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FRANCYJONISON CUSTODIO DO NASCIMENTO NARRATIVAS DA GEOGRAFICIDADE, LEGENDAS DO MUNDO: INTERPRETANDO AS PAISAGENS DE CINEMA EM O SENHOR DOS ANÉIS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA LINHA DE PESQUISA DINÂMICA URBANA E REGIONAL

FRANCYJONISON CUSTODIO DO NASCIMENTO

NARRATIVAS DA GEOGRAFICIDADE, LEGENDAS DO MUNDO: INTERPRETANDO AS PAISAGENS DE CINEMA EM O SENHOR DOS ANÉIS

NATAL/RN 2021

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FRANCYJONISON CUSTODIO DO NASCIMENTO

NARRATIVAS DA GEOGRAFICIDADE, LEGENDAS DO MUNDO: INTERPRETANDO AS PAISAGENS DE CINEMA EM O SENHOR DOS ANÉIS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito a obtenção ao título de doutor em Geografia.

Orientadora: Profª Drª Maria Helena B. V. da Costa

NATAL/RN 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Nascimento, Francyjonison Custódio do.

Narrativas da geograficidade, legendas do mundo:

interpretando as paisagens de cinema em O Senhor dos Anéis / Francyjonison Custódio do Nascimento. - 2021.

221f.: il.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2021. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Helena Braga e Vaz da Costa.

1. Geografia e Cinema - Tese. 2. Paisagem - Tese. 3.

Geograficidade - Tese. 4. O Senhor dos Anéis - Tese. I. Costa, Maria Helena Braga e Vaz da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 91:791

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FRANCYJONISON CUSTODIO DO NASCIMENTO

NARRATIVAS DA GEOGRAFICIDADE, LEGENDAS DO MUNDO: INTERPRETANDO AS PAISAGENS DE CINEMA EM O SENHOR DOS ANÉIS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito a obtenção ao título de doutor em Geografia.

Natal, 15 de dezembro de 2020.

BANCA EXAMINADORA

Dr. PAULO CESAR DA COSTA GOMES, UFRJ Examinador Externo à Instituição

Dra. EVANEIDE MARIA DE MELO, IFRN Examinadora Externa à Instituição

Dr. PABLO SEBASTIAN MOREIRA FERNANDEZ, UFRN Examinador Externo ao Programa

Dra. EUGENIA MARIA DANTAS, UFRN Examinadora Interna

Dra. MARIA HELENA BRAGA E VAZ DA COSTA, UFRN Presidente

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Amigo e Amor primeiro. Obrigado, Senhor, pelos favores imerecidos, pela dádiva da vida, pelo dom do intelecto, por me chamar a testemunhar o teu amor. Obrigado, porque tudo é Graça!

Aos meus pais, Nascimento e Nísia, as bases da minha existência, sempre imbuídas de carinho e cuidado. Obrigado por toda compreensão durante este tempo, por cultivarem em mim o amor ao trabalho e aos estudos, pelo apoio sem limites na busca e vivência desse sonho que sonhamos juntos, por velarem por meus caminhos e trajetos de vida, por fazerem da rotina o lócus da compreensão e da partilha e, sobretudo, por encarnarem, nas fibras de minha humanidade, a centelha divina do amor.

Aos meus irmãos, Francisco, Roberta, Lívia e Luiza, pelo incentivo, por cada palavra oportuna nos momentos certos e incertos, assim como pela ausência nos momentos precisos, quando apenas o silêncio, os filmes e os livros deviam ser minhas companhias. Estendo esse obrigado aos meus sobrinhos. A Francisco, ainda, por dividir profissão, livros, sonhos, interesses e a vida.

Aos meus primos e familiares, retratos genuínos da ternura dos afetos e da fibra, componente necessário pela luta por um mundo melhor. Às mulheres da família Custódio/Nascimento, mulheres de flores e aço, que me ensinam a firmeza dos propósitos e o amor nos meios empreendidos. A vô Jonatá, por ser exemplo de constância e silêncio laborioso. A vó Marina, por me ensinar que há força na fragilidade. A tio João e Tia Lourdes, por apoiar a busca do melhor, da vida feliz. A Cleyton, referência ao amor às leituras e aos livros. Às minhas tias Nilda e Noêmia, pelo carinho e incentivo. Às minhas tias Nailde e Noilda, as quais, pelo exemplo de professoras comprometidas, fizeram vibrar silenciosamente, na minha alma, o desejo de exercer a docência e a pesquisa. Às minhas primas e afilhadas, Geise e Tereza, por toda confiança e entrega. A Isabelle, por lembrar que é possível, ainda que pouco, mudar o mundo. A Felipe e tio Nilton, expressões do sorriso certo e do companheirismo.

A Milena, amiga e namorada, pelas discussões e aulas informais de Fenomenologia, pela presença afetuosa, pelas palavras de sabedoria, pelos sorrisos diários, pelos momentos da partilha que aliviam o peso nos ombros, pelo seu olhar generoso que me rouba a insegurança, pelo incentivo irrestrito e, sobretudo, por me lembrar o que verdadeiramente importa: para além de qualquer título, ser santo.

Aos amigos e colegas do CEFET/IFRN, Amanda, Camila, Arthur, Jalles, Marcelino, Diego, Williany, Heber, Wanderson, Moizaniel, Paulo, Renan, Marcus, Jardel, Juliane, Ana, Guilherme, Monica, Heleriany, Antonio, Lourdes, Ednardo, pelas conversas acerca da ciência e do futuro do país, por fazerem das redes e aplicativos de conversa um lugar de encontro, pelos momentos de alegria e diversão, por me ensinarem a beleza da pluralidade.

Aos meus amigos e irmãos da Comunidade Católica Shalom, Gilmagno, Rafael, Artur, Gabriel, Aline, Elton, Gabi, Jefferson, Heitor, Enne, Sírio, Lucas, Hércules, Samara, Rodrigo, Giliane, Lucas, Clarissa, José Carlos, João Maria, Matheus, Brenda, Rachel, André, Rhuama e tantos outros. Obrigado por me ajudarem a encontrar, na vida acadêmica, a via para a santidade e por, não raros momentos, através de sorrisos e orações, serem carícia divina nas adversidades, me auxiliando a colher ressureição a cada cruz.

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À professora Maria Helena, minha orientadora, pela oportunidade de fazer nascer esse trabalho, pelo estimulo à minha autonomia de pesquisador, pela paciência e confiança. Obrigado, ainda, pelos raros e tão importantes momentos de abertura de coração. Obrigado por estes anos de pesquisa, me fazendo trilhar vias conhecidas e partilhando o maravilhamento pelo novo.

