• Nenhum resultado encontrado

2.2 A regulamentação internacional

2.2.4 A nova geração de acordos bilaterais de investimentos

Esta nova geração de acordos, da qual são exemplos os atuais modelos de acordos bilaterais de investimentos dos EUA, do Canadá e do Japão159, surge com a finalidade de expandir o conteúdo e o significado das regras tradicionalmente dispostas nos BITs.

Diante de uma globalização da produção capaz de mudar o cenário econômico internacional, os países desenvolvidos – tradicionais exportadores de capital e de tecnologia - tornaram-se também grandes receptores de capital, enquanto países em desenvolvimento passaram a exportar capital, além de desempenhar o papel de receptores.

As experiências decorrentes da implementação das regras dos acordos de investimentos – como é o caso, por exemplo, do Capítulo XI do NAFTA – fizeram com que ferrenhos defensores da proteção e da liberalização dos investimentos passassem a rever seus conceitos sobre o direito internacional dos investimentos estrangeiros. É nesse contexto que surge a nova geração de BITs.

Segundo a Research Note da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), esta nova geração caracteriza-se principalmente por quatro grandes tendências:

1) Definição de investimento: a nova geração adota uma definição de investimento diferente da tradicional definição aberta e “baseada em ativos”. Na tentativa de encontrar o equilíbrio entre uma definição ampla de investimento e a inclusão somente daqueles ativos que as partes tenham real interesse em proteger, o

157

“En la primera generación de acuerdos de inversión, los países liberalizaron sus regímenes de IED y adoptaron una política de mercado amigo. En los ABI (Acuerdos Bilaterales de Inversión) de segunda generación, los gobiernos fueran más lejos y buscaron atraer la IED mediante desgravaciones arancelarias y haciendo un “marketing” de sus países. Esta acción llevó a la creación de agencias nacionales de inversión. La tercera y actual generación ABI incorpora nuevas actividades comerciales, incorporando temas como servicios, inversiones, compras publicas, cooperación, medio ambiente, y mecanismos de solución de controversias, entre otros”. La cuarta generación de los acuerdos de inversión, 2006, p. 8.

158

La cuarta generación de los acuerdos de inversión, 2006, p. 6.

159

modelo de acordo bilateral de investimentos do Canadá, por exemplo, substituiu a antiga definição ilimitada por uma definição limitada, que fixa de forma exaustiva o que se entende por investimentos;160

2) Revisão da redação de várias disposições materiais: visando esclarecer o significado das regras de tratamento do investimento estrangeiro e, conseqüentemente, limitar a margem de interpretação dos tribunais, os acordos da nova geração revisaram a redação de várias disposições. Tanto o modelo de acordo bilateral de 2004 dos EUA quanto o modelo de 2004 do Canadá esclarecem o significado de regras de conteúdo absoluto161 (padrão mínimo internacional e expropriação indireta), fazendo uso inclusive de anexos para fixar critérios de interpretação;

3) Novos temas: além das questões específicas relacionadas a aspectos econômicos, outros temas têm sido incluídos nos BITs. Saúde, segurança, meio ambiente, direitos do trabalhador e outros. Com a inclusão desses novos temas busca-se estabelecer a prevalência do interesse público sobre a liberalização e a proteção dos investimentos; e

4) Solução de controvérsias investidor-Estado: a nova geração de acordos traz grandes inovações nos procedimentos de solução de controvérsias investidor- Estado, como, por exemplo, medidas visando maior transparência nos procedimentos arbitrais, sessões abertas, publicação de documentos, possibilidade de participação da sociedade civil e o estabelecimento de mecanismos de apelação.162

Em outro documento, preparado pelo Secretariado da OCDE, referente ao simpósio co-organizado pelo Centro Internacional para a Solução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), a OCDE e a UNCTAD, são apontadas as principais características dos atuais acordos internacionais de investimentos. Dentre elas distinguem-se :

1) A incorporação de disposições específicas sobre o direito do Estado de criar normas para proteção do interesse público – as chamadas salvaguardas – sobre temas como saúde pública, segurança, meio ambiente e proteção dos direitos trabalhistas;

160

Article 1, Model BIT Canada 2004.

161

Sobre esta questão, ver item 3.5.

