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Os acordos de proteção recíproca de investimentos e o equilíbrio entre o investidor estrangeiro e o estado receptor de investimentos

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Academic year: 2021

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(1)Karla Closs Fonseca. OS ACORDOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO RECÍPROCA DE INVESTIMENTOS E O EQUILÍBRIO ENTRE O INVESTIDOR ESTRANGEIRO E O ESTADO RECEPTOR DE INVESTIMENTOS. Florianópolis Maio de 2007.

(2) Karla Closs Fonseca. OS ACORDOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO RECÍPROCA DE INVESTIMENTOS E O EQUILÍBRIO ENTRE O INVESTIDOR ESTRANGEIRO E O ESTADO RECEPTOR DE INVESTIMENTOS. Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Direito pelo Curso de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, área de concentração Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Welber Oliveira Barral. Florianópolis Maio de 2007.

(3) KARLA CLOSS FONSECA. OS ACORDOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO RECÍPROCA DE INVESTIMENTOS E O EQUILÍBRIO ENTRE O INVESTIDOR ESTRANGEIRO E O ESTADO RECEPTOR DE INVESTIMENTOS. Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito junto ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina pela Banca Examinadora formada pelos seguintes professores:. ______________________________ Prof. Dr. Welber Barral – Presidente. ______________________________ Prof. Dr. Umberto Celli – Membro. ______________________________ Prof. Dr. Luiz Otávio Pimentel – Membro. Florianópolis, 09/05/2007. ii.

(4) Às amizades que conquistei no mestrado, pela eterna troca e pelos conhecimentos além dos livros.. iii.

(5) AGRADECIMENTOS. Inicialmente agradeço ao Professor Welber Barral, pela orientação e por ter acreditado em minhas idéias, incentivando-me a desenvolvê-las. Aos Professores do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC agradeço pelo aprendizado e contribuição para a minha formação durante os dois anos de mestrado, especialmente aos Professores Luiz Otávio Pimentel e Arno Dal Ri Júnior pela amizade e constante troca de idéias. Aos Professores Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros e José Augusto Fontoura Costa agradeço pelo incentivo à pesquisa do tema e compreensão de sua importância nos cenários nacional e internacional. Ao Lauro Locks, à Jayashree Watal e à Martha Lara Sterlini agradeço pela compreensão crítica sobre o tema de investimentos no âmbito da OMC. Ao Audo Faleiro agradeço pela oportunidade de discussão e compreensão da posição brasileira nas negociações envolvendo investimentos. Ao Kalman Kalotay agradeço pelo acesso aos trabalhos e colaboradores da UNCTAD. Todos durante o período em que me dediquei à pesquisa em Genebra. Aos Professores Carlos Correa, Sandra Negro, Andrés Moncayo von Hase e Rafael Perez Miranda agradeço pelo acolhimento durante meu intercâmbio na Universidade de Buenos Aires e pela colaboração para o amadurecimento do tema, inclusive sob a perspectiva da Argentina, que vivencia diariamente os efeitos dos acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos. Agradeço ainda ao Martín Moncayo von Hase por dispender seu tempo para compartilhar sua experiência na defesa da Argentina nos casos relacionados a investimentos. Ao Peter Muchilinski, ao Omar García-Bolívar e ao Miguel Rábago agradeço pelas contribuições fundamentais para o desenvolvimento da definição de “equilíbrio” nos acordos de investimentos. Os meus sinceros agradecimentos à Marina Carvalho e ao Henrique Mercer pela amizade e contribuição direta nas traduções e correção do trabalho. Agradeço de forma especial à minha família pela paciência e incentivo constantes e ao Rodrigo, pelo amor e companheirismo incondicionais. Agradeço ainda ao CNpQ pela concessão da bolsa, que tornou viável minha dedicação exclusiva aos estudos do mestrado.. iv.

(6) “A sabedoria deste mundo consiste em alimentar o corpo e amontoar dinheiro como se empilha pedras. Com estas pedras, os ‘sábios do mundo’ serão apedrejados no dia do juízo.” Santo Antonio. v.

(7) RESUMO. Os acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimentos são os principais instrumentos de regulamentação internacional dos investimentos estrangeiros. Nasceram fundamentalmente do interesse de Estados exportadores de capital (países desenvolvidos) em proteger. seus. investidores. nos. países. receptores. de. investimentos. (países. em. desenvolvimento) e destes últimos em atrair tais investimentos para a promoção do seu desenvolvimento. Apesar de se tratarem de acordos denominados “recíprocos”, desde o princípio se caracterizaram pelo desequilíbrio entre os direitos do investidor e do Estado receptor. A mudança no quadro do fluxo de investimentos estrangeiros pôs fim à distinção entre exportadores e receptores de capital, fazendo-se necessário um acordo que atenda aos interesses antes defendidos individualmente pelos Estados envolvidos. A partir de uma evolução das regras desses instrumentos, tem-se atualmente a quarta geração de acordos de investimentos, caracterizada pela busca do equilíbrio entre os direitos do investidor e o direito do Estado receptor de adotar políticas públicas em prol do seu desenvolvimento. O presente trabalho visa, com base no estudo do caso dos Estados Unidos, examinar se as mudanças implementadas em seu novo modelo de acordo – um dos acordos da nova geração de acordos de investimentos – deram origem a um maior equilíbrio na relação investidor – Estado receptor. Para tanto, examina-se de forma crítica o conteúdo das regras de tratamento dos investimentos geralmente incluídas nos acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos e em seguida faz-se uma análise comparativa entre o modelo de acordo norteamericano de 1994 e o de 2004. Conclui-se, no entanto, que os Estados Unidos, apesar de sua experiência com o NAFTA e de seu novo papel de receptor de investimentos, não lograram desenvolver um modelo de acordo capaz de conciliar os interesses dos investidores e dos Estados receptores de investimentos de forma realmente equilibrada, fazendo-se necessárias outras mudanças.. Palavras-chave: Investimento estrangeiro - Acordo de promoção e proteção recíproca de investimentos – NAFTA – Estado receptor de capital – políticas públicas. vi.

(8) ABSTRACT. Agreements on the encouragement and reciprocal protection of investments are the main instruments of international regulation on foreign investments. They arose based on the interests of home States (developed countries) in protecting their investors in the host States (developing countries) and based on the interests of the latter to attract foreign investments in order to promote their development. Although these agreements are named “reciprocal”, they are characterized, since the beginning, by the unbalance between rights of investors and host States. The new scenario in the world flows of foreign investments ended the distinction between home and host States, creating the necessity to develop an agreement including interests that, in the past, were defended individually by the States involved. Based on the evolution of the rules of these instruments the fourth generation of agreements on investments emerged, characterizing the search for balance between rights of investors and rights of host States aiming to adopt public policies for the development. Based on the United States case, the present thesis seeks to examine if the changes implemented in the new model of United States agreement – one of the agreements of the fourth generation – balanced the relationship between investor and host State. Therefore, the contents of the rules on investment treatment, which are generally included in the agreements on the encouragement and reciprocal protection of investments, are examined and the rules of the 1994 and 2004 United States models are comparatively analyzed. The author concludes that even after United States experience with NAFTA and its new function as host State, such country have not reached a model agreement able to combine the investors and host States interests in a real balanced manner, thus making necessary additional changes.. Key words: Foreign Investment – Agreement on the encouragement and reciprocal protection of investments – NAFTA – host States – public policies.. vii.

