/03/2011).

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Ao final do primeiro semestre de 2009, dos 36 alunos que chegaram à Escola Estadual Professora Lenita Camargo, 32 concluíram o Ensino Médio.

1.1.2. Os sujeitos da pesquisa.

Meu primeiro contato com os sujeitos desta pesquisa ocorreu em agosto de 2006, quando eles terminaram o ensino fundamental I, no Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos. Lá fui alertado pela professora Maria que, no final de sua carreira no magistério, tinha sido agraciada com uma turma de E.J.A. Para ela, essa turma foi um presente, pois praticamente todos eram frequentes, escreviam, liam e interpretavam o que liam em suas aulas. Três anos depois, em uma reunião, encontrei a mesma professora, que estava alegre não só por ser homenageada na formatura desses mesmos alunos no Ensino Médio, mas também porque o grupo era formado praticamente por seus alunos a quem ministrara aulas nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Esses sujeitos faziam parte do outro lado do processo ensino-aprendizagem. Não só a professora trazia seu contentamento; eles também traziam em sua bagagem, experiências, vivências e possuíam as mais diferentes especificidades culturais, faixas etárias, profissões, etc. Apesar das diferenças todas, havia algo em comum: eles eram oriundos das classes populares, com uma curta passagem pela escola. Como afirma Haddad (1997, p. 156), ao caracterizar os alunos da EJA, os alunos

[...] trazem no corpo e na fala as marcas de outras regiões, sinais identificadores de seu grupo social. A cor da pele, as marcas das dificuldades da vida, a maturidade de quem foi obrigado a precocemente entrar no mercado de trabalho caracterizam o grupo social do curso noturno de maneira diferenciada aos bem-nascidos dos cursos regulares diurnos.

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lecionaram para estes sujeitos no Ensino Fundamental II e Ensino Médio – que muito contribuíram para que este sucesso fosse alcançado.

Como pesquisador, seguirei as orientações de Bakhtin (2006):

Para compreender a palavra, é necessário compreender a quem ela se dirige. Se, por um lado, o pesquisador, ao definir o perfil dos sujeitos, escolhe a quem sua palavra se dirigirá no decorrer do processo da pesquisa, por outro, os sujeitos, ao aderirem à pesquisa, também escolhem o pesquisador como um outro a quem dirigirão sua palavra.(BAKHTIN, 2006, p. 113).

Os atores da pesquisa foram amplamente receptivos e participantes: todos os trinta e seis sujeitos responderam ao questionário aplicado e compareceram às entrevistas. Num estudo no qual o objetivo é a imersão na experiência do outro, buscando captá-la nos termos desse outro que se oferece como sujeito, mas também como objeto do olhar do pesquisador, a adesão é fundamental. Apenas quando os sujeitos se sentem implicados com a pesquisa, instigados pelas questões que movem a investigação, cúmplices do objeto de pesquisa construído pelo pesquisador, é possível levar a termo as intenções iniciais. É essa cumplicidade entre os sujeitos e o objeto de pesquisa que o pesquisador tenta estabelecer quando entra no campo de investigação. O campo é o território do outro, do qual o pesquisador tenta se apropriar. Entretanto, essa apropriação deve ser consentida, para que não exproprie o outro de seu saber, de suas experiências, mas que busque a partilha.

1.1.3. Instrumentos de Pesquisa

Buscando identificar, descrever, caracterizar e compreender as trajetórias desses sujeitos, a coleta dos dados desta pesquisa ocorreu por meio de questionário e entrevista. Esses dois instrumentos têm, em comum, o fato de serem constituídos por uma lista de indagações que, respondidas, dão ao pesquisador as informações que ele pretende atingir.

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influência da família; sujeitos que voltaram obrigados pelo mercado de trabalho e os sujeitos menores de idade que estavam em liberdade assistida, e os professores indicados pelos próprios alunos.

Questionário

A coleta de dados, por meio do questionário (ver anexo 1 ) com treze questões estruturadas e semi-estruradas, foi realizada nos meses de setembro, outubro e novembro de 2010, nas dependências da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, em três encontros: o primeiro foi destinado à aplicação, o segundo e o terceiro, a pedido dos alunos para uma análise e um pequeno debate sobre os dados obtidos através das respostas dadas ao questionário.

Em relação à técnica do questionário, Thiollent (1982) afirma que, a partir da observação direta, se estabelece um contato efetivo com as pessoas implicadas no problema investigado. Os sujeitos puderam questionar (observação) e reagir ao questionário (direta), ou nas palavras de THIOLLENT (1982, p. 32) “Questionários, formulários e entrevistas são considerados como técnicas de observação direta pelo fato de estabelecerem um contato efetivo com as pessoas implicadas no problema investigado...”.

As perguntas do questionário foram elaboradas, baseando-se nos objetivos da pesquisa, com o intento de responder às seguintes indagações: quem são estes sujeitos? Quais são suas origens? Quais foram suas trajetórias escolares anteriores? Por que voltaram e permaneceram? Quais os fatores que interferiram nesta permanência? O que mudou na vida desses sujeitos após a conclusão do Ensino Médio? Assim, esperou-se caracterizá-los, de forma geral, quanto aos aspectos econômico, social e escolar.

As Entrevistas.

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procedimento mediador que conduz a uma interação entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa, para melhor compreensão da realidade.

Para Ludke & André (1986, p. 34), a técnica de entrevista semi-estruturada é a que mais se adapta aos estudos do ambiente educacional, porque apresenta um esquema mais livre, já que esse instrumento permite mais flexibilidade no momento de entrevistar os sujeitos da pesquisa. Essa técnica de coleta de dados é um dos principais instrumentos usados nas pesquisas das ciências sociais, desempenhando papel importante nos estudos científicos. A grande vantagem dessa técnica em relação às outras, segundo as autoras, “(...) é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.

Para as autoras, a entrevista semi-estruturada dá uma maior possibilidade de entendimento das questões estudadas nesse ambiente, uma vez que permite não somente a realização de perguntas que são necessárias à pesquisa e não podem ser deixadas de lado, mas também a relativização dessas perguntas, dando liberdade ao entrevistado e a possibilidade de surgir novos questionamentos não previstos pelo pesquisador, o que poderá ocasionar uma melhor compreensão do objeto em questão.

Nas entrevistas semi-estruturadas, há o momento das perguntas anteriormente determinadas, podendo ser as respostas relativamente livres. Caso haja necessidade, o pesquisador pode acrescentar uma questão não prevista, dependendo das respostas dos respondentes.

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CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONTEXTO HISTÓRICO.

2.1. Trajetória da Educação de Jovens e Adultos do Período Colonial até 1930.

Toda a história das ideias em torno da Educação de Adultos no Brasil acompanha a história da educação brasileira que, por sua vez, acompanha a história dos modelos econômicos e políticos e, consequentemente, a história das relações de poder, dos grupos que estão no exercício do poder. A mobilização brasileira em favor da educação do povo, ao longo de nossa história, parece realmente ligar-se às tentativas de sedimentação ou de recomposição do poder político e das estruturas socioeconômicas, fora e dentro da ordem vigente.

A ideia de adotar uma política colonizadora, através da conversão dos indígenas no Brasil colonial, permitiu aos jesuítas17 (1549-1759) desempenharem o papel de principais promotores e organizadores do sistema de educação. A sua autonomia, porém, e consequentemente a influência na colônia, fez com que a coroa portuguesa não só combatesse a ampliação desse controle, como também os expulsasse das terras brasileiras, provocando, dessa forma, a regressão do sistema educativo implantado. Quem mais sofrera com sua expulsão, na verdade, fora a elite, pois a educação popular era quase inexistente.

Paiva (1973, p.165) ressalta que a educação dos adultos indígenas tornou-se irrelevante. O domínio das técnicas da leitura e escrita não era necessária para os membros da sociedade colonial, já que se baseava, principalmente, na exportação da matéria-prima. Assim, não havia preocupação em expandir a educação a todos os setores sociais. Com a vinda da família Real Portuguesa para o Brasil (1808), modificou-se o panorama educacional brasileiro, uma vez que se tornara necessária a organização de sistema de ensino para atender a demanda

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educacional da aristocracia portuguesa e preparar quadros para as novas ocupações técnico-burocráticas.

Normalmente, entendia-se por educação de adultos apenas a transmissão de alguns poucos conhecimentos da cultura letrada – leitura e escrita – para os analfabetos. Essa visão estreita da educação estava ligada aos interesses políticos e econômicos das elites que entendiam que bastava o domínio superficial da leitura e da escrita, pois assim seria possível manter a “ordem social” instituída.

Politicamente, era conveniente às elites que a grande maioria da população não tivesse acesso à educação e soubesse ler e escrever para poder votar, pois, com a reforma do sistema eleitoral (Lei Saraiva de 188518), os analfabetos eram excluídos do contingente eleitoral. Além disso, as elites entendiam que os votos do recém-alfabetizados seriam presas fáceis para alimentar o curral eleitoral local. A reforma eleitoral acabou reforçando a “ideia de que a educação concorria para o progresso. Além disso, a eleição direta com restrição ao voto do analfabeto provocara a valorização daqueles que dominavam as técnicas da leitura e da escrita” (PAIVA, 1987, p. 168).

Do ponto de vista econômico, era necessário alfabetizar os iletrados, pois o processo de industrialização do país exigia mão-de-obra pré-qualificada. As elites não poderiam mais contar com a mão-de-obra escrava – embora se falasse em fim da escravidão –, acostumada com o trabalho agropecuário que não exigia esforços intelectuais. Era preciso suprir as demandas do mercado industrial emergente que requeria dos trabalhadores o mínimo de exercício intelectual, ou seja, o domínio, ainda que precariamente, da arte da leitura e da escrita.

Com o desenvolvimento da sociedade – predominantemente rural e agrícola no início e depois passou a ser industrial e urbana – e com o fortalecimento das cidades, surgiu a

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necessidade de se ter certo domínio de conhecimento e a apresentação de algumas habilidades de trabalho.

No ano de 1854, surgiu a primeira escola noturna e, em 1876, já existiam 117 escolas por todo o país, como nas províncias do Pará e do Maranhão, que já estabeleciam fins específicos para sua educação. Segundo Paiva (1973, p.167), no Pará, visava-se dar instrução aos escravos como forma de contribuir para a sua educação; no Maranhão, a instrução serviria para que os homens do povo pudessem ter compreensão dos seus direitos e deveres. Sobre a experiência das escolas noturnas, Paiva afirma:

A crise do sistema escravocrata e a necessidade de uma nova forma de produção são alguns dos motivos para a difusão das escolas noturnas, entretanto, essas escolas tiveram um alto índice de evasão o que contribuiu consideravelmente para o seu fracasso. Ressurgindo novamente em 1880, com o estímulo dado pela reforma eleitoral – Lei Saraiva –, chegando-se a cogitar a extensão da obrigatoriedade escolar aos adolescentes e adultos nos lugares em que se comprovasse a inexistência de escolas noturnas (PAIVA, 1973, p. 168).

Os limites de idade nas escolas noturnas e dominicais eram de 16 e 40 anos. As escolas eram destinadas ao sexo masculino e poderiam ser instaladas desde que pudessem contar com a frequência mínima de 30 alunos. As lições eram dadas apenas em três horas, todas as noites, com exceção dos domingos. As matérias ensinadas eram: língua pátria, aritmética, geometria e desenho, e lições de coisas. Segundo MOURÃO (1962, p.211),

Destinadas a adolescentes, ou mesmo a adultos, as escolas noturnas apresentavam inestimáveis benefícios aos alunos que trabalhavam durante o dia, não podendo frequentar os grupos escolares ou as escolas isoladas que funcionavam de manhã ou à tarde. Os seus programas aprovados conjuntamente com os dos grupos escolares e das escolas singulares nada tinham, talvez, de específico para a finalidade. O regime desses cursos noturnos era o das escolas singulares com quatro classes, que estudavam ao mesmo tempo, cabendo ao professor, pela divisão de tarefas, mantê-las todas em atividades ao mesmo tempo.

Até a Primeira Guerra Mundial, mais particularmente na década de 1910, a maior parte das discussões sobre o problema da educação popular foi travada no Parlamento, por meio do debate dos projetos de reforma do Município Neutro19. A reforma do Distrito Federal, em 1928, merece destaque, pois reorganizou os cursos elementares noturnos e moralizou o seu funcionamento. Sob a designação de Cursos Populares Noturnos, eles deveriam ministrar o

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ensino primário elementar em dois anos a adultos analfabetos, depois o ensino técnico elementar, cultura geral, práticas de higiene, demonstrações práticas e palestras populares.

Esses cursos tiveram grande resposta junto à população e houve um grande aumento das matrículas. Não teve continuidade após a Revolução de Trinta, mas deixou bases para a renovação do ensino de adultos na segunda metade da década de 1930.

A mobilização iniciada com a Primeira Guerra, entretanto, ao trazer à tona a necessidade de expandir a rede de ensino elementar, levantou também o problema da educação dos adultos. A abordagem do problema, contudo, se faz em conjunto: o tema é a educação popular, ou seja, a difusão de ensino elementar. As reformas da década de 20 tratam da educação dos adultos ao mesmo tempo em que cuidam da renovação dos sistemas de um modo geral. Somente na reforma de 28 do Distrito Federal, ela recebe mais ênfase, renovando-se o ensino dos adultos na primeira metade dos anos 30. (PAIVA, 1973, p. 168).

Após a Primeira Guerra Mundial, com a industrialização e urbanização, formou-se a nova burguesia urbana. Estratos emergentes de uma pequena burguesia exigiam o acesso à educação – esses segmentos aspiraram a uma educação acadêmica, elitista ou tecnicista, enquanto que o restante da população continuou analfabeta e inferiorizada.

Nos anos 20 aparecem os primeiros profissionais da educação que tentaram sustentar a crença em seu descompromisso com idéias políticas defendendo o tecnicismo em educação e trazendo implícita a aceitação das idéias políticas dos que governam, a educação popular vinculada pelo entusiasmo na educação que nada mais foi do que uma expansão das bases eleitorais, pois a preocupação maior estava vinculada ao aumento do poder da classe burguesa (PAIVA, 1973, p.28).

Diferentes discussões e definições em torno da alfabetização e/ou escolarização de adultos acompanham lutas ideológicas e políticas de cada período, trazendo consequências pedagógicas sérias ao processo educativo de sujeitos que buscam tardiamente sua escolarização.

2.2. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

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governo”. Circulou em âmbito nacional com a finalidade de oferecer diretrizes para uma política de educação.

Em 1932, foi publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: a reconstrução educacional no Brasil, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vários intelectuais da época, como Carneiro Leão, Hermes Lima, e pelo grande amigo de Azevedo, Anísio Teixeira. Nesse documento, foram propostas e definidas várias soluções que, a partir de então, foram aplicadas à educação brasileira (Cf. ROMANELLI, 1991). Aqui, alguns dos princípios enunciados:

1 - A educação deve ser essencialmente pública, obrigatória, gratuita, leiga e sem qualquer segregação de cor, sexo ou tipo de estudo, e desenvolver-se em estreita vinculação com as comunidades;

2 - A educação deve ser uma só, com os vários graus articulados para atender às diversas fases do crescimento humano. Mas, unidade não quer dizer uniformidade; antes, pressupõe multiplicidade. Daí, embora única, sobre as bases e os princípios estabelecidos pelo Governo Federal, a escola deve adaptar-se às características regionais;

3 - A educação deve ser funcional e ativa, e os currículos devem adaptar-se aos interesses naturais dos alunos, que são o eixo da escola e o centro de gravidade da educação;

4 - Todos os professores, mesmo os de ensino primário, devem ter formação universitária.

O texto do manifesto ainda dizia que:

... se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. (LOURENÇO FILHO, M. B., 1978, p. 66).

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cultura geral que nos convencesse da existência de um problema sobre objetivos e fins da educação" (idem).

A educação nova, dessa forma, propunha "servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social". Ou seja, o objetivo era ter um "ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação" (idem).

Os educadores de 1932 que assinaram o manifesto diziam que a escola tradicional estava instalada para uma concepção burguesa, deixando o indivíduo numa autonomia isolada e estéril. O documento defendia ainda a educação como uma função essencialmente pública. A escola deveria ser única e comum, sem privilégios econômicos de uma minoria; todos os professores deveriam ter formação superior e o ensino deveria ser laico, gratuito e obrigatório.

A democracia no Brasil era um dos pontos mais importantes no manifesto de 1932. A educação era vista como instrumento de reconstrução da democracia, permitindo a integração dos diversos grupos sociais. Nesse sentido, o governo federal deveria defender bases e princípios únicos para a educação, mas sem ignorar as características regionais de cada comunidade.

Além de povo e governo serem auditórios complexos e multifacetados, o Manifesto se instituía como “peça de combate, toda ela envolta e atravessada pelo intento de produzir um efeito de verdade” que, como afirma WARDE (2004 p. 229), “... consistia em dividir a educação brasileira, de ponta a ponta, entre o novo e o velho, tendo por base o diagnóstico de que o novo não emergia na sua plenitude no Brasil porque o velho resistia e se negava à morte”.

O Manifesto (AZEVEDO, 1932, p. 59) defendia, então, “uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional”, abrangendo desde os jardins de infância até a Universidade, apelando a “um conceito dinâmico” que remete “não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno”, no intuito de levar “à formação da personalidade integral” do estudante e “ao desenvolvimento de sua faculdade criadora e de seu poder criador”. Para isso, a escola deveria adotar os “mesmos métodos (observação, pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas”.

Referências

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