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2.2 A regulamentação internacional

2.2.2 Os acordos regionais

Ao lado da regulamentação multilateral há uma grande variedade de acordos regionais que tratam especificamente de investimentos, bem como outros que contêm somente uma cláusula ou um capítulo sobre o tema.

O primeiro acordo de integração econômica sobre investimento foi o Tratado de Roma, de 195798, que criou a Comunidade Européia. Visando a liberalização do comércio entre os países membros da comunidade, o Tratado de Roma estipulava a livre circulação de bens, serviços, capital e pessoas. Com isso, atividades de investimentos no âmbito da Comunidade Européia tornaram-se parte do modelo de integração buscado pelo Tratado de Roma.99

Outro acordo de integração pioneiro no tratamento da questão dos investimentos estrangeiros foi o Agreement on Arab Economic Unity (Acordo de Unidade Econômica Árabe), firmado em 1957 pelos membros da Liga dos Estados Árabes. Em 1970, os membros do Acordo de Unidade Econômica Árabe adotaram o Agreement on Investment and Free Movement of Arab Capital among Arab Countries (Acordo sobre Investimento e Livre Circulação de Capital Árabe entre os Países Árabes), visando promover e proteger os investimentos entre países árabes importadores e exportadores de capital, além de estabelecer tratamento preferencial ao capital árabe. Em 1971 foi instituída a Inter-Arab Investment Guarantee Corporation e em 1980, com a expansão da Liga Árabe, foi adotado o Unified Agreement for the Investment of Arab Capital in the Arab States (Acordo Unificado para o Investimento de Capital Árabe entre os Países Árabes), que refletia a maioria das disciplinas do acordo de 1970.100

O estabelecimento de acordos regionais sobre investimentos ou a inserção de normas sobre investimentos estrangeiros em tais acordos têm por finalidade a liberalização dos investimentos estrangeiros entre os países signatários, bem como a extinção do tratamento discriminatório entre os investimentos nacionais e os investimentos provenientes dos países

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Tratado que estabelecia a Comunidade Econômica Européia.

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UNCTAD, 2006e, p. 13-14.

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intergrantes dos acordos.101 Além disso, é comum a fixação de regras visando uniformizar o tratamento que os países membros de um acordo concedem a terceiros países não membros do acordo.

Os acordos regionais, assim como as propostas de regulamentação multilateral e a grande variedade e quantidade de BITs contêm disposições fundamentais sobre o tratamento do investimento estrangeiro. Essas regras variam conforme a intenção das partes em promover a liberalização dos investimentos no âmbito do acordo ou de funcionar como uma estrutura mais voltada à cooperação e promoção dos investimentos.

Na Ásia, o processo de integração regional na área de investimentos teve início com a criação da Associação das Nações do Leste Asiático (ASEAN), em 1976, oportunidade em que se adotou uma série de medidas, dentre as quais, acordos que concediam diversas preferências a sociedades que produzissem certos produtos em quaisquer dos países participantes da associação, que tivessem participação igualitária de nacionais de pelo menos dois países participantes e que satisfizessem disposições específicas relacionadas à propriedade. Em 1987, os membros da ASEAN adotaram o Acordo para a Promoção e Proteção dos Investimentos, que se fundamentava no tradicional modelo102 europeu de acordo bilateral de investimentos.103

Após a emenda de 1996 ao Acordo para a Promoção e Proteção dos Investimentos, passou-se à negociação de um Framework Agreement on the ASEAN Investment Area, que visa promover o investimento estrangeiro na região por meio da cooperação entre os países membros na liberalização das regras sobre investimentos.104 O acordo contém regras sobre o tratamento nacional e a nação-mais-favorecida, sem incluir, contudo, disposições sobre tratamento justo e eqüitativo, expropriação e transferência de fundos.105

O North American Free Trade Agreement (NAFTA), acordo que tem suas origens no Acordo de Livre Comércio Canadá-EUA (CUSFTA), entrou em vigor em 1° de janeiro de

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UNCTAD, 2002b, p. 10.