162

2) O recurso cada vez maior à utilização de todas as espécies de exceções, como quanto à tributação, segurança pública, proteção da vida e da saúde humana, animal e vegetal, conservação dos recursos naturais e outras;

3) A elaboração mais precisa da definição de investimentos;

4) A redefinição de regras de tratamento abstratas, como a regra do tratamento justo e eqüitativo, visando esclarecer o seu conteúdo e alcance;

5) A inclusão de cláusulas estabelecendo as condições para a realização de uma expropriação legal e um padrão para a indenização em caso de expropriação; 6) A ampliação das obrigações de transparência, que extrapolam o mero dever de

informar e passar a determinar a publicação de leis e decisões judiciais relacionadas a investimentos; e

7) As inovações nos mecanismos de solução de controvérsias investidor-Estado, dentre elas a possibilidade de estabelecer um mecanismo de apelação e a participação da sociedade civil.163

Esta nova geração de acordos representa uma tentativa de alcançar um equilíbrio entre a proteção dos investimentos estrangeiros e a proteção da soberania164 do país receptor.

Conforme analisado, tanto no âmbito multilateral, quanto no regional e no bilateral, o objetivo do estabelecimento de normas internacionais sobre investimentos estrangeiros consiste na sua promoção e proteção. Na prática, contudo, estas normas têm se voltado muito mais à proteção dos direitos do investidor. Fixam-se direitos ao investidor e deveres ao país receptor, gerando o desequilíbrio numa relação que se pretendia recíproca.

Já no primeiro modelo de acordo bilateral de investimentos elaborado por alemães e britânicos em 1957, conhecido como Abs-Shawcross Draft Convention, o binário: direitos do investidor – deveres do Estado receptor era dominante.165 Os fatores político-econômicos

163

ICSID, OECD, UNCTAD, 2005a, p. 4-6.

164

Segundo Brownlie, “Sovereignity is also used to describe the legal competence which states have in general, to refer to a particular function of this competence, or to provide a rationale for a particular aspect of the competence. Thus jurisdiction, including legislative competence over national territory, may be referred to in the terms ‘sovereignty’or ‘sovereign rights’. Sovereignty may refer to the power to acquire title to territory and the rights acruing from exercise of the power. [...] In general ‘sovereignty’characterizes powers and privileges resting on customary law and independent of particular consent of another state.” Brownlie, 2003, p. 289. Neste sentido Hase discorre: “no hay en la actualidad ámbitos de la vida económica y los derechos civiles y humanos de las personas que queden exclusivamente sujetas al ámbito reservado del Estado argentino y su derecho interno. La internacionalización del intercambio económico y comercial, la creciente interdependencia económica entre las naciones, la universalización de los derechos humanos y la evolución del concepto de propiedad ya no permite analizar a la soberanía de los Estados como una noción totalmente indivisible, susceptible de ser sustraída totalmente al orden jurídico internacional.” Hase, 2003, p. 61.

165

decorrentes da expansão do comunismo e do temor de perda da propriedade decorrente do processo de descolonização levaram os autores desse modelo à elaboração de regras que realçavam os direitos dos investidores e os deveres dos Estados receptores de capital.166

Este equilíbrio, que se pretende haja sido atingido com as regras da nova geração de BITs, é mencionado por diversos autores como uma das questões centrais e indispensáveis à credibilidade dos acordos de investimentos. Além disso, há documentos oficiais que já fazem menção à necessidade de alcançá-lo.

Na Declaração da Quarta Conferência Ministerial da OMC – uma das instituições mais cotadas para sediar futuras negociações sobre um acordo multilateral de investimentos –, realizada em novembro de 2001 em Doha, no Qatar, destaca-se a necessidade de equilíbrio em qualquer marco normativo sobre investimentos estrangeiros:

qualquer marco possível deverá refletir de forma equilibrada os interesses dos países exportadores de capital e dos países receptores de capital, e

considerar as políticas e objetivos de desenvolvimento dos governos

receptores, bem como o direito de regular de acordo com o interesse

público.167 (grifou-se)

O parágrafo 8 do Consenso de São Paulo, resultado da XI Sessão da UNCTAD reafirma a importância do espaço para políticas públicas no contexto dos investimentos estrangeiros. Também destaca a necessidade de os Estados avaliarem o trade-off entre benefícios, compromissos e limitações decorrentes da perda do espaço de políticas públicas impostos pelas regras internacionais. Finalmente, reafirma a importância de todos os países considerarem a necessidade do equilíbrio entre o espaço para desenvolver políticas públicas nacionais e as disciplinas e compromissos internacionais.168

166

Mann, 2005, p. 85.