À professora Evaneide Maria (Eva), por todo apoio confiado a mim desde a Graduação e pela participação do doutoramento. Obrigado, Eva, por me apresentar, no mundo acadêmico, a Geografia que sempre vi, vivi e imaginei. Este trabalho não existiria se não fosse o teu estímulo. Meu sincero agradecimento por esta “maternidade intelectual”. Aos professores da UFRN e, em especial, aos do PPGe, com os quais tive a oportunidade de participar dos momentos de aprendizagem, Celso Locatel, Rita de Cássia, Alex Galeno, Fagner França, Oscar Federico, Anelino Silva e Maria das Graças.

À secretaria do PPGE-UFRN, nas pessoas de André e Elaine, que, sempre dispostos, não mediram esforços para responder cada dúvida ou para cumprir qualquer solicitação. Sou grato por este empenho; o serviço público federal é privilegiado por ter vocês.

Aos professores Pablo Fernandez e Eugenia Dantas, pelas valiosas contribuições na Qualificação e pela leitura atenta desse trabalho. Meu obrigado por, gentilmente, acolherem o convite bem como pela delicadeza e agudeza das contribuições. A Eugenia, ainda, pela presença solícita em todas as etapas da pós-graduação. Obrigado por sempre me fazer ver, de maneira simples, a complexidade do polo oposto das coisas.

Ao professor Paulo César Gomes, por ser uma referência no fazer geográfico e pelo gentil acolhimento do convite para participar da banca;

Aos amigos e colegas do PPGe, Anderson, Arlindo, Geovany, Igor, Cláudia, Hyram, Aracildo, Gervásio, Pablo, Roberto, Lorene, Levy, David, Fâmara, Júlia, Cristovão, João Correia, Carlos, Elisabete, Rafael, Jordania, Soneide, Wellington, pelas conversas e trocas de leituras que aguçaram a minha mente, me fazendo vislumbrar caminhos novos e, principalmente, por dividir e construir o sonho de uma Geografia mais humana, mais integral, mais plural, mais viva. Estendo este agradecimento àqueles que conheci em eventos e congressos Brasil afora. Em especial, Mário, Carolina, Valéria, Letícia, Diego e Pietro. Obrigado pelas conversas e pelos (re)encontros afetuosos. Mesmo longe, este coração potiguar é grato a vocês.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa LINC (Linguagem da cena: imagem, cultura e representação), Veruza, Maísa e Wendell, que me ajudaram nas incursões pelo Cinema e pelas manifestações artísticas. As reuniões no DEART, as dicas de leituras e o despertar para novos olhares foram e ainda são inestimáveis.

Aos meus companheiros de trabalho, tanto os da E. E. Terceira Rocha quanto os do CAIC, Jefferson, Washington, Vânia, Jaciana, Sóstenes, Airton, Luana, João, Janes, Felipe, Felipe Dias, Kenneth, Francisco e Khalil. Obrigado pela luta por uma educação pública de qualidade, por forjarem, em mim, um olhar crítico frente à realidade e pelos acalentos e sonhos próprios de almas professorais.

À toda sociedade brasileira que, por meio do serviço de excelência oferecido pela UFRN, financiou este trabalho e contribui para a minha formação.

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A geografia, ao mesmo tempo saber, mito e arte, é uma promoção da existência humana. Jean-Marc Besse

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RESUMO

A Geografia é um dizer do mundo, uma forma de narrar a experiência humana na Terra, uma narrativa da geograficidade. Diante disso, as linguagens artísticas, compreendidas como manifestações e expressões da geograficidade, ganham proeminência em estudos geográficos, pois são capazes de promover reflexões a respeito da relação ser humano-mundo, principal preocupação da abordagem cultural da Geografia. Essa compreensão acentuou e renovou a relação entre a ciência geográfica e as diversas linguagens artísticas. Na atualidade, as obras cinematográficas, que já possuem longo um histórico de contribuição na Geografia, são convocadas a colaborar nas reflexões sobre a experiência humana na Terra e os discursos sobre o espaço. Com efeito, os filmes, linguagens artísticas de cunho narrativo e visual, são compreendidos como geografias, como formas de dizer a experiência dos seres humanos no mundo. Diante disso, num tempo marcado pela cinematografização do mundo e pelo retorno ao imaginário, optamos por compreender as relações de geograficidades nos filmes da trilogia O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (2001), As Duas Torres (2002) e O Retorno do Rei (2003). Para tanto, discutimos a natureza narrativa da Geografia bem como a noção de geograficidade desenvolvida por Eric Dardel. Elaboramos, ainda, uma discussão teórica a respeito do diálogo Geografia-Cinema, optando pela ideia de espraiamento dos dois campos do conhecimento. Além da revisão bibliográfica, este trabalho tem bases numa metodologia composta por interpretações hermenêuticas dos elementos fílmicos contidos nas obras. A tese propõe a superação das bases teórico-metodológicas da relação Geografia-Cinema, fundadas sobre um viés mimético, que pensa o filme como cópia, ou sobre um viés arqueológico, que concebe o filme como uma máscara do mundo. Sob inspiração da abordagem fenomenológica-existencial em união com as matrizes discursivas da paisagem, propomos que os significados geográficos são construídos no encontro paisagem-geógrafo. Este encontro é personalizado e mistura pensamento, afeto, imaginação e todos os elementos da paisagem. Tal proposta está amparada na congenialidade, na interexpressão e rompe as visões dicotômicas anteriores, promovendo uma perspectiva de coexistências, o viés “espraiante”. Este último une elementos, outrora considerados opostos, tais como: ciência e arte; razão e imaginação; subjetividade e objetividade; signo e significado. Concluímos que, como legenda do mundo e narrativa de geograficidades, a trilogia O Senhor dos Anéis revela discursos a respeito de enraizamentos, de mobilidades e do cuidado com a terra.

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ABSTRACT

Geography is a saying of the world, a way of narrating the human experience on Earth, a geographical narrative. Therefore, artistic languages, understood as manifestations and expressions of geographicity, gain prominence in geographic studies, as they are capable of promoting reflections about the human-world relationship, main concern of the cultural approach of Geography. This understanding accentuated and renewed the relationship between geographic science and different artistic languages. Currently, film works, which already have a long history of contribution to Geography, are invited to collaborate in reflections on the human experience on Earth and talks about space. In effect, films, artistic language of a narrative and visual nature, are understood as geographies and as ways of saying the experience of human beings in the world. Therefore, in a time marked by the cinematography of the world and the return to the imaginary, we chose to understand the relations of geographies in the films of the trilogy The Lord of Rings: The Fellowship of the Ring (2001), The Two Towers (2002) and The Return of the King (2003). For this, we discuss the narrative nature of Geography and Eric Dardel's notion of geographicity. We also elaborated a theoretical discussion about the Geography-Cinema dialogue, opting for the idea of spreading the two fields of knowledge. Along with the bibliographic search, the methodology is composed of hermeneutical interpretations of film elements. The thesis proposes to overcome the theoretical-methodological bases of the Geography-Cinema relationship, founded on a mimetic bias, that sees film as a copy of reality, or on an archaeological bias, that conceives film as a mask of the world. Under the inspiration of the phenomenological-existential approach connected with the discursive matrices of the landscape, we propose that the geographical meanings are constructed in the landscape-geographer encounter. This is personalized and mixes thoughts, affections, imaginations and all elements of the landscape. Such proposal is supported by congeniality, interexpression and breaks with the previous dichotomous views, promoting a perspective of coexistences, the “spreading” bias. This bias unites elements, formerly considered opposites, such as: science and art; reason and imagination; subjectivity and objectivity; sign and meaning. The conclusion then is that, as a legend of the world and narrative of geographies, the trilogy The Lord of the Rings reveals discourses about rooting, mobility and care for the Earth.