(9) LISTA DE SIGLAS. Acordo TRIMs - Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionados ao Comércio Acordo TRIPs - Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio ALCA - Área de Livre Comércio das Américas ASCM - Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias ASEAN - Associação das Nações do Leste Asiático BIT - Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos Camex - Câmara de Comércio Exterior CARICOM - Caribbean Community CE - Comunidades Européias CCI - Câmara de Comércio Internacional CUSFTA - Acordo de Livre Comércio Canadá-EUA ECOWAS – Economic Community of West African States EUA – Estados Unidos da América FIRA - Canada's Foreign Investment Review Act FMI - Fundo Monetário Internacional GATS - Acordo Geral sobre Comércio de Serviços GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ICSID - Centro Internacional para a Solução de Disputas sobre Investimentos ICSID Convention - Convention on the Settlement of Investment Disputes between States and Nationals of other States. IISD - Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável IED – Investimento Estrangeiro Direto MAI – Acordo Multilateral de Investimentos MERCOSUL - Mercado Comum do Sul Model BIT USA 1994 – Modelo de Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos dos Estados Unidos de 1994 Model BIT USA 2004 – Modelo de Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos dos Estados Unidos de 2004 Model BIT Canada 2004 - Modelo de Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos do Canadá de 2004 Model BIT Germany 1998 - Modelo de Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos da Alemanha 1998 viii.

(10) Model BIT China – Modelo de Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos da China Model BIT Switzerland – Modelo de Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos da Suíça NAFTA - North American Free Trade Agreement OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIC – Organização Internacional do Comércio ONGs - Organizações não-governamentais ONU – Organização das Nações Unidas OMC – Organização Mundial do Comércio TPA - Trade Promotion Authority Tratados FCN - Tratados de Amizade, Comércio e Navegação UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law UNCTC - United Nations Center on Transnational Corporations UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. ix.

(11) SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10. 2 O INVESTIMENTO ESTRANGEIRO E SUA REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL............................................................................................................... 2.1 O conceito de investimento estrangeiro.................................................................... 14 16. 2.2 A regulamentação internacional............................................................................... 18. 2.2.1 A regulamentação multilateral.................................................................................. 19. 2.2.2 Os acordos regionais................................................................................................. 32. 2.2.3 Os acordos bilaterais de investimentos..................................................................... 36. 2.2.4 A nova geração de acordos bilaterais de investimentos............................................ 42. 3 AS REGRAS DE TRATAMENTO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO NOS ACORDOS BILATERAIS DE INVESTIMENTOS........................................................... 53. 3.1 Definições de investimentos e investidor.................................................................. 54. 3.1.1 Investimentos............................................................................................................. 54. 3.1.2 Investidor................................................................................................................... 62. 3.2 Admissão e estabelecimento...................................................................................... 67. 3.3 Tratamento nacional.................................................................................................. 72. 3.4 Tratamento da nação mais favorecida..................................................................... 77. 3.5 Tratamento justo e eqüitativo................................................................................... 81. 3.6 Expropriação.............................................................................................................. 87. 3.7 Transferência de fundos............................................................................................ 93. 3.8 Solução de controvérsias Estado-Estado………………………………………….. 98. 3.9 Solução de controvérsias investidor-Estado............................................................ 104 4 AS MUDANÇAS DAS REGRAS DOS MODELOS NORTE-AMERICANOS E 113 SUAS IMPLICAÇÕES......................................................................................................... 4.1 Causas das mudanças................................................................................................ 114 4.2 Os modelos norte-americanos de 1994 e de 2004………………………………… 126 4.3 Um acordo bilateral de investimentos mais equilibrado?..................................... 137 4.4 Perspectivas para se alcançar o equilíbrio.............................................................. 149 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 156. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 162 7 ANEXOS............................................................................................................................. 177. x.

(12) 11. 1 INTRODUÇÃO. Diante da alteração nos fluxos internacionais de investimentos, em que países tipicamente exportadores de capital passaram a receber investimentos estrangeiros – como é o caso dos Estados Unidos (EUA) –, ao mesmo tempo em que tradicionais receptores de capital, entre eles o Brasil, passaram também a exportar capital, e do ressurgimento de posturas nacionalistas contrárias ao capital estrangeiro – exemplos são a Venezuela de Hugo Chávez e a Bolívia de Evo Morales –, a regulamentação dos investimentos estrangeiros em âmbito internacional tomou ainda maior relevância. Embora tenham sido firmados diversos acordos regionais que abrangem o assunto, a ausência de um acordo multilateral sobre investimentos estrangeiros faz dos acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos ou acordos bilaterais de investimentos (BITs)1 o principal instrumento para a regulamentação internacional dos investimentos. Atualmente já são aproximadamente 2.500 BITs2. Apesar de assinados entre dois Estados – tradicionalmente um país exportador de capital (país desenvolvido) e um país receptor de capital (país em desenvolvimento) –, os maiores beneficiários dos BITs são os investidores estrangeiros. Fala-se, portanto, em uma relação trilateral: Estado exportador, Estado receptor e investidor estrangeiro. Os países em desenvolvimento firmam esses acordos na expectativa de atrair investimentos e promover o desenvolvimento nacional, enquanto as nações desenvolvidas buscam fixar regras de proteção aos seus investidores. Como se verá no trabalho, desde o início os BITs foram celebrados com a finalidade de proteger os investimentos estrangeiros contra a nacionalização ou expropriação, além de garantir a transferência de recursos para o país de origem do investidor e prever mecanismos de solução de conflitos investidor-Estado. O fato de os BITs se fundamentarem historicamente no interesse dos países desenvolvidos em proteger seus investidores fez com 1. Adotaremos a sigla da terminologia norte-americana – Bilateral Investment Treaties (BITs) – por ser a mais comumente utilizada na prática internacional, inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU) e suas diversas agências especializadas, tanto em documentos oficiais quanto em seus estudos e publicações. 2 UNCTAD, 2006b, p. 12..

(13) 12. que tais nações desenvolvessem uma abordagem própria e que inclui, geralmente, um modelo de acordo que serve como base para as suas negociações. O primeiro modelo de acordo – a Abs-Shawcross Draft Convention – já revelava a tendência de proteger os investimentos, relegando a um segundo plano a questão do desenvolvimento dos países receptores de capital. Fala-se, portanto, em uma relação de desequilíbrio nos BITs, caracterizada pela proteção ampla e rigorosa do investidor, sem a contrapartida de que o uso de tais recursos atenda às necessidades de desenvolvimento dos países receptores de investimentos. Sob uma perspectiva da evolução histórica do conteúdo e dos objetivos dos acordos de investimentos, consideram-se quatro gerações de acordos: a primeira se caracterizou pela liberalização dos regimes de investimentos; a segunda, pela adoção de políticas de liberalização e de atração de investimentos; a terceira, pela incorporação de novos temas; e, a quarta, pelo foco na atração de investimentos que correspondam aos interesses nacionais de desenvolvimento. Esta última, denominada nova geração, busca corrigir o desequilíbrio dos acordos. Com base no conceito de acordo equilibrado desenvolvido no âmbito deste trabalho – “aquele que concede proteção aos investidores estrangeiros, a fim de desempenhar sua função de instrumento de atração de investimentos, e que ao mesmo tempo preserva a flexibilidade necessária para o Estado escolher os instrumentos capazes de garantir o desenvolvimento nacional, além do espaço para desenvolver suas políticas públicas” –, pretende-se examinar se as mudanças implementadas nos acordos da nova geração realmente alcançaram o equilíbrio almejado. Para tanto, far-se-á um estudo do caso dos EUA, a partir de uma análise comparativa entre os modelos de acordo bilateral de investimentos adotados pelos EUA em 1994 e em 2004 – o modelo de 2004 é um acordo de nova geração. A escolha dos modelos norteamericanos justifica-se devido à preponderância dos EUA tanto como exportador quanto como receptor de capital e à sua política de investimentos estrangeiros, marcadamente voltada para a liberalização e proteção desses investimentos. A alteração nos fluxos internacionais de investimentos fez surgir a necessidade de um modelo de acordo capaz de aliar os interesses antes defendidos individualmente por exportadores e receptores de capital. Típicos exportadores de capital seguem firmando acordos de investimentos, com a diferença de que em suas negociações buscam tanto a proteção do investimento quanto a fixação de regras que resguardem a soberania das partes contratantes e seu direito de perseguir interesses públicos. Os tradicionais receptores de.