167

“22. [...] la labor ulterior en el Grupo de Trabajo sobre la Relación entre Comercio e Inversiones se centrará en la aclaración de lo siguiente: alcance y definición; transparencia; no-discriminación; modalidades de compromisos previos al establecimiento basados en un enfoque de listas positivas del tipo previsto en el AGCS; disposiciones sobre el desarrollo; excepciones y salvaguardias por razones de balanza de pagos; y celebración de consultas y solución de diferencias entre los Miembros. Cualquier marco posible deberá reflejar de forma equilibrada los intereses de los países de origen y los países receptores, y tener debidamente en cuenta las políticas y objetivos de desarrollo de los gobiernos receptores así como su derecho a reglamentar en función del interés público. Deberán tenerse en cuenta como parte integrante de cualquier marco posible las necesidades especiales de desarrollo, comercio y financias de los países en desarrollo y menos adelantados, lo que deberá hacer posible que los Miembros contraigan obligaciones y compromisos proporcionales a sus necesidades y circunstancias individuales. Deberá prestarse la debida consideración a otras disposiciones pertinentes de la OMC. Deberán tenerse en cuenta, según proceda, los acuerdos bilaterales y regionales vigentes sobre inversiones”. Declaración Ministerial de Doha.

168

“8. The increasing interdependence of national economies in a globalizing world and the emergence of rule- based regimes for international economic relations have meant that the space for national economic policy, i.e. the scope for domestic policies, especially in the areas of trade, investment and industrial development, is now often framed by international disciplines, commitments and global market considerations. It is for each

Numa tentativa de projetar os debates sobre a regulamentação e traduzi-la na forma legal de um modelo de acordo internacional, já em seu preâmbulo o modelo de Acordo Internacional sobre Investimentos para o Desenvolvimento Sustentável, criado pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD)169 dispõe: “As Partes [...] visando o total equilíbrio entre os direitos e deveres em investimento estrangeiro entre investidores, países receptores de capital e países de origem do capital [...] acordaram nos seguintes termos.” (grifou-se)

Na literatura especializada, a necessidade do equilíbrio entre os direitos dos investidores estrangeiros e o espaço para criação de políticas públicas, bem como a proteção da soberania dos Estados, é bastante enfatizada. Contudo, nota-se a falta de uma análise aplicada sobre como as regras de um acordo podem contribuir para o alcance desse equilíbrio.

Sornarajah, por exemplo, faz uma reflexão sobre as novas preocupações destes acordos e afirma que os protestos contra as tentativas de acordos multilaterais de investimentos ocorreram porque tais acordos se fixaram exclusivamente na proteção dos interesses do investidor estrangeiro e não se preocuparam com os interesses da comunidade internacional ou do país receptor, nem com a proteção de valores como meio ambiente, direitos humanos e desenvolvimento econômico. É neste sentido que Sornarajah declara que: “a menos que os acordos de investimentos passem a refletir um equilíbrio entre os direitos dos investidores estrangeiros e os interesses regulatórios dos países receptores de investimentos, terão sua viabilidade futura constantemente contestada.” (grifou-se)170

García-Bolívar analisa a questão a partir do motivo pelo qual países celebram os BITs, qual seja, atrair investimentos estrangeiros benéficos ao seu desenvolvimento. Verifica- se, contudo, que nem sempre os investimentos estrangeiros são benéficos ao desenvolvimento do país receptor e os BITs acabam por proteger somente os interesses dos investidores.

Assim, García-Bolívar afirma que os acordos internacionais têm sido desequilibrados porque refletem somente o propósito de proteção do investimento

Government to evaluate the trade-off between the benefits of accepting international rules and commitments and the constraints posed by the loss of policy space. It is particularly important for developing countries, bearing in mind development goals and objectives, that all countries take into account the need for appropriate balance between national policy space and international disciplines and commitments”. UNCTAD, Consenso de São Paulo, parágrafo 8.