Keywords: Geography and Cinema; Landscape; Geographicity; The Lord of Rings. .

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa TO ... 33

Figura 2: A Cosmografia de Waldssemüller ... 34

Figura 3: Capa e conteúdo Le guide des chemins ... 36

Figura 4: Mapa de Tolkien para suporte da criação narrativa ... 63

Figura 5: Cálculos para o trajeto dos personagens ... 64

Figura 6: Mapa da Terra-Média: espacialidade como narrativa ... 65

Figura 7: Lago em movimento ... 85

Figura 8: O caráter demiurgo de Viagem à Lua ... 88

Figura 9: Méliès recriando a realidade ... 89

Figura 10: Aragorn escutando a Terra ... 90

Figura 11: Aragorn se concentrando na escuta da Terra ... 90

Figura 12: Aragorn lendo a terra com os dedos... 91

Figura 13: Aragorn lendo a Terra ... 91

Figura 14: Escola de Atenas de Rafael Sanzio (Detalhe) ... 97

Figura 15: Festa no Condado ... 106

Figura 16: Frodo em Valfenda... 109

Figura 17: Diálogo entre Sam e Frodo no nevoeiro ... 125

Figura 18: Frodo na alameda ... 138

Figura 19: Mapa da Terra-Média e suas principais divisões ... 140

Figura 20: Bilbo e as suas costas para o lar ... 142

Figura 21: Livros e mapas de Bilbo: bíblias de sua errância ... 143

Figura 22: Frodo e Sam na companhia do fogo e da árvore ... 146

Figura 23: Sam e Frodo em campo aberto ... 146

Figura 24: Acolhimento das raízes ... 147

Figura 25: Torre dos ventos, a grande torre de vigia ... 148

Figura 26: Aragorn fazendo uso de planta para magia ... 149

Figura 27: Rio ganhando corpo ... 150

Figura 28: Rio com poderes sobrenaturais ... 151

Figura 29: Aragorn e Frodo sob o cuidado das rochas ... 153

Figura 30: Sam e os pássaros negros ... 153

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Figura 32: Neve e inospitalidade ... 156

Figura 33: Salões de pedra de Moria ... 157

Figura 34: Frodo perdido em meio a névoa ... 158

Figura 35: Alimento estrangeiro ... 159

Figura 36: Sam e Frodo: corpo em Mordor; mente no Condado ... 161

Figura 37: Retorno e partida do Condado de Frodo ... 162

Figura 38: Sam e o regresso final ao Condado ... 163

Figura 39: Percorrendo desfiladeiros ... 166

Figura 40: O transpor montanhas ... 167

Figura 41: O franquear das florestas densas ... 167

Figura 42: Fazendo dos rios uma aventura ... 169

Figura 43: Espaciosidade no interior da floresta ... 170

Figura 44: Árvores alinhadas a extrapolar o infinito ... 170

Figura 45: Olhares que decifram o espaço a percorrer ... 172

Figura 46: Gandalf chegando no Condado ... 174

Figura 47: Gandalf e parte da Sociedade do Anel em Edoras ... 175

Figura 48: Exército em movimento ... 176

Figura 49: Evacuação de Rohan ... 177

Figura 50: No território da guerra ... 178

Figura 51: Cartografias dos movimentos militares... 179

Figura 52: Destruição das árvores ... 181

Figura 53: Isengard desmatada e com focos de queimadas ... 183

Figura 54: Saruman no alto de sua torre ... 184

Figura 55: Rio ou represa?... 185

Figura 56: Orcs cortando madeira ... 186

Figura 57: Orc saindo do solo barroso ... 187

Figura 58: Orc, fruto da terra ... 187

Figura 59: Árvores sem cuidado ... 190

Figura 60: Ents, guardiões da floresta ... 191

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: POR UMA GEOGRAFIA DO MARAVILHAMENTO ... 10

1. PELA VOZ DO HUMANO, DIZER O TERRESTRE: A GEOGRAFIA COMO A NARRATIVA DA GEOGRAFICIDADE ... 18

2. O FILME E A GEOGRAFIA: ESPRAIAMENTOS QUE NARRAM O MUNDO ... 53

2.1 O FILME COMO NARRATIVA E OS VIESES DAS GEOGRAFIAS FÍLMICAS ... 68

2.2 POR UMA GEOGRAFIA FÍLMICA DE CONFLUÊNCIAS E MISTURAS: O VIÉS ESPRAIANTE ... 84

2.3 EPIFANIAS PAISAGÍSTICAS: REVELANDO A GEOGRAFICIDADE ... 98

3. NARRATIVAS DOS (DES)ENRAIZAMENTOS ... 136

4. NARRATIVAS DAS AVENTURAS ANDANTES ... 165

5. NARRATIVAS DAS SUBMISSÕES TERRESTRES ... 180

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 193

REFERÊNCIAS ... 201

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INTRODUÇÃO: POR UMA GEOGRAFIA DO MARAVILHAMENTO

A Geografia, argumentava Estrabão, deve ser a tarefa de um filósofo, uma atividade filosófica; outros, porém, comparam o fazer do geógrafo com o do poeta, do artista que narra epopeias. Para São Tomás de Aquino, ambos – filósofo e poeta – estão intimamente ligados; os dois têm a ver com a admiração, com o espanto, com o maravilhamento. De fato, São Boaventura, filósofo escolástico do século XII, dizia que nenhuma pesquisa basta sem o ato de maravilhar-se. O maravilhamento diante do mundo é o princípio básico para pensar. Platão, Aristóteles, Kant, Mário Quintana, Boaventura, Chesterton, Hölderin, Gadamer, Fernando Pessoa, Sófocles e uma miríade de pensadores – sejam poetas ou filósofos – partem deste princípio basilar. Para todos, há um único postulado na gênese de toda reflexão: maravilhar-se é preciso. E o ato de maravilhar-se torna-se necessário, preciso justamente por ser constitutivo do ato de pensar, de existir, de geografar. É quase que uma exigência: ai de mim se não me maravilhar! Manoel de Barros, em um de seus poemas, ilustra essa condição indispensável do maravilhamento: Ah, ouvir mazurcas de Chopin num velho bar, domingo

de manhã!

Depois sair pelas ruas, entrar pelos jardins e falar com as crianças.

Olhar as flores, ver os bondes passarem cheios de gente, E, encostado no rosto das casas, sorrir…

Saber que o céu está lá em cima. (...)

Sair andando à toa entre as plantas e os animais.

Ver as árvores verdes do jardim. Lembrar das horas mais apagadas.

Por toda parte sentir o segredo das coisas vivas. Entrar por caminhos ignorados, sair por caminhos ignorados.

Ver gente diferente de nós nas janelas das casas, nas calcadas, nas quitandas.

Ver gente conversando na esquina, falando de coisas ruidosas.

Ver gente discutindo comércio, futebol e contando anedotas.

Ver homens esquecidos da vida, enchendo as praças, enchendo as travessas.

Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.

(....)

Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…

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Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.

Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.

Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas intimas.

Pensar nos livros que a gente já leu, nas alegrias dos livros lidos.

(...)

Como é bom achar o mundo esquisito por isso, muito esquisito mesmo

E depois sorrir levemente para ele com os seus mistérios… Que coisa maravilhosa, exclamar. Que mundo maravilhoso, exclamar.

Como tudo é tão belo e tão cheio de encantos!1

O ser humano, então, é o ser do espanto, do deslumbre, da maravilha. Esta última, seja no alarde ou no silêncio, o atravessa cotidianamente. Todo geógrafo, portanto, é um ser do maravilhar-se e, por coerência, deve-se colocar na interseção supracitada: meio filósofo, meio poeta; ora, homem da razão; outrora, homem da imaginação e, justamente por isso, sempre homem do espanto, do maravilhamento. E por isso também ser homem integral: pensar, sentir, imaginar – admirar! Escrever racionalmente sobre a poesia da geografia e, ao mesmo tempo, entender poeticamente a ciência. Produzir uma geografia do admirável, do maravilhamento, escrever uma geografia que não nega o caráter onírico da existência. Lançar-se numa geografia que narra o admirável e conta o espanto de pensar, numa geografia que é narrativa, a qual nos dá acesso ao que há de mais admirável: a experiência humana na Terra. Tarefa nada fácil, pode-se dizer. Entretanto, é a única via possível caso se queira fazer verdadeiramente uma geografia.

Daí a necessidade de mobilizar a admiração na via onírica e na via da razão, a fim de dar conta da complexidade do mundo por meio do deslumbre geográfico. Não se ater somente aos aspectos que podem ser medidos e calculados, apesar de sua importância, pois se perderia uma gama de informações não quantificáveis, que são essenciais.

O olhar do geógrafo, portanto, não pode repousar apenas no previsível e mensurável. Afinal, não se calcula o que há de mais admirável e é – ou deveria ser – a preocupação da geografia e de todas as ciências: a existência humana. Por isso, os geógrafos são aprendizes do espanto. São capazes do deslumbramento, da imaginação e da admiração. Abertos ao maravilhamento, sabem-se ser-no-mundo, encaram-se como

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seres geográficos, possuidores de uma consciência terrestre. Vão de encontro, então, à alienação daqueles que se privam da integridade do homem, da existência; contra aqueles que não se permitem maravilhar-se. Afinal, como apontou Dardel, a ciência geográfica não perde nada ao confiar suas palavras ao observador que sabe admirar. Maravilhar-se, aliás, está na raiz da Geografia. Edward Relph chega a advogar que o que entendemos do mundo deriva da maravilha, da admiração pela Terra e suas paisagens. É pela via do maravilhamento que a Geografia encontra suas fontes e seu sentido.

Foi, portanto, do maravilhar-se que surgiu essa pesquisa. Ela é, na realidade, parte do ato contínuo de maravilhar-se. Ao ver a Terra-Média em uma sala de cinema pela primeira vez, nasceu o vislumbre pelo mundo mágico criado por J.R.R. Tolkien e levado às telonas por Peter Jackson. “Isto é geografia!” foi a frase que marcou o deslumbramento durante a exibição de O hobbit: uma jornada inesperada (2012). Seguindo os conselhos de um amigo, os livros que narram as estórias que se passam no mundo fantástico foram comprados e o “Isto é geografia!” ganhou mais relevo: a descrição da paisagem e a relação dos personagens com o espaço eram vívidas e excitantes. Depois desse assombro inicial e da leitura de mais quatro livros de Tolkien, surgiu, em 2014, o trabalho de monografia intitulado Dos antros de pedra aos verdes prados: o lugar em O hobbit de J.R.R. Tolkien.

Como ato contínuo, o maravilhar-se se desdobrou numa pesquisa de Mestrado. Agora, o vislumbre inicial na sala de cinema ganhou corpo científico e o filme O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel foi o campo de pesquisa durante dois anos. Esse maravilhamento acadêmico se debruçou sobre os conceitos de paisagem e de lugar, tendo mais ênfase esse segundo. A priori, tanto por afinidade como por influência dos trabalhos anteriores, a noção de lugar do geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan foi elegida para compreender o mundo da Terra-Média. Postulava-se, então, que os espaços experienciados pelos personagens se revestiam de afetividade. Com o passar do tempo, porém, percebeu-se que o filme apontava para uma outra noção do conceito de lugar. Ainda que a noção tuaniana estivesse presente na obra cinematográfica, sua compreensão passava, indubitavelmente, por uma noção mais existencialista. Esta foi encontrada nos estudos de Edward Relph, geógrafo canadense, para quem o lugar é um centro de significado, a base na qual o ser humano se realiza existencialmente.

Neste ponto, o deslumbre pela geografia fenomenológica-existencial já existia, mas cresceu exponencialmente. Foi como que natural começar um passeio do conceito de

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lugar postulado por Relph para noções com fundamentos fenomenológico-existenciais mais explícitos, tais como habitar, ser-no-mundo e geograficidade. É desse último deslumbre que nasce esta tese. Essa última, de fato, é uma continuidade do maravilhamento, da admiração geográfica com os espaços oníricos da Terra-Média, do deleite diante do espanto ao decifrar as paisagens de cinema da trilogia O Senhor dos Anéis, a qual foi produzida e dirigida por Peter Jackson, com a distribuição pela Warner Bros. e tendo as locações realizadas na Nova Zelândia, tanto as sequências externas e como os sets de filmagem, o que colaborou com a exuberância e a variedade das paisagens de cinema, causadoras do espanto geográfico.