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Um modelo de acordo constitui-se no instrumento utilizado como “molde” pelos países ou blocos de integração para a negociação de acordos. Neste sentido, Ayed & Abida: “Qu’est ce qu’um modèle dáccord? Telle est la première question que interpelle lês esprits au début de ce colloque. La réponse à cette interrogation n’est pás aisée tant le phénomène est courant, répandu et variable. Em effet, chaque pays exportateur de capitaux conserve son propre modèle-type. Sans prétendre vaincre toutes lês difficultés de la variété dês politiques d’investissement dans le monde, on pourrait toutefois chercher à definir um modele à la lumiére d’indices génériques. [...] Cela dit, lê phénomène de la mondélisation conventionnelle est loin d’être récent em matière de droit international dês investissements. Pour autant, son ancienneté et as fréquence n’a pás permis à la convention modèle, d’acquérir um statut et une valeur juridiques. On la qualifie indistinctement de “modèle”, “prototype” ou “modèle-type”, mais son caractère obligatoire ne peut résulter que de la ratification d’um traité bilateral entre deux États souverains.” Ayed, Abida, 2006, p. 139.

103 UNCTAD, 2006e, p. 18. 104 UNCTAD, 1999, p. 43. 105 UNCTAD, 2005c, p. 34.

1994 e destaca-se por conter as disposições mais avançadas e detalhadas de liberalização e proteção do investimento, bem como por constituir-se em notável exemplo de acordo regional firmado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.106

O Capítulo XI do NAFTA aborda a questão dos investimentos estrangeiros e, principalmente, dos compromissos de proteção dos investimentos no México, que apresenta um passado problemático em relação ao tema. O Capítulo XI é composto por três seções: a Seção A define as obrigações substantivas das partes; a Seção B dispõe sobre as regras procedimentais que as partes devem adotar no caso de recurso à arbitragem internacional; e a Seção C contém as definições dos termos utilizados ao longo de todo o capítulo. O objetivo central do Capítulo XI é o de assegurar altos padrões de tratamento e proteção do investimento estrangeiro, restringindo ao máximo o controle dos Estados sobre o mesmo.107

A partir da extensão das regras de tratamento nacional e da nação mais favorecida à fase de entrada e estabelecimento do investimento, o Capítulo XI concede ao investidor estrangeiro o direito de entrada e estabelecimento no Estado receptor – que perde o direito de regular tais aspectos em seu território.108

Em seu artigo 1.105, o NAFTA fixa o dever de conceder um padrão mínimo de tratamento ao investidor estrangeiro, ou seja, tratamento justo e eqüitativo e proteção e segurança plenas, de acordo com o direito internacional.109 Já o artigo 1.110 proíbe a adoção de medidas direta ou indiretamente expropriatórias ou de efeito equivalente à expropriação.110 O caráter subjetivo de ambos os artigos restringe amplamente o poder de regulação do Estado, já que qualquer política com impacto sobre os investimentos estrangeiros pode ser questionada perante um tribunal internacional.111

Devido aos altos padrões de proteção do investimento e à abstração e amplitude de suas normas, a jurisprudência produzida no âmbito do NAFTA tem recebido muitas críticas e sido apontada como a causa das mudanças na política norte-americana de direito internacional dos investimentos estrangeiros, conforme demonstrar-se-á oportunamente.

Outro acordo regional que merece menção é o da Comunidade Andina, que em sua Decisión 291 de 1991 sobre capital estrangeiro e transferência de tecnologia, apresenta nova abordagem dos acordos regionais de investimentos. Isso porque adota um regime de 106 UNCTAD, 2006e, p. 20. 107 Sornarajah, 2004, p. 289. 108 Artigos 1102 e 1103 do NAFTA. 109 Artigos 1105 do NAFTA. 110

Sobre expropriação ver item 3.6.