169

Organização não governamental sediada no Canadá que se dedica ao estudo do desenvolvimento sustentável e dos investimentos estrangeiros.

170

“Unless investment treaties come to reflect a balance between the rights of the foreign investors and the regulatory concerns of the host states, their future viability will continue to be contested”. Sornarajah, 2004, p. 267.

estrangeiro, sem se preocupar com o verdadeiro objetivo dos países quando interessados em atrair os investimentos estrangeiros: o desenvolvimento econômico.171 (grifou-se)

O autor prossegue defendendo que

[...] o direito internacional do investimento estrangeiro precisa manter um equilíbrio. Os investidores estrangeiros devem ser responsabilizados por suas ações, independentemente das formas legais que os protegem. Da mesma forma, os propósitos dos Estados quando interessados em atrair investimentos estrangeiros devem ser expressamente mencionados nos acordos internacionais de investimentos.172

Gagné e Morin, em análise sobre a evolução da política norte-americana de direito internacional do investimento estrangeiro, argumentam que “as novas características dos acordos de livre-comércio e do modelo de acordo bilateral de investimentos revisado resultam do interesse dos EUA em alcançar um maior equilíbrio entre a proteção do investimento e a proteção da soberania do Estado”.(grifou-se)173 Afirmam que as novas disposições constituem salvaguardas com a finalidade de assegurar que a proteção dos investidores estrangeiros contra as medidas prejudiciais dos Estados não ameacem a capacidade de regulação desses governos de acordo com o interesse público.174

Hase, em análise sobre as regras de tratamento que compõem os BITs, conclui pela necessidade de atenuá-las ou de se admitir certas exceções às mesmas. O objetivo seria diminuir os custos de medidas adotadas em caráter geral pelo Estado para fazer frente a certas emergências ou desequilíbrios macroeconômicos, a fim de alcançar um equilíbrio entre a proteção e a promoção dos investimentos estrangeiros e a faculdade soberana dos Estados receptores de investimentos. 175

Estudo da UNCTAD sobre o uso de reservas nos acordos de investimentos como forma de preservar a flexibilidade de atuação do Estado menciona a necessidade de equilíbrio: “O desafio dos países em desenvolvimento consiste em encontrar um equilíbrio entre maximizar os ganhos decorrentes dos acordos de investimentos e do fluxo de investimentos estrangeiros que estes podem ajudar a atrair, bem como preservar a

171

García-Bolívar, 2005, p. 754.

172

“[...] the international law of foreign investment needs to maintain an equilibrium. Foreign investors need to be made accountable for their actions regardless of the legal forms that might protect them. Likewise, the purposes States have when interested in attracting foreign investments need to be expressly mentioned in the IIAs”. García-Bolívar, 2005, p. 756. 173 Gagné, Moran, 2006, p. 357. 174 Gagné, Morin, 2006, p. 358. 175 Hase, 2003, p. 80.

flexibilidade dos acordos para assegurar que os benefícios dos investimentos sejam maximizados”.176 (grifou-se)

No entanto, como falar em equilíbrio num tratado bilateral que normalmente visa à promoção e à proteção recíproca dos investimentos, mas que de fato contempla um fluxo de investimentos em um só sentido, do exportador para o importador de capital? Ou ainda, como pensar o equilíbrio entre direitos do investidor estrangeiro e do país receptor se os acordos são firmados entre dois Estados?

Os BITs, como o próprio título indica “acordos para a promoção e proteção recíproca de investimentos” estabelecem direitos e obrigações recíprocas aos Estados visando promover e proteger os investimentos. Aliás, nas palavras de Peterson, “os BITs tendem a ser altamente recíprocos” 177. Tal reciprocidade, no entanto, refere-se somente à obrigação de proteger os investidores.

Conforme demonstrado neste trabalho, os BITs tendem a fixar direitos e obrigações aos Estados sem estabelecer regras que atendam às diferenças quanto ao desenvolvimento dos mesmos. A distinção encontra-se, pode-se dizer, no cumprimento de seus objetivos de promoção e proteção dos investimentos enquanto fator para o desenvolvimento e proteção dos investidores.