Este espanto geográfico, na realidade, advém do fato de pensar a ciência geográfica dentro de um quadro maior. Aquele que assume a razoabilidade do não-racional, que é aberto e plural. Uma Geografia que abraça as poéticas e os imaginários que tecem a vida humana; uma ciência que é um verdadeiro louvor ao diálogo, ao valores, aos significados, às interpretações das experiências humanas na terra. Desse modo, um olhar ao mundo vivido e a experiência deste postulou a compreensão de que a ciência geográfica é uma indagação sobre um modo de falar acerca do mundo. Em outras palavras: fazer Geografia é um relato sobre o modo de ser e estar no mundo, narrar a geograficidade. Nesse entendimento, portanto, a Geografia deve se preocupar com a experiência humana na Terra e todos os modos possíveis de falar dessa experiência. Assim, todos os recursos utilizados, inclusive os imaginativos, para falar da experiência terrestre são importantes para os geógrafos.

Tais pressupostos possuem um desdobramento vital: já não há motivos para perpetuar uma hierarquização dos diferentes modos de dizer o mundo, como postulou o ideário modernista no qual a ciência era o único meio de veiculação do conhecimento, da verdade. A Literatura, o Cinema, a Fotografia: todas essas realidades possuem uma geograficidade, revelam um modo de ser e estar no mundo. Desse modo, Geografia e as diversas linguagens artísticas possuem uma relação intrínseca. O Cinema e a Geografia, contudo, vão além dessa relação. Mais do que dialogar vividamente, eles se confundem, posto que o filme é também um modo de dizer o mundo, uma narrativa da experiência humana na Terra. É por este motivo que esta tese propõe o filme como um modo de fazer Geografia, posto que ele produz geografias ao expressar a geograficidade. Isto é, assim como a Geografia, o filme é responsável pela criação de uma imagem do mundo e,

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consequentemente, a sua tarefa é apresentar o mundo. O princípio do filme é o mesmo da Geografia: narrar o mundo.

O filme, então, é proposto como uma forma de apresentar as relações com o mundo, uma cosmofania, uma epifania do mundo, uma geografia. Essa argumentação se desdobra na necessidade de repensar o estatuto da relação Geografia-Cinema. Na nossa compreensão, ao nos enveredarmos pelos caminhos que entrelaçam a ordem imagética contemporânea e as interpretações geográficas, é preciso partir de um pressuposto: a Geografia é uma forma de falar a experiência de ser e estar no mundo, o princípio da Geografia é narrar a experiência humana na Terra. Esta opção nos insere numa discussão atual no seio das geografias fílmicas. Atualmente, nas geografias fílmicas, em vista de superar a concepção de filme como cópia da realidade, há uma proeminência de trabalhos que demonstram a necessidade de considerar a discursividade dos filmes, recordando que estes não são apenas uma mirada da câmera sobre a realidade. Esta proeminência, cultivada por várias matrizes epistêmicas da Geografia, possui a concepção de filme e de paisagem como uma ideologia visual, como objeto repleto de discursos que intentam mascarar a realidade. Desse modo, foi-se de um oposto ao outro, constituindo dois vieses para as geografias fílmicas. No primeiro, o filme é entendido como uma cópia da realidade; o segundo, por sua vez, o filme é perspectivado como uma máscara do mundo.

Trata-se, pois, de visões dicotômicas, pensamentos de dilemas. É verdade que há o insurgir de autores que convocam a uma reflexão mais acurada, enfatizando a ênfase do contato geógrafo-paisagem e uma preocupação teórico-metodológica que vise não cair no objetivismo da cópia da realidade e tampouco no subjetivismo da máscara do mundo. Esta tese se coloca nesse caminho ao, bebendo de anunciados filosóficos e geográficos, propor postulados teórico-metodológicos que não submetam as interpretações geográficas às visões dicotômicas tão comuns nas geografias fílmicas. Desse modo, considerando o filme como uma geografia, uma narrativa da experiência humana na Terra, propomos um caminho teórico-metodológico que supere as oposições binárias, articulando, na mesma interpretação, o sentido e o sensível, o objetivo e o subjetivo. Neste caminho, os significados geográficos estão presentes no encontro paisagem-geógrafo. Ademais, como essa apresentação do mundo se dá, sobremaneira, narrativamente, sejam por palavras e/ou imagens, é a narrativa que se põe como elemento

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unificador da Geografia e do Cinema. Estes postulados compõem um novo viés para as geografias fílmicas, ao qual denominamos viés espraiante.

A partir do exposto, é urgente indagar-se: como compreender o filme dentro das Geografias fílmicas? Como a Geografia e o filme se entrelaçam? Como esses dois campos do conhecimento, ciência e arte, dialogam? Diante da variedade epistemológica e metodológica nas Geografias fílmicas, como interpretar as paisagens presentes nos filmes? Compreendendo as paisagens como emissoras e reconstrutoras de discursos geográficos, que tipos de discursos elas apresenta-nos no filme? Como interpretar esses discursos? Os vieses constituídos até agora na Geografia fílmica dão conta da complexidade que são as obras cinematográficas? Diante da miríade de filmes de teor onírico nos tempos atuais, qual o papel da imaginação, da fantasia para a Geografia contemporânea?

Diante destas perguntas, o que esta tese propõe é compreender como o modo de ser e estar no mundo – a geograficidade – é apresentada nas obras fílmicas da trilogia O Senhor dos Anéis, isto é, como as diferentes geograficidades se manifestam na obra fílmica. Objetiva-se também discutir sobre a natureza da Geografia sob a perspectiva fenomenológica-existencial. Objetiva-se, ainda, discutir a relação Geografia – filme, postulando a obra cinematográfica enquanto uma geografia, um modo de dizer o mundo. Outro objetivo proposto é investigar os entrelaces entre a Geografia e a imaginação, elucidando a importância desta última para a ciência geográfica no contexto contemporâneo. Soma-se a esses, o objetivo de interpretar os elementos (imagens sobremaneira) que possam elucidar o modo como os filmes apresentam o mundo, focalizando na relação Homem-Terra.

Assim, utilizando a trilogia O Senhor dos Anéis, esse trabalho propõe uma forma de compreensão da Geografia fílmica, criando e mobilizando referenciais teóricos ligados a união da matriz discursiva da paisagem à abordagem fenomenológica-existencial da ciência geográfica bem como indica uma via metodológica para esses estudos, se alicerçando, sobretudo, no projeto geográfico de Eric Dardel que incluiu a Geografia nas ciências hermenêuticas.

