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3.1 Definições de investimentos e investidor

3.1.2 Investidor

Ao lado do termo investimento, praticamente todos os BITs definem quem goza da proteção concedida. Tal proteção normalmente limita-se aos investidores de um Estado que investem no território do outro Estado e que possuem um vínculo de nacionalidade com o primeiro.235 230 Sornarajah, 2004, p. 9. 231 UNCTAD, 2004d, p. 125. 232 UNCTAD, 2004d, p. 125. 233

Sobre esta questão, vide item 2.2.1 (B).

234

UNCTAD, 2003a, p. 102.

235

Investidores podem ser pessoas físicas ou jurídicas. Em geral, tanto o investidor pessoa física quanto o investidor pessoa jurídica só serão protegidos pelas regras de tratamento fixadas no acordo se tiverem a nacionalidade de um dos Estados partes ou se possuírem outra relação com eles, como residência ou domicílio236, conforme o que for acordado, ou nos termos dos ordenamentos jurídicos internos dos Estados signatários.

A atribuição de nacionalidade a um investidor pessoa física normalmente não é problemática.237 A questão consiste basicamente em determinar qual o critério adotado para se atribuir nacionalidade.238

A prática mais encontrada nos BITs determina que a pessoa física possui a nacionalidade de um Estado se este assim o estabelece na sua legislação.239 Como exemplo de acordo nesse sentido tem-se o acordo bilateral de investimentos firmado entre a China e a Alemanha:

Artigo 1 Definições

Para os fins deste Acordo [...] 2. o termo “investidor” significa

(a) no que se refere a República Federal da Alemanha:

- Alemães conforme o significado da Lei Básica da República Federal da Alemanha, [...]

(b) no que se refere a República Popular da China:

- pessoas naturais com nacionalidade da República Popular da China de acordo com as suas leis,[...].240

236 UNCTAD, 2004d, p. 127. 237 Muchilinski,1995, p. 622. 238

O caso Nottebohn foi um dos casos mais emblemáticos sobre o tema, foi “trazido à Corte por meio de uma reclamação feita pelo Principado de Liechtenstein contra a República da Guatemala. Liechtenstein pediu restituição e compensação com base no fato de que o Governo da Guatemala havia agido contra o Sr. Friedrich Nottebohm, um cidadão de Liechtenstein, de maneira contrária ao direito internacional. A Guatemala, por sua vez, contestou alegando que a reclamação era inadmissível em função de vários fatores, um dos quais relacionado à nacionalidade de Nottebohm, em cuja defesa Liechtenstein havia recorrido à Corte”. Barral, 2006, p. 134. A Corte Internacional de Justiça decidiu pela nacionalidade real e efetiva, a qual apresenta Brownlie: “International arbitrators have decided in the same way numerous cases of dual nationality. They have given their preference to the real and effective nationality, that which accorded with the facts, that based on stronger factual ties between the person concerned and the one of the States whose nationality is involved. Different factors are taken into consideration, and their importance will vary from one case to the next: that habitual residence of the individual concerned is an important factor, but there are other factors such as the centre of his interests, his family ties, his participation in public life, attachment shown by him for a given country and inculcated in his children etc.”. Brownlie, 2003, p. 402.

239

Dolzer, Stevens, 1995, p. 31.

240

“Article 1 Definitions

For the purpose of this Agreement […] 2. the term "investor" means (a) in respect of the Federal Republic of Germany: - Germans within the meaning of the Basic Law for the Federal Republic of Germany, […] (b) in respect of the People’s Republic of China: - natural persons who have nationality of the People’s Republic of China in accordance with its laws, […]”. Agreement between the People's Republic of China and the Federal Republic of Germany on the Encouragement and Reciprocal Protection of Investments.

Outra prática comum é o critério da nacionalidade com outra forma de vínculo do investidor com o Estado. Há acordos que exigem que o investidor possua residência ou domicílio no mesmo Estado de que é nacional241 ou, ainda, que permitem, de forma alternativa, a utilização dos critérios de nacionalidade, residência e domicílio242, conforme adotado no modelo de acordo bilateral de investimentos do Canadá:

Artigo 1 Definições

Para os fins deste Acordo: […]

nacional significa pessoa natural que é cidadã ou residente permanente de uma Parte;[...].243

Uma das questões pendentes nestes acordos era a da dupla nacionalidade.244 Não havia nos acordos uma solução para o caso de o investidor possuir dupla nacionalidade, ou seja, a nacionalidade de ambos os Estados partes de um acordo.245 Nesse sentido, o modelo de acordo bilateral de investimentos dos EUA de 2004 inova ao estabelecer tal solução em sua definição de investidor:

Artigo 1: Definições

Para os fins deste Acordo: […]

“investidor de uma Parte” significa uma Parte ou empresa estatal, ou nacional ou empresa de uma Parte, que tem por objetivo fazer, que está fazendo, ou fez um investimento no território da outra Parte; ressalvando, entretanto, que a pessoa natural que tiver dupla nacionalidade, deve ser considerada exclusivamente nacional daquele Estado cuja nacionalidade é dominante ou efetiva. [...]246

Já quanto ao investidor pessoa jurídica, a definição do vínculo de nacionalidade entre uma empresa e um Estado, a fim de considerá-la investidor proveniente deste Estado, é mais complexa.

241

Fórmula adotada pelo Acordo firmado em 1976 entre Alemanha e Israel. Dolzer, Stevens, 1995, p. 32.

242

UNCTAD, 2004d, p. 127.

243

“Article 1 Definitions

For the purpose of this Agreement: […]national means a natural person who is a citizen or permanent resident of a Party; […].” Model BIT Canada 2004.

244

Dolzer, Stevens, 1995, p. 34.

245

Diante da ausência de regulamentação do Acordo, aplicar-se-ia o direito consuetudinário internacional, segundo o qual se deve aplicar o princípio da nacionalidade efetiva, conforme decidido no caso Nottebohn, na Corte Internacional de Justiça.

246

“Article 1: Definitions For purposes of this Treaty: […]

“investor of a Party” means a Party or state enterprise thereof, or a national or an enterprise of a Party, that attempts to make, is making, or has made an investment in the territory of the other Party; provided, however, that a natural person who is a dual national shall be deemed to be exclusively a national of the State of his or her dominant and effective nationality. […].” Model BIT USA 2004.

O caso Barcelona Traction247 traduz essa complexidade. Neste caso, uma sociedade incoporada no Canadá, com acionistas belgas foi expropriada na Espanha. A Corte Internacional de Justiça decidiu que o direito internacional reconhece a existência de uma sociedade como uma questão de direito interno – segundo o direito internacional consuetudinário, uma sociedade pode pedir proteção ao país em que está registrada, mas não ao país de que seus acionistas são nacionais – e determinou que a Bélgica não poderia conceder proteção à sociedade em questão frente à Corte contra a Espanha.

Em tal contexto, quem poderia conceder proteção à sociedade era o Canadá. No entanto, esse país se negou a fazê-lo sob o argumento de que para conceder proteção diplomática à sociedade era necessário não só o seu registro, mas também que ela gerasse um benefício econômico substancial.

A Corte decidiu, nesse caso, que a sociedade e os acionistas eram entidades diferentes, com personalidade jurídica e direitos diversos; portanto, tanto a sociedade quanto os acionistas teriam direito de propriedade e direito de proteção diplomática do Estado. A sociedade teria a proteção diplomática do local onde está organizada e os acionistas a proteção diplomática do país de sua nacionalidade.248

Grande parte dos BITs utiliza-se, de forma individual ou combinada, de três critérios: local de organização, local da sede ou nacionalidade dos controladores ou proprietários.249

O local de organização – segundo o qual uma empresa se considera ligada ao país em que está organizada ou registrada, independente do lugar em que possui sua sede250 – parece ser o de mais fácil aplicação, já que dificilmente haverá dúvida quanto ao local em que uma empresa se organiza.251 Este critério, no entanto, apresenta uma grande desvantagem: muitas vezes se trata de um vínculo meramente formal252, possibilitando que investidores de outras nacionalidades possam usufruir a proteção acordada sem qualquer laço efetivo com um dos Estados partes do acordo. Sob tal ponto de vista, este critério preocupa tanto o país de origem do investidor, que concede a proteção a um investidor que não lhe traz benefício econômico,

247

“A reclamação, apresentada à Corte em 19 de junho de 1962, surgiu da sentença de falência na Espanha da Barcelona Traction, uma empresa constituída no Canadá. No pedido, a Bélgica busca a reparação pelo dano alegado em nome de nacionais belgas, acionistas da empresa, como resultado de atos apontados como contrários ao direito internacional cometidos contra a empresa por órgãos do Estado espanhol. [...]”. Barral, 2006, p. 136.

248 García-Bolívar, 2005, p. 754. 249 UNCTAD, 2004f, p. 111. 250 Dolzer, Stevens, 1995, p. 35. 251 UNCTAD, 2004d, p. 128. 252 Dolzer, Stevens, 1995, p. 36.

quanto o país receptor de investimento que concede proteção a um investidor de um país que não confere benefícios recíprocos a seus nacionais investidores.253

O critério do local da sede apresenta maior dificuldade, ou mesmo insegurança, na sua determinação, mas reflete um maior vínculo econômico entre o Estado e o investidor – considerando-se sede o país onde efetivamente o investimento é administrado.254

O terceiro critério, da nacionalidade dos controladores ou proprietários, determina a nacionalidade do investidor com base na nacionalidade dos seus acionistas, sócios, proprietários ou controladores255, e é o mais difícil de se verificar – talvez por isso apareça na maioria das vezes combinado com outros critérios.256

Outro exemplo da utilização combinada de mais de um critério encontra-se no Acordo firmado entre o Brasil e o Chile:

“Artigo I - Definições

1. Para os fins do presente Acordo, entende-se que: I. O termo "investidores" designa: [...]

b) as pessoas jurídicas, incluindo as companhias, as sociedades comerciais e outras entidades constituídas segundo a legislação da Parte Contratante de onde se origina o investimento e que tenham sede principal no território dessa Parte. [...].”257

Se considerarmos as novas estruturas das empresas transnacionais, com formas integradas de produção, atividades de administração e tomada de decisão espalhadas entre as diversas partes da corporação, torna-se cada vez mais difícil definir nacionalidade ou qualquer outra forma de vínculo entre o investidor e o país de origem do investimento.258

Conforme exposto, a definição de investidor baseada nos critérios adotados individualmente pelos Estados, assim como a definição de investimento, delimita o escopo dos BITs, já que determina quem são as pessoas físicas e jurídicas protegidas por esses acordos. A partir da compreensão de ambas as definições, de investimento e de investidor, passar-se-á ao estudo das regras de tratamento do investimento.

253 UNCTAD, 2004d, p. 128. 254 UNCTAD, 2004d, p. 129. 255 Dolzer, Stevens, 1995, p. 35-36. 256 UNCTAD, 2004d, p. 129. 257

Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Chile para a Promoção e Proteção Recíproca dos Investimentos Estrangeiros.

258