(14) 13. capital, por sua vez, têm sentido necessidade de firmar acordos que protejam seus investimentos, principalmente em países em desenvolvimento. A fim de alcançar seu objetivo, o presente trabalho é dividido em três capítulos. O primeiro faz uma abordagem geral sobre a regulamentação internacional dos investimentos estrangeiros. Para começar, define investimento estrangeiro e distingue entre investimento estrangeiro direto (IED) e investimento de portfolio. Na seqüência aborda as tentativas de fixar regras multilaterais sobre investimentos estrangeiros, bem como os acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) – o Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionados ao Comércio (Acordo TRIMs) e o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), que, apesar de limitados, determinam regras para disciplinar investimentos estrangeiros em âmbito internacional – e os acordos regionais que disciplinam a matéria, dentre os quais destacam-se o North American Free Trade Agreement (NAFTA) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Por fim, o primeiro capítulo ainda analisa os BITs, explorando questões históricas, definições e características relacionadas a esses instrumentos, até a nova geração de acordos, quando se apresenta o conceito de acordo equilibrado, desenvolvido a partir da análise da literatura especializada e de diversos documentos oficiais. No segundo capítulo, aborda-se o conteúdo das principais regras dos acordos de investimentos: (i) definição de investimento e de investidor estrangeiro; (ii) admissão e estabelecimento de investimentos; (iii) tratamento nacional; (iv) tratamento da nação mais favorecida; (v) tratamento justo e eqüitativo; (vi) expropriação e compensação; (vii) transferência de fundos; (viii) mecanismo de solução de controvérsias entre Estados; e (ix) mecanismo de solução de conflitos investidor-Estado. Faz-se uma análise detalhada das regras, com suas variações de conteúdo e forma, e mencionam-se diferentes cláusulas incluídas em acordos, a fim de possibilitar, no capítulo seguinte, um conhecimento crítico quanto ao equilíbrio dos acordos. O terceiro e último capítulo concentra-se no estudo do caso norte-americano. Inicialmente são apresentadas as causas das mudanças da política de investimentos estrangeiros dos EUA. Em seguida procede-se à comparação objetiva entre as regras dos modelos de acordos bilaterais de investimentos norte-americanos de 1994 e de 2004, bem como ao exame das conseqüências de tais mudanças frente ao conceito de equilíbrio. Buscase verificar se as mudanças implementadas no modelo de 2004 originaram um acordo equilibrado. Finalmente são feitas algumas projeções no sentido de se alcançar um acordo realmente equilibrado..

(15) 14. As considerações finais retomam os principais pontos desenvolvidos no âmbito do trabalho e condensam as conclusões apresentadas pela autora. O presente estudo justifica-se frente à posição que vem sendo adotada pelo Brasil em relação à regulamentação internacional de investimentos e a seu novo papel de exportador de capitais. O País mantém uma postura bastante conservadora quanto à regulamentação internacional dos investimentos estrangeiros, destacando-se por seu isolamento no cenário internacional. Apesar de ter firmado diversos BITs e dois protocolos sobre investimentos no âmbito do MERCOSUL, o Brasil não ratificou qualquer deles3 – seja porque esses instrumentos contêm regras que conflitam com a Constituição brasileira, seja pela forte oposição política. O tema dos BITs assinados e não-ratificados pelo Brasil retornou atualmente para a agenda da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e deve ser proposta uma renegociação dos acordos. A análise que ora se realiza pode contribuir para uma reflexão sobre que regras devem ser incluídas de fato no novo modelo de BIT elaborado pelo Brasil. Diante do crescente volume de investimentos brasileiros no exterior – principalmente em países que defendem posições nacionalistas, como alguns países latino-americanos, e que têm sistemas jurídicos fracos, como diversos países africanos –, o Brasil tende a defender regras internacionais que protejam seus investidores, mas que igualmente resguardem o direito soberano de adotar políticas públicas de desenvolvimento, uma vez que o país passou a desempenhar a dupla função de exportador e de receptor de investimentos. Neste contexto, ao analisar um acordo de nova geração – o modelo norte-americano de 2004 –, o presente trabalho representa uma contribuição acerca das mudanças necessárias para se alcançar um acordo equilibrado, que corresponda aos interesses dos novos exportadores e receptores de capital e que também atenda às prioridades brasileiras em futuras negociações de regras internacionais sobre investimentos.. 3. Os Acordos sobre Promoção e Proteção Recíproca dos Investimentos celebrados pelo Brasil são: Portugal (9 de fevereiro de 1994), Chile (22 de março de 1994), Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (19 de julho de 1994), Suíça (11 de novembro de 1994), Finlândia (28 de março de 1995), Itália (3 de abril de 1995), Dinamarca (4 de maio de 1995), França (21 de maio de 1995), Venezuela (4 de julho de 1995), Coréia (1º de setembro de 1995), Alemanha (21 de setembro de 1995), Cuba (26 de junho de 1997), Países Baixos (25 de novembro de 1998), e Bélgica e Luxemburgo (6 de janeiro de 1999)..

(16) 15. 2. O. INVESTIMENTO. ESTRANGEIRO. E. SUA. REGULAMENTAÇÃO. INTERNACIONAL. O investimento estrangeiro direto (IED) é uma das principais fontes de financiamento externo dos países em desenvolvimento. No atual cenário internacional, marcado pela crescente desigualdade econômica entre os Estados, o IED pode funcionar como instrumento de promoção do desenvolvimento4 dos países mais pobres. Pode porque só o fará se for devidamente direcionado para este fim, ou seja, a mera atração do IED não significa necessariamente promover o desenvolvimento. Para tanto se faz necessária uma política definida com a finalidade de assegurar que o IED trará benefícios e externalidades positivas, além de evitar os efeitos negativos. Neste contexto assiste-se a uma concorrência selvagem na atração do IED, que apresenta um fluxo crescente há aproximadamente duas décadas. Consolidando tal tendência de crescimento, em 2005 houve um aumento de 29% no fluxo de IED, totalizando US$ 916 bilhões.5 Esse aumento atingiu tanto economias desenvolvidas quanto economias em desenvolvimento. Em 2005 o fluxo de IED para os países desenvolvidos chegou a US$ 542 bilhões, representando um crescimento de 37% comparado a 2004. Em relação aos países em desenvolvimento alcançou-se o nível mais alto de todos os tempos: US$ 334 bilhões.6 Apesar do aumento considerável de IED realizado por países em desenvolvimento, nações desenvolvidas destacam-se não só entre os grandes receptores7 – o Reino Unido e os Estados Unidos da América (EUA) foram os dois maiores – como continuam a representar a principal fonte de IED.8 4. Para os fins do presente trabalho, adota-se o conceito de desenvolvimento defendido por Amartya Sen, segundo o qual desenvolvimento não se reduz ao mero crescimento econômico e a liberdade é componente fundamental para a promoção do desenvolvimento. A liberdade é fim e meio, uma vez que o desenvolvimento é um processo de transformação em que o ser humano livre desempenha papel fundamental na geração de mudanças. Sen, 2000, p. 17. 5 UNCTAD, 2006b, p. 2. 6 UNCTAD, 2006b, p. 2-3. 7 Estados receptores de capitais são os países que recebem investimentos estrangeiros. 8 UNCTAD, 2006b, p. 3..