Para tanto, é vital discutir a natureza e o princípio da ciência geográfica, ou seja, pensar o que é a Geografia. Essa dimensão da Geografia como uma narrativa se evidencia mais ligada à dimensão existencial do ser humano, pois é próprio da espécie humana a

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tentativa de explicar o mundo, construir cosmovisões, isto é, criar narrativas sobre o mundo.

Desse modo, no primeiro capítulo, intitulado Pela voz do humano, dizer o terrestre: a Geografia como narrativa da geograficidade, apresentamos uma discussão sobre a natureza da Geografia, tanto na compreensão de ciência institucionalizada, mas também como uma geografia que precede sua cientificidade, considerando ambas as maneiras – a Geografia e a geografia – como uma narração do mundo, como o enredo do terrestre. Se valendo de um pequeno histórico e reunindo diversos autores, sobretudo aqueles ligados à abordagem fenomenológica-existencial da Geografia,

O segundo capítulo, por sua vez, tem como título O filme e a Geografia: espraiamentos que narram o mundo e aborda a natureza do filme, diretamente ligada ao conceito geográfico de paisagem, concebendo-o como um meio visual revelativo - arte da presença, como um mundo que ali se instaura e não necessariamente mimético ou arqueológico, como apregoava-se a visão dicotômica. Neste esforço epistemológico, também apresentamos uma discussão sobre a possibilidade e a pertinência de encontrar os sentidos das paisagens no sensível, no aparente. Ao pensarmos numa paisagem que rompa as dicotomias e ao optar por não usar termos que se remetam a elas, sugerimos a adoção da noção paisagem de cinema. Também discutimos como os dois campos do saber aqui estudados são frutos de espraiamentos, de contatos e misturas. Assim, na nossa proposição, há um espraiamento do campo científico em direção ao terreno artístico e deste em direção ao primeiro. Tomando a noção de espraiamento da Geografia Urbana, propomos que há um mover mútuo das bordas desses campos, um em direção ao outro, promovendo uma interseção. Como desdobramento disso, a nossa tese apresenta o argumento de que, nos espraiamentos Geografia-Arte, a narrativa é o ponto de encontro desses campos do conhecimento.

Os demais capítulos são interpretativos. Neles, em diálogo com Eric Dardel, Gaston Bachelard, Yi-Fu Tuan e outros autores, interpretamos como as paisagens de cinema, enquanto cosmofanias e legendas do mundo, apresentam as relações de geograficidades das sociedades, “arquetipadas” por personagens, na trilogia do Anel. No terceiro capítulo, Narrativas do (des)enraizamento, há a interpretação dos elementos que narram as experiências de quebra e de retorno ao enraizamento, tomando-as como movimento comum na existencia humana.

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Já Narrativas das aventuras andantes, o quarto capítulo, traz reflexões acerca do mobilismo, das geograficidades que se lançam nas mais diversas aventuras do caminhar, do peregrinar, do entrar em movimento, compreendendo as razões e as implicações desse modo de ser e estar no mundo. Aqui, foram discutidas

O quinto capítulo, Narrativas das submissões terrestres, discussões giram em torno do modo como as sociedades e os indivíduos se relacionam com o mundo. Enfatizou-se as interpretações sobre a postura senhorial diante da realidade, aquela em que o indivíduo se preocupa em dominar a terra para os seus fins e seu porvir, mas também há interpretações de geograficidades que são antagônicas a esta. São aqueles que optam por uma ética ambiental, por uma responsabilidade para/na terra.

Por fim, constatamos a necessidade de uma perspectiva de coexistências na geografia fílmica, o viés espraiante. Rompendo com visões dicotômicas, este viés une elementos, outrora considerados opostos, tais como: ciência e arte; razão e imaginação; subjetividade e objetividade; signo e significado. A nossa tese apresenta esta proposição teórico-metodológica para as geografias fílmicas, enfatizando o encontro paisagem-geógrafo e concebendo as paisagens de cinema como significantes de si mesmas. Ademais, como legenda do mundo e narrativa de geograficidades, a trilogia O Senhor dos Anéis revela discursos a respeito de enraizamentos, de mobilidades e do cuidado com a terra, promovendo uma reflexão, a partir do pensar-imaginar, sobre a relação homem-mundo e propondo uma nova relação, reimaginando o homem-mundo e nossa relação com ele.

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CAPÍTULO 1

PELA VOZ DO HUMANO, DIZER O TERRESTRE: A GEOGRAFIA COMO A NARRATIVA DA GEOGRAFICIDADE

“A Terra é para os homens” (Salmo 113, 16) A abordagem cultural da Geografia2 postulou, com uma reviravolta das matrizes da ciência geográfica após a década de 1970, um novo olhar sobre o diálogo com as linguagens artísticas. Na verdade, a Geografia sempre se utilizou dessas linguagens, mas era numa perspectiva meramente “comprobatória”. Ou seja, tanto as linguagens de cunho visual (pinturas, fotografias e, mais tarde, os filmes) como a Literatura eram usadas para confirmar os estudos geográficos realizados anteriormente e não eram em si mesmas fontes de preocupação dos geógrafos (AZEVEDO, 2009).

Com as abordagens que insurgiram na metade do século XX, os conceitos geográficos passaram a ser compreendidos sob perspectivas novas, com um caráter simbólico e subjetivo e também com um viés econômico e contestatório, crítico. Os geógrafos que comungavam com essas perspectivas tinham a intenção de romper com o caráter (neo)positivista da Geografia. De fato, a Geografia da metade do século XX, para os seus críticos, era uma Geografia sem os homens (ANDREOTTI, 2013). Numa perspectiva meramente positivista, o grande intento dessa Geografia era se colocar como uma ciência. Para isso, explicam Gomes (2010) e Hissa (2006), se valeu do escopo das ciências naturais para ganhar um status de cientificidade.

Contudo, essa perspectiva comprimia a Geografia ao aviltá-la, compreendendo os aspectos geográficos de forma matematizante (CLAVAL, 2014). De fato, era a ciência que media e calculava a Terra, como Dardel (2015), contemporâneo da perspectiva, diagnosticou em O Homem e a Terra. Em nome do estabelecimento da Geografia como uma ciência moderna, houve a valorização dos procedimentos de modalização e teorização, regras de administração da prova, técnicas de quantificação bem como a submissão a lógica matemática – tudo aos moldes dos procedimentos das ciências da natureza. O fato é que, no entendimento de muitos geógrafos, o Positivismo não explicava

2 Neste trabalho, a exemplo de Relph (1979), há uma distinção entre Geografia e geografia. Toda vez que a palavra for gravada em maiúscula estará se referindo a ciência institucionalizada, a disciplina acadêmica; caso contrário, se faz referência à relação homem-terra (RELPH, 1979), às demais narrativas sobre a experiência humana sobre a terra.

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mais a realidade frente à diversidade social e cultural do mundo, justamente pela ênfase numa ciência em que

[...] o geógrafo lidava com uma realidade que lhe era exterior e que estudava como o físico que mede as propriedades do corpo ou o naturalista que classifica as formas vivas e tenta compreender a vida. (CLAVAL, 2014, p. 221)

Nesse sentido, a Geografia, influenciada pelo Positivismo, se tornou a ciência que se preocupa com o estudo das leis do espaço. O paradigma instaurado na primeira metade do século XX, tinha uma noção de espaço cristalizada e

[...] tornou-se uma ciência social que estuda as distribuições espaciais, as estruturas espaciais, as circulações espaciais, os comportamentos espaciais de atores supostamente racionais e, portanto, “modelizáveis”. (BESSE, 2014a, p. 77).

Assim, a perspectiva descrita acima parecia infrutífera e elucidava uma ideia de espaço distorcida da realidade. De fato, compreender o mundo apenas com números e leis afasta os seres humanos de si mesmos e do mundo ao redor (LEPENIES, 1996). Diante disso, a resposta dos estudos geográficos que se seguem a essa crítica foram duas: a) enfatizar valores humanistas com base em filosofias do significado (a Fenomenologia e o Existencialismo); b) enveredar-se pelo viés socioeconômico, nutrindo-se, sobremaneira, do Marxismo.

Para os primeiros, as expressões artísticas são primordiais, pois elas são agentes nas interpretações das culturas em sua inscrição espacial, capacitando o geógrafo a reunir o maior número de elementos no que se refere a valores e significações. Ou, nas palavras de Gomes (2010), “aquilo que a ciência não chega reconhecer, devido aos limites impostos pelo método, a arte o consegue por um meio não-racional.” (GOMES, 2010, p. 314).

Assim sendo, a linguagem artística teria o potencial que a ciência não teria: ser elemento de mediação entre a vida e o universo das representações. De fato, “a arte tem um papel preponderante como fonte de informação para a compreensão dos fenômenos” (HOLZER, 2010, p. 3), por isso, não podem ser “objetos” de preocupação apenas dos artistas, mas de todos aqueles que intentam compreender o mundo. Assim, “em todos os domínios, são os artistas que servem de mestres ao geógrafo” (CLAVAL, 2014, p. 230). Nessa mesma perspectiva, Deleuze (2010) comenta como as artes, e não só as ciências, são instituições criadoras quando o que está em jogo é “falar verdades”. De fato, para o

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filósofo francês, arte é uma máquina, uma máquina de produzir verdade. A arte é, pois, portadora de saberes e significações geográficas (BESSE, 2014a).

O papel preponderante do diálogo Arte – Geografia será abordado mais à frente de forma mais acurada. O que importa, com efeito, é que, na Geografia, essa aproximação com a Arte cresceu exponencialmente e as obras fílmicas têm ganhado destaque nas análises geográficas. Nessas últimas, apesar de sua relativa atualidade, inúmeros são os trabalhos e os pesquisadores que tomam para si os filmes como objetos de análise.

Esse destaque nos estudos das geografias fílmicas, além do diálogo entre a Geografia e as diversas linguagens artísticas, foi acentuado na contemporaneidade por outro motivo: vivenciamos aquilo que Lipovetsky e Sorry (2009) chamam de tela global, que, por sua vez, proporciona uma cinevisão. Segundo os autores, atualmente, as nossas relações com o mundo e com os outros são cada vez mais mediatizadas por écrans, por interfaces nas quais as telas não cessam de se comunicar. Há, então, uma ecranfilia; um reino das telas em nossas relações. Isto proporciona uma cinevisão ou uma cinematografização do mundo, na qual o filme é a nossa forma de ver o mundo. De fato, “o cinema tornou-se formador de um olhar global dirigido às esferas mais diversas da vida contemporânea” (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, p. 29). As nossas relações com o espaço também estão imersas nesse mundo de mediação imagética; há, portanto, uma geograficidade mediatizada. Ou seja, o mundo se dá ao ser humano não apenas diretamente. O elo entre indivíduo-mundo, a geograficidade, também é mediado. Num período de visualização da existência (MIRZOEFF, 1999), na qual a experiência humana é visual e visualizada, a geograficidade, consciência do caráter espacial da existencia humana, é igualmente visualizada, posto que se desenrola nas telas. Na contemporaneidade, a obra cinematográfica é esse grande médium, pois, há a compreensão de que é nesta que o mundo se apresenta.

Tal concepção de cinema também será melhor abordada mais adiante, o que interessa aqui é que essa concepção mobiliza o pensamento de que o filme não é apenas um objeto que pode promover um diálogo com a ciência geográfica. Essa concepção promove um entendimento que é vital para a esta tese. Compreendendo-se o filme como algo que enuncia o mundo, é possível postular que o filme é uma geografia. O que se propõe, na realidade, é conceber o filme como uma geografia em si mesmo. Ao assumir essa postura, nega-se a maioria dos trabalhos que visam discutir as Geografias fílmicas.

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A maioria destes possuem dois vieses, a saber: um de caráter mimético e o outro com uma perspectiva arqueológica.

Assume-se aqui e se evidenciará posteriormente que essas duas concepções são incipientes nos estudos geográficos, pois, como linguagem artística, o filme não é uma cópia da realidade e tampouco uma máscara do mundo. É, na verdade, um desvelar do mundo, uma experiência de verdade3 (BRESSON, 2005; MORIN, 2011). Assim, admite-se a compreensão citada anteriormente: o filme como anúncio do mundo, como forma de narrar o mundo e as paisagens de cinema como cosmofanias, modos de apresentar o mundo. Como o ser humano não pode narrar o mundo apartado dele, mas somente nele, esse anúncio é o da relação homem-mundo, isto é, da geograficidade. Essa argumentação sobre a necessidade de repensar o estatuto do filme ao se enveredar pelos caminhos que entrelaçam a ordem imagética contemporânea e as análises geográficas só tem sentido se partem de um pressuposto: a geografia é uma forma de falar a experiência de ser e estar no mundo, de narrar imageticamente a geograficidade.

Assim sendo, antes de se debruçar na relação entre Geografia e filme, concebido como experiência de verdade, é vital discutir a ontologia da Geografia, ou seja, pensar o que é a Geografia. Essa dimensão da Geografia como uma narrativa se evidencia mais ligada à dimensão existencial do ser humano ao passo que ele é único ser capaz de dizer “Era uma vez”. De fato,

O que caracteriza o homo não é tanto o fato de ser faber, fabricante de ferramentas; sapiens, racional e “realista”; mas sim o fato de ser também demens, produtor de fantasias, mitos, ideologias, magia. (MORIN, 2014, p.12)

Assim, é próprio da espécie humana a tentativa de explicar o mundo, construir cosmovisões, isto é, criar uma narrativa sobre/com o mundo, uma geografia. Mas não a noção de ser humano qualquer, mas um homem inventivo por natureza, um ser que pensa, imagina, cria, sente: o homo demens. Daí a necessidade de

passar de um ser positivista e fechado a um ser que é potência poética, exigir uma mudança holística, complexa que está aberta ao inesperado, ao incerto da vida (NOGUERA & ARIAS, 2014, p. 20, tradução nossa)4.

3 Gadamer (2005), seguindo a esteira de Heidegger (1990), compreende a verdade como desencobrimento, desvelar a partir da sua revisitação aos gregos que entendiam assim a verdade (aletheia) como não-oculto, não-escondido.

4 pasar de un ser positivista y cerrado a un ser que es potencia poética, exige una mirada holística, compleja que este abierta a lo inesperado, a lo incierto de la vida. (Tradução livre do autor)

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É preciso, então, compreender o ser humano holisticamente, integralmente: “Nunca se deve perder de vista a profunda unidade do homem, do homem inteiro [...]” (SORRE, 2003, p. 139). Negar este caráter unitário, integral do ser humano acarretaria numa espécie de fragmentação da própria ciência geográfica, negligenciando-a. O homem integral deve ser levado em consideração para uma Geografia potente, viva, condizente com a realidade. Ademais, compreendido integralmente, o ser humano, o único ser a criar mitos e narrativas, é também o único a fazer Geografia e geografias. Daí a Geografia não ser uma “ciência dos homens”, para relembrar a célebre frase de Paul Vidal de La Blache. Tampouco é a ciência dos lugares, mas da relação entre ambos. Na verdade, como nos lembra Azevedo (2007), desde a Geografia Clássica, tanto a tradição alemã com influência ratzeliana que vislumbrava estudar a relação entre o “volk e sua terra” como a tradição francesa de inspiração vidaliana e sua opção pelos gêneros de vida (genre de vie), o caráter relacional entre os indivíduos e aquilo que se chamava natureza ou meio ambiente dava a tônica dos trabalhos de ordem geográfica. De fato, já em La Blache (2012a), há a concepção de que a existência humana não é realizada sobre a terra, mas nela e por ela.

A Geografia, assim, intentava estudar a relação entre o homem e o mundo. E mais do que isso: ela é compreendida como esse discurso sobre/com o mundo bem a forma pela qual os seres humanos se relacionavam o próprio mundo. Daí também ser uma experiência da existência humana. Berdoulay (2003), seguindo essa senda, explica que a Geografia é “um relato da experiência do homem tentando explicar o mundo” (BERDOULAY, 2003, p. 47). Essa noção só é possível dentro de uma compreensão de Geografia com bases fenomenológicas existenciais. Antes de apresentar a Geografia como uma narrativa, é preciso dissertar minimamente sobre essa perspectiva geográfica.

1.1 DIZENDO A EXPERIÊNCIA DE SER E ESTAR NO MUNDO

A Geografia fenomenológica-existencial, como já aludido, surge como esforço de alguns geógrafos que postulavam que o Positivismo não explicava mais a realidade frente à diversidade social e cultural. Com a notícia do pretenso falimento do Positivismo, os geógrafos passaram, na década de 1970, a se basear no Marxismo e nas filosofias do significado, a Fenomenologia e o Existencialismo. A visão destes últimos culminou no

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movimento que aqui denomina-se Geografia fenomenológica-existencial, responsável por uma nova visão no contexto da ciência geográfica.

Essa nova visão negava a concepção do espaço newtoniano, o espaço do geômetra e propunha o espaço vivido. Assim, o espaço não seria um mero recipiente no qual os objetos físicos e os eventos se localizam (BUTTIMER, 1982b). Não se pode, nessa abordagem geográfica, conceber o espaço como um tabuleiro ou superfície em que se deposite objetos, pois os espaços

“[...] não são vazios abandonadas aos quais se atribuem, por vezes, qualidades e significados, mas são contextos necessários e significantes de todas as nossas ações e proezas. Então o espaço não é euclidiano ou alguma outra superfície ou forma geométrica, na qual nos movimentamos e que percebemos como separadas de nós.” (RELPH, 1979, p. 8)

Assim, o espaço não pode ser compreendido apenas através da observação e medição e, portanto, não se submete a simples matematização do mundo. Ele deve, pelo contrário, ser vivido para ser compreendido como realmente é. É preciso, pois, pensar o mundo de uma forma antipredicativa, isto é, aquela que é anterior a toda e qualquer atividade explicativa de caráter racional (HUSSERL, 2012). De fato, a experiência do espaço geográfico não está no mundo predicativo, o mundo da total objetividade. Na verdade, há o intento de romper com o projeto moderno que preconiza a clássica oposição sujeito/objeto. Assim, valoriza-se a noção fenomenológica de mundo vivido e, consequentemente, as experiências com o espaço e sua intersubjetividade.

Atualmente, há a concepção de que a Geografia fenomenológica se pauta exclusivamente na percepção. Contudo, para esta abordagem, o espaço é muito mais que a percepção do mundo; esta estaria mais vinculada a ideias ligadas ao psicologismo. Ideias estas também combatidas pelos geógrafos fenomenólogos. A grande ideia central da Geografia de cunho fenomenológico-existencial seria que “nós não apenas apreendemos o espaço através de nossos sentidos, mas vivemos nele, nele projetamos nossa personalidade e a ele somos ligados por limites emocionais” (MATORÉ, 1962, p. 22-23 apud RELPH, 1979, p.8). Ou, segundo o entendimento de Nogueira, seria

[...] pensar a Geografia a partir das experiências de quem vive e experiencia o mundo. O mundo não apenas pensado a partir da produção material da história, mas da relação existencial que liga o homem a ele. (NOGUEIRA, 2013, p. 84)

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Assim, a compreensão do espaço não se limitaria a ser meramente percepcional. Lowenthal (1982) comenta sobre esse equívoco e afirma que qualquer experiência do mundo, por mais simples e direta que seja, é composta de muitos elementos, uma miríade de componentes e não apenas da percepção. Memória, lógica, fé e a própria percepção fariam a experiência. Assim, uma visão simplesmente perceptiva do mundo e/ou do espaço seria defeituosa, distorcida e até mesmo falsa (LOWENTHAL, 1982). Joan Nogué (2011) atesta esse histórico de superação da noção de percepção, defendida pela corrente geográfica conhecida como behovioral geography, em direção a noção de experiência ao explicitar que

A partir de 1970, a geografia humanística destaca novamente o papel do sujeito como o centro da construção geográfica, mas agora indo além da pura percepção. Entramos completamente numa geografia do mundo vivido, centrada em valores (...). Um conhecimento holístico, vivido e empático