• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.3 número2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.3 número2"

Copied!
28
0
0

Texto

(1)

ABREU, Regina. 1996. A Fabricação do Imort al: M emória, Hist ória e Est rat é-gias de Consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco. 225 pp.

Antonio Carlos de Souza Lima

Prof. d e An trop olog ia , PPG AS-M N -UFRJ

O s e stu d os a n trop ológ icos fe itos a p a rtir d a a n á lise d e ob je tos, a ou trora ch a m a d a “ cu ltu ra m a te ria l” , vê m se n d o re cu p e ra d os sob n ova s ê n fa se s n os q u a d ros in te rn a cion a is d a d iscip lin a . Re la cion a d a a e ssa re tom a d a e stá a p e rce p -çã o a cu ra d a d o sig n ifica d o d a s in stitu içõe s q u e se con stitu íra m com o d e stin a -d a s à g u a r-d a , tra ta m e n to e e xp osiçã o -d e ob je tos, os m u se u s. Ta l con sciê n cia , a r-ticu la d a m u ita s ve ze s a p rob le m a s cm o os d e forcm a çã o d e cocm u n id a d e s p o-lítica s n a cion a is, d e m e m ória s cole tiva s, d a con stitu içã o d e se g m e n tos socia is d e te rm in a d os, ou a o e stu d o d a h istória d a a n trop olog ia , é a in d a in cip ie n te n o Bra sil.

O b e lo livro d e Re g in a Ab re u é u m e xe m p lo n otá ve l d a s p ossib ilid a d e s e re le vâ n cia d e e stu d os q u e te n h a m com o p on to d e p a rtid a com a te ria is d e p osita -d os e m a ce rvos m u se ológ icos n a q u a li-d a li-d e li-d e cole çõe s. G e ra li-d o a p a rtir li-d e u m a d isse rta çã o d e m e stra d o e m a n tro-p olog ia socia l (Sa n g u e , N ob re za e Política n o Te m p lo d os Im orta is: Um Estu -d o An trop ológ ico -d a C ole çã o M ig u e l C a lm on n o M u se u H istórico N a cion a l,

PPG AS/ M u se u N a cion a l, 1990), e te n -d o se b e n e ficia -d o -d a re visã o fe ita a p a r-tir d e u m e stá g io n o C e n tre d e Sociolo-g ie d e l´Éd u ca tion e t d e la C u ltu re d a École d e s H a u te s Étu d e s e n Scie n ce s Socia le s (199495), o tra b a lh o é p rofu -sa m e n te ilu stra d o, ta n to p or fotog ra fia s in te g ra n te s d o m a te ria l e stu d a d o – e la s m e sm a s d ocu m e n tos a b ord a d os n o livro –, q u a n to p or fotos d os ob je tos in -ve stig a d os, o q u e con trib u i sob re m od o p a ra in trod u zir o le itor e m d im e n sõe s visu a is p ou co d e m on strá ve is d e m od o e scrito. A a u tora – h oje p e sq u isa d ora d a C oord e n a çã o d e Folclore e C u ltu ra Pop u la r/ Fu n a rte – te m ta m b é m a se u fa vor te r p e rte n cid o a os q u a d ros d o M H N . Ta l e xp e riê n cia in d ica a s p ossib i-lid a d e s a n a lítica s q u e in stitu içõe s d e ssa n a tu re za – à s ve ze s ve rd a d e iros “ m e ta m u se u s” – ofe re ce m à q u e le s q u e sa b e m tra n sform a r se u cotid ia n o e su a fa m ilia rid a d e e m m a té ria p a ra (a u to)re -fle xã o, d e sp in d o-se d e p ré -con ce itos, d a a d e sã o fá cil a u m a re a lid a d e p rim e i-ra e a e stu d os m a is corriq u e iros.

Em su a s 225 p á g in a s, A Fab ricação d o Im ortal p a rte d a va liosa cole çã o “ M ig u e l C a lm on d u Pin e Alm e id a ” , d oa d a p or su a viú va , Alice d a Porciú n cu la C a lm on d u Pin e Alm e id a , a o M u se u H istórico N a cion a l, e m 1936. A d á -d iva te ria in te rm e -d iá rios: Pe -d ro C a l-m on – a filh a d o e sob rin h o d e M ig u e l C a lm on , p olítico b a ia n o, p or d u a s ve ze s m in istro d e Esta d o –, con se rva d or d o M u se u , re g e n te d a d iscip lin a H istória

(2)

d a C iviliza çã o Bra sile ira n a Un ive rsid a -d e -d o Distrito Fe -d e ra l e q u a -d ro p re sti-g ioso d o In stitu to H istórico e G e osti-g rá fi-co Bra sile iro; e G u sta vo Ba rroso, id e a liza d or e d ire tor d o M u se u H istórico N a cion a l, e scritor p rolixo, a m b os e n g a ja -d os e m p ro-d u zir u m a “ h istória n a cio-n a l” d e a cord o com a s re p re se cio-n ta çõe s d e se g m e n tos m u ito e sp e cíficos d a s e lite s b ra sile ira s d a ch a m a d a Prim e ira Re -p ú b lica : a q u e le s q u e con stitu ía m e se re p re se n ta va m com o a “ n ob re za b ra si-le ira ” , e e m con tin u id a d e a e ssa .

Ap ós u m a con te xtu a liza çã o d o u n i-ve rso socia l m a is a m p lo e m q u e M ig u e l C a lm on fa le ce ra , d os e ve n tos q u e con -su b sta n cia ra m a d oa çã o p or -su a viú va e d a s re la çõe s socia is q u e su ste n ta ra m ta l a to, Ab re u a p re se n ta d e m od o ob je tivo a s p e rg u n ta s q u e se p rop õe : “ Q u e m é e ssa se n h ora ? Q u e m é o m a rid o d e ssa se n h ora ? Pa ra q u e m u se u os ob je tos sã o d oa d os? C om o se ca ra cte riza e sse m u -se u ? Q u a l su a filosofia ? Q u e m o d irig e ? Pa ra q u e e p a ra q u e m e le fu n cion a ? Q u a is os ob je tos e scolh id os p a ra se re m d oa d os? C om o se p roce ssou e ssa e scolh a ? C om o e sse s ob je tos sã o in corp ora -d os p e lo m u se u ? Q u e lu g a r e le s ocu p a m n a h ie ra rq u ia in stitu cion a l? Q u a is os sig n ifica d os q u e e le s e n ce rra m ?” (:28).

Pa ra re sp on d ê -la s a a u tora la n ça m ã o d e in stru m e n tos d a a n trop olog ia socia l, d a sociolog ia e d a h istória n u m a m in u ciosa in d a g a çã o sob re os m od os pelos qua is se cria um novo “sagrado n a cion a l” já sob os cé u s d o re g im e re p u b lica n o d a s p rim e ira s d é ca d a s d o sé cu -lo; sob re com o e ssa “ n ob re za b ra sile i-ra ” , fi-ra çã o (d om in a d a ) d a s e lite s p olíti-ca s d a é p oolíti-ca , im orta liza -se e n q u a n to p orta d ora d e u m a tra d içã o se cu la r e , n a p e ssoa d e M ig u e l C a lm on , sim u lta n e a m e n te , a p re se n ta se com o u m se g m e n -to m od e rn iza n te , ca p a z d e in te g ra r a n ova ord e m p olítica . M od e lo d e “ se rvi-d or p ú b lico” , u m e n g e n h e iro rvi-d ota rvi-d o

d os con h e cim e n tos cie n tíficos n e ce ssá -rios p a ra a rra n ca r o Bra sil d a situ a çã o d e “ a tra so” e m q u e o le g a d o colon ia l e e scra vista o coloca ra e m fa ce d o “ con ce rto d a s n a çõe s” , a fig u ra d o fie l corre -lig ion á rio d e Ru i Ba rb osa (a q u e m ch a-m a va d e ch e fe ), a-m in istro d a Via çã o e O b ra s Pú b lica s e , p oste riorm e n te , d a Ag ricu ltu ra , In d ú stria e C om é rcio, sob ri-n h o h om ôri-n im o d o M a rq u ê s d e Ab ra ri-n te s – o “ e sta d ista d e d ois re in a d os” –, M ig u e l C a lm on su rig e d a a n á lise e n q u a n to e xe m p la r p a ra se e n te n d e r o tra b a lh o socia l d e re con ve rsã o d e u m a h e -ra n ça “ n ob re ” (e stre ita m e n te lig a d a a o e xe rcício d o p od e r sob o re g im e im p e ria l, le g a d o ca p a z d e d istin g u ir, re a d e -q u a n d o) à s n ova s p osiçõe s d e p od e r q u e se con fig u ra m n a s p rim e ira s d é ca -d a s -d a Re p ú b lica .

(3)

troca e q u ilib ra d a (n u m a fe liz u tiliza çã o d e te xtos d e M a u ss e M a lin ow sk i), e n -tre Alice d a Porciú n cu la e o M u se u : ta l d oa çã o e xtra ord in á ria , q u e a p on ta p a ra a in te n çã o d e im orta liza r o in d ivíd u o p e la via d a m e m ória cole tiva , d e n tre ou tra s con tra d á d iva s, foi a q u in h oa d a com u m a sa la e sp e cia l p a ra su a e xp osiçã o p e rm a n e n te e m m e io a ou tros e m -b le m a s d a “ h istória n a cion a l” , com o d ire ito con sa g ra d o n o a to d a d oa çã o a u m a cu ra d oria e sp e cia l a se r e xe rcid a p e la viú va e se u m ord om o, e ste n d e n d o-se p re rrog a tiva s d e ord e m p riva d a a u m e sp a ço su p osta m e n te p ú b lico.

O s d oze p rim e iros ca p ítu los d o livro d e se n tra n h a m , p ou co a p ou co, d os va -ria d os ob je tos com p on e n te s d e sse “ sis-te m a ” q u e é a cole çã o (m óve is, jóia s, rou p a s, e scu ltu ra s, ca n e ta s, d ip lom a s, fotog ra fia s, b iog ra fia s e ou tros livros, d e n tre ta n tos), p e la via d o e stu d o d e su a orig e m e tra je tória , d os sig n ifica d os q u e os im p re g n a m e con stitu e m n ã o só a “ fa b rica çã o d o im orta l” M ig u e l C a l-m on , l-m a s a vid a socia l d a s e lite s p olítica s, se u s va lore s, se u s e sp a ços d e socia b ilid a d e , a s re d e s socia is q u e se e n tre -cru za m n a form a çã o d o Esta d o à é p oca , su a s re la çõe s com os p a íse s e u rop e u s e , d e m od o m a is a b ra n g e n te , u m p roje to im p lícito d e u m a “ civiliza çã o b ra sile ira ” . Sã o a sp e ctos d e g ira n d e im p ortâ n -cia p a ra o con h e cim e n to d o p e ríod o e d a s (p ou co e stu d a d a s) e lite s b ra sile ira s. N os cin co ca p ítu los fin a is Ab re u volta -se p a ra o e sp a ço e scolh id o p a ra d e p ósito e e xp osiçã o d e sse s se m ióforos e se u s se n tid os, e m ú ltim a in stâ n cia p a -ra os p la n os d e u m a “ h istória n a cion a l” com o p e rse g u id os p e los se g m e n tos so-cia is a b ord a d os, con clu in d o p or ve r a s a lte ra çõe s à s fin a lid a d e s e siste m á tica d e e xp osiçã o d o M u se u H istórico N a cio-n a l. N e ssa p a rte , G u sta vo Ba rroso a sso-m a cosso-m o fig u ra p rin cip a l d a d e scriçã o d a a u tora . Re p orta n d o-se o le itor à “ h

is-tória ” d os livros d id á ticos, m e sm o os m a is “ a tu a liza d os” , é p ossíve l n ota r co-m o os p roce ssos q u e Re g in a Ab re u d e s-cre ve n e sse se g m e n to d o livro e stã o p re se n te s e a tu a n te s n u m “ im a g in á rio n a cion a l” d e a m p la d ivu lg a çã o (e re -p rod u çã o) a té h oje .