(17) 16. O papel dos países em desenvolvimento no fluxo mundial de IED vem mudando ao longo do tempo. Na década de 1980, os investimentos dessas economias para o exterior eram insignificantes, ao passo que em 2005 já equivaliam a aproximadamente 17% do total do fluxo mundial de IED, perfazendo US$ 113 bilhões.9 Novas fontes de IED têm sido especialmente importantes para os países mais pobres. Os países em desenvolvimento que se tornaram também investidores de porte destinam hoje grande parte de seus investimentos externos a países menos desenvolvidos10, marcando o incremento da cooperação Sul-Sul. O crescimento do fluxo de IED Sul-Sul decorre dos mesmos fatores do fluxo de IED Norte-Sul, como a busca por maior eficiência (instalação de indústrias da Malásia na Indonésia e no Vietnã) e por matéria-prima (investimentos chineses em ferro e aço no Peru e em petróleo em Angola e no Sudão).11 Visando atrair a maior parcela possível de tais recursos e sinalizar uma prédisposição em receber os investimentos, são firmados acordos de investimentos.12 Já houve diversas tentativas de se estabelecer regras multilaterais sobre investimentos, mas a dificuldade em se obter um acordo multilateral tem dado continuidade ao fenômeno da bilateralização. Ao final de 2005 somavam 2.495 os acordos para a promoção e a proteção recíproca de investimentos ou acordos bilaterais de investimentos (BITs).13 Ao lado dos BITs verifica-se uma tendência de se celebrar acordos regionais de investimentos ou de incluir regras sobre investimentos entre suas disposições. Normalmente, estas regras disciplinam o fluxo de investimentos estrangeiros entre os países membros da organização regional, bem como destes para com terceiros países. Ao final de 2005 já havia 232 acordos regionais com cláusulas de investimentos.14 Nota-se também um incremento no número de BITs firmados entre países em desenvolvimento15, tanto como reflexo de seu melhor desempenho na qualidade de fontes de. 9. UNCTAD, 2006b, p. 22. UNCTAD, 2006b, p. 22. 11 UNCTAD, 2005g, p. 13. 12 Hase defende que “no puede decirse que la masiva suscripción [en principios del siglo XX] con países industrializados de TBs [tratados bilaterales] por países en desarrollo como la Argentina haya obedecido únicamente al único y abstracto objetivo de promover las inversiones extranjeras – intención esta legítima y válida desde ya – sino también a concretas necesidades y condicionamientos externos”, quais sejam, para voltar a ter acesso a fontes de financiamento externo, obter garantias de agências governamentais ou internacionais para a realização de projetos, e outros. Hase, 2003, p. 65. 13 UNCTAD, 2006b, p. 12. 14 UNCTAD, 2006b, p. 12. 15 UNCTAD, 2005g, p. 5. 10.

(18) 17. IED quanto devido à maior cooperação Sul-Sul. Em 1990 existiam 42 acordos entre países em desenvolvimento, em 2005 o número alcança 644.16 O aumento do fluxo de IED e, conseqüentemente, de acordos de investimentos não significa, todavia, que o investimento estrangeiro esteja contribuindo para o desenvolvimento. Continua sendo muito difícil atrair investimentos de qualidade, que tenham possibilidade, por exemplo, de aumentar o número de empregos ou a competitividade das empresas locais.17 Assim sendo, desponta a necessidade de regras que não apenas atriam investimentos, mas sejam capazes de promover o desenvolvimento. O presente capítulo apresenta as regras internacionais sobre investimentos estrangeiros, tanto as que foram propostas e não obtiveram êxito, quanto as atualmente vigentes. A partir da análise genérica do contexto e do conteúdo de tais regras, busca-se introduzir a questão central deste trabalho: o equilíbrio nos BITs. Antes de dar início à análise sobre a regulamentação internacional do investimento estrangeiro, contudo, é preciso definir o que se entende por investimento estrangeiro e, principalmente, esclarecer a distinção entre IED e investimento de portfolio.. 2.1 O conceito de investimento estrangeiro. Por se tratar de um fenômeno econômico importa, inicialmente, salientar o conceito econômico de investimento estrangeiro. Pode-se definir o termo “investimento” como a aplicação de recursos (dinheiro ou títulos) em empreendimentos que renderão juros ou lucros, em geral a longo prazo, bem como a compra de máquinas, equipamentos e imóveis para a instalação de unidades produtivas e a compra de títulos financeiros (letras de câmbio, ações etc.). Essencialmente, investimento é toda aplicação de capital com expectativa de lucro.18 Assim, com base na definição de investimento, pode-se falar em investimento estrangeiro19 quando houver a aquisição de sociedades20, equipamentos, instalações, estoques ou títulos financeiros localizados em um país por sociedades, governos ou indivíduos de outro país.21. 16. UNCTAD, 2006a, p. 26. UNCTAD, 2006b, p. 14. 18 Sandroni, 2002, p. 308. 19 No presente trabalho o termo “investimento estrangeiro” será utilizado para referir-se tanto a IED quanto a investimento de portfolio e estes, quando se tratar deles individualmente. 20 O termo “sociedade” refere-se à globalidade de formas societárias existentes, uma vez que empresa, no direito brasileiro, significa a atividade exercida pelo empresário. 21 Sandroni, 2002, p. 309. 17.

(19) 18. Segundo Sornarajah, “investimento estrangeiro envolve a transferência de ativos tangíveis e intangíveis de um país a outro, com o propósito de utilizá-los neste país gerando riqueza por meio do controle total ou parcial do proprietário dos ativos”.22 Investimento estrangeiro pode ainda ser entendido como:. aportes, realizados por não-residentes, em uma determinada economia, cujos ganhos ou remuneração do capital investido se projetam para o futuro (médio e longo prazo), envolvendo, contudo, risco de não realização de ganho algum. No que se refere ao aporte, pode ele ser de montante e características tais como a possibilitar a intervenção do investidor no gerenciamento da empresa que recebe o investimento, ou não.23. Quanto à distinção entre IED e investimento de portfolio, é válida a utilização dos conceitos econômicos. Economicamente, reconhece-se IED como “o fluxo internacional de capitais pelos quais uma sociedade de determinado país cria ou expande uma filial sua em outro”.24 O Balance of Payments Manual do Fundo Monetário Internacional (FMI) conceitua IED como “categoria de investimento estrangeiro que reflete o objetivo de uma entidade residente em uma economia em obter interesse de longo prazo em um empreendimento localizado em outra economia”25 e o investimento de portfolio como “não só valores mobiliários representativos de participação de capital ou de dívida, na forma de ações e debêntures, como também instrumentos financeiros e derivativos, como opções”.26 Saliente-se, nesta mesma linha, o conceito trazido pelo World Investment Report 2005, segundo o qual,. investimento estrangeiro direto é definido como um investimento envolvido em um relacionamento de longo prazo, que reflete um interesse e controle duradouros, por uma entidade residente em uma economia, sobre um empreendimento sediado em outra economia, que não aquela do investidor estrangeiro direto. O investimento estrangeiro direto implica no exercício de. 22. “Foreign investment involves the transfer of tangible and intangible assets from one country into another for the purpose of their use in that country to generate wealth under the total or partial control of the owner of the assets”. Sornarajah, 2004, p. 7. 23 Schlee, 2005b, p. 28-29. 24 Krugman, Obstfeld, 2004, p. 175. 25 “Direct investment is the category of international investment that reflects the objective of a resident entity in one economy obtaining a lasting interest in an enterprise resident in another economy”. IMF, 1993, p.86. 26 “Portfolio investment includes, in addition to equity securities and debt securities in the form of bonds and notes, money market instruments and financial derivatives such as options”. IMF, 1993, p.95..

(20) 19. um certo grau de influência na gestão do empreendimento residente na outra economia. [...] 27. Assim sendo, pode-se dizer que o IED ocorre quando os residentes de um país adquirem controle28 sobre uma sociedade em outro país e determinam a sua atividade, seja por meio da compra de ações ou da detenção de ativo da sociedade – como direitos de propriedade intelectual –, da construção uma nova fábrica ou empreendimento desde o início. Quando, no entanto, se referir à compra de somente uma pequena parcela das ações de uma sociedade estrangeira, fala-se em investimento de portfolio. A distinção, portanto, reside na possibilidade de controle ou na atividade de gestão do investidor estrangeiro direto, inexistente no investimento de portfólio, o qual se revela apenas como uma aplicação de recursos financeiros.29 O IED não envolve somente a transferência de recursos, mas também a aquisição do controle. Ou seja, a filial não tem somente uma obrigação financeira com a matriz, ela é parte da mesma estrutura organizacional.30 Compreendida a definição de investimento estrangeiro, bem como a distinção entre IED e investimento de portfolio, passa-se ao estudo da sua regulamentação.. 2.2 A regulamentação internacional. Apesar de não haver uma regulamentação multilateral, como no caso do comércio internacional, a regulamentação internacional sobre investimentos estrangeiros é composta de uma grande variedade de normas, que diferem em forma, eficácia e extensão.31 O presente item busca apresentar uma breve revisão dos principais instrumentos que regulamentam – ou tentaram regulamentar – os investimentos estrangeiros em âmbito internacional. Com este objetivo, a seção tratará inicialmente dos instrumentos multilaterais, em seguida dos regionais e, ao final, dos BITs.. 27. “Foreign direct investment is defined as an investment involving a long-term relationship and reflecting a lasting interest and control by a resident entity in one economy in an enterprise resident in an economy other than that of the foreign direct investor. Foreign direct investment implies that the investor exerts a significant degree of influence on the management of the enterprise resident in the other economy”. UNCTAD, 2005a, p.329. 28 Sobre as formas de aquisição de controle acionário ver Comparato, 1983. 29 Baptista, 1998, p. 30-31. 30 Krugman, Obstfeld, 2004, p. 175. 31 UNCTAD, 1999, p. 35..

(21) 20. 2.2.1 A regulamentação multilateral Várias foram as tentativas no sentido de estabelecer regras multilaterais sobre investimentos estrangeiros. Existem instrumentos multilaterais que abordam o tema de forma mais restrita ou abordam apenas alguns aspectos dos investimentos. Não há, contudo, um conjunto de regras amplas regulamentando os investimentos estrangeiros, tal como no sistema instituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que regulamenta as questões de comércio internacional. A Carta de Havana, de 1948, que previa a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), já continha dispositivos relacionados à regulamentação dos investimentos estrangeiros. O Artigo 11 da Carta dispunha que nenhum Estado membro deveria tomar medidas sem fundamento e injustificáveis que pudessem causar prejuízo aos direitos e interesses dos investidores nacionais de outros Estados-membros, e o Artigo 12 estabelecia, entre outros pontos, que o Estado tinha direito de (i) fazer uso de salvaguardas para assegurar que os investimentos estrangeiros não fossem utilizados para interferir na política nacional; (ii) determinar como e em que termos permitiria futuros investimentos estrangeiros; e (iii) ditar as exigências quanto à propriedade dos investimentos. Além disso, dispunha que os Estados-membros empreenderiam esforços para propiciar oportunidades aceitáveis pelos investidores, bem como segurança adequada aos mesmos, além de evitar discriminação entre os investimentos estrangeiros.32 Além disso, a Carta de Havana continha um capítulo denominado Restrictives Business Practices (Práticas Restritivas de Negócios), definidas como ações de agentes econômicos privados ou de governos que tivessem por efeito influenciar preços ou condições de venda, compra ou locação, restringir a oferta ou produção, partilha de mercados, eliminação de concorrência externa e outros.33 Ao mesmo tempo em que determinava que as medidas de investimento – tanto as adotadas pelos agentes econômicos privados quanto pelos governos – não deveriam ser utilizadas para restringir o desenvolvimento econômico e social, reconhecia a necessidade de políticas internas de regulação de investimentos estrangeiros para evitar efeitos adversos sobre os assuntos domésticos de cada país.34. 32. Articles 11 and 12, Havana Charter, 1948. FENNEL, Willian A.; TYLER, Joseph W. The Gatt Uruguay Round: a negotiation history (1986/1992): trade related investment measures.Boston: Kluwer Law and Taxation Publishers, 1993 apud Nasser, 2002. p. 156. 34 Article 46, Havana Charter, 1948. 33.

(22) 21. Tais disposições relacionadas a investimentos estrangeiros foram motivo de grandes protestos, especialmente por parte da comunidade empresarial, constituindo-se em um dos fatores que levaram a não-aprovação da Carta de Havana.35 Inviabilizada a OIC, aprovou-se o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que não incluía qualquer disposição relacionada a investimentos. No entanto, já na Rodada Tóquio, em 1979, alguns países desenvolvidos exportadores de capital36, especialmente os EUA, buscaram incluir entre os pontos a ser negociados a questão relativa às medidas de investimento relacionadas ao comércio.37 Os países desenvolvidos alegavam que muitas dessas medidas tinham efeitos sobre o comércio internacional e que deviam, portanto, ser regulamentadas pelas partes contratantes do GATT; outras partes contratantes, países em desenvolvimento, alegavam que a questão dos investimentos estrangeiros estava fora do âmbito de competência do GATT, o que impediu que se alcançasse um consenso na Reunião Ministerial de 1982.38 A primeira discussão sobre as medidas de investimentos deu-se em 1981, em função de um relatório apresentado pelos EUA – o Investment Performance Requirements and Incentives. Nesse relatório argumentava-se que a imposição generalizada de requisitos de desempenho aos investidores estrangeiros poderia afetar os interesses comerciais de outras partes contratantes e que era preciso, portanto, verificar se essas práticas não violavam disposições do GATT.39 Foi em 1982, no entanto, quando os EUA solicitaram um painel40 frente ao GATT, que surgiu a oportunidade para uma análise do alcance do GATT com relação às medidas de investimentos.41 A instalação do painel referia-se à verificação da legalidade da implementação da legislação canadense sobre investimentos estrangeiros, caso FIRA42, que estabelecia a obrigação dos investidores estrangeiros darem preferência à aquisição de bens canadenses em. 35. Schrijver, 2001, p. 21. Estados exportadores de capitais são os países de origem do investidor estrangeiro. 37 Correa, 2004a, p. 108. 38 Correa, 2004a, p. 108. 39 Nasser, 2002. p. 157. 40 Painel, do inglês panel, é como um tribunal, mas diferentemente de um tribunal normal consiste de três (ou cinco) painelistas de diferentes países, que são escolhidos mediante consulta entre os países envolvidos na disputa, e que examina as evidências e decide quem está certo e quem está errado. A decisão do painel passa pelo Órgão de Solução de Controvérsias, que pode rejeitá-la por consenso. Da decisão do painel cabe recurso ao Órgão de Apelação. 41 Correa, 2004a, p. 108. 42 Canada's Foreign Investment Review Act (FIRA). 36.

(23) 22. relação a bens importados e a obrigação de produzir bens no Canadá e exportar determinado percentual dessa produção.43 O painel acolheu apenas em parte as alegações dos EUA, considerando que as medidas canadenses eram inconsistentes com o conteúdo do artigo III do GATT (tratamento nacional) porque discriminavam os produtos importados. Por outro lado, não julgou haver violação do artigo XI (eliminação geral das restrições quantitativas), que proíbe restrições quantitativas, porque não impedia a importação de bens, e, igualmente, não julgou haver violação do artigo XVII (tratamento não-discriminatório por parte das empresas comerciais dos Estados).44 A decisão do caso FIRA foi importante na medida em que (i) estabeleceu que as normas do GATT eram aplicáveis aos requisitos de desempenho quando estes fossem impostos no âmbito de políticas de investimentos e resultassem em distorção do comércio; (ii) decidiu que os requisitos de desempenho exportador não eram cobertos pelo GATT; e (iii) esclareceu que a disputa levada ao painel dizia respeito à questão da consistência das medidas de investimento adotadas pelo Canadá com as normas do GATT, e não ao direito canadense de regular sobre investimentos.45 Essa controvérsia consignou uma nova direção nas negociações comerciais internacionais, que para além da redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias, começaram a voltar sua atenção para as políticas comerciais nacionais que produziam efeitos distorcivos no comércio internacional.46 Durante os trabalhos de preparação para a Rodada Uruguai, os EUA apresentaram a seguinte proposta:. (i) aumentar a disciplina das medidas governamentais sobre investimentos que produzam efeitos distorcivos nos fluxos de comércio e de investimentos; (ii) explorar uma ampla gama de questões em matéria de investimentos, inclusive os princípios do tratamento nacional e da nação mais favorecida (MFN) para investimentos estrangeiros diretos; (iii) examinar vários tipos de medidas de investimento relacionadas ao comércio como os requisitos de conteúdo local, desempenho exportador, subsídios e incentivos à luz dos artigos específicos do GATT, assim como dos seus objetivos gerais.47. 43. Sterlini, 2005, p. 443. BISD30S/140. 45 Sterlini, 2005, p. 444. 46 Civello, 1999. p. 4. 47 Documento GATT PREP.COM(86)/W/35, 11 de Junio de 1986 apud Correa, 2004. p. 109. 44.

(24) 23. A Declaração Ministerial de Punta Del Este, que lançou a Rodada Uruguai, em 1986, incluía em sua agenda de negociações três novos temas: serviços, investimentos e propriedade intelectual e determinava que “após o exame do funcionamento dos artigos do GATT relacionados a medidas de investimento que produzem efeitos restritivos e distorcivos ao comércio, as negociações deveriam elaborar dispositivos adicionais que pudessem ser necessários para evitar tais efeitos adversos”.48 Durante as negociações ficou clara a oposição de interesses entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento sobre a necessidade, a natureza e o escopo de possíveis novas disciplinas.49 A primeira divergência foi sobre até que ponto as medidas de investimento relacionadas ao comércio estavam cobertas pelo GATT ou se era necessária a criação de normas específicas acerca do tema. Os países em desenvolvimento defendiam que qualquer acordo nesta área deveria somente esclarecer as normas já existentes e não criar normas novas, enquanto os países desenvolvidos defendiam a instituição de uma nova regulamentação das medidas de investimento relacionadas ao comércio.50 Além disso, houve a tentativa, por parte de EUA e Japão, de criar normas mais amplas sobre os investimentos estrangeiros, que incluíssem o princípio do tratamento nacional. De maneira geral, os países desenvolvidos queriam obter um acordo o mais amplo possível, que proibisse uma série de medidas impostas aos investimentos estrangeiros pelas legislações nacionais, entre elas, restrições cambiais e requisitos de compensação comercial e de conteúdo local.51 As Comunidades Européias (CE)52 e os países nórdicos apresentaram uma posição mais flexível, defendendo uma diferenciação entre medidas de efeito direto e medidas de efeito indireto. As medidas de efeito direto tinham um impacto restritivo importante sobre o comércio e um vínculo direto com as normas do GATT. Já medidas como licenças, restrições para a remessa de recursos, exigências de um determinado percentual de participação de capital nacional em certas áreas ou de transferência de tecnologia, dentre outras, possuíam. 48. “Following an examination of the operation of GATT Articles related to the trade restrictive and distorting effects of investment measures, negotiations should elaborate, as appropriate, further provisions that may be necessary to avoid such adverse effects on trade.” Punta Del Este Declaration. 49 Sterlini, 2005, p. 444. 50 Correa, 2004a, p. 110. 51 Nasser, 2003, p. 161 e Sterlini, 2005, p. 445. 52 Utiliza-se o termo “Comunidades Européias” em referência às três comunidades que posteriormente deram origem à União Européia – Comunidade Econômica Européia, Comunidade Européia de Energia Atômica e Comunidade Européia do Carvão e do Aço. São as Comunidades Européias que representam os países membros da União Européia no âmbito da OMC devido à falta de personalidade jurídica da União Européia..

(25) 24. efeito indireto. Tais medidas de efeito indireto deveriam sujeitar-se a procedimentos de consulta e de solução de controvérsias, sendo proibidas caso a caso.53 Os países em desenvolvimento, liderados por Índia, Egito e algumas nações da América Latina, posicionaram-se no sentido da estrita limitação das negociações às medidas que tivessem um efeito negativo direto e significativo sobre o comércio e à necessidade de receber tratamento diferenciado e mais favorável54, defendendo a manutenção da liberdade do uso de medidas de investimento relacionadas ao comércio como instrumentos de suas políticas de desenvolvimento.55 Em conjunto, esses países apresentaram um documento que definia os principais objetivos a serem atingidos por meio das medidas de investimentos: assegurar a maior contribuição do investimento estrangeiro direto ao país receptor, maximizar as oportunidades de criação de novos empregos, promover o desenvolvimento de regiões menos desenvolvidas, aliviar as pressões no câmbio, melhorar as capacidades tecnológicas, e aumentar as exportações.56 Nesse sentido, em 1989, a Índia apresentou uma proposta sustentando que a questão do desenvolvimento deveria ser o tema central nas discussões sobre medidas de investimento relacionadas ao comércio, em razão da estreita relação dessas medidas com a promoção do desenvolvimento nacional, e que os países em desenvolvimento, portanto, deveriam gozar de um regime mais benéfico. Os indianos argumentavam que tais medidas não podiam ser proibidas e que o controle sobre elas deveria permanecer com os governos dos países receptores de investimentos, pois sua importância para a promoção do desenvolvimento era mais valiosa do que eventuais distorções causadas ao comércio.57 A proposta da Índia foi apoiada pelo Brasil e outros países em desenvolvimento, sendo rejeitada por Japão, CE e EUA.58 As posições mantiveram-se antagônicas até dezembro de 1991, quando se chegou à Ata Final, na reunião ministerial em Bruxelas. Essa minuta acabou sendo incorporada aos resultados da Rodada Uruguai e constitui-se no que hoje conhecemos como Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (Trade Related Investment Measures Agreement), comumente denominado Acordo TRIMS.. 53. Correa, 2004a, p. 111 e Sterlini, 2005, p. 446. Correa, 2004a, p. 112 e Nasser, 2003, p. 160. 55 Sterlini, 2005, p. 445. 56 Sterlini, 2005, p. 448. 57 Nasser, 2002, p. 165. 58 Nasser, 2002, p. 165. 54.

(26) 25. A) Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (Acordo TRIMs) Resultado de negociações entre interesses tão divergentes, o Acordo TRIMS sequer traz um conceito de medidas de investimento relacionadas ao comércio e se aplica somente ao comércio de bens, não incluindo medidas de investimento relacionadas ao comércio de serviços. Para tanto, devem ser consideradas as disposições do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), que será abordado a seguir. O Acordo TRIMS limitou-se a esclarecer o relacionamento entre o GATT e as medidas de investimento, não estabelecendo novos dispositivos sobre medidas não inclusas no GATT. O Acordo veda a utilização, pelos membros59 da OMC, de qualquer medida de investimento incompatível com as disposições do Artigo III (tratamento nacional) e do Artigo XI (eliminação geral de restrições quantitativas) do GATT, e traz, em seu anexo, uma lista ilustrativa de medidas de investimento que são incompatíveis com as obrigações de tais artigos. O Acordo TRIMs não proíbe a concessão de incentivos aos investimentos, mas impede que o país membro condicione o acesso aos benefícios ao cumprimento das medidas de investimento relacionadas em sua lista ilustrativa.60 Conforme disposto na lista ilustrativa, as medidas de investimento incompatíveis com o tratamento nacional (Artigo III) incluem as que são obrigatórias ou exigíveis pela legislação nacional ou resoluções administrativas, cujo cumprimento seja necessário para obter um benefício e que requeiram: (a). a compra ou utilização por uma sociedade de produtos nacionais, seja. especificada em termos de produtos, de volume ou valor de produtos, ou em proporção de volume ou valor de sua produção local; ou (b) que a compra ou a utilização de produtos importados por uma sociedade se limite a uma quantidade relacionada com o volume ou valor de produtos locais que a sociedade exporte.61. Da mesma forma, a lista ilustrativa dispõe serem incompatíveis com a obrigação de eliminação geral das restrições quantitativas (Artigo XI) medidas que restringem: 59. No âmbito do GATT utilizava-se o termo “partes contratantes” para se referir aos países que faziam parte do acordo, uma vez que não se tratava de uma organização internacional. Já no âmbito da OMC, utiliza-se o termo membros por se referir aos membros da OMC, uma organização internacional, com personalidade jurídica. 60 Correa, 2004a, p. 123. 61 Anexo: Lista Ilustrativa, Acordo TRIMs..

(27) 26. (a). a importação por uma sociedade de produtos utilizados em sua produção local. ou relacionados com esta, de forma geral, ou a uma quantidade relacionada ao volume ou valor da produção local que a sociedade exporte; (b) a importação por uma sociedade de produtos utilizados em sua produção local ou relacionados a esta, limitando o acesso da mesma a divisas estrangeiras a uma quantidade relacionada com a entrada de divisas atribuídas a esta sociedade; (c). a exportação ou venda para a exportação, seja especificada por produtos,. volume ou valor de produtos, seja como proporção de volume ou valor de sua produção local.62 A lista, no entanto, não especifica quais medidas de investimento são proibidas per se e quais devem ser analisadas caso a caso. Pode-se afirmar que o Acordo TRIMS constitui um avanço para os interesses dos países desenvolvidos, pois coloca as medidas de investimentos na pauta dos assuntos regulados multilateralmente.63 Apesar de limitado quanto à regulamentação propriamente dita dos investimentos estrangeiros, esse acordo constitui-se em norma com capacidade de limitação do poder de regulamentação do Estado.. B) Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) Conforme acima disposto, o Acordo TRIMs não configura um código sobre investimentos estrangeiros, abrangendo apenas medidas de investimento relacionadas ao comércio de bens. No âmbito da OMC existem outros instrumentos de regulamentação que tratam direta ou indiretamente de investimentos estrangeiros: o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPs), o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórios (ASCM) e o GATS – o mais importante de todos. Também negociado durante a Rodada Uruguai, e integrante do anexo 1 do Acordo Constitutivo da OMC, o GATS ganha relevância na questão dos investimentos estrangeiros ao tratar, como uma de suas modalidades, da prestação de serviços por meio da presença comercial. O Artigo I:2 do GATS apresenta quatro formas de prestação de serviços, dentre as quais se destaca a presença comercial em território estrangeiro:. 62 63. Anexo: Lista Ilustrativa, Acordo TRIMs. Nasser, 2002, p. 200..

(28) 27. Art.I 2. Para os propósitos deste Acordo, o comércio de serviços é definido como a prestação de serviço: (a) do território de um Membro ao território de qualquer outro Membro; (b) no território de um Membro aos consumidores de serviços de qualquer outro Membro; (c) pelo prestador de serviços de um Membro, por intermédio da presença comercial, no território de qualquer outro Membro; (d) pelo prestador de serviços de um Membro, por intermédio da presença de pessoas naturais de um Membro no território de qualquer outro Membro.64 (grifou-se). A relação entre o GATS e os investimentos estrangeiros está na possibilidade de prestação de serviço por meio de presença comercial, uma vez que é necessário o investimento para que um prestador de serviços de determinado país membro estabeleça presença comercial no território de outro país membro. O Artigo XXVIII (d) do GATS conceitua “presença comercial” e permite aferir claramente a relação do GATS com os investimentos estrangeiros: qualquer tipo de negócio ou estabelecimento profissional, inclusive por meio de (i) constituição, aquisição ou manutenção de uma pessoa jurídica ou (ii) criação ou manutenção de uma filial ou representação comercial, no território de um Membro com o objetivo de prestar serviços, [...].65. Esta modalidade constitui-se, provavelmente, na mais importante de todas porque o GATS, mais do que o GATT, lida com as políticas internas de seus membros.66 O artigo II do GATS trata da cláusula da nação mais favorecida, de acordo com a qual cada membro deve conceder aos serviços e prestadores de serviços de qualquer outro membro tratamento não menos favorável do que aquele concedido a serviços e prestadores de serviços similares de qualquer outro país.67 Os membros podem, no entanto, listar exceções a esta cláusula, desde que em conformidade com o Anexo II do GATS68. O GATS impõe também a obrigação do tratamento nacional ao comércio de serviços e, conseqüentemente, aos investimentos. Assim, dispõe o Artigo XVII: Art. XVII 1. Nos setores inscritos em sua lista e salvo condições e qualificações ali indicadas, cada Membro outorgará aos serviços e prestadores de serviços de 64. Artigo I do GATS. Artigo XXVIII (d) do GATS. 66 Pupo, 2005, p. 47. 67 Artigo II do GATS. 68 Annex on Article II Exemptions do GATS. 65.

(29) 28. qualquer outro Membro, com respeito a todas as medidas que afetem a prestação de serviços, um tratamento não menos favorável do que aquele que dispensa a seus próprios serviços similares e prestadores de serviços similares.69. Por fim, importa salientar o Artigo XVI, que dispõe sobre o acesso a mercados:. Art. XVI 1. No que respeita ao acesso aos mercados segundo os modos de prestação identificados no Artigo I, cada Membro outorgará aos prestadores de serviços e aos serviços dos demais Membros um tratamento não menos favorável que o previsto sob os termos, limitações e condições acordadas e especificadas em sua lista.70. Ainda com relação ao acesso a mercados, o GATS fixa medidas que não podem ser adotadas com relação a serviços e prestadores de serviços de outro membro, em setores nos quais existem compromissos de acesso a mercados (a menos que excepcionados na lista de compromissos), quais sejam: (1). número de prestadores de serviços;. (2). valor total das transações de serviços;. (3). número total de operações de serviços;. (4). número total de pessoas físicas que possam ser empregadas em algum setor de. serviço; (5). tipos específicos de pessoas jurídicas ou de organizações por meio dos quais. possa ser prestado o serviço; e (6). participação do capital estrangeiro sob várias formas (limites de investimentos. estrangeiros em determinados setores).71 Apesar de constituir-se em acordo multilateral que trata de investimentos estrangeiros em serviços, o GATS difere significativamente dos demais acordos internacionais de investimentos.72 Em primeiro lugar, quanto ao conceito de investimento estrangeiro, a definição “baseada em empresa” adotada na modalidade de presença comercial é mais restrita do que a definição “baseada em ativos”, geralmente adotada pelos acordos de investimentos73. O. 69. Artigo XVII do GATS. Artigo XVI do GATS. 71 Pupo, 2005, p. 63. 72 Sterlini, 2005, p. 3. 73 Sobre as definições de investimentos ver item 3.1. 70.

(30) 29. GATS não contém regras sobre o tratamento dos investimentos estrangeiros, como regras quanto à expropriação, compensação e outras. O GATS, em verdade, é um fórum de negociações permanente, em que os membros aumentam progressivamente a liberalização do comércio de serviços.74 A cada rodada de negociações os países membros assumem compromissos de acesso a mercados nos setores de serviços que lhes interessam.75. C) Acordo Multilateral de Investimentos (MAI) Uma das alternativas mais promissoras e ambiciosas para a constituição de um instrumento de liberalização dos investimentos estrangeiros apresentou-se no âmbito da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde foi proposto o Acordo Multilateral de Investimentos (MAI). A elaboração do MAI foi proposta pela OCDE em 1995 e sua minuta foi trazida a público em 1997. A estratégia dos países da OCDE para a negociação do MAI foi a de negociá-lo secretamente e, quando a minuta já estivesse definida, apresentá-la à comunidade internacional, inclusive para adesão de países não membros da OCDE. Ao tornar-se pública, a minuta do MAI foi imediatamente atacada por grupos ambientalistas e de defensores dos direitos humanos, que argumentavam que o acordo enfatizava a proteção das transnacionais76 sem garantir proteção contra abusos ambientais e violações a direitos humanos cometidas por elas.77 Os principais objetivos do MAI eram: (i) estabelecer padrões para o tratamento e a proteção dos investimentos estrangeiros; (ii) ir além dos acordos existentes para atingir a mais alta liberalização, abordando tanto o estabelecimento como o pós-estabelecimento; (iii) conter normas relativas a sua implementação; (iv) aplicar-se a todas as partes e em todos os níveis de governo; (v) ter natureza obrigatória; (vi) tratar de medidas oriundas de organizações regionais de integração; (vii) estimular a conciliação e prover solução efetiva de controvérsias por meio dos mecanismos existentes; e (viii) levar em conta os acordos internacionais. 74. Pupo, 2005, p. 64. Schlee, 2005b, p. 82. 76 “A empresa transnacional é uma empresa, que independente do seu país de origem e de sua propriedade, podendo ser privada, pública ou mista, é compreendida por entidades locais em dois ou mais países, ligadas por controle acionário ou de outra forma que uma ou mais dessas entidades possam exercer influência significante sobre a atividade das demais e, em particular, para dividir conhecimento, recursos e responsabilidades umas com as outras. As empresas transnacionais operam sobre um sistema de tomada de decisões que permitem políticas coerentes e estratégias comuns por meio de um ou mais centro de decisões. [...]” Disponível em www.unctad.org. Acesso em 18 de outubro de 2006. 77 Sornarajah, 2004, p. 292. 75.

(31) 30. previamente assumidos, com o objetivo de evitar conflitos com regras da OMC e acordos de tributação.78 As negociações do MAI ocorreram em cenário bastante peculiar, destacando-se a contraposição de interesses entre os principais interessados – países desenvolvidos (membros da OCDE), países em desenvolvimento e organizações não-governamentais – os quais se passa a analisar. O MAI encontrou forte resistência entre os países em desenvolvimento, que entenderam haver violação à sua soberania, por exemplo, com a imposição da cláusula do tratamento nacional – que obrigava os países a conceder acesso irrestrito ao mercado em determinados setores da economia nos quais os investidores nacionais eram ativos. Outro ponto crítico foi a cláusula standstill – que proibia os Estados de introduzir qualquer alteração legal restritiva posterior. Além, é claro, da cláusula que permitia o investidor estrangeiro levar eventual disputa com o Estado receptor de investimentos aos tribunais internacionais.79 O MAI proibia também a imposição de requisitos de desempenho de forma mais ampla do que o Acordo TRIMs.80 Na medida em que as negociações tornaram-se públicas e as organizações nãogovernamentais posicionaram-se abruptamente contra a conclusão do MAI, os países envolvidos, entre eles França e EUA, pareceram adotar uma postura de descrença em relação ao Acordo. Os EUA, um dos maiores defensores do MAI, perderam o entusiasmo pelas negociações devido a uma série de fatores, dentre eles as numerosas exceções que passaram a ser admitidas e a forte oposição de grupos norte-americanos frente às questões ambientais e trabalhistas, que apontavam a tendência de rejeição do MAI pelo Congresso daquele país. A França, outra grande defensora do MAI, suspendeu sua participação nas negociações em 1998 e, posteriormente, afastou-se em definitivo.81 O Canadá também optou pelo afastamento das negociações diante das manifestações públicas contra o acordo, especialmente depois que algumas de suas províncias anunciaram que mesmo que o Governo Federal aprovasse o MAI elas não o reconheceriam. Assim, um a um, os países foram revelando seus desapontamentos e afastando-se das negociações, até o anúncio, em dezembro de 1998, de que as negociações do MAI seriam suspensas por tempo indeterminado. 78. Moisés, 1998, p. 43-44. Seid, 1998, p. 103-104. 80 Sornarajah, 2004, p. 295. 81 Entre os fatores que contribuíram para este posicionamento por parte da França refere-se à exclusão da exceção cultural do MAI, pois consolidada proibição do tratamento discriminatório a França teria que abrir seu mercado cinematográfico para a indústria norte-americana. 79.

Referências

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