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Assim, por exemplo, há diversas sentenças arbitrais que têm analisado medidas de caráter geral ditadas pelo Estado receptor, como no caso Ethil.

liberalização dos investimentos estrangeiros de países não-membros do acordo, em substituição aos regimes restritivos comumente adotados com relação a terceiros países.112

No âmbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), formado em 1991 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai113, a criação de regras comuns sobre investimentos apresenta-se como um dos elementos necessários à constituição do mercado comum, almejado pelo bloco.

Há dois protocolos sobre investimentos estrangeiros: o Protocolo de Colônia para a Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos no MERCOSUL114 (para investimentos intrazona) e o Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de Estados Não-Partes do MERCOSUL, Protocolo de Buenos Aires115 (para investimentos extrazona). O primeiro foi aprovado em 11 de dezembro de 1993 pela Decisão CMC 11/93 e se assemelha ao modelo de acordo bilateral de investimentos dos EUA por conceder tratamento nacional e da nação mais favorecida já na fase do pré-investimento. Já o Protocolo de Buenos Aires, aprovado em 5 de agosto de 1994 pela Decisão CMC 11/94, adota o modelo europeu e não concede o direito ao estabelecimento do investimento.

Apesar de o Brasil ter firmado ambos os protocolos, nenhum deles foi ainda ratificado. Em linhas gerais, a resistência brasileira em ratificar estes acordos, que estabelecem um regime comum sobre investimentos aos países do MERCOSUL, deve-se: (i) a sua ampla definição de investimentos, que incluiria os investimentos de portfolio; (ii) aos eventuais problemas gerados pelas indenizações em caso de expropriação; (iii) à obrigação de livre transferência de fundos; e, (iv) principalmente, ao mecanismo de solução de controvérsias investidor-Estado, que fere o princípio jurídico brasileiro de esgotamento dos recursos internos e ao tratamento discriminatório entre investidores nacionais e estrangeiros, considerando-se que somente os estrangeiros teriam acesso à arbitragem internacional.

O Commom Market for Eastern and Southern Africa (COMESA) é outro exemplo de acordo regional que aborda o tema do investimento estrangeiro. Firmado em 1993, o tratado do COMESA dedica o Capítulo 26 (Promoção e Proteção do Investimento) aos investimentos estrangeiros. O capítulo contém princípios gerais sobre a proteção do investimento, sem estabelecer, contudo, um mecanismo de solução de controvérsias.116

112

UNCTAD, 2006e, p. 20.

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Atualmente também faz parte do MERCOSUL a Venezuela.

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Ratificado, até o presente, somente pela Argentina.

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Ratificado, até o presente, por Argentina, Paraguai e Uruguai.

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A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), apesar de não concluída e com as negociações suspensas, é outro acordo regional que merece menção pelo claro conflito entre dois grupos de negociação quanto às regras sobre investimentos. A Declaração Ministerial de San José, adotada em 19 de março de 1998, estabelece o mandato do Grupo Negociador de Investimentos nos seguintes termos:

Estabelecer um marco jurídico justo e transparente que promova o investimento através da criação de um ambiente estável e previsível que proteja o investidor, o investimento e os fluxos a ele relacionados, sem criar obstáculos aos investimentos provenientes de fora do hemisfério.117

Os EUA apresentaram proposta sobre o regime de investimentos baseada no Capítulo XI do NAFTA, enquanto MERCOSUL, Comunidade Andina e Caribbean Community (CARICOM) defenderam a limitação da disciplina sobre investimentos ao mandato de San José, disciplinando a proteção e a promoção dos investimentos nos moldes dos tradicionais BITs.

A Declaração Ministerial de Miami, emanada da Oitava Conferência Ministerial da ALCA, parece encerrar o impasse ao estabelecer que se deverá formular um conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações sobre investimentos118, descartando-se assim a possibilidade de um acordo baseado somente no Capítulo XI do NAFTA.

Os acordos regionais vêm acompanhando a tendência de mudanças das regras de tratamento dos investimentos estrangeiros e, alguns deles, inclusive, destacam-se como acordos comparáveis aos BITs da nova geração119, abordados no item a seguir.