Em su a d im e n sã o te xtu a l – a rte fa to lite rá rio –, A Fab ricação d o Im ortal b e i-ra a g i-ra d a ve lm e n te o rom a n e sco, com u m e stilo cla ro e e stim u la n te , con d u zin -d o-n os (com o n u m a in ve stig a çã o a rq u e ológ ica ), ca m a d a a p ós ca m a d a a tra -vé s d o(s) m u n d o(s) socia l(is) q u e p e rs-cru ta , se m p e rd e r o rig or sociológ ico e a s re fe rê n cia s d e con te xto h istórico. C m o m a n d a m a s re g ra s d a b oa a n trop olog ia , cá e stá u m a e tn og ra fia d e n sa , cu jo p od e r d e d e scriçã o p e rm ite vislu m b ra r m ú ltip los d e sd ob ra m e n tos e m ou -tra s p e sq u isa s e su p e ra os in e vitá ve is lim ite s d a e scolh a d e in stru lim e n ta is a n a -líticos.

(4)

ARCHETTI, Eduardo (ed.). 1994. Explor-ing t he W rit t en. Ant hropology and the M ultiplicity of W riting. Oslo: Scan-dinavian University Press. 342 pp.

Gustavo Blázquez

M e stra n d o, PPG AS-M N -UFRJ

O s a n os 80 trou xe ra m a o ca m p o d a a n -trop olog ia u m a d iscu ssã o sob re o te xto e tn og rá fico e n q u a n to p rod u çã o e scrita q u e p rocu ra n a rra r a vid a d e u m a socie -d a -d e con ce itu a -d a com o ou tra ; su a s -d ife re n ça s e se m e lh a n ça s com ou tros g ê n e ros lite rá rios; a s re la çõe s e n tre o tra b a lh o d e ca m p o e o tra b a lh o d e te xtu a liza çã o; a s e stra té g ia s p a ra a con stru -çã o d a s e tn og ra fia s u tiliza d a s p e los p a is (e m ã e s) fu n d a d ore s. Essa con ce p çã o d a e tn og ra fia com o te xtu a liza çã o d o m u n d o foi re su m id a p or C lifford G e e rtz a o d e fin ir a a çã o d e e scre ve r com o a a ti-vid a d e q u e ca ra cte riza o e tn óg ra fo, co-m o a tivid a d e fu n d a n te d a a n trop olog ia . N ã o se p od e re fle tir sob re Ex p lorin g th e W ritte n se m le va r e m con ta e ssa s p re ocu p a çõe s; m a s, a o m e sm o te m p o, e ste livro n ã o p od e se r lid o a p e n a s n o con te xto d a s d iscu ssõe s d e ssa ch a m a d a “ a n trop olog ia p ósm od e rn a ” . Ela b ora -d o a p a rtir -d e u m se m in á rio sob re a m u ltip licid a d e d o p a p e l d a e scrita n a s a n á lise s a n trop ológ ica s, re a liza d o e m ou tu b ro d e 1991 n a Un ive rsid a d e d e O slo, o livro e d ita d o p or Ed u a rd o Ar-ch e tti re ú n e u m con ju n to d e re fle xõe s sob re te xtos e scritos p or a u tor e s q u e a com u n id a d e a n trop ológ ica situ a ria fora d e se u círcu lo.

N a In trod u çã o, Arch e tti p rocu ra e x-p licita m e n te loca liza r o tra b a lh o e m u m n ovo e sp a ço situ a d o a lé m d a s d iscu s-sõe s sob re a e tn og ra fia com o te xto. Esp a ço in te rm e d iá rio q u e n ã o Esp od e se r re d u zid o n e m a o d a crítica lite rá ria , in te -re ssa d a n os te xtos e m si, n e m à

sociolg ia ou a n trop olosociolg ia d a lite ra tu ra , p re o-cu p a d a s com os te xtos e se u s a u tore s com o p rod u tos socia is. Esp a ço q u e n ã o se p e n sa com o fe ch a d o, m a s sim com o u m ca m p o d e e xp lora çã o d e te xtos e s-critos, p rocu ra n d o “ loca liza r os e sp a ços socia is a tra vé s d os q u a is os p rod u tos e scritos d e u m a socie d a d e p a rticu la r g a -n h a m se -n tid o e m te rm os a -n trop ológ icos” (:26). De sse m od o, n o Ep ílog o, Sig -n e H ow e ll p rocu ra a m p lia r o e -n u -n cia d o g e e rtzia n o, m ostra n d o com o os a n trop ólog os n ã o só e scre ve m e fa ze m tra b a -lh o d e ca m p o, com o lê e m e tn og ra fia s e ou tros te xtos a n trop ológ icos. In clu ir a a çã o d e le r p e rm ite à a u tora re fle tir sob re os e fe itos d e ssa le itu ra n a s a tivid a -d e s -d e ca m p o e -d a e scrita , b e m com o sob re a lg u m a s d a s con d içõe s d e p ossi-b ilid a d e d e ssa le itu ra .

(5)

in form a çã o p a ra a p róp ria p rod u çã o e t-n og rá fica .

A p a rtir d a a n á lise d e u m rom a n ce d o e scritor sa m oa n o Alb e rt We n te , In je rd H oë n d iscu te ig u a lm e n te a s d istin -ta s form a s d e se com p re e n d e r a a u to-n om ia d o te xto e a im p ortâ to-n cia d e le va r e m con sid e ra çã o a s d ife re n ça s e n tre os g ê n e ros n o m om e n to d e d e se n volve r a le itu ra a n trop ológ ica d e u m te xto ficcio-n a l. A a u tora su ste ficcio-n ta q u e a a u toficcio-n om ia d o te xto ja m a is é a b solu ta e q u e é fu n -d a m e n ta l e n te n -d e r com o se con stitu i e ssa a u ton om ia re la tiva – p re ocu p a çã o q u e a con d u z a re ivin d ica r u m a sociolo-g ia d os p rod u tore s q u e p e rm itiria a l-ca n ça r “ u m a m a ior com p re e n sã o ta n to d a com u n id a d e in te rp re ta tiva a q u e o livro se d irig e q u a n to d o p a p e l p ote n cia l d a ob ra p a ra e ssa com u n id a d e in -te rp re ta tiva ” (:200).

Essa p re ocu p a çã o com a a u ton om ia d o te xto é ta m b é m u m d os te m a s ce n -tra is d o -tra b a lh o d e M a rit M e lh u u s, q u e e la b ora u m a a n á lise d e q u a tro d ife re n -te s a p rop ria çõe s – e n con tra d a s e m le itu ra s a n trop ológ ica s d a cu litu ra m e xica -n a – d e El Lab e ri-n to d e la S ole d ad e d e ou tra s ob ra s d e O cta vio Pa z. Do p on to d e vista d e M e lh u u s, a d iscu ssã o d a s a p rop ria çõe s le g ítim a s d e u m a p e ça li-te rá ria d e ve g ira r e m torn o d a op osiçã o e n tre te xto e con te xto: El Lab e rin to…, ou q u a lq u e r ou tra ob ra d e ficçã o, p od e se r con sid e ra d o com o p a rte d o con te xto a p a rtir d o q u a l se fu n d a m e n ta u m a ce r-ta le itu ra d a cu ltu ra , ou p od e se r con si-d e ra si-d o com o u m te xto cu ja le itu ra se fu n d a m e n ta n o con h e cim e n to d a cu ltu -ra q u e o p rod u ziu . E, a in d a q u e e sse s d ois m od os d e fu n cion a m e n to d a ob ra lite rá ria n ã o p ossa m se r tra ta d os com o op ostos, p ois sã o m u tu a m e n te con stitu í-d os, o fa to é q u e “ n ã o p oí-d e m op e ra r si-m u lta n e a si-m e n te , a o si-m e n os n ã o a n a liti-ca m e n te , a in d a q u e o fa ça m n a p rá tiliti-ca ” (:92). É a p a rtir d e ssa s con sid e ra çõe s

q u e a a u tora e n ca ra o g ra n d e p rob le m a d os d ife re n te s e sta tu tos d os te xtos e s-critos e m g e ra l (con sid e ra d os ou n ã o p e los p rod u tore s e con su m id ore s com o lite ra tu ra ) e a q u e le s p rod u zid os p e lo a n trop ólog o a p a rtir d a in te ra çã o fa ce a fa ce n o tra b a lh o d e ca m p o. Ain d a q u e e sse s d ois con ju n tos d e te xtos se ja m to-m a d os coto-m o d a d os, n ã o d e ve to-m os d e i-xa r d e re con h e ce r q u e su a s con d içõe s d e p rod u çã o (e n tre a s q u a is d e ve m se r in clu íd a s a s con d içõe s d e le itu ra ) sã o d ife re n te s.

O vín cu lo e n tre lite ra tu ra e e tn og ra -fia é a b ord a d o d e u m â n g u lo d istin to e m ou tros a rtig os d o livro. Assim , Ala n Ba rn a rd e xp lora a lg u m a s d a s re la çõe s e n tre a scie n ce fiction d e fin a is d o sé cu lo XIX e p rin cíp ios d o sé cu lo XX e tra -b a lh os e tn og rá ficos p rod u zid os n a m e s-m a é p oca . Re la çõe s q u e o a u tor a n a lisa a p a rtir d e trê s te m a s q u e e stã o p re se n -te s n e ssa s d u a s form a s d e d iscu rso: a s ra ça s p e rd id a s, a s g u e rra s d o fu tu ro e os p rim e iros h om e n s. De sse m od o, Ba r-n a rd p re te r-n d e m ostra r com o a ilu sã o p rim itiva p re se n te ta n to e m Tarz an of th e A p e s com o n a s e tn og ra fia s é re ci-cla d a “ re torn a n d o a n ós a tra vé s d a s fic-çõe s q u e a g ora le m os […] e in clu sive n a s ficçõe s q u e q u a n d o cria n ça s lía m os tã o in oce n te m e n te ” (:252).

(6)

u m a socie d a d e islâ m ica ” (:32). An a li-sa n d o d ois e scritore s p e rte n ce n te s a e s-se n ovo g ru p o – e ou tros p rod u tos cu l-tu ra is com o re vista s e víd e os –, o a u tor m ostra com o e sse s b e n s sã o u tiliza d os ta n to p e los m ig ra n te s ru ra is n o m om e n to d e re d e fin ir su a id e n tid a d e n o m u n d o u rb a n o, q u a n to p or e sse s n ovos in te -le ctu a is q u e p rocu ra m im a g in a r u m a Tu rq u ia islâ m ica .

Ig u a lm e n te in te re ssa d a n os p roce ssos d e con stru çã o d e id e n tid a d e s, M a -ria n n e G u lle sta d a n a lisa u m a a u tob io-g ra fia e scrita , a p e d id o d a a u tora , p or u m a n ciã o n oru e g u ê s. Ao re fle tir sob re a ch a m a d a h istória ora l e d e scre ve r com ce rta m e ticu losid a d e a m e tod olog ia q u e n orte ou su a in ve stig a çã o, a a u tora a ssi-n a la e xp licita m e ssi-n te q u e se u issi-n te re sse e stá ce n tra d o n o “ q u e a a çã o d e e scre -ve r p rod u z n o e scritor” (:160), ou se ja , n os p roce ssos d e (re )con stru çã o d o se lf a p a rtir d e u m a d e te rm in a d a form a d e n a rra çã o. Esse s p roce ssos e stã o re la cio-n a d os com a q u e le s ou tros a tra vé s d os q u a is se (re )con stitu i a socie d a d e on d e o su je ito ocu p a u m lu g a r; d e ta l m od o q u e “ os d ile m a s m ora is n o te xto d e O i-vin d p od e m se r vistos com o ilu stra çã o d os a tu a is d ile m a s d o Esta d o d e Be m -Esta r Socia l e sca n d in a vo” (:159).

O te xto d e Ed u a rd o Arch e tti in scre -ve -se , ig u a lm e n te , n e ssa p re ocu p a çã o com a con stru çã o d e id e n tid a d e s, a o fo-ca liza r “ os con tra sta n te s m od e los d e m a scu lin id a d e tra n sm itid os p e la p oé ti-ca d o ta n g o a rg e n tin o e m se u p e ríod o clá ssico” (:98), m od e los q u e com e ça m a se form a r n a Bu e n os Aire s cosm op olita d e p rin cíp ios d o sé cu lo. O p e ríod o a n a -lisa d o a b a rca a s trê s p rim e ira s d é ca d a s d o sé cu lo XX, d u ra n te a s q u a is se p ro-d u z a g lob a liza çã o ro-d o ta n g o, p roce sso q u e “ se rviu p a ra in ve n ta r u m a tra d içã o, u m e sp e lh o on d e os a rg e n tin os p od e m se ve r a si m e sm os p re cisa m e n te p or-q u e os ou tros com e ça ra m a vê -los”

(:101). A p a rtir d a a n á lise d os vá rios te m a s p re se n te s n os ta n g os (o a m or im -p ossíve l, a fe m m e fatale , a m ilon g u ita, o a m or d a m ã e , a h on ra e su a d e fe sa ), o a u tor m ostra com o se con stroe m d ife -re n te s id e n tid a d e s m a scu lin a s q u e p e r-m ite r-m e n te n d e r “ a cor-m p le xid a d e d a s re la çõe s e n tre h om e n s e m u lh e re s e m con te xtos e m q u e e stã o se n d o d e se n -volvid a s n ova s form a s d e con ce itu a r o a m or” (:117). Essa s d e m on stra çõe s, n o e n ta n to, p e rd e m a lg o d e su a força n a m e d id a e m q u e a p e rform an ce d os te x-tos – e sp e cia lm e n te , n o ca so d o ta n g o, a p róp ria d a n ça , q u e p od e ria se r e n te n d i-d a com o ou tra form a i-d e a p rop ria çã o d os te xtos – é e xclu íd a d a a n á lise . Esse te m a só a p a re ce rá n o a rtig o d e Solru n Willin k se n -Ba k k e r a ce rca d a in te rfa ce ora lid a d e / e scrita , a n a lisa d a a p a rtir d a p rod u çã o te a tra l n o con te xto m u ltié tn i-co d e Fiji.

A re la çã o e n tre ora lid a d e e e scrita é ta m b é m d iscu tid a e p rob le m a tiza d a n os tra b a lh os d e Sa ra h Lu n d Sk a r e J oa n n e Ra p p a p ort. A p rim e ira m ostra o va lor m á g ico q u e a d q u ire m a s ca rta s troca d a s e n tre u m g ru p o d e ca m p on e se s p e -ru a n os e se u s p a re n te s q u e re sid e m fo-ra d a com u n id a d e . N e sse in te rcâ m b io e p istola r, o d ocu m e n to e scrito se rve d e e le m e n to q u e con firm a a u n iã o e n tre os g ru p os, e a in form a çã o é loca liza d a a p e -n a s -n a p a la vra d a q u e le q u e le va a ca r-ta . Essa a p rop ria çã o e sp e cífica d a e scrta fe iscrta p or fa la n te s d o q u e ch u a p e rm i-te re fle tir sob re a n e ce ssid a d e d e a n a li-sa r os d ife re n te s p roce ssos e e stru tu ra s socia is q u e d ã o se n tid o à s re la çõe s d i-n â m ica s e i-n tre o e scrito e o fa la d o.

(7)

i-tos, a p a rtir d a tra d içã o ora l se con s-troe m d ocu m e n tos le g a is e scritos. Exp lora n d o u m a m u ltiExp licid a d e d e g ê n e -ros, a a u tora b u sca re ve la r “ a cria tivi-d a tivi-d e tivi-d e u m p ovo op rim itivi-d o q u e m istu ra m e ios d e e xp re ssã o ora l e e scrita e m su a a p rop ria çã o d a s con ve n çõe s lite rá -ria s d a socie d a d e d om in a n te ” (:293) – o q u e a b re in te re ssa n te s p ossib ilid a d e s d e tra b a lh os com p a ra tivos.

Em su m a , Ex p lorin g th e W ritte n ofe -re ce -n os u m a m p lo e sp e ctro d e p e sq u isa s q u e p rob le m a tiza m , a p a rtir d e lu -g a re s d istin tos, a re la çã o e n tre te xtos a n trop ológ icos e n ã o a n trop ológ icos. Pe sq u isa s q u e op e ra m a p a rtir d a e x-p lora çã o d e u m a m u ltix-p licid a d e d e e s-critos q u e ob rig a m o le itor a fa ze r u m p e rcu rso a o fim d o q u a l se e n con tra rá e n tre El Lab e rin to d e la S ole d ad e a li-te ra tu ra d e Fiji, Sa m oa ou d a li-te rra d o ca lip so; e n tre ta n g os p orte n h os e Tarz an of th e A p e s; e n tre u m a a u tob iog ra fia n oru e g u e sa e a s ca rta s d e ca m p on e -se s q u e ch u a e scrita s p or e scrib a s loca is e m e sp a n h ol.

FLEURANT, Gèrdes. 1996. Dancing Spir-it s Rhyt hms and RSpir-it uals of t he Hai-t ian Vodun, Hai-t he Rada RiHai-t e. W esHai-t porHai-t , Connect icut : Greenw ood Press. 209 pp.

Ana Paula Ratto de Lima

M e stra n d a , PPG AS-M N -UFRJ

Assim com o n o C a n d om b lé n o Bra sil e n a Sa n te ría e m C u b a , a m ú sica e a d a n -ça sã o e le m e n tos fu n d a m e n ta is d o Vo-d u h a itia n o, ca n a is p rivile g ia Vo-d os Vo-d e co-m u n ica çã o e n tre os Lw a (se re s e sp iri-tu a is) e os h u m a n os. É a tra vé s d e su a p rá tica q u e se in d u z u m d os m om e n tos m a is im p orta n te s d os ritos d o Vod u , a p osse ssã o. Alé m d isso, p or se re m con

si-d e ra si-d os g e n u in a m e n te a frica n os, os rit-m os q u e in d u ze rit-m ou a p la ca rit-m e ssa p os-se ssã o – ou os-se ja , q u e a con trola m – tê m p ote n cia l n e ce ssá rio p a ra a tu a r com o ve ícu los d e com u n ica çã o d os fié is d o Vod u com os Lw a, já q u e a m b os sã o ta m b é m oriu n d os d a África .

O livro d e Fle u ra n t, e scrito a p a r tir d e u m a p e sq u isa d e ca m p o e m Bòp o, n o H a iti, a b ord a a p rá tica m u sica l e m se u s a sp e ctos form a is e p e rform á ticos, p rocu ra n d o in te g rá -la n o con te xto m a is g e ra l d a ce rim ôn ia Rad a, q u e “ é u m d os p rin cip a is ritu a is d o com p le xo re lig ioso con h e cid o n o H a iti com o Vod u ” (:2). Pa ra ta n to, o a u tor (e le m e sm o u m in i-cia d o n o Vod u ) ce n tra su a a n á lise n a m ú sica in stru m e n ta l, n o p a p e l d os m ú -sicos e in stru m e n tos, e n a m ú sica voca l – n e ste ca so, a p a rtir d a s m e lod ia s e te xtos d e ca n çõe s, p or u m la d o, e d a s re la -çõe s d e sta s com ca d a Lw a cu ltu a d o n a ce rim ôn ia , p or ou tro.

(8)

H á , n a ve rd a d e , u m a e sp é cie d e com b in a çã o d a s d ive rsa s fa se s d o rito, q u e vã o se n d o e xe cu ta d a s m a is ou m e n os se g u n d o a s con tin g ê n cia s (ob via -m e n te co-m a lg u -m a s li-m ita çõe s). Essa p ossib ilid a d e d e re a rru m a çã o ve rifica -d a n o cu lto e stá p re se n te ta m b é m n a e stru tu ra m u sica l, ou se ja , n a s form a s d e im p roviso d os ritm os e m e lod ia s, a fim d e q u e n ã o p e rca m su a s ca ra cte rís-tica s m a is g e ra is.

Existe m , n a ce rim ôn ia Rad a, oito ti-p os d e ritm os m u sica is: y an v alou , tw arig òl, m ay i, z è p ol, k on g o rad a, d y ou -b a/ m atin ik , n ag o, m az ou n . Este s ritm os sã o e xe cu ta d os p or in stru m e n tos d e p e rcu ssã o, ca n tore s e d a n ça rin os, a sso-cia d os d e d ife re n te s m a n e ira s d e a cor-d o com o Lw a a q u e m se cor-d irig e m (:32). N o e n ta n to, os ritm os m a is fr e q ü e n te s sã o y an v alou , m ay i e z è p ol. O p rim e iro sig n ifica lite ra lm e n te “ ve n h a p a ra m im ” e é , a o m e sm o te m p o, u m a in voca çã o e u m a m ú sica / d a n ça d e sú p lica , p rim e ira a se r e xe cu ta d a e m tod a s a s ce rim ôn ia s Rad a, e ca d a ve z q u e u m Lw a é in voca -d o. A -d a n ça con siste n o m ovim e n to a l-te rn a d o d o a b a ixa r e le va n ta r os joe lh os d ob ra d os, e é a tra vé s d a p e rform an ce d e ssa m ú sica / d a n ça q u e os fié is e sta b e -le ce m con ta to com os a n ce stra is e m La-frik G in e n a tra vé s d a p osse ssã o. O Lw a d e ve re sp on d e r a os a p e los in siste n te s d os ta m b ore s, d a d a n ça e d a m ú sica , e “ m on ta r” u m d os m e m b ros d o g ru p o. M ay i e z è p ol (ta m b é m con h e cid o com o “ d a n ça d os om b ros” ) sã o com p le m e n -tos ritu a is d o y an v alou , cu ja fu n çã o p ri-m ord ia l é ri-m a n d a r e ri-m b ora u ri-m Lw a d e form a p ositiva e fe liz. Aq u i, Fle u ra n t ob se rva q u e , u m a ve z q u e e sta s sã o d a n ça s d e a n d a m e n to m a is rá p id o, e xe cu ta d a s e m p é , se u s m ovim e n tos fu n -cion a ria m com o m e ca n ism os d e a lívio d e te n sõe s.

O s con ju n tos Rad a p ossu e m se is in s-tru m e n tos m u sica is: og an (sin o), ason

(ch oca lh o ritu a l), b as (g ra n d e ta m b orim , ra ra m e n te u tiliza d o n o Rad a), b ou la (p e -q u e n o ta m b or), se g on (m é d io ta m b or) e m an m an (g ra n d e ta m b or, con h e cid o ta m b é m n a África com o ta m b or-m ã e ). O s trê s ta m b ore s sã o os in stru m e n tos m a is u tiliza d os e im p orta n te s n a ce rm ôn ia ; d e ve rm se r b a tiza d os, e su a fe i-tu ra e xig e cu id a d os rii-tu a is e sp e cia is. Se g u n d o Rig a u d , “ os p od e re s d os ta m b ore s d e ve m se r re a tu a liza d os d e te m p os e m te m p os” (ap u d :38), n ã o b a sta n -d o q u e se ja m con sa g ra -d os p or oca siã o d o ritu a l d e b a tism o. Pa ra ta n to, d e ve m via ja r sim b olica m e n te p a ra Ifa , n a Áfri-ca O cid e n ta l, a fim d e re cu p e ra re m se u s p od e re s.

Do p on to d e vista d o Vod u , os ta m -b ore s p ossu e m p od e re s cru cia is p a ra os ritu a is; sã o e le s q u e in d u ze m a p osse s-sã o, o e le m e n to vita l d e tod a ce rim ôn ia Vod u , e sta b e le ce n d o a com u n ica çã o e n -tre os Lw a e os fié is. N ã o é ca su a l q u e o p róp rio te rm o Vod u sig n ifiq u e , a o m e s-m o te s-m p o, ta s-m b or e e sp írito n o id ios-m a d os Fon d o Be n in . É o som d os ta m b ore s, ore g u la d o p e los toca d oore s, q u e in d u z, d e te rm in a a fre q ü ê n cia e in te rrom p e a p osse ssã o. N e sse se n tid o, é fu n d a -m e n ta l q u e os -m ú sicos te n h a -m con trole a b solu to d o q u e toca m . E e m b ora tod os os m ú sicos p ossu a m u m a ce rta m a rg e m d e im p rovisa çã o, in d u zin d o d iá log os e m u d a n ça s n os d e m a is p a d rõe s toca d os p e la s ou tra s p a rte s, é o ou n tò q u e m con trola , e m g e ra l, o flu xo rítm ico e xe cu ta -d o p e los in stru m e n tos, com a n -d a n -d o -d i-re ta ou in d ii-re ta m e n te e sse s d iá log os. Ele é o m e stre d os in stru m e n tista s e toca o ta m b orm ã e (m an m an ), o m a is g ra -ve e q u e re q u e r m a is virtu osism o. Pa ra se ch e g a r a ou n tò, d e ve -se p a ssa r a n te s p e la p rá tica d e toca r b ou la e se g on , p ois a h a b ilid a d e e xig id a cre sce n a p rop or-çã o d os ta m b ore s.

(9)

p a i e sp iritu a l) “ u m a e stre ita u n id a d e m ú sico-p e rform á tica ” (:47), se n d o q u e o ou n tò n ã o p re cisa se r u m in icia d o, a o con trá rio d o ou n g e n ik on e , e vid e n te m e n te , d o ou n g an . N o e n ta n to, é in te -re ssa n te n ota r q u e ca so e le o se ja , p od e e ve n tu a lm e n te con tin u a r toca n d o p e r-fe ita m e n te , m e sm o sob o e r-fe ito d e u m a p osse ssã o. C a so con trá rio, e le u tiliza os ritm os n e ce ssá rios p a ra a p la ca r a p os-se ssã o, já q u e a ce rim ôn ia n ã o p od e p rosse g u ir se m su a a tivid a d e .

Du ra n te a ce rim ôn ia , os in stru m e n -tista s e ca n tore s e xe cu ta m p e ça s q u e se re la cion a m com os Lw a ou com ou tros e le m e n tos d o ritu a l, com o os v è v è (d e se n h os ritu a is d os Lw a), com ob je tos sa -g ra d os, com o o ason , a b a n d e ira , ou com os m e m b ros d o g ru p o cu jo p a p e l é e s-se n cia l p a ra a e xe cu çã o d a ce rim ôn ia . C a d a u m a d a s ca n çõe s p ossu i u m te xto e sp e cífico, p a rte e m lan g aj (“ lin g u a -g e m a frica n a a n ti-g a ” ), p a rte e m cre ole , re fe re n te a o e le m e n to sob re o q u a l se volta m a s a te n çõe s n o m om e n to – ca d a e le m e n to p ossu i vá ria s ca n çõe s q u e e xa lta m su a s q u a lid a d e s. É a tra vé s d a s ca n çõe s q u e a s p e ssoa s a p re n d e m m a is sob re os Lw a. Q u a n d o u m Lw a, p or in -te rm é d io d a p e ssoa p or e le p ossu íd a , p rop õe u m a n ova ca n çã o, e le o fa z m e -d ia n te ritm os já con h e ci-d os p or to-d os, p rop on d o u m n ovo a rra n jo d e te xto.

O s ritm os e m g e ra l se g u e m o p a -d rã o b á sico a frica n o -d a con tra p osiçã o 2:3, cria n d o u m a d e n sa p olirritm ia , q u e va i te ce n d o te ia s d e ritm os e n tre la ça d os, a lta m e n te d e se n con tra d os, con tra -p on ta d os. Essa -p olirritm ia se a rticu la a p a rtir d e u m ou tro p rin cíp io re corre n te n a m ú sica a frica n a , q u e é o d e ch a m a d o/ re sp osta . Sã o os d iá log os q u e se e m -p re e n d e m e n tre os ta m b ore s e e n tre os ca n tore s, b e m com o a m istu ra d e sse s d ois n íve is d e d iá log o, q u e d ã o e sp e ci-ficid a d e à te xtu ra d a m ú sica d o Vod u . É in te re ssa n te n ota r q u e a e xe cu çã o d e

s-se tip o d e m ú sica re q u e r m u ita a te n çã o d os m ú sicos, já q u e e m b ora o p rin cíp io rítm ico b á sico se ja o m e sm o (2:3), os in s-tru m e n tos o e xe cu ta m e m u m te m p o d i-fe re n te d o d os ca n tore s, o q u e fa z com q u e se p ossa se m p re re tira r n ovos “ te m -p os” d e ssa s com b in a çõe s. A -p a r tir d a a n á lise d a s lin h a s m e lód ica s d os in stru -m e n tos, p od e -m os p e rce b e r e ssa re ve r-sib ilid a d e d os ritm os, cria d a a tra vé s d e a ce n tu a çõe s d ife re n te s p a ra ca d a u m d os in stru m e n tos, fa ze n d o com q u e se con stitu a m “ su b te m p os” d e n tro d a m é -trica m a is g e ra l, ora e n fra q u e ce n d o-a , ora re força n d o-a .

O flu xo cria d o p or e sse s e n tre la ça -m e n tos d e ve se r b e -m con h e cid o a fi-m d e q u e con tra ste m com o k ase , ou q u e -b ra d o ritm o, q u e é o q u e in d u z o tra n se e a p osse ssã o. O k ase é e fe tu a d o p e lo m an m an , e p od e vir, p or e xe m p lo, n a form a d e u m a fig u ra q u ín tu p la (cin co b a tid a s n o e sp a ço d e u m te m p o), q u e -b ra n d o u m ritm o -b a se a d o n a te rcin a (a s vá ria s form a s e m q u e e ssa s m u d a n ça s p od e m ocorre r sã o a n a lisa d a s n o ca p í-tu lo 5). Essa q u e b ra d e ritm o é se n tid a in te n sa m e n te com o u m a m u d a n ça b ru s-ca n o flu xo rítm ico-son oro im a n e n te a d e te rm in a d a s fa se s d o ritu a l, con sttu in d o e n tã o u m a “ d e ixa ” p a ra os in icia d os e n tra re m e m tra n se , p re p a ra n d ose p a ra a p osse ssã o. Ela g a n h a d e n -sid a d e va lora tiva se com p a ra d a com o e fe ito q u e ta is su b stitu içõe s d e ritm os p a ssa m a te r n a m ú sica ocid e n ta l a p a r-tir d o in ício d o Rom a n tism o, q u a n d o sã o q u a se se m p re lid a s com o u m a e sp é cie d e flore io q u e se rve à b a tid a p rin cip a l, se m p rod u zir m u d a n ça s sig n ifica tiva s.

(10)

a form a p e la q u a l os a g e n te s os a rticu la m e re cria m con tin u a m e n te . N o e n -ta n to, o a u tor n ã o se d e té m n e sse ú lti-m o a sp e cto, q u e re lti-m e te ria a u lti-m a a b or-d a g e m m a is p rop ria m e n te a n trop ológ i-ca d o Vod u , e sã o ra ra s a s a lu sõe s a os d iscu rsos d e se u s in form a n te s. Assim , n ã o fica m os sa b e n d o m u ito sob re com o os p ra tica n te s e stã o e fe tiva m e n te p e n -sa n d o, re p re se n ta n d o ou vive n cia n d o e ssa s p rá tica s ritu a is.

Q u a se tod a s a s in te rp re ta çõe s d e Fle u ra n t sob re o lu g a r ocu p a d o p e lo Vod u n a socie d a d e h a itia n a p od e m se r re su m id a s n a form u la çã o “ o Vod u com o re sp osta à s con d içõe s socia is h a itia -n a s” (:21). Do se u p o-n to d e vista , e sse cu lto se ria u m d os m e ios p a ra con torn a r a op re ssã o sociop olítica : “ é u m a filoso-fia e u m m od o d e vid a , q u e p e rm ite for-m u la r re sp osta s a p rop ria d a s p a ra u for-m a situ a çã o h istorica m e n te op re ssiva e d e b ilita d a ” (:23). O Lw a in sp ira o fie l, p a -ra q u e e ste p ossa e m p re e n d e r a s a çõe s a p rop ria d a s q u a n d o con fron ta d o com a s d ificu ld a d e s. N e sse se n tid o, a s ca n çõe s d o rito Rad a se ria m u m te ste m u -n h o e loq ü e -n te d a h a b ilid a d e d o Vod u p a ra a p re se n ta r solu çõe s p a ra a s con d içõe s socia is h a itia n a s. A p rim e ira ce -rim ôn ia Vod u n o H a iti d a ta d e 14 d e a g osto d e 1791, p ou co a n te s d a re volta g e ra l d os e scra vos, e d e n ota com o e le “ se m p re foi u m a re lig iã o d e a çã o, n o se n tid o d e q u e os re su lta d os p od e ria m se r vistos d e m a n e ira ta n g íve l e , fre q ü e n te m e n te , e m u m p e ríod o re la tiva -m e n te cu rto” (:21).

N e sse se n tid o, tod a a a n á lise m u si-ca l d a “ rítm isi-ca ” Vod u p a re ce d e scola d a d a “ fu n çã o” m a is p rim ord ia l e g e ra l d o ritu a l, q u e se ria a d e ofe re ce r u m a re s-p osta à s te rríve is con d içõe s socioe con ô-m ica s d o H a iti. Por q u e e ssa forô-m a d e re sp osta e n ã o ou tra é u m a q u e stã o q u e te m com o ú n ica p ista o fa to d e se tra ta r d e u m a re lig iã o d e orig e m a frica n a , e ,

com o ta l, d e e voca r u m p a ssa d o d ig n o, a q u e le d os a n ce stra is ilu stre s, os Lw a. Fle u ra n t é trib u tá rio d e ssa con ce p çã o: a o in trod u zir u m n ovo te m a ou e le m e n -to e m su a a n á lise , re m e te -os in va ria ve l-m e n te p a ra su a s su p osta s orig e n s a fri-ca n a s, te n ta n d o lofri-ca lizá -los n e ssa ou n a q u e la socie d a d e .

Se a s ch a m a d a s re lig iõe s p a n -a frica n a s se e xp lifrica m , e xclu siva m e n te , p e -la p e rp e tu a çã o d a s tra d içõe s, a tra vé s d e m e ca n ism os d e tra n sm issã o ora l, a d a p ta n d o e le m e n tos d a re a lid a d e p re -se n te , com o su g e re o a u tor, é u m a q u e s-tã o a in d a e m a b e rto. N o e n ta n to, sa b e r com o os e n volvid os a s e stã o vive n cia n -d o é , a m e u ve r, fu n -d a m e n ta l p a ra u m a a rticu la çã o m a is p re cisa e n tre e sse “ le -g a d o” a fr ic a n o e s u a s a t u a liz a ç õ e s a lh u re s.

GIUM BELLI, Emerson. 1997. O Cuida-do Cuida-dos M ort os: Uma Hist ória da Con-denação e Legit imação do Espirit is-mo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 326 pp.

Patricia Birman

Profª d e An trop olog ia , UERJ

(11)

se ja , n a fon te q u e p e rm ite e n te n d e r e a cre d ita r n a p sicog ra fia ?

Pa ra os e sp írita s, com e fe ito, a e scri-ta d os m é d iu n s é re ve la d ora p orq u e se p a rte d a p re ssu p osiçã o d e q u e o se u se n tid o a d vé m d e fon te sob re n a tu ra l. Assim , o m é d iu m n ã o fa z n a d a m a is d o q u e tra n scre ve r o q u e o e sp írito lh e d ita e e sse con h e cim e n to tra n sm itid o é p a s-síve l d e se r in corp ora d o m e d ia n te u m tra b a lh o d e e xe g e se fe ito p or se u s se -g u id ore s q u e m istu ra , e m d ose s in d is-ce rn íve is, a in te rp re ta çã o q u e re a liza m com tu d o a q u ilo q u e a cre d ita m lh e s ch e g a r d ire ta m e n te , se m con ta m in a -çõe s, d e sse e m issor d o Alé m . Por m a is q u e , p orta n to, n a tu ra lize m o te xto p si-cog ra fa d o, os e sp írita s re con h e ce m a e xistê n cia d e p re m issa s q u e o va lid a m , b e m com o d e u m a in te rp re ta çã o q u e lh e d á se n tid o.

Q u a n d o a p roxim o os d ocu m e n tos p sicog ra fa d os d os p roce ssos a n a lisa d os p or Em e rson G iu m b e lli q u e ro, p a ra a lé m d e u m a b rin ca d e ira , coloca r e m d iscu ssã o o lu g a r q u e n os ú ltim os se con ce d e à in te rp re ta çã o. C e rta m e n te , os crité rios in te rp re ta tivos q u e con d u -ze m a p e sq u isa e tn og rá fica a h ip óte se s in te re ssa n te s n ã o sã o os m e sm os d a q u e le s a p lica d os p e lo e sp iritism o d ia n -te d e -te xtos “ p sicog ra fa d os” , m a s ta n to e sp írita s q u a n to a n trop ólog os re con h e ce m , p or ve ze s com e vid e n te d ificu ld a -d e , q u e os -d a -d os n ã o fa la m p or si m e s-m os e q u e , p orta n to, é p re ciso d otá -los d e se n tid o. De ssa m a n e ira , re con h e ce se a p olisse m ia q u e os h a b ita , e n fron h a -se e m u m a re d e d e d iscu rsos con tra d i-tórios e a m b íg u os p a ra , fin a lm e n te , con stru ir u m a m e ra ve rsã o. A in ce rte za , p ou co tra n q ü iliza d ora , a re sp e ito d os re su lta d os a lca n ça d os n ã o d e ixa n e m e sp írita s n e m a n trop ólog os d e sca n sa r e m p a z. O m u n d o d os m ortos e a s co-m u n ica çõe s q u e re sva la co-m d e a n tig os te xtos lh e s a com p a n h a rá p a ra se m p re .

De ixe m os p or ora e ssa a p roxim a çã o p a ra e xp or e m lin h a s g e ra is e sse im p or-ta n te tra b a lh o sob re o e sp iritism o n o Bra sil. C om u m re corte p re ciso e m u m a e n orm e m a ssa d e m a te ria l, Em e rson m a n u se ia fon te s d ive rsa s p a ra d iscu tir a con stitu içã o d o e sp iritism o n o Bra sil e , p a rticu la rm e n te , n o Rio d e J a n e iro. Ele p a rte d a su p osiçã o d e q u e o e sp iritism o é u m a p rod u çã o h istórica e con -te xtu a l, re su lta d o d e u m p roce sso q u e n ã o con tin h a , d e sd e os se u s p rim órd ios, o tra ça d o d e se u ca m in h o já d e lin e a d o. Em ou tra s p a la vra s, a n oçã o, h oje p ou co re la tiviza d a , d e q u e e sp iritism o é re -lig ião se ria e fe ito, se g u n d o o a u tor, d e u m a con ju n çã o p e cu lia r, d e u m e n con -tro d e d ife re n te s e stra té g ia s d iscu rsiva s d e se n volvid a s p or a g e n te s socia is d ive rsos. N e sse p roce sso, a tu a ra m d e m a n e ira s con te xtu a lm e n te ta m b é m d ife -re n cia d a s a s in stitu içõe s m é d ica s, ju rí-d ica s, os m e ios rí-d e com u n ica çã o, os a g e n te s re lig iosos e sp írita s, ca tólicos e ou tros, a lé m d a s força s p olicia is. C om d istin ta s e stra té g ia s d iscu rsiva s e sse s g ru p os, a o se e n fre n ta re m e p or ve ze s ta m b é m se a lin h a re m , in stitu íra m ca -te g oria s, forja ra m p ola rid a d e s (com o a q u e la q u e op ôs “ m ísticos” e “ cie n tífi-cos” e n tre os e sp írita s d e d ife re n te s fa c-çõe s), e sta b e le ce ra m ju risp ru d ê n cia s, p rá tica s d ive rsa s q u e h oje sã o d ifíce is d e a p re e n d e r (e , p orta n to, d e sn a tu ra li-za r) com o e fe ito d e u m p roce sso. A form a çã o d o e sp iritisform o, ta l coform o o con h e -ce m os, n o p re se n te é e fe ito d e sse p ro-ce sso d e se n volvid o e m u m ro-ce rto ca m p o d e força s, d o e n tre la ça m e n to q u e se p rod u ziu e n tre d iscu rsos e p od e re s q u e fora m ca p a ze s d e fa ze r va le r n ã o so-m e n te a lg u so-m a s ve rsõe s, so-m a s ta so-m b é so-m in stitu ir ce rta s p rá tica s.

(12)

iscu rsos m é d icos, tra n sform a ra m a s fron -te ira s id e n titá ria s d os g ru p os re lig iosos e re d e fin ira m , su ce ssiva m e n te , os p a -p é is a trib u íd os a o Pod e r J u d iciá rio e à p olícia p a ra , a p a rtir d a a n á lise d e sse con te xto e d e sse s e m b a te s, com p re e n -d e r o e sp iritism o com o re su lta -d o -d isso tu d o. C on te xto é , p ois, u m a p a la vra -ch a ve . Prod u to d e u m ca m p o d e lu ta s e m q u e se d e fin iu com p e tê n cia s m é d i-ca s e ju ríd ii-ca s, e m e rg e com o lu g a r p os-síve l p a ra o e sp iritism o a q u e le con ce d i-d o à re lig ião. C ria m -se , p orta n to, n ovos lu g a re s e n ovos p a p é is. O a u tor e xp lica , a ssim , com o, a p a rtir d e u m ce rto m o-m e n to, crista liza -se u o-m a cre n ça p or m e io d a q u a l o e sp iritism o con stru iu o se u lu g a r. Este te ria se su b ord in a d o a o m on op ólio d e cu ra con q u ista d o p e la m e d icin a e se a lia d o a o p od e r p olicia l p a ra g a ra n tir, n o ca m p o “ re lig ioso” , se u p a p e l p rivile g ia d o e m re la çã o a o b aix o e sp iritism o, à m acu m b a, a o can d om b lé , ou se ja , a os cu ltos d e orig e m african a e m g e ra l.

Se g u n d o a h ip óte se d e se n volvid a p or e sse tra b a lh o, a con stru çã o h istóri-ca d e sse istóri-ca m p o e o form a to q u e ve io a a d q u irir, e m fu n çã o d o jog o d e força s e e stra té g ia s d iscu rsiva s q u e o tra sp a ssa -ra m , con ce d e -ra m a o e sp iritism o, n o Rio d e J a n e iro, com p a ra tiva m e n te , u m lu -g a r d e re fe rê n cia , u m p on to d e a n cora-g e m e m torn o d o q u a l tod os os con flitos re lig iosos p a ssa ra m a se e xp re ssa r, e o m e tro a p a rtir d o q u a l p a ssa ra m a se h ie ra rq u iza r. O e sp iritism o n o Rio d e J a -n e iro te ria tid o, d e sse m od o, p a p e l e q u i-va le n te à q u e le d e se m p e n h a d o p e la a fri-ca n id a d e n a g ô n a Ba h ia , con stru íd a p or u m a a lia n ça e n tre in te le ctu a is e ce rtos g ru p os d e cu lto q u e p a ssa ra m a te r o p od e r d e le g itim a r, se g u n d o se u s crité -rios e m e d id a s, os ou tros cu ltos d e p os-se ssã o. M a is d o q u e u m op e ra d or d e d istin çõe s, o e sp iritism o te ria sid o ca -p a z, -p orta n to, d e in stitu ir -p rá tica s e

crité rios p or in te rm é d io d os q u a is os g ru -p os re lig iosos a ssocia d os à -p osse ssã o p a ssa ra m a se re g u la r, ob e d e ce n d o, a s-sim , à s in ju n çõe s h istórica s q u e d e ra m a o e sp iritism o k a rd e cista u m p od e r a u -xilia r d e p olícia e fize ra m d a Fe d e ra çã o Esp írita Bra sile ira (FEB) u m re g u la d or d ou trin á rio ta n to p a ra “ d e n tro” d os g ru -p os e s-p írita s q u a n to -p a ra a socie d a d e .

As con clu sõe s a re sp e ito d o e sp iri-tism o n o Rio d e J a n e iro sã o a lca n ça d a s m e d ia n te u m a a n á lise q u e se d e sd ob ra e m torn o d e d ife re n te s m om e n tos h istó-ricos e d e b ru ça -se sob re p rá tica s in sti-tu cion a is d ive rsa s. O p a p e l e o p e rfil d a FEB re su lta m ta n to d e u m e sq u a d rin h a -m e n to d e su a s p rá tica s q u a n to d os e fe i-tos d os con fron i-tos a os q u a is foi se n d o su b m e tid a n o in te rior d e sse ca m p o. O p rivilé g io con ce d id o à form a çã o d a FEB te ve com o re su lta d o coloca r e m re le vo a su a form a çã o e , a o la d o d isso, ta m b é m p e rm itir e n te n d e r o p a p e l d e ou -tra s in stitu içõe s n o Rio d e J a n e iro e m a lg u n s m om e n tos d e cisivos, com o a s in stitu içõe s sa n itá ria s e ju d iciá ria s n o p roce sso d e u rb a n iza çã o d a cid a d e , os p roce d im e n tos ju d iciá rios a ssocia d os à form a çã o d a Re p ú b lica , os su ce ssivos lu g a re s e d ife re n te s d e fin içõe s d o ch a r-la ta n ism o, os cód ig os p e n a is e a s ju ris-p ru d ê n cia s e sta b e le cid a s e tc.

(13)

i-n a r com o se e stru tu rou a re p re ssã o a o e xe rcício ile g a l d a m e d icin a , com o se fi-ze ra m p re se n te s a s a cu sa çõe s re la tiva s a o e sp iritism o e à Fe d e ra çã o Esp írita Bra sile ira . Alé m d isso, foi b e n e ficiá rio d a s fon te s p e sq u isa d a s n o Arq u ivo N a -cion a l, re la tiva s ta n to a e sse s p roce ssos q u a n to a ou tros, p or Yvon n e M a g g ie e m M e d o d e Fe itiço, te se d e d ou tora d o ta m b é m d o M u se u N a cion a l, p oste rior-m e n te p re rior-m ia d a e p u b lica d a p e lo Arq u ivo N a cion a l e m 1992 (com o ocorre -ria m a is ta rd e com O Cu id ad o d os M or-tos: Um a H istória d a Con d e n ação e Le-g itim ação d o Esp iritism o).

Volte m os a g ora à q u e stã o m e n cio -n a d a d e i-n ício sob re o lu g a r d a i-n te r-p re ta çã o. C om o d isse , ta n to os te xtos p sicog ra fa d os com o os p roce ssos n ã o fa la m p or si. Essa a p a re n te ob vie d a d e , p or ve ze s, p a re ce se r d ilu íd a n a a n á lise q u e o a u tor fa z d os p roce ssos p e n a is. Ta lve z, p or con ta d isso, e le n ã o cu m p ra o q u e p rom e te , e m fu n çã o d e u m d iscre to n om in a lism o q u e a tra ve ssa a e la -b ora çã o d o se u a rg u m e n to. C om e fe ito, a o con stru ir su a h ip óte se a re sp e ito d a a ce ita çã o d o lu g a r d e re lig iã o q u e o e s-p iritism o d a FEB s-p rom ove u , G iu m b e lli se a p óia n o q u e e stá d ito n os p roce ssos se m , n o e n ta n to, a rticu la r in te ira m e n te e sse d ito com o con te xto d iscu rsivo p re -se n te n os p roce ssos e ta m b é m fora d e s-te s. Te xto e con s-te xto op e ra m se p a ra d os e m m om e n tos im p orta n te s d e su a a n á lise . C om e fe ito, e ste ú ltim o p a re ce fu n -cion a r m a is com o u m q u a d ro d e fu n d o d o q u e com o u m a a rticu la çã o a n a lítica q u e p e rm itiria ju stifica r a in te rp re ta çã o d os d iscu rsos re fe rid os. De sta q u e m os u m e xe m p lo, e n tre ou tros q u e p od e ria m se r cita d os. N a a n á lise q u e e m p re e n d e d os p roce ssos, Em e rson G iu m b e lli n ã o os tom a com o u m te xto com p osto d e m ú ltip la s in te rve n çõe s e con fron tos q u e se a p re se n ta m – com o d e p oim e n tos, p rova s d ocu m e n ta is, te ste

-m u n h os, re la tos, d e scriçõe s e tc. O s p ro-ce ssos sã o a p re se n ta d os, fu n d a m e n ta l-m e n te , a tra vé s d o d iscu rso e la b ora d o p e lo a d vog a d o d e d e fe sa d a FEB. C om o p an o d e fu n d o te m os u m a a n á lise d o ca m p o m é d ico d a é p oca e su a s q u e s-tõe s, com o, p or e xe m p lo, o lu g a r a trib u íd o à h ip n ose , a o m a g n e tism o, à su -g e stã o. Se m d ú vid a , a q u ilo q u e d e si-g n o com o p a n o d e fu n d o se re fe re a o con te xto, m a s re ve la p ou co d a s a rticu la -çõe s d iscu rsiva s q u e fora m op e ra d a s p or e sse s in te rlocu tore s n o p róp rio p ro-ce sso e , m u ito m e n os, os d e sliza m e n tos d e se n tid o q u e fora m se n d o op e ra d os p e los d ife re n te s in te rlocu tore s n o cu r-so d e sse con fron to. Assim , o con te xto, a q u e le q u e n os d a ria a s e stra té g ia s d is-cu rsiva s e m p re g a d a s p e los a g e n te s so-cia is q u e se fa ze m p re se n te s n o p roce sso e fora d e le , a p a rtir d os lu g a re s e in -te re sse s d ife re n cia d os, e stá a u se n -te . As re la çõe s d e se n tid o, e m lu g a r d e e m e r-g ire m d e u m a a n á lise d e ssa s re la çõe s con te xtu a is e , p orta n to, d a s re d e s d e se n tid o q u e se tra m a m , sã o d e d u zid a s d a s p rá tica s e sp írita s e d a s orie n ta çõe s a d ota d a s p e la FEB, com o re su lta d os a l-ca n ça d os p oste riorm e n te a e sse s p ro-ce ssos, o q u e p re ssu p õe u m a re la çã o d i-re ta e n ti-re a fu n cion a lid a d e d e ce rtos com p orta m e n tos e o d iscu rso e la b ora d o p e la d e fe sa e sp írita . E o se n tid o d o d is-cu rso e sp írita p a re ce , a ssim , fa la r p or si m e sm o, d isp e n sa n d o u m tra b a lh o in te r-p re ta tivo q u e su r-p õe a in te rlocu çã o com os ou tros d iscu rsos e a g e n te s socia is q u e e m vá rios n íve is se fize ra m p re se n te s.

(14)

r-siva s q u e se p rop õe a fa ze r d o q u e n a fu n cion a lid a d e q u e se torn a u m d os e le m e n tos m a is im p orta n te s d e su a com -p rova çã o.

O a u tor te m o m é rito d e n ã o se fu r-ta r à d iscu ssã o com os tra b a lh os q u e a n te ce d e ra m o se u . Por isso, com o re con h e cim e con to d o se u e sforço d e e scla re ce r se u s p on tos d e d iscord â n cia , m e re -ce q u e le ve m os a sé rio se u livro, b u s-ca n d o ta m b é m con trib u ir p a ra o d e b a te q u e in a u g u rou . É im p orta n te , p or fim , frisa r q u e som e n te os b on s tra b a lh os com o o se u sã o críticos e su p orta m críti-ca s e m ra zã o d o va lor d a s q u e stõe s q u e le va n ta m e b u sca m re solve r.

KEVLES, Daniel J. 1995. In t he Name of Eugenics: Genetics and the Uses of Human Heredity. Cambridge: Harvard University Press. 426 pp.

Ricardo Ventura Santos

Prof. d e An trop olog ia , M N -UFRJ e EN SP-Fiocru z

A ca p a d o livro d o h istoria d or d a ciê n cia Da n ie l Ke vle s a p re se n ta d ois con ju n tos d e im a g e n s. N o p rim e iro vê e m -se fig u ra s h u m a n a s com a su p e rfície d o crâ n io d ivid id a e m re g iõe s; n o se g u n -d o, -d ois crom ossom os. Tra ta -se -d e u m a ca p a , d ig a m os, con ce itu a l, q u e re m e te a os lim ite s te m p ora is e fa ctu a is d a s re -fle xõe s d e Ke vle s. Se a s ca b e ça s se lig a m à s p rá tica s d e a n á lise d a p e rson a -lid a d e a p a rtir d a m orfolog ia p op u la r n o sé cu lo XIX (i.e ., fre n olog ia ), os crom ossom os sim b oliza m a g e n é tica con te m -p orâ n e a e a -p rá tica e u g ê n ica a e la a s-socia d a . Dito te xtu a lm e n te , In th e N am e of Eu g e n ics con ta a h istória d a e u g e n ia (o con ju n to d e p rop osta s d e stin a -d a s a m e lh ora r a s q u a li-d a -d e s física s, m e n ta is e com p orta m e n ta is h u m a n a s a

p a rtir d o con trole e m a n ip u la çã o d a h e -re d ita rie d a d e ) n os EUA e n a In g la te rra d e sd e a s form u la çõe s d e Fra n cis G a lton n o fin a l d o sé cu lo p a ssa d o a té o p re se n -te , q u a n d o a b iolog ia ca d a ve z m a is fo-ca su a s le n te s e m d ire çã o a e stru tu ra s m a is re côn d ita s d o corp o h u m a n o (cro-m osso(cro-m os, p rote ín a s, DN A e tc.). N o m e io te m p o, Ke vle s a n a lisa p or q u e e com o a con te ce u a e xp a n sã o, in stitu cio-n a liza çã o e d e clício-n io d a e u g e cio-n ia cio-n a p ri-m e ira ri-m e ta d e d o sé cu lo XX, b e ri-m cori-m o os e sforços d e a p lica çã o d e con ce itos e u g ê n icos com fin s d e re form a socia l.

In th e N am e of Eu g e n ics te ve su a p rim e ira e d içã o e m 1985 e ve io a se tor-n a r u m a d a s p ritor-n cip a is re fle xõe s tor-n a su a á re a . J u stifica -se o p re stíg io a lca n ça d o: é u m tou r d e force sob re a tra je tória d a e u g e n ia e xtre m a m e n te b e m re d ig id o, q u e com b in a e m su a s m a is d e q u a troce n ta s p á g in a s u m a e n orm e q u a n tid a -d e -d e in form a çõe s com re fle xõe s q u e e lu cid a m com o a h istória d a e u g e n ia p od e (e d e ve ) se r lid a com o u m a im b ri-ca çã o e n tre ciê n cia , p olítiri-ca , cu ltu ra , d e n tre ou tra s d im e n sõe s. Ain d a q u e Ke vle s n ã o se p re ocu p e e m e xp licita r vin cu la çõe s te órica s, se u tra b a lh o se -g u e cla ra m e n te u m a lin h a con stru tivis-ta . O ê xito d o livro re sp a ld a -se e m u m a p e sq u isa p orm e n oriza d a , b a se a d a e m fon te s d ocu m e n ta is e e m e n tre vista s. C h a m a a a te n çã o o con sid e rá ve l d om í-n io q u e o a u tor p ossu i d o ca m p o b ioló-g ico, q u e se re ve la e m d e ta lh a d a s d e s-criçõe s d e ob se rva çõe s cie n tífica s.

(15)

ro-p osta d e m e lh oria d a s q u a lid a d e s d a “ ra ça ” a tre lou -se à e xp e cta tiva , já b e m e n ra iza d a n a é p oca , d e q u e a tra vé s d a ciê n cia se ria p ossíve l in te rvir e con trola r a n a tu re za , in clu in d o a n a tu re za h u -m a n a . Ke vle s d e scre ve ta -m b é -m co-m o ocorre u a con solid a çã o d a e u g e n ia a tra -vé s d o tra b a lh o d e ce rtos cie n tista s, com o o in g lê s Pie rson e o n orte a com e rica -n o Da ve -n p ort, q u e co-n trib u íra m p a ra d a r u m a a u ra cie n tífica a o ca m p o e m e m e rg ê n cia . O se g u n d o b loco (ca p ítu los IVVII) a n a lisa a p rop a g a çã o d a e u -g e n ia n a s d u a s p rim e ira s d é ca d a s d e ste sé cu lo, q u a n d o a s id é ia s e u g ê n ica s tra n sp u se ra m a s fron te ira s d o d iscu r-so cie n tífico e m a te ria liza ra m -se com o p rá tica s socia is cotid ia n a s. Política s d e im ig ra çã o re stritiva e e ste riliza çã o im -p le m e n ta d a s n os EUA n a oca siã o fora m id e ológ ica e te cn ica m e n te a lim e n ta d a s p e la e u g e n ia . Im p orta n te s a sp e ctos d e sse p e ríod o d ize m re sp e ito à s te oriza çõe s a ce rca d a in te rfa ce h e re d ita rie d a -d e e in te lig ê n cia , a o -d e se n volvim e n to d e te ste s p a ra m e d ir in te lig ê n cia e à p re ocu p a çã o com o su p osto d e clín io d a in te lig ê n cia n o p la n o n a cion a l. O te r-ce iro b loco (ca p ítu los VIII-X) a n a lisa a e m e rg ê n cia e con solid a çã o d e p ostu ra s crítica s à e u g e n ia a p a rtir d os a n os 30. Se a s ciê n cia s b iológ ica s in d ica va m q u e a tra n sm issã o d a s ca ra cte rística s h e re d itá ria s e ra fe n ôm e n o b e m m a is com -p le xo d o q u e o su g e rid o -p e los e u g e n is-ta s, a s ciê n cia s socia is a p on is-ta va m p a ra a re le vâ n cia d o m e io n a form a çã o d a p e rson a lid a d e h u m a n a . N o q u a rto b loco (ca p ítu los XIXVI) é a n a lisa d a a sig n ifica tiva tra n sform a çã o e xp e rim e n ta -d a p e la e u g e n ia n a s -d é ca -d a s -d e 40 e 50, q u a n d o ocorre u u m d e sloca m e n to d e s-d e u m a e u g e n ia “ tra s-d icion a l” p a ra u m a ou tra ve rsã o q u e Ke vle s d e n om in a “ r e -form a d ora ” . O s e u g e n ista s vin cu la d os a e sta lin h a con tin u a ra m a a d vog a r n o-çõe s d e m e lh oria h u m a n a in form a d a s

p e la b iolog ia ; n ã o ob sta n te , se g u n d o Ke vle s, d ista n cia ra m -se d os p re con ce i-tos socia is d e se u s a n te ce ssore s. Alé m d a e stig m a tiza çã o q u e a b iop olítica n a -zista im p rim iu à s p rop osta s e u g ê n ica s, n e sse p e ríod o já e ra e vid e n te a im p ra ti-ca b ilid a d e d e se a lti-ca n ça r a m e lh oria d a con stitu içã o b iológ ica h u m a n a a tra vé s d a s p rop osta s d a e u g e n ia “ tra d icion a l” . Se g u n d o Ke vle s, os e u g e n ista s “ re form a d ore s” d e se form p e n h a ra form p a p e l iform -p orta n te n o flore scim e n to d a g e n é tica h u m a n a e su a s p e sq u isa s p rove ra m d a d os q u e d e m on stra va m q u e a s p op u la çõe s a p re se n ta va m u m a e n orm e va ria -b ilid a d e -b iológ ica irre d u tíve l à sim p ló-ria d icotom ia “ ca ra cte rística s b oa s ou ru in s” a p re g oa d a p e la e u g e n ia “ tra d i-cion a l” . Fin a lm e n te , n o q u in to e ú ltim o b loco (ca p ítu los XVIIXIX) Ke vle s d e -m on stra q u e , se ru iu a u top ia e u g ê n ica d e q u e se ria p ossíve l a lca n ça r p rofu n -d a s re form a s n o â m b ito -d a socie -d a -d e com o u m tod o, isto n ã o re p re se n tou u m com p le to a b a n d on o d a s id é ia s e id e a is e u g ê n icos. O a p rim ora m e n to té cn ico a lca n ça d o p e la s ciê n cia s b iom é d ica s n a s ú ltim a s d é ca d a s, in clu in d o fe rtiliza -çã o a rtificia l, p ossib ilid a d e d e d e te c-çã o d e a n om a lia s g e n é tica s e m e m b riõe s, cre sce n te ca p a cid a d e d e m a n ip u la çã o d o DN A h u m a n o, d e n tre ou tra s, torn a m m a is d o q u e n u n ca p ossíve l e xe rcita r a p rá tica d e se le çã o d e ca ra cte rística s b iológ ica s. Pa ra Ke vle s, o a con se lh a m e n to g e n é tico é u m e xe m p lo con te m p orâ n e o d e e xp re ssã o d a s id é ia s e u g ê -n ica s, com u m a im p orta -n te d ife re -n ça : ce n tra -se n o in d ivíd u o e n a fa m ília , d is-ta n cia n d o-se d a s p rop osis-ta s d e con trole e re form a socia l q u e m a rca ra m a e u g e -n ia “ tra d icio-n a l” .

(16)

lo-sa xã o, q u e a tra iu p rog re ssista s, ra d i-ca is, socia lista s-m a rxista s, com u n ista s e tc., ou se ja , n ã o foi u n ica m e n te d e in s-p ira çã o d a d ire ita con se rva d ora . Um a ou tra é q u e , se a ciê n cia foi u m im p or-ta n te p ila r d e con solid a çã o d a e u g e n ia , a ju d ou ta m b é m a corroe r ce rtos con ce i-tos p rop a la d os p e los e u g e n ista s, q u e a p a rtir d e u m d e te rm in a d o p e ríod o p a s-sa ra m a se r p e rce b id os com o “ p se u d o-cie n tíficos” .

Ap e sa r d e Ke vle s a b ord a r a h istória d a e u g e n ia e m p a íse s a n g lo-sa xõe s, forn e ce a b u n d a n te s e le m e n tos p a ra re -fle xõe s a ce rca d o te m a n o â m b ito la ti-n o-a m e rica ti-n o. Assim , a s d iscu ssõe s so-b re im ig ra çã o n o Bra sil n o in ício d e ste sé cu lo, q u e e n volve ra m p roe m in e n te s in te le ctu a is com o Roq u e tte Pin to, Re -n a to Ke h l, Aze ve d o Am a ra l, fora m p or ve ze s forte m e n te in flu e n cia d a s p e los d e b a te s e n tã o e m cu rso, n ota d a m e n te n os EUA. Ig u a lm e n te sig n ifica tivo é o fa to d e tra b a lh os sob re a h istória d a e u -g e n ia n a Am é rica La tin a d ia lo-g a re m e xp licita m e n te com Ke vle s. Este é o ca -so d a re ce n te m on og ra fia d e N a n cy Ste p a n , in titu la d a Th e H ou r of Eu g e n ics (C orn e ll Un ive rsity Pre ss, 1991). Se n a In g la te rra e , p rin cip a lm e n te , n os EUA a e u g e n ia se p a u tou n o m e n d e lia n ism o e a ssu m iu ton a lid a d e s “ n e g a tiva s” (p re -con iza n d o e ste riliza çã o, d e se stím u lo a o ca sa m e n to e n tre in d ívid u os con sid e ra d os n ã oe u g ê n icos e tc.), se g u n d o Ste -p a n , -p re d om in ou n a Am é rica La tin a u m a ve rsã o la m a rck ia n a d a e u g e n ia e d e orie n ta çã o “ p ositiva ” , q u e a p osta va n a m e lh oria d a ra ça m e d ia n te in te rve n -çã o n o p la n o a m b ie n ta l (e d u ca -çã o, h ig ie n e , sa n e a m e n to e tc.). Ke vle s ta m -b é m m u n icia re fle xõe s a ce rca d a h istó-ria re ce n te d a g e n é tica n a Am é rica d o Su l. O ca p ítu lo XV d e se u livro a n a lisa a con trib u içã o d o g e n e ticista n orte -a m e ric-a n o J -a m e s N e e l n -a s d é c-a d -a s d e 40 e 50, im p orta n te fig u ra d a e u g e n ia

“ re form a d ora ” e n o e sta b e le cim e n to d a g e n é tica h u m a n a n os EUA. Asp e cto n ã o e xp lora d o p or Ke vle s é o d e q u e N e e l re a lizou e xte n sa s p e sq u isa s g e n é -tica s com p op u la çõe s in d íg e n a s a m a zô-n ica s a p a rtir d a d é ca d a d e 60, re ca p i-tu la d a s e m su a a u tob iog ra fia (Ph y sician to th e G e n e Pool, J oh n Wile y & Son s, 1994). O tra b a lh o d e Ke vle s p rovê o con te xto h istórico n o q u a l se d e u a g ê-n e se d o p e ê-n sa m e ê-n to d e N e e l, coê-n tri-b u in d o p a ra u m a m a ior com p re e n sã o d e te oriza çõe s q u e in te rlig a ra m e u g e -n ia e p op u la çõe s i-n d íg e -n a s.

(17)

M AIO, M arcos Chor e SANTOS, Ricar-do Ventura (orgs.). 1996. Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/ CCBB. 252 pp.

Olívia M aria Gomes da Cunha

Profª d e An trop olog ia , IFC S-UFRJ

Um a cu riosa a fin id a d e p e rp a ssa g ra n d e p a rte d os a rtig os d e ssa cole tâ n e a : a re -fe rê n cia su til a d e se jos, in te n çõe s e p o-lítica s, n e m se m p re m a n ife sta s m a s ce r-ta m e n te crisr-ta liza d a s e m te xtos oficia is e lite rá rios, b e m com o à con stru çã o d a n a çã o com o u m p roje to e sté tico. Se d u çã o e sté tica e n a cion a lism o, p or su b tra -çã o, p od e ria m se r cita d os com o d u a s te n d ê n cia s in cid e n ta is, sin a liza d ora s d e ce rta s p re ocu p a çõe s p re se n te s n os ca m p os p olítico-in stitu cion a l e in te le ctu a l q u e n os p e rm ite m a p roxim a r te m á -tica s d ife re n te s con stru íd a s e m con te x-tos sin g u la re s. Exe m p los con cre x-tos d e s-sa s con e xõe s in a u g u ra m a p rim e ira p a rte d e sse livro d e d ica d o à a n á lise d a s re la çõe s e n tre “ ra ça , ciê n cia e n a çã o n a vira d a d o sé cu lo” . A re ite ra çã o d os vín cu los e n tre Esta d o e socie d a d e , a im -p ortâ n cia d a -p rob le m á tica ra cia l in ci-d in ci-d o n a s p rá tica s e p olítica s oficia is, o p a p e l d os in te le ctu a is, a p roxim id a d e e n tre lite ra tu ra e ciê n cia s socia is, e n -fim , te n ta tiva s in ce ssa n te s d e e la b ora r, re d e fin ir e crista liza r u m ce rto p e rfil so-ciocu ltu ra l d a n a çã o.

Re fe rê n cia s a in ve stim e n tos cie n tí-ficos vin cu la d os à e xp a n sã o g e op olítica d o Esta d o b ra sile iro se fa ze m p re se n te s se ja n a p e rsp e ctiva d a a n trop olog ia física p rod u zid a n os m u se u s d e h istória n a -tu ra l n a vira d a d o sé cu lo – cu jo ob je tivo e ra con stitu ir u m q u a d ro g e ra l e h ie ra r-q u iza d o d a s “ ra ça s form a d ora s” d o p a ís, com o n os m ostra J oh n M on te iro –, se ja n os p roje tos h ig ie n ista s im p le m e n ta d os p or re n om a d a s in stitu içõe s d e sa ú d e ,

in te re ssa d a s e m sa n a r os m a le s “ d e form a çã o” q u e a tin g ia form a “ n a çã o d oe n -te ” , com o d e scre ve m N ísia T. Lim a e G ilb e rto H och m a n . Esb oça -se já u m a ve rte n te in te le ctu a l q u e n ã o se e n ca ste -la n a s in stitu içõe s, m a s in ve ste e m u m p roje to q u a se m ission á rio q u e visa tra n sform a r te oria s e m é tod os cie n tífi-cos e m p olítica s p ú b lica s, a fim d e cu ra r a s d oe n ça s d o p a ís, d isse m in a r a p re -ve n çã o e os cu id a d os sa n itá rios, p ro-m ove r a u n ifica çã o e re ro-m od e la r a s fe içõe s e a con stitu ição d os corp os p e la cu -ra . O h ig ie n ism o d a g e -ra çã o d e O sw a l-d o C ru z e Be lisá rio Pe n a a b rirá ca m i-n h o p a ra q u e o p róp rio Esta d o, a tra vé s d e p rog ra m a s d e sa ú d e m u ita s ve ze s a p oia d os n o a p e lo à re g e n e ra çã o p e lo tra b a lh o, se ja o p rin cip a l re sp on sá ve l p e la con cre tiza çã o, n a d é ca d a p oste -rior, d os son h os e u g e n ista s. Em n om e d a cu ra , e q u ip a ra ra m -se p olítica s d e p re ve n çã o e re p re ssã o sa n itá ria s e p oli-cia is.

(18)

d a h ie ra rq u ia d a e sp é cie h u m a n a , m a s ta m b é m d a q u e le s a p on ta d os com o re s-p on sá ve is s-p e la im s-p orta çã o d e u m a id e o-log ia d e “ p u re za d e sa n g u e ” e “ p u re za ra cia l” .

Essa se d u çã o e sté tica p a re ce p e r-m e a r ou tra s va ria n te s, n ã o e xclu siva s, d o n a cion a lism o b ra sile iro. O s a rtig os d e O m a r Rib e iro Th om a z e Lou rd e s M a rtín e z-Ech a zá b a l ofe re ce m a o le itor a op ortu n id a d e d e la n ça r u m olh a r com -p a ra tivo, n o q u a l a s “ m a trize s” d e sse id e a l e sté tico p od e m se r b u sca d a s p a ra a lé m d os p a ra d ig m a s cie n tíficos vig e n -te s n o p a ís d o in ício d o sé cu lo. N o -te xto d e M a rtín e z-Ech a zá b a l, a re fe rê n cia à “ m e stiça g e m ” é a p re se n ta d a com o u m a te m á tica p a rticu la r, a o con fe rir e stilo e p roe m in ê n cia à lite ra tu ra la tin o-a m e ri-ca n a a p a rtir d os a n os 30. Se h á tra ços p a ssíve is d e com p a ra çã o n os d ive rsos d iscu rsos n a cion a lista s la tin oa m e rica -n os -n o p e ríod o, e ste s e stã o ra d ica d os -n a te n sã o e n tre o a p e lo à in te g ra çã o e à “ cu ltu ra liza çã o d a d ife re n ça ” com o m o-d e los com p le m e n ta re s à form a çã o o-d a n a çã o. A com p a ra çã o e n tre a s n a rra ti-va s d e G ilb e rto Fre yre , J osé M a rtí e J osé d e Va scon ce los a p on ta p a ra a re con fig u ra çã o d os te rm os q u e a lu d e m à “ ra ça ” e , p or ve ze s, à “ cu ltu ra ” , im p lica n d o a re con stru çã o d e u m m od e lo d e n a -cion a lid a d e fu n d a d o n a s id é ia s d e m is-tu ra e fu sã o. A id e n tifica çã o d e ste s d ois p rin cíp ios n os m ostra com o, a o m e sm o te m p o q u e a id é ia d e fu sã o d e “ sa n -g u e s” , “ ra ça s” e “ cu ltu ra s” p a re ce se con stitu ir e m d iscu rsos n orm a tiza d os e oficia is, os e le m e n tos e crité rios re la cio-n a d os à cio-n oçã o d e “ m istu ra ” sã o se m p re se le tivos. Se le çã o e a d a p ta tivid a d e e vo-ca m a con stru çã o d e u m a n a çã o e ste tica m e n te e m con stru çã o, on d e a n a tu re -za , d e a cord o com a s p re m issa s la m a r-ck ia n a s cita d a s n o te xto d e Rica r d o V. Sa n tos, se ocu p a e m d e p u ra r, ton ifica r, forta le ce r e p re p a ra r u m te rre n o p a ra

q u e a cu ltu ra e o “ m e io socia l” d iscip li-n e m .

O im p e ra tivo d a n a çã o com o “ sín te -se ” g a n h a fôle g o n o q u e M a rtín e zEch a zá b a l ch a m a d e “ m iste riosa e u g e -n ia e sté tica ” d e J osé Va sco-n ce los (:114), n a s re fe rê n cia s a u m a “ ra ça cósm ica ” e “ sin té tica ” . M a s é e m Fre yre q u e o p a -ra d ig m a fu sã o/ m istu -ra p a re ce con te r e le m e n tos m a is con tu n d e n te s, e é e m Casa-G ran d e & S e n z ala q u e o id e a l e sté tico d a n a cion a lid a d e b ra sile ira g a -n h a u m a d im e -n sã o h istórico-sociológ ica , a tra vé s d e u m d iscu rso q u e a lin h a va ciê n cia e lite ra tu ra e m u m e stilo p e -cu lia r. Esse ca rá te r m e n os p re scritivo e n orm a tivo, e m a is e stilístico, se m d ú vi-d a , foi ca p a z vi-d e re vi-d im e n sion a r o lu g a r d o p róp rio “ con h e cim e n to cie n tífico” n o te xto fre yre a n o. Su b je tivid a d e , lite -ra tu -ra e h istória sob re p õe m -se n a con s-tru çã o d e u m a n a çã o a ve ssa à b ra n cu ra a p olín e a d o colon iza d or in g lê s, m a s p róxim a a o d ion isía co p or d istin çã o, p or “ d osa g e m ” , p or “ te m p e ro” e p or g ê n e -ro. O h om e m b rasile iro é u m h om e m n ovo, q u e se a d a p ta à s con tin g ê n cia s d os tróp icos e n e g ocia com o torp or e a violê n cia d o civiliza d or. Ele se “ a u top a cifica ” n ã o p e la re sistê n cia à d om in a -çã o, m a s p e la “ a ltive z” com q u e d e s-b ra va a n a tu re za e d om in a a si p róp rio, com o se fora á rid o, in fé rtil, “ b u g re ” , “ b oça l” p or orig e m . A “ fu sã o” con sti-tu iu -se h istorica m e n te n o cotid ia n o d a s re la çõe s socia is, e n volve n d o d ife re n te s g ra u s d e d istâ n cia e a fin id a d e , m istu -ra n d o (se le tiva m e n te ) “ se d u çã o m o-ra l e fa scin a çã o e sté tica ” (:115).

Referências

Documentos relacionados

Embora a solução seja bastante interessante como parte de uma política pública relacionada ao gerenciamento de dados de saúde dos usuários do sistema, esse

O tema proposto neste estudo “O exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro: responsabilização dos advogados pelo recebimento de honorários advocatícios maculados

[r]

O Processo Seletivo Interno (PSI) mostra-se como uma das várias ações e medidas que vêm sendo implementadas pela atual gestão da Secretaria de Estado.. Importante

O fortalecimento da escola pública requer a criação de uma cultura de participação para todos os seus segmentos, e a melhoria das condições efetivas para

Ressalta-se que mesmo que haja uma padronização (determinada por lei) e unidades com estrutura física ideal (física, material e humana), com base nos resultados da

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

Para tanto, no Laboratório de Análise Experimental de Estruturas (LAEES), da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE/UFMG), foram realizados ensaios