A premissa sobre a qual são firmados cada vez mais BITs é a de que o investimento estrangeiro conduz ao desenvolvimento econômico e que os BITs levam ao aumento do fluxo de entrada de investimentos estrangeiros.178 No entanto, ambas as afirmações são contestáveis, conforme acima mencionado.

Mesmo diante da suposição de que firmar BITs atrai investimentos estrangeiros e de que estes conduzem ao desenvolvimento econômico, não há qualquer disposição no sentido de se estabelecer uma obrigação para a efetiva promoção do desenvolvimento econômico.179 Os Estados receptores de capital assumem diversas obrigações frente aos investidores estrangeiros, enquanto os países exportadores de capital não assumem qualquer obrigação de promover o desenvolvimento econômico, principal fundamento dos acordos.

Os BITs são firmados entre Estados exportadores e Estados importadores de capital. Enquanto a intenção dos primeiros é proteger os interesses de seus investidores, o objetivo dos segundos é atrair investimentos e maximizar os ganhos a fim de promover seu

176

“The challenge for developing countries remains that of finding the proper balance between maximizing the gains form investment agreements and the additional FDI inflows they can help to induce while also preserving the flexibility to ensure that the benefits of FDI are maximized.” UNCTAD, 2006f, p. 3.

177 Peterson, 2004, p. 8. 178 Sornarajah, 2004, p. 262. 179 Sornarajah, 2004, p. 262.

desenvolvimento econômico.180 Os maiores beneficiários dos BITs são, todavia, os investidores estrangeiros.

Uma forma de se garantir que os investimentos contribuam para o desenvolvimento seria impor obrigações ao investidor estrangeiro, mas praticamente todas as tentativas no sentido de estabelecê-las foram frustradas. A formação do United Nations Center on Transnational Corporations (UNCTC), uma organização que visava ao aumento das obrigações dos investidores estrangeiros em relação ao país receptor e em cujo âmbito negociou-se o Código de Conduta das Empresas Transnacionais, foi duramente criticado e desfeito, e o Código, como se viu, jamais foi aprovado. Da mesma forma, outras tentativas de regulamentar as atividades das transnacionais, como as United Nations Norms of Responsability of Transnational Corporations and other Commercial Entities in relation with Human Rights, não alcançaram o status de normas obrigatórias.181

Nos BITs também não é comum a inclusão de obrigações aos investidores estrangeiros, inclusive porque o que se denomina “obrigações dos investidores” pode ser entendido como imposição de requisitos de desempenho.

Além da não fixação de tais obrigações em contrapartida a todos os direitos e benefícios concedidos aos investidores, assiste-se a um processo de erosão do poder regulatório do Estado, o chamado policy space (em português espaço para políticas públicas), que compreende a adoção de políticas públicas nacionais. Exemplos de políticas públicas relacionadas a investimentos são: (i) a restrição ou controle à entrada e ao estabelecimento do investimento estrangeiro; (ii) a imposição de requisitos de desempenho visando à utilização dos recursos locais, o desenvolvimento de determinadas regiões, o desenvolvimento tecnológico etc; e (iii) a concessão de tratamento mais favorável às indústrias nacionais a fim de possibilitar seu desenvolvimento; entre outras.

A manutenção do espaço para políticas públicas não garante o desenvolvimento, ou seja, garantir ao Estado a flexibilidade para adotar livremente suas políticas públicas não significa que as mesmas terão sucesso na promoção do desenvolvimento, mas que o Estado detém o direito de adotar tais políticas visando alcançar seus objetivos.182

Poucos são os acordos que incluem entre suas regras disposições relacionadas aos interesses públicos, como proteção da saúde, segurança, meio ambiente e direitos do

180 García-Bolívar, 2005, p. 751. 181 García-Bolívar, 2005, p. 755. 182 UNCTAD, 2006f, p. 8-9.

trabalhador ou, ainda, que concedem tratamento diferenciado ao país signatário com menor nível de desenvolvimento.

As regras sobre os padrões de tratamento, a expropriação e a compensação têm servido como fundamento para coibir a atuação do Estado, a partir de decisões de tribunais internacionais contra a adoção de medidas que visem proteger áreas de interesse como as acima mencionadas.

Faz parte da natureza dos acordos internacionais a limitação de adoção de políticas nacionais.183 Sornarajah explora a questão, conforme segue: