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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Rosana Nogueira Pinto

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Rosana Nogueira Pinto

A Educação Escolar na Era da Cultura das Mídias:

O Corpomídia como Paradigma Desestabilizador de Dispositivos de Poder

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Rosana Nogueira Pinto

A Educação Escolar na Era da Cultura das Mídias:

O Corpomídia como Paradigma Desestabilizador de Dispositivos de Poder

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, Área de Concentração: Signo e Significação nas Mídias, sob a orientação da Profª. Drª. Christine Greiner.

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Pinto, Rosana Nogueira

A Educação Escolar na Era da Cultura das Mídias: O Corpomídia como Paradigma Desestabilizador de Dispositivos de Poder / Rosana Nogueira Pinto. São Paulo, 2013.

84f.

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica.

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BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Em especial, ao João, Carla, Celma, Barnabé e, com muito carinho, à minha mãe, Ica, pela compreensão da minha ausência em muitos momentos neste período tão significativo para mim.

Aos meus irmãos e, em memória, ao meu pai, João, minha irmã Zan e meus tios e tias Nogueiras, pela minha ótima infância que me fez acreditar que é possível, sim, respeitar as diferenças.

Aos amigos de diálogos políticos, arte e educação – JB, Célia, Luisão, Jorjão, Mirca, Edu, Duzinho, Elaine, Adriana, Márcia, Carla, Roberta, Mariana, Paulina, Marcos, Imparato, Ricardo, Camilla e Ras. Além do querido professor e amigo Jorge Albuquerque. E outros que porventura tenha deixados de citar aqui.

Aos professores e artistas da graduação em Comunicação das Artes do Corpo.

Aos espaços que confiaram em mim e muito me ensinaram sobre educação social –

Núcleo de Trabalho Comunitário da PUC-SP (NTC), Instituto Paulo Freire (IPF).

À Christine Greiner, que, com sua generosidade, muito soube me ler e traduzir, ao me orientar, principalmente nos momentos de crise.

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RESUMO

O objeto desta dissertação é analisar alguns aspectos da educação fundamental no Brasil, a partir de algumas teorias da comunicação que explicitam dispositivos de controle conservadores que atuam de maneira incisiva no cotidiano escolar. Nos últimos dez anos, há uma proliferação de bibliografias que sugerem que estamos imersos na cultura das mídias (em detrimento da cultura das massas) e em novas concepções de trabalho e de corpo (com ênfase no trabalho imaterial e em corpos não docilizados). No entanto, em se tratando da educação fundamental, todas estas transformações são paulatinas, e alguns padrões cognitivos gerados pela comunicação de massa persistem. No caso desta dissertação, o corpus de análise refere-se a algumas experiências específicas do ensino público, das quais a pesquisadora tem participado ativamente. Em termos metodológicos, a discussão começa com a colaboração de Jesús Martín-Barbero (2003, 2009), que propõe repensar a educação a partir da comunicação, em sintonia com as propostas pedagógicas de Paulo Freire (1980, 2005, 2011); e outras teorias da comunicação que valorizam o papel do corpo e reconhecem um bios midiático (SODRÉ, 2009; GREINER; KATZ, 2005, 2010). Além disso, alguns fragmentos da extensa obra de Michel Foucault (1979, 2010) mostram-se fundamentais ao trazerem para o debate alguns temas importantes, entre os quais a noção de micropoderes e de corpos dóceis. Tais estudos ajudam a diagnosticar as consequências devastadoras da educação social, que parte da noção de corpo como veículo ou instrumento. O resultado esperado é a formulação de uma reflexão crítica preliminar que explicite a relação entre alguns dispositivos de poder da cultura das mídias e os modos como a educação, e mais especificamente a educação do corpo, continua sendo opressiva, a despeito de todos os debates acerca das redes midiáticas que privilegiam a potência e a singularidade do ser humano.

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ABSTRACT

The object of this dissertation is to analyze some aspects of elementary education in Brazil, through some communication theories that explain conservative control devices which act incisively in school life. In the last ten years, there is a proliferation of bibliographies which suggest that we are immersed in media culture (at the expense of mass culture) and in new conceptions of work and of body (with emphasis on immaterial labor and non-docile bodies). However, in the case of elementary education, all of these transformations are gradual, and some cognitive patterns generated by mass communication persist. In the case of this dissertation, the corpus of analysis refers to some specific experiences in public education, of which the researcher has actively participated. In methodological terms, the discussions starts with the collaboration of Jesús Martín-Barbero (2003, 2009), who proposes rethinking education through communication, in line with the pedagogical proposals of Paulo Freire (1980, 2005, 2011) and other theories of communication which value the role of the body and recognize a mediatic bios (SODRÉ, 2009; GREINER; KATZ, 2005, 2010). Besides that, some fragments of the extensive work of Michel Foucault (1979, 2010) show themselves as essential in bringing to the discussion some important themes, among them the notion of micro-powers and docile bodies. Such studies help diagnose the devastating consequences of social education, which originate from the notion of the body as a vehicle or instrument. The expected result is the formulation of a preliminary critical reflection stating the relationship between some power devices of media culture and the ways in which education, and more specifically the education of the body, remains oppressive, despite all debates regarding media networks that favor the power and uniqueness of human beings.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 08

2 CAPÍTULO 1 - Por que pensar a educação desde a comunicação mediada pela Teoria do Corpomídia? ... 11

2.1 Um levantamento de questões a partir das pesquisas de Martín-Barbero e Paulo Freire e algumas pontuações de Muniz Sodré ... 11

2.2 A construção do corpomídia como ação política ... 23

2.3 A arte, fundamental para a sobrevivência humana ... 42

3 CAPÍTULO 2 – A dificuldade para resistir ... 45

3.1 Enfrentando a docilidade do corpo ... 45

3.2 Educação Escolar – um espaço de resistência ... 67

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 77

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Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade.

Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura.

Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

Charlie Chaplin

Desde a modernidade, tanto a comunicação como a educação escolar têm se estruturado baseadas em um modelo ―centralizador, vertical e unidirecional‖ (SODRÉ, 2009,

p. 9). Este modelo, que ainda guarda vestígios de hábitos cognitivos que datam da época da colonização, costuma atender a necessidades de regimes autoritários e, por meio de formas hegemônicas, não raramente dita regras e controla a ordenação da vida sociocultural.

Como tem sido amplamente discutido, a educação escolar e a comunicação costumam ser articuladoras de conhecimento (MARTÍN-BARBERO, 2003). São dois campos com potencialidade tanto para libertar como para domesticar corpos. O que conduz boa parte das escolhas são ações ideológicas que fazem mediações entre as relações humanas e a organização de redes cognitivas dos sistemas que constituem o entorno.

Alguns brasileiros (intelectuais, jornalistas, professores, artistas, ativistas etc.) têm demonstrado esforço admirável para que tanto a educação escolar como a comunicação sejam de acesso amplo e passem a articular ações que garantam um ambiente democrático para a sociedade como um todo. No entanto, nem sempre a educação escolar e a comunicação andam sintonizadas nessa mesma direção. Tudo depende do tipo de comunicação e de educação que estão em jogo.

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ainda parece dominante.

No caso desta dissertação, o corpus de análise refere-se a algumas experiências específicas do ensino público, das quais a autora tem participado ativamente. A base metodológica apoia-se inicialmente na discussão de Jesús Martín-Barbero (2003, 2009), que propõe repensar a educação a partir da comunicação, em uma interface decisiva com as propostas de Paulo Freire (1980, 2005, 2011) e de Muniz Sodré (2009) acerca das novas teorias da comunicação. Além disso, alguns fragmentos da extensa obra de Michel Foucault (1979, 2010) e da Teoria Corpomídia de Katz e Greiner (2005, 2010) mostram-se fundamentais, ao trazerem para o debate alguns temas importantes, entre os quais a noção de micropoderes e de corpos dóceis. Tais estudos ajudam a diagnosticar as consequências devastadoras da concepção de educação que parte da noção de corpo como veículo ou instrumento.

A dissertação organiza-se em dois capítulos. No primeiro, faz-se uma breve retrospectiva de aspectos das teorias da comunicação e das teorias da educação que explicitam quais são os dispositivos de poder envolvidos e quais os campos de intersecção entre as duas áreas, como propõem Jesús Martín-Barbero, Paulo Freire e algumas contribuições do autor Muniz Sodré.

Quando se trata da cultura das mídias e da educação pública tradicional, há fortes traços de centralidade, verticalidade e unidirecionalidade, como resquícios de um sistema

―histórico-cultural colonizador‖ (FREIRE, 1980). Algumas perguntas que surgem no decorrer

da pesquisa são: Como lidar com as especificidades? Como dar visibilidade aos operadores cognitivos envolvidos?

A educação, por mais tradicional que seja, atua na comunicação corpo a corpo entre os sujeitos. Apesar de se saber do potencial que tem o diálogo nas relações presenciais, é justamente por meio deste que se evidencia um processo de construção de ―corpos dóceis‖

(FOUCAULT, 2010).

Para finalizar este primeiro capítulo, apresentam-se os principais aspectos da Teoria Corpomídia, que dialogam com estas propostas e podem fundamentar novos caminhos de reflexão e experimentação pedagógica.

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uma sociedade com um sistema de educação imposto e uma sociedade com saberes compartilhados.

Para finalizar este segundo capítulo, faz-se uma reflexão teórico-prática, rica em exemplificações vivenciadas em sala de aula, oficinas e fóruns de discussão, sobre a escola que temos e a escola que queremos.

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2 CAPÍTULO 1 – Por que pensar a educação desde a comunicação mediada pela Teoria do

Corpomídia?

2.1 Um levantamento de questões a partir das pesquisas de Martín-Barbero e Paulo Freire

e algumas pontuações de Muniz Sodré

Nada pode prejudicar mais a educação do que nela introduzir modernizações tecnológicas sem antes mudar o modelo de comunicação que está por debaixo do sistema escolar.

Jesús Martín-Barbero

Este estudo parte da proposta de Jesús Martín-Barbero (2003, 2009) para se pensar a educação desde a comunicação, pois este autor aproxima as suas hipóteses das obras de Paulo Freire (1980, 2005, 2011) e de algumas questões apontadas por Muniz Sodré (2009) sobre a importância de se pensar a educação escolar na América Latina, em especial no Brasil. As pontes com Paulo Freire já haviam sido anunciadas pelo próprio Martín-Barbero, mas a conexão com os estudos da sensibilidade, como sugeriu Sodré, e com as recentes pesquisas do corpo ainda estava por ser feita. Para tanto, serão apresentadas algumas pontuações da teoria do corpomídia das autoras Christine Greiner e Helena Katz (2005, 2010), que entendem que o corpo em movimento é a matriz da comunicação, e a construção do corpo atua como uma ação política pertinente a uma atuação mais coerente com o momento de transição entre uma

sociedade disciplinar, com sistema educativo fechado, e uma sociedade com ―saberes

compartilhados‖ (MARTÍN-BARBERO, 2003).

Martín-Barbero explica que a comunicação encontra-se dentro de um processo de hegemonia comunicacional do mercado na sociedade, e que está convertida no mais ―eficaz motor de desengate e de inserção das culturas‖ (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 13). Por isto, faz-se necessário:

[...] pensar o lugar estratégico que passou a ocupar a comunicação na configuração dos novos modelos de sociedade e sua paradoxal vinculação tanto com o relançamento da modernização – via satélites, informática, videoprocessadores – quanto com a desconcertada e tateante experiência da tardomodernidade. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 13).

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Brasil, produziu um material de grande importância para se refletir sobre a educação e a comunicação para além de simples temáticas, e sim como articuladoras e estratégicas, explica que, desta forma, pode-se pensar a comunicação e a educação como parceiras de outra mundialização possível.

Desde os anos 1990, a América Latina vem, junto ao FSM, fortalecendo questões como: uma educação permanente, uma formação inicial polivalente, os avanços da informação e a comunicação comunitária, tanto direta como virtual. Porém, sabemos que este modo de atuar da comunicação e da educação bate de frente com as tendências dos dominantes da economia mundial, ou seja, os que defendem a lógica globalizadora do mercado por meio da cultura, da educação e da comunicação. Martín-Barbero aponta que, segundo esta lógica, a educação, hoje, ainda se organiza em função do mercado de trabalho. Este processo busca formar profissionais que atuem de acordo com a empregabilidade, fortalecendo a mais nova categoria hegemônica, que une flexibilidade, adaptabilidade e competitividade. Já a comunicação vem tendo um papel decisivo tanto na infraestrutura tecnológica da globalização, na mundialização do imaginário como também no fortalecimento da ideologia neoliberal, que, ao se pautar na desregulação do mercado, deslegitima o espaço e o serviço público.

Este processo comunicacional agrega uma ambivalente mistura de perversidades e oportunidades. As megacorporações globais que dominam o mercado mundial, de modo perverso, fortalecem, por meio do poder econômico, a dominação tanto dos veículos como dos conteúdos, e possibilitam que a minoria controle a opinião pública e a imposição de modelos estéticos cada vez mais banais. Outra forma de perversidade, segundo o autor, se encontra no modo como está sendo controlada a liberdade de informação e expressão. Este formato, que atua na distorção das informações em nome da ideologia dominante, coloca em risco os principais direitos civis.

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Martín-Barbero também anuncia algumas convicções que, em suas leituras e experiência como educador, o levaram a pensar sobre uma possível utopia, que poderia reverter as formas de atuar de homens e mulheres na construção de um mundo justo e humanitário, não como queixas nostálgicas, mas como questões fundamentais para construir propostas futuras. É importante lembrar que este estudo busca destacar tais convicções, principalmente porque, em especial no Brasil, estas já se encontram com certo desgaste, pois têm sido, há algum tempo, alvo de incessantes discussões e novas experiências da prática escolar, mas que infelizmente têm tido pouco retorno para a efetivação de políticas públicas que garantam um ensino escolar mais uniforme por toda a rede nacional, coerente com as diversas realidades em todo o país. Esta pesquisa entende que estas convicções exigem uma atenção cuidadosa e merecem ser inseridas em discussões com outras áreas, pois são ainda de grande relevância para se pensar uma educação desde a comunicação pelo viés do corpo:

A primeira dessas convicções é que a educação já não é pensada a partir de um modelo escolar que seja ultrapassado tanto espacial como temporalmente por concepções e processos de formação correspondentes às demandas da sociedade-rede (M. Castells, 1998), essa segunda modernidade que nos introduz na era da informação. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 12)1.

Não existe, portanto, idade para aprender. O Brasil está passando de uma sociedade com sistema educativo a uma sociedade educativa, dinamizando um processo de educação que atravessa todos os ambientes em que convive o ser humano independentemente de idade. As pessoas mais velhas se encontram não só em programas universitários como em modalidades que estão fora dos requisitos curriculares, desenhando novas formas de aprendizagem. Assim, Martín-Barbero contribui com alguns dos principais questionamentos que permeiam esta pesquisa: Quais as concepções e processos de formação que permitiriam a introdução na era informacional, consentindo à contemporaneidade livrar-se dos dispositivos de controle herdados da modernidade no formato centralizador, vertical e unidirecional? Qual o eixo orientador e mediador que atua entre estes lugares educativos para que uma sociedade compartilhe conhecimentos coerentes com uma sociedade democrática e justa?

Uma segunda preocupação chave é a de não pensar manequiamente as duas medidas que tensionam mais fortemente a educação de hoje: a que vincula esta com a cultura, e que é a que Hannah Arendt (1965) já havia colocado no

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centro da renovação sociopolítica do pós-guerra, a transmissão da herança cultural entre gerações. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 12-13)2

Aqui, aponta-se para o fato de a educação estar relacionada diretamente com a cultura, e destaca-se um momento histórico importante para a humanidade, que seria quando a espécie humana, após o ―choque‖ diante das ações perversas da segunda guerra mundial, iniciou o

movimento da humanização do convívio social. Neste período, uma proposta pertinente é apontada por Hanna Arendt3 (1965) sobre a transmissão de herança cultural entre gerações, que se pode hoje relacionar com o direito de acesso ao conhecimento historicamente acumulado.

Pode-se dizer que as gerações atuais não participaram diretamente da constituição deste conhecimento, mas que há vestígios que se propagam como uma espécie de herança internalizada no corpo, mas que necessita ser explicitada para se refletir sobre a mesma, pois conhecimento é processo, não é algo dado, que simplesmente lá está.

Outro ponto relevante apresentado por Martín-Barbero em relação à educação e cultura é a formação de capacidades, destreza e competências que possibilitem a inserção ativa dos jovens no campo profissional. Segundo o autor (2003), esta formação deve ser radicalmente reorientada, pois, mais que preparar para o mercado de trabalho, é importante que esta capacitação seja compatível com a conversação cultural, assim como a formação de uma nova cidadania, onde os cidadãos sejam capazes de pensar com a sua cabeça e de participar ativamente na construção de uma sociedade justa e democrática.

Com base na reflexão do autor sobre educação e cultura, seguem mais algumas questões pertinentes a este estudo: Será possível unificar conceitos orientadores de uma cultura humanizadora, libertadora, coerente com o sistema democrático? Como a educação escolar pode contribuir para a construção da cultura, para que a cultura deixe de herança uma cultura educacional democrática?

―A terceira convicção se refere à necessidade de fortalecer a escola pública. Ela tem se

transformado no termômetro mais fiel do modelo de Estado que estão dando os países. Pois, pressionado pelas diretrizes neoliberais [...]‖ (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 13)4.

2 Una segunda preocupación clave es la de no pensar maniqueamente las dos dimensiones que tensionan más fuertemente la educación hoy: la que vincula a ésta con la cultura, y que es la que ya Hannah Arendt (1965) colocó en el centro de la renovación sociopolítica de la postguerra, la transmisión de la herencia cultural entre generaciones. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 12-13)

3 Hanna Arendt (1906-1975).

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Quanto à terceira convicção do autor, toca direto no ponto nevrálgico da educação, em alguns países da América Latina onde a educação escolar atende a maioria e em que esta maioria não tem autonomia nas condições do seu aprendizado. Pelo fato de este formato de educação estar baseado nas diretrizes neoliberais, esta se concentra em administrar e controlar os riscos de explosividade dos conflitos sociais provocados pela própria globalização; por isto, não se consegue projetar a educação desde uma política estratégica e de longo prazo, ficando, assim, à disposição das necessidades do Estado.

Este modelo de educação atuante na escola pública é contraditório em relação à atuação da educação na sociedade informacional, pois o tratamento que se encontra na escola pública, desde a primária até a universidade, na América Latina, não faz senão agravar ainda mais a desestabilidade das instituições democráticas, dificultando a viabilidade de alguns países latinos como nação.

O autor ressalta, ainda, que a escola pública é um espaço onde se encontram as trajetórias socioculturais das maiorias e, por isto, se encontra como um espaço onde se produzem mais as amplas e permanentes transformações sociais e culturais de grupos excluídos. Portanto, Martín-Barbero argumenta que a escola pública não só pode como deve ser um lugar aberto ao desenvolvimento da inteligência coletiva e das biografias educativas. Fica cada vez mais claro o papel da escola pública como orientadora e mediadora da comunicação entre os lugares educativos de uma sociedade que compartilha conhecimentos coerentes com uma sociedade democrática e justa.

E uma quarta convicção referente ao papel da tecnologia. Se, como afirma Castells, ''a tecnologia (ou sua carência) captura a capacidade das sociedades para se transformarem, assim como os usos a que essas sociedades decidem dedicar seu potencial de inovação'' (Castells, 1998:33), o certo é que até agora a presença da tecnologia comunicativa e da informática na escola nem vislumbra transformações nem estimula a inovação. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 14)5.

Apesar de muitos espaços escolares estarem equipados com aparatos tecnológicos, a educação ainda não está se apropriando da potencialidade da tecnologia em desenvolver as transformações necessárias para a sociedade compartilhar, democraticamente, seus conhecimentos. Mesmo na Europa, onde já há algum tempo a maioria das escolas, desde a

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primária até a secundária, têm acesso à internet, as mesmas a utilizam muito pouco, e quase nunca se produz em sala de aula.

Já em alguns países da América Latina, a tecnologia não só está fora da escola, como da cultura6. Tanto a tecnologia como a ciência parecem pertencer escolarmente ao âmbito da razão instrumental, ou seja, ao domínio técnico. As potencialidades das tecnologias se encontram apenas no momento de contribuir para modernizar uma espécie de adorno do ensino, mas não estão sendo aproveitadas para as transformações radicais das estruturas ou das metodologias, nem das práticas de aprendizagem.

Estas questões são fundamentais para este estudo, pois, se a tecnologia é uma grande parceira para as transformações radicais das estruturas metodológicas, o que a limita? A palavra ―parceria‖ é de grande importância nesta reflexão, pois só a tecnologia e todo o seu aparato técnico de grande potencialidade não garantem o desativar dos dispositivos de controle que permeiam as estruturas metodológicas. Pois o grande multiplicador e eixo estruturante destas configurações metodológicas está nos meios de comunicação, que encontram no corpo apoio para o deslocamento e multiplicação destes dispositivos.

O corpo e a tecnologia são parceiros nestas transformações pautadas nas convicções que aponta o autor Martín-Barbero. Não há, portanto, possibilidade de uma transformação radical nas práticas metodológicas sem uma radical intervenção na educação do corpo; e, para isto, é preciso aprofundar o entendimento de como o corpo aprende, assunto este que retomaremos mais adiante.

O autor entende que as ferramentas pedagógicas, como os livros, o cinema e/ou as conexões junto à internet, não conseguem sozinhas garantir uma educação humanizadora, pois esta garantia está na relação corpo a corpo, por esta relação desentranhar criticamente em cada mediação escolar e, como afirma o autor, porque o humanismo não se lê nem se aprende de memória, mas se contagia (MARTÍN-BARBERO, 2003).

Segundo Martín-Barbero, para atuar em uma reeducação humana, é preciso ressituar a educação e a comunicação neste novo contexto; para tanto, será necessária uma alfabetização em comunicação.

De novo, o autor aponta uma questão importante: Se o humanismo acontece por meio de contágio, este contágio não se aprende exclusivamente em livros, mas ocorre também pela educação corpo a corpo. Então, qual estrutura metodológica poderá dialogar com esta parceria entre corpo e tecnologia, para garantir transformações de estruturas educacionais radicais,

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nesta fase de transição entre o sistema educacional imposto e uma sociedade com conhecimentos compartilhados, coerente com o sistema democrático?

Nesse sentido, a pedagogia freiriana tem se demonstrado apropriada para este momento, principalmente para a América Latina, por atuar em uma alfabetização em comunicação. Pois o processo comunicativo atua não só na comunicação do sujeito com ele mesmo, mas também dele com o resto do mundo, pois, para Paulo Freire (1921-1997), a mediação se encontra na palavra com a ação, pois a palavra explicita a consciência que vem da ação, e, portanto, o direito de dizer a própria palavra é a chave do processo de libertação.

Freire entendia que a comunicação é a base das relações humanas, e esta tem como estrutura o diálogo. Segundo o autor:

Não há, realmente, pensamento isolado na medida em que não há homem isolado. Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos linguísticos. O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação. (FREIRE, 2011, p. 86).

Para Paulo Freire, um sujeito não pode pensar sozinho, sem a coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar o objeto (mundo); não existe penso, e sim pensamos, pois é o pensamos que estabelece o penso, e nunca o contrário. A comunicação acontece nesta

―coparticipação dos sujeitos no ato de pensar‖ (FREIRE, 2011, p. 87). Freire entendia que o objeto não é a ocorrência final do pensamento de um sujeito, mas o mediatizador da comunicação; por isto, o conteúdo da comunicação não pode ser apenas comunicado de um sujeito ao outro. Se isto acontece, o que se tem é uma extensão técnica, onde um sujeito retentor do saber faz do outro paciente de seus comunicados. A comunicação é o contrário, pois envolve reciprocidade, não há sujeitos passivos, e sim um comunicar-se em torno do significado significante. Freire explica que o que caracteriza a comunicação é o diálogo, assim como o diálogo é comunicativo também:

Se for dizendo a palavra com que, ―pronunciando‖ o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tão pouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 2005, p. 91).

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mas com os homens, mediatizados pelo mundo, impregnados de anseios, esperanças ou desesperanças. Expressar-se expressando o mundo, explica Freire, implica o comunicar-se, a partir da intersubjetividade originária que é a palavra, e que é essencialmente diálogo. Por isto, a palavra atua mais que um instrumento comunicacional, pois esta é a origem da comunicação.

A palavra abre a consciência para o mundo em comum das consciências em diálogos; esta atua no reencontro e reconhecimento de si mesmo, pois a palavra pessoal é criadora. Reforça Freire que:

[...] a alfabetização não é um jogo de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos, o projeto histórico de um mundo comum, a bravura de dizer a sua palavra [...] a aprender a ler é aprender a dizer a sua palavra [...] a palavra entendida como ação. A palavra viva é diálogo existencial. Expressa e elabora o mundo, em comunicação e colaboração. O diálogo autêntico – reconhecimento do outro e reconhecimento de si no outro – é decisão e compromisso de colaborar na construção do mundo. (FREIRE, 2005, p. 21).

Freire destacava que a alfabetização é a consciência reflexiva da cultura, pois entendia que na cultura do Brasil existe uma passagem histórica que marcou, tem marcado e dificultado todo o processo de transição de uma ―educação de homem-objeto para uma educação homem-sujeito‖. Para o autor, o Brasil nasceu e cresceu sob ―O sentido marcante da nossa colonização, fortemente predatória, que não teve o interesse de construir uma civilização com experiência de vivência e participação popular na coisa pública.‖ (FREIRE, 1980, p. 67).

Vivemos em uma sociedade com inexperiência democrática, em fase de transição entre uma sociedade fechada para uma sociedade aberta. A sociedade que nega o diálogo, a comunicação, reafirma comunicados e facilita o emudecer. O mutismo não necessariamente significa inexistência de resposta para a vertical imposição do poder exacerbado do senhor dono da terra.

Este formato autoritário da vida rural se estendeu para a construção da vida urbana, colocando em questão o que o autor chama de problema crucial do processo brasileiro:

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Freire destacou todo um processo histórico que se encontra até hoje internalizado no corpo do brasileiro. O que Freire chamava de alteração de mentalidade é chamado, hoje, de alterações de hábitos cognitivos que foram implementados nos corpos brasileiros conforme se deu a construção cultural deste processo autoritário que se apresenta na disputa de poder entre a elite e a emergência do popular.

Processo este em que a dicotomia e a hegemonia encontram-se estruturadas em dispositivos de poder para o controle da ordenação da vida sociocultural. Neste caso, Freire também defendia a relevância de uma educação desde a comunicação, pois entendia que, sem compreensão da importância da comunicação na vida humana, não existirá uma educação verdadeiramente humanizadora. Para Freire, a educação consiste em diálogo e, consequentemente, em comunicação. É preciso uma educação para a decisão e responsabilidade social e política. Segundo o autor, ao citar as afirmações do sociólogo Mannheim (1893-1947) sobre o processo educacional pertinente ao momento que o Brasil, na época, começava a viver. Fica claro que Freire já se referia à importância de uma educação desde a comunicação pelo viés do corpo:

Em uma sociedade na qual as mudanças mais importantes se produzem por meio da deliberação coletiva e onde as revalorações devem basear-se no consentimento e na compreensão intelectual, se requer um sistema completamente novo de educação; um sistema que concentre suas maiores energias no desenvolvimento de nossos poderes intelectuais e dê lugar a uma estrutura mental capaz de resistir ao peso do ceticismo e de fazer frente aos movimentos de pânico quando soe a hora do desaparecimento de muitos dos nossos hábitos mentais. (MANNHEIM, 1973 apud FREIRE, 1980, p. 88-89).

Diante de tal reflexão, pode-se perceber que Freire já apontava que a educação precisava ser radical a ponto de transformar hábitos mentais, ou, como podemos chamar hoje, hábitos cognitivos. Para que se possa efetivar o movimento de democratização de cultura, entende-se que o autor, mesmo sem falar diretamente sobre o corpo, já entoava para a necessidade de um novo corpo para o momento de transição entre uma sociedade fechada e uma sociedade aberta. Questão esta que será discutida melhor quando este estudo apresentar o autor Foucault para uma reflexão sobre o corpo e a educação disciplinar.

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sociedade tenha um eixo estruturante para orientar a educação homem e mundo. Como já se sabe, o ser humano se educa em todos os ambientes onde se relaciona. Essa educação não é privilégio da escola, porém a escola – em especial a pública – pode ser provedora desta estrutura orientadora para que se possa fazer a transição entre um sistema de educação e uma sociedade que compartilha conhecimento, digna dos sistemas democráticos. Pois a escola atua direto na educação corpo a corpo, o que facilita detectar e atuar nos pontos de resistência diante dos dispositivos de controle que insistem em reafirmar uma educação conservadora.

A questão agora é a seguinte: Como? O que e como fazer para que isto aconteça de forma crítica e criativa? Pois, já há algum tempo, o Brasil e alguns países da América Latina vêm atualizando tanto a educação como a comunicação, conforme descobertas ou criação de propostas de mudanças que aproximem educação e comunicação às necessidades humanas. Aí está a questão: Martín-Barbero, em sua quarta convicção, aponta um caminho para esta reflexão: O que não estamos de fato conseguindo transformar são as técnicas, as metodologias e as formas de aprendizagem. Portanto, é preciso entender quais as técnicas e metodologias que, permeadas por dispositivos de controle que atendem às demandas do pensamento hegemônico neoliberal, impedem as ações de intervenções na mudança das formas de aprendizagem da educação humana.

Para Muniz Sodré, a contemporaneidade adentrou seu século arrastando da modernidade uma comunicação centralizadora, vertical e unidirecional, características da comunicação de massa que surgiu pós-revolução industrial e eletrônica, ao facilitar os

―avanços técnicos das telecomunicações, relativas à interatividade e ao multimidialismo‖.

O autor afirma que as novas tecnologias estão apoiadas ao momento oportuno da

―extraordinária aceleração da expansão do capital‖ (SODRÉ, 2009, p. 11-12), e o que vem se chamando de globalização se encontra mascarado pelo velho liberalismo, aportado pela ideologia do pensamento único, com intuito de atribuir poderes universais de uniformização. Sodré, portanto, mostra que a globalização é, de fato, uma atuação regional, ou seja, que os investimentos se concentram em determinadas regiões do mundo. Sodré entende que global é

―[...] a medida da velocidade de deslocamentos de capitais e informações, tornados possíveis pelas teletecnologias – globalização é, portanto, outro nome para a ‗teledistribuição‘ mundial de pessoas e coisas.‖ (SODRÉ, 2009, p. 11-12).

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cognitivos – adentrou também as mutações tecnológicas, por ser mais uma forma de multiplicar e conservar as velhas estruturas de poder que, dentro dos parâmetros liberais, se apresentam como democratização.

Como não seria diferente, hoje atua na cultura das mídias, e esta retrógrada estrutura de poder tem procurado desbravar, por meio de dispositivos de controle, o tempo real e o espaço virtual, tornando ambos operadores midiáticos do redimensionamento dos valores (ethos) das relações espaçotemporais clássicas (SODRÉ, 2009). Segundo Sodré, esta operação midiática,

[...] associada a um tipo de poder designável como ―ciberocracia‖, confirma a hipótese, já não tão nova, de que a sociedade contemporânea (dita ―pós -industrial‖) rege-se pela midiatização7, quer dizer, pela tendência à

―virtualização‖ ou telerrealização das relações humanas, presente na articulação do múltiplo funcionamento institucional e de determinadas pautas individuais de conduta com as tecnologias da comunicação. (SODRÉ, 2009, p. 21).

Para Sodré, hoje a cultura das mídias se encontra potencializada para a produção de um quarto bios, uma nova forma de vida, um novo espaço de questionamentos dos sujeitos e, consequentemente, novos parâmetros para a construção das identidades pessoais. E esta construção não se estrutura na manipulação ideológica, como a representação clássica dos meios de comunicação de massa, mas sim pela facilidade que os ambientes digitais oferecem ao usuário, que, ao entrar e mover-se, atua na vivência apresentativa, com características particulares de temporalidade e espacialização.

Pode-se concluir que, paradoxalmente, a comunicação em rede é, ao mesmo tempo, um espaço de resistência e de novas conquistas de ações singulares na construção coletiva do global, como é também um alvo importante para a midiatização, por potencializar o acesso, conforme aponta Sodré, para as ―hibridizações com outras formas vigentes no real-histórico‖

(2009, p. 18). E, neste processo, esta forma midiática se condiciona, ao se afetar com a ―forma de vida tradicional desenhada pelo pensamento liberal‖ (SODRÉ, 2009, p. 23), que tem, em seu sentido, como já foi dito antes, o funcionamento social em função dos vetores

mercadológicos e tecnológicos atuantes por meio de ―uma prevalência de formas sobre o conteúdo semântico‖ (2009, p. 23).

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Com estes apontamentos, Sodré colabora para mais uma reflexão sobre o adentrar de velhas formas de poder da modernidade na contemporaneidade e, consequentemente, na cultura das mídias. Portanto, entende-se que o ambiente midiático atua também de modo ambivalente, e se mostra para o potencial de liberdade e ―autonomia dos usuários, por

permitir que estes se articulem independente da representação clássica‖8 (SODRÉ, 2009, p. 23). Mas, por ter também potencial de hibridizar-se e afetar-se com o formato da vida tradicional, pode-se concluir que esta nova forma de vida virtual se encontra comprometida e submetida aos dispositivos de controle, atuantes na conquista de territórios pela busca de um novo patamar na hierarquia da ordenação sociocultural, e que agora atuam no desbravar e na apropriação de territórios pertinentes ao imaginário e ao cognitivo. Por meio dos códigos semânticos, exercem fortes influências na produção da realidade sociocultural e, como expõe o autor, conduzem à ―imobilização dos antigos cidadãos políticos nas funções atribuídas pelo

mercado‖ (SODRÉ, 2009, p. 16).

Partindo desta reflexão, este estudo pode seguir com a discussão sobre a cultura, educação e comunicação na contemporaneidade. Ao relacionar pontos importantes dos estudos dos autores Martín-Barbero, Paulo Freire e Muniz Sodré sobre cultura, educação e comunicação, foi possível perceber que os três identificaram que a comunicação está ligada diretamente com a educação coletiva(educação para além do espaço escolar). Como já foi explicado por Martín-Barbero (2003), os seres humanos se educam em todos os lugares por onde se relacionam uns com os outros, e ou com o ambiente; portanto, esta educação por meio da relação do contato tátil e visual acontece com o meio ambiente, e não só no momento em que o corpo se depara com uma instituição legalizada para educar. Apesar disto, a educação escolar tem sido um espaço onde o ser humano passa a experienciar o contato com uma enorme diversidade cultural e, por isto, é um espaço, assim como a comunicação de massa, ambivalente. Se, de um lado, esta atua conforme os dispositivos de controle do poder soberano, de outro, é de grande potencialidade para criar atalhos de fugas dos dispositivos de controles herdados da contemporaneidade. Mas e o corpo, qual o seu papel na discussão sobre a cultura, educação e comunicação?

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2.2 A construção do corpomídia como ação política

De todas as questões que vêm sendo levantadas pela teoria corpomídia, foi selecionado (entre a vasta contribuição que esta teoria tem proporcionado aos estudiosos do corpo) o que esta dissertação considera mais importante para alimentar uma reflexão sobre a emergência de se pensar a educação desde a comunicação pelo viés do corpo, no cenário político educacional do Brasil hoje.

Antes, porém, é preciso deixar claro que esta pesquisa amplia o conceito de política para a ação do corpo com o corpo e com o seu meio ambiente, ou seja, entende-se que existe ação política a partir de uma aliança entre biologia e cultura, e não apenas na instância cultural, como se fosse possível apartá-la da constituição corporal. A mediação entre corpo e cultura promove uma relação coevolutiva tanto na construção de corpo e mundo como na de mundo e corpo. Para este estudo, a transição do rural para a cidade só aumentou a complexidade da maneira política do ser humano de atuar no mundo.

Segundo Greiner e Katz (2005, 2010), o corpo em movimento é a matriz da comunicação, e a comunicação é a forma como o ser humano está no mundo. Este processo acontece por meio de contaminação corpórea. Partindo desta questão, podemos abrir uma reflexão sobre o corpo como espaço político e como espaço de disputa política.

Greiner, em seu livro O Corpo: pistas para estudos indisciplinares (2005), explica que preferiu focar sua pesquisa nos operadores que desencadeiam o processo de reflexão sobre o corpo organizando diferentes estados corporais. Por acreditar que, a partir deles, se pode refletir sobre qualquer outra temática que queira envolver o corpo.

A autora aponta, também, que neste caso o mais importante são as metáforas do pensamento, os fluxos de imagens, as ações comunicativas e as dramaturgias. Portanto, este trabalho pretende estudar sobre estes operadores, para começar a dissertar sobre o corpo como espaço político.

Greiner alerta que, para estudar o corpo como mídia de si mesmo, é preciso entender que o corpomídia vive sempre em processo, e que este processo se alimenta da conexão de tempos, linguagens, culturas e ambientes diferentes; portanto, para este estudo, é preciso construir pontes radicais entre diferentes campos do conhecimento. Cita Muniz Sodré e Helena Katz, por entender que estes autores difundem que, quando a pesquisa é da ordem da

radicalidade do ―trans‖, ou seja, das redes transdisciplinares, estas acabam virando

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conhecimento de cada área. Mas que corpo é este sobre o qual as autoras Greiner e Katz se debruçaram para construir a teoria do corpomídia?

O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a ideia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo de contaminação. (KATZ; GREINER, 2005, p. 131)

Já no trecho citado, as autoras colocam em cheque questões dualísticas sobre o corpo. Uma delas é a desmistificação de que o corpo é um recipiente. Para as pesquisadoras, não existe uma relação de causa e efeito entre corpo e ambiente, e sim um processo coevolutivo,

por meio da rede de ―pré-disposições perceptuais, motoras de aprendizado e emocionais‖

(KATZ; GREINER, 2005, p. 130). Desmistificam também a forma estanque e hegemônica de ler o mundo, pois, pelo modo de coparticipação do corpo com o ambiente na construção do mundo, entende-se que este mundo não é um objeto aguardando um observador. Ambiente e corpo estão envolvidos ativamente em um fluxo constante de informações. Katz e Greiner reforçam, ainda, que as informações capturadas pelo processo perceptivo passam a fazer parte do corpo de maneira singular.

Ao tocar em singularidade, as autoras apontam para uma antiga e polêmica discussão sobre comunicação, de que a informação passa por transformações ao entrar em contato com o emissor, meio e receptor. Para Greiner e Katz, a informação é capturada parcialmente pelo corpo, pois todo processo de transmissão conta com perdas habituais, e a seleção parcial que é feita pelo corpo diante da informação passa a fazer parte deste mesmo corpo; este processo é singular e, portanto, totalmente subjetivo. Para explicar este processo de coparticipação ativa do corpo diante da informação captada, é preciso entender melhor o eixo estruturante da teoria do corpomídia.

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teoria do corpomídia tem como foco ―desestabilizar pressupostos bem estabelecidos sobre corpo e cultura‖ (GREINER, 2005, p. 11).

Segundo a teoria do corpomídia, que estuda os diferentes estados do corpo vivo em ação no mundo, entende-se que ―o modo como um corpo é descrito e analisado não está

separado do que ele apresenta como possibilidade de ser quando está em ação no mundo‖

(GREINER, 2005, p. 16).

Portanto, o corpo e ambiente não atuam no automatismo, muito pelo contrário, vivem em constante processo entre experiência e cognição, e acontece um fluxo de informação não só entre o corpo e o mundo como entre as partes do corpo. Este fluxo de informação entre o interior (corpo) e o exterior (ambiente) compõe a comunicação das informações entre o biológico e o fenomenológico, e este entre é o espaço do processo de cognição e da

experiência vivida. É no ―‗entre‘, na ‗fissura‘ e no ‗entremeio‘ que se encontra o foco

cognitivo e não nas partes organizadas de um todo monolítico‖ (GREINER, 2005, p. 24). Desta forma, pode-se entender que o processo cognitivo se encontra em uma complexa, ambivalente e instável trama de comunicação tanto dentro (biológico) como fora do corpo (ambiente).

A questão agora será: Como as metáforas do pensamento, as ações comunicativas, o fluxo de imagens e as dramaturgias, entendidas como operadores que organizam diferentes estados corporais, podem contribuir para o estudo da complexa relação entre experiência/cognitivo, natureza e cultura? Para a teoria do corpomídia, em tal investigação é fundamental que não se separem os estudos do corpo biológico dos estudos do corpo cultural. Para começar, é preciso entender o que é metáfora nesta discussão. Segundo Greiner, os filósofos Mark Johnson e George Lakoff (1999) apresentam uma importante reflexão sobre os estudos das metáforas, diferente da visão dos gregos, que entendiam que metáfora está relacionada com transferência ou transporte, e de outros estudos que entendem que a metáfora é uma questão que diz respeito à linguagem, e não algo do pensamento e da ação. Para estes

autores, a metáfora está ligada naturalmente ao nosso sistema conceitual, e no ―modo do corpo de estruturar parcialmente uma experiência em termos da outra‖ (GREINER, 2005, p. 44). Portanto, no jeito com que o corpo conceitua as coisas, existe uma transição de informações, que é necessariamente de natureza metafórica.

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metafórico. Dentro desta reflexão de conceituar de forma metafórica, os autores sustentam a

ideia de que a significação nada mais é do que a compreensão ―dos esquemas da experiência

corporal e das estruturas pré-concebidas da nossa sensibilidade, nossa percepção, nossa

maneira de interagir com outros objetos, eventos ou pessoas‖ (GREINER, 2005, p. 43). Tais

esquemas, inscritos corporalmente, pertencem tanto ao corpo (que tem a experiência) como à comunidade onde o corpo vive. O organismo e o ambiente não são determinados separadamente, e sim em uma relação de codeterminação. Nesta mediação entre corpo e ambiente é que se encontra a comunicação, pois esta atua no mesmo sistema conceitual que usamos para pensar e agir. Portanto, a comunicação tem em sua natureza a forma de uma transportadora e, no seu processo de enviar, de transportar, cria novas metáforas, que passam a

organizar o ―trânsito entre a ação e a palavra, entre dentro e fora do corpo e assim por diante‖

(GREINER, 2005, p. 45).

A partir deste entendimento sobre metáfora, em que significado e conceito estão envolvidos em uma relação entre experiência vivida e elaborada metaforicamente pelo corpo, o pensamento não está fora deste processo.

Os processos de pensamento são largamente metafóricos, antes de serem organizados como linguagem, e, no estudo sobre a teoria do corpomídia, a metáfora não é entendida apenas como figura de linguagem. Para melhor entender as metáforas do pensamento, os apontamentos de Johnson e Lakoff, segundo Greiner, mostram que os mecanismos neuronais e cognitivos que fazem o corpo perceber e mover-se são responsáveis pela criação dos sistemas conceituais e modos da razão. A razão organizada pelo corpo humano constrói de forma perceptiva e motora, do mesmo modo que em outras espécies de animais, além de ser também consciente e inconsciente; a segunda seria um inconsciente cognitivo, por operar abaixo do nível da consciência cognitiva, e, por ser inacessível, atua muitas vezes tão rapidamente que fica difícil ser reconhecido durante a ação. Mesmo assim, é o oposto do inconsciente reprimido como foi estudado por Sigmund Freud (1956)9.

Para Greiner, a pesquisa de Johnson e Lakoff tem sido interessante para o estudo sobre a desestabilização de conceitos predeterminados, pois, se ―[…] um conceito é estruturado por

uma metáfora, significa que é ‗parcialmente estruturado‘ e que ‗pode ser entendido de alguns modos e não de outros e que o sujeito não tem controle absoluto sobre isso‘‖ (GREINER, 2005, p. 45-46).

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Diante da discussão sobre as metáforas como base para a organização conceitual entre corpo e ambiente, pode-se perceber que o fato de a singularidade do corpo atuar tanto na organização das metáforas internas como das externas mostra que as questões biológicas do corpo humano atuam de maneira complexa na relação corpo e ambiente. Porém, não o deixa imune às ações desenvolvidas no mundo, pois este se encontra mais como corpo mídia de si mesmo autônomo do que um corpo mídia de si mesmo dócil, inerte ao que lhe é imposto; portanto, todo corpo vivo é mídia de si mesmo, independentemente da sua condição cultural, e por isto ele é um espaço político. Político porque atua ativamente de dentro para fora e de fora para dentro, fazendo da circulação da informação seu meio de comunicação no mundo e com o mundo. Mas o que significa comunicação, quando se reporta à teoria do corpomídia?

Greiner cita Muniz Sodré e Mattelart, para refletir sobre as primeiras estratégias de circulação da informação. Para Sodré (2009), as palavras communitas, communio e communis

referem-se a um compartilhamento, uma troca, uma tarefa comum, um coletivo, muito diferente de simplesmente estar junto. Para Greiner, este modo como Sodré aponta a

comunicação está ―relacionado à circulação, à vinculação e aos processos de cognição, por

isso não pode se restringir às mídias‖ (GREINER, 2005, p. 52).

O autor Mattelart (2011) entende que, por muitos séculos e por caminhos diversos,

está sendo construída a ―arqueologia dos saberes sobre a comunicação‖. Baseado na ideia de

liberdade e evolução de desenvolvimento, se destaca o caminho que teve como ponto forte a domesticação do fluxo e da sociedade em movimento. A proposta de progresso e de sociedade dá início ao nascimento da comunicação moderna. Outro ponto segue com o surgimento das redes técnicas e da civilização da máquina. Processo este entendido como formulações sobre rede de comunicação, na tentativa de uma sociedade universal. Outro caminho se engendra pela estrada da genealogia das visões geopolíticas da comunicação, que se encontra na proposta de normalização, que se apropria dos novos meios de circulação da informação e cultura das massas, e o surgimento do indivíduo calculável, momento este que Mattelart chama de pensamento. Diante desta exposição do autor, Greiner explica que:

[...] a arqueologia dos saberes da comunicação não pode ficar restrita aos ―objetos da comunicação‖, aos chamados ―meios de comunicação‖, mas fundamentalmente dos processos de mediação (ações pensantes), entre o corpo e o mundo, estabelecendo uma rede complexa de relações (GREINER, 2005, p. 53).

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poderia ser identificada no movimento. Tratava-se o tempo todo do corpo, mas fundamentalmente do corpo em movimento. (GREINER, 2005, p. 60).

Partindo do histórico da comunicação pelo olhar de Mattelart e da definição de Sodré em que comunicação é um compartilhamento e não simplesmente estar junto, Greiner defende a ideia de que o movimento do corpo é a base da comunicação, e que movimento constrói cognição, portanto é preciso pensar o corpo e as mediações políticas quando se reflete sobre comunicação, e não apenas nos aparatos midiáticos. Portanto, pode-se entender que o corpo, ao atuar em coparticipação com o ambiente, se encontra como espaço político, e, quando se trata da disputa de poder em que está a sociedade em movimento, este se encontra também como espaço de disputa de poder.

Para dar continuidade à reflexão do corpo como espaço político, será preciso investigar como a imagem do corpo, no corpo e para o corpo contribui para se entender o fluxo de informações de dentro e de fora do corpo, que neste estudo se caracteriza como comunicação.

Greiner apresenta a pesquisa de Lulu Sweigard10 (1974), que entendia a imagem (pensamento) como facilitadora do movimento. A autora explica que Sweigard usava o termo

―Ideokinetic‖ para nomear o meio pelo qual os padrões de movimentos podem ser alterados e tornados mais efetivos, pois este autor entendia que o corpo, ao nascer, já começa a aprender padrões de movimentos, e que alguns destes padrões não são ou passam com o tempo a deixar de ser importantes para o desenvolvimento de algumas ações. Em seus estudos práticos, Sweigard orientava o estudante a visualizar um movimento sem realizá-lo. Estas imagens correspondem tanto à estrutura muscular como ao esqueleto humano, e podem modificar o padrão subcortical. Esta transformação, segundo Sweigard, acontece com o acionamento da imaginação e da concentração, trabalhadas a partir do entendimento do movimento, e não pode ser mudada só por meio da consciência (GREINER, 2005). Anos depois, o cientista Daniel Wegner (2002) explica que a ―vontade intencional‖ acontece quando um sujeito

estabelece uma relação entre um pensamento e uma ação, pois o que faz eficiente esta conexão é a satisfação da vontade.

Outro ponto importante da discussão de Greiner sobre o movimento do e no corpo está na questão da percepção. A autora explica que:

[…] em relação à percepção, no momento em que a informação vem de fora e as sensações são processadas no organismo, colocam-se em relação. É quando o processo imaginativo se desenvolve. Assim a história do corpo em movimento é também a história do movimento imaginado que se corporifica

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em ação. Os diferentes estados corporais modificam o modo como a informação será processada, e o estado da mente pode ser entendido como uma classe de estados funcionais ou de imagens sensório-motoras com autoconsciência. Estes estados são gerados o tempo todo, mas nem sempre podem ser detectados visivelmente. (GREINER, 2005, p. 64).

O corpo, ao perceber a informação, inicia todo um processo interno que modifica a informação que chega. Neste caso, as sensações, a imaginação, junto ao sensório-motor, são questões relevantes a serem consideradas na discussão do corpo como espaço político. Para Greiner e Katz, a criação de imagem é uma perspectiva importante para se estudarem o movimento e o processo de cognição.

Outro ponto importante acerca da imagem do corpo é a questão da dramaturgia.

―A dramaturgia do corpo não é um pacote que nasce pronto, um texto narrado por um léxico de palavras, mas, como a sua etimologia propõe, emerge da ação.‖ (GREINER, 2005, p. 81)

Ao usar o termo dramaturgia, explica a autora que não está se referindo à dramaturgia teatral, dança ou performance, e sim do corpo no mundo. A autora entende que, para se estudar a dramaturgia de um corpo, é fundamental perceber-se um corpo e as suas mudanças de estado, em suas constantes contaminações entre o dentro (corpo) e o fora (mundo). É preciso considerar-se o real e o imaginado, junto com o que acontece naquele momento somado aos estados anteriores. No caso do momento atual e dos estados anteriores, ao se relacionarem, se organizam e são imediatamente transformados. Tudo acontece num fluxo inestancável de imagens, oscilações e recategorizações subjetivas.

Segundo Greiner, a subjetividade está sempre ligada à imagem de um organismo no momento em que acontece o ato de perceber e de responder a um estímulo externo. Portanto, entende-se que qualquer cérebro que seja capaz de construir uma representação simples de si-mesmo e, ainda, de criar imagens e de se transformar encontra-se em um processo de subjetividade.

A autora explica que, para o neurologista Damásio (1999), o conceito de si-mesmo é a coleção de imagens que representam os aspectos mais constantes do organismo e a sua integração com o ambiente e os outros seres vivos. Esta integração envolve a estrutura biológica do corpo, as operações cognitivas, os repertórios de ações corporais e o próprio

corpo, seja inteiro ou por partes. Quando o neurologista ―se refere ao termo ‗imagem‘, quer

dizer um padrão mental com uma estrutura construída por sinais provenientes de cada uma

das modalidades sensoriais‖ (GREINER, 2005, p. 72). Neste caso, as imagens internas do corpo são baseadas nas ―representações neuronais que ocorrem nos córtices sensoriais iniciais

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ser entendida só como visual, mas também como sonora e até muscular. A autora acrescenta que, para Damásio, pensamento seria uma palavra aceitável para significar este fluxo de imagens. A noção de si-mesmo seria a junção da estrutura do corpo com a identidade singular da ação. Estas ações são as atividades cotidianas, as relações com os outros e as escolhas pessoais durante a vida; portanto, subjetividade está relacionada com a singularidade de um corpo, que está atrelada à identidade das ações deste corpo com o ambiente e o fluxo inesgotável de imagens. Todas estas ações não só identificam este corpo em relação com os outros seres vivos, como também o tornam apto à sobrevivência, e tudo isto diz respeito à dramaturgia do corpo, pois todo este processo se resolve no momento em que acontece.

Este conjunto, composto de subjetividade, identidade singular da ação, imagens e padrão mental, representações neuronais e o momento presente da ação, contribui para melhor entender que a dramaturgia, para a teoria do corpomídia, não é um pacote pronto.

A dramaturgia do corpo, como já foi visto antes, envolve o corpo inteiro e sua relação com o dentro e o fora, real e imaginário, questões do momento e estados anteriores; portanto, vive no aqui e agora de mãos dadas com as incertezas, e se organiza e reorganiza a cada instante ao emergir a ação.

Toda esta discussão apontou que o processo comunicativo do corpo e no corpo envolve:

[…] a criação de imagens, o processo de movimentos, a organização de mediações entre o corpo, o ambiente e outros corpos, os diferentes eixos temporais que olham para o passado, o presente e têm a possibilidade de predizer o futuro como tática de sobrevivência. (GREINER, 2005, p. 82).

Neste caso, pode-se entender que a dramaturgia de um corpo está relacionada com o corpo como espaço político, um corpo de busca e negociações constantes pela sustentabilidade da subjetividade humana num processo contínuo de alteridade. Ou melhor,

como aponta a autora: ―A permanência está na aptidão do vivo para se organizar sempre em relação a algo ou alguém, na tentativa de manter vínculos de naturezas diversas, como sonhos, afetos, ideias, e assim por diante, e sobreviver.‖ (GREINER, 2005, p. 82).

Este vínculo de natureza diversa permeia a relação biológica da alteridade humana e é contaminado o tempo inteiro e de forma direta pelo ambiente. Portanto, o corpo e o ambiente são não só espaço político, como também de disputa política. Resta entender como a teoria do corpomídia pode colaborar para o estudo do corpo como um espaço de disputa política.

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das artes e das ciências cognitivas, na busca pela visibilidade de experiências radicais que questionam os limites do corpo. Para este estudo, será preciso apresentar algumas das questões que compõem o circuito de ativação, como redes de desestabilização, operadores de resistências e paradigma de imunização, para aprofundar melhor a reflexão sobre o corpo

como espaço de disputa política. ―[…] a resistência frente à devastação pronuncia-se nas margens e torna-se cada vez mais claro que ser marginal é muito mais do que uma localização, mas sim, um modo de perceber e sentir na carne a vida e a morte.‖ (AGAMBEN

apud GREINER, 2010, p. 31)

Em diálogo com alguns autores, Greiner inicia a discussão sobre rede de desestabilização, com a polêmica questão da ―tradução‖. Para a autora, a tradução tem sempre

uma natureza precária, e sua preocupação é como se dá esta operação. Pois entende que uma boa tradução precisaria deformar e até mesmo subverter os dispositivos conceituais de quem faz a tradução, de forma a ―transformar a língua ou o pensamento de chegada, o que nem

sempre acontece‖ (GREINER, 2010, p. 15).

Como é que o processo de tradução ocorre? Explica Greiner que, para o semioticista Haroldo de Campos11 (1980), a tradução lida com um certo tipo de alteridade; por isso, é tão complexa. O autor entende que existe uma fala secreta no silêncio, que torna o tradutor um transcriador. Para Heidegger12 (2006), a tradução muitas vezes não gera nada além do ver a si mesmo, pois só seria possível traduzir uma palavra, se fosse possível que o tradutor adentrasse o pensamento gerado da experiência que fez com que a palavra se enunciasse.

Greiner entende que, do ponto de vista político, mesmo com toda a dificuldade que se gera em torno da questão sobre alteridade, é possível identificar quatro diferentes etapas da tradução, que, apesar de não serem nada sequenciais e se confundirem entre elas o tempo todo, podem contribuir para uma transformação mais ou menos estável. Tais etapas envolvem: a aproximação, que acontece por meio da comunicação com o outro; a imitação, que envolve o fetiche pelo outro; a devoração, que se entende a apropriação do outro; e a exposição, que nada mais é que a abertura para o outro. Todo este processo é marcado por uma improbabilidade da ordem sígnica, que fez da informação estética um ponto rígido para qualquer tradução.

Outra questão importante para se entender a relevância da tradução para se pensar o corpo como espaço de disputa política encontra-se quando Greiner aponta que, depois da segunda guerra mundial, a tradução passou a ser de interesse não só de poetas e tradutores

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profissionais. Na época, pela necessidade de reorganização geopolítica e a dificuldade encontrada nas formas de tradução, esta passou a ser uma operação primária de sobrevivência. Desde então, devido aos problemas de estabilidade tanto de formulação teórica (também entendida como uma tradução) como da tradução, algumas ações radicais passam a apontar a fragilidade e a dificuldade de tradução para além das experiências estéticas que permeiam as traduções inter e transculturais. Surgiram novas formas de investigações sobre o novo modo de relação com o mundo; junto, vieram os questionamentos em relação às pesquisas que se encontravam restritas a um único método específico. Pois a busca era a possibilidade de uma tradução flexível para desenvolver outras formas de traduzir um nível de realidade não necessariamente visível.

Por volta de 1968, segundo Greiner, surge uma vertente mais revolucionária referente ao movimento político, nomeada como pós-estruturalismo, diante dos questionamentos sobre a supremacia dos grandes sujeitos e primado da razão, que apresentam a valorização do pensamento-ação e das relações entre o indivíduo e a política. Tal movimento substitui o tema estrutural pelo tema da historicidade, e a forma de tradução passa por um processo de transformação, pois, aliada a vários processos simultâneos, com diversos níveis de descrição e temporalidade, junto à relação corpo e ambiente, passa a ser vista como uma espécie de tradução sistêmica. Estudos da ciência cognitiva e da filosofia política entendem que o inconsciente, agora, deixa de ser algo a ser desvelado como ponto de partida, e passa a ser o ponto de chegada, onde razão e emoção, consciência e inconsciência não são mais vistos separadamente. Quanto às ciências sociais, acontece uma alavancagem, e passam a estudar um humanismo diferente do que estava ligado aos vetores iluministas, ou seja, pautados nos modelos ideais de um mundo ordeiro (GREINER, 2010).

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humano e retoma a discussão sobre colonialismo e pós-colonialismo. A discussão propõe que as estruturas de poder e de saber tornam-se mais visíveis nas margens e nas periferias. Parte desta discussão o interesse na geopolítica do conhecimento, que passa a indagar quem produz o conhecimento, para quem e qual o contexto. Em meio a todos estes questionamentos, surge a necessidade de projetos coletivos não hierárquicos que tenham seu foco no processo de tradução. Greiner reforça que estes projetos coletivos precisam substituir a formulação de uma teoria geral por uma teoria mais específica e localizada, que valorize as utopias plurais e críticas e que atuam fora dos paradigmas já assentados pela modernidade, como foi proposta, em 1966, por Foucault.

Outro autor que Greiner entende ser importante para se pensar alteridade e política é o indiano Homi Bhabha (2003). Para Bhabha, existe ainda um problema da tradução com a ação política, pois a teoria se encontra em poder de uma elite privilegiada. É como se existisse uma teoria pura, suspensa das questões trágicas da história da maioria, e o que se entendia dentro da proposta binária teoria-prática passa a ser entendido como teoria-ação política. Este processo, que vem, há século, pautado na dualidade entre opressor e oprimido, centro e periferia, imagem positiva e imagem negativa, entre outros, tem sustentado em nome do progresso ideologias imperialistas de ordem excludente, e vem construindo a formulação do

―eu e o outro‖, que tem sido a base de práticas culturais que se opõem. Este formato

desenvolve muitos ―eu e o outro‖ e divide os que sabem e os que não sabem, os que sabem na

teoria e os que sabem na prática, os que sabem há muito tempo e os que começaram a saber. Greiner explica que, diante desta reflexão, Bhabha aponta que:

A textualidade não é simplesmente uma expressão ideológica de segunda ordem ou um sintoma verbal de um sujeito. A problemática do juízo político não pode ser representada como um problema epistemológico de aparência e realidade, de teoria e prática, ou de palavra e coisa. Também não pode ser representada como um problema dialético ou uma contradição sintomática constitutiva da materialidade do real. A linguagem da crítica torna-se eficiente quando não mantém separados os termos do senhor e do escravo, do mercantilista e do marxista, ultrapassando as bases da oposição dadas e abrindo espaços para a tradução. Este seria o lugar de hibridismo onde a construção de um objeto político novo (nem um, nem outro) muda as formas de reconhecimento da política. (GREINER, 2010, p. 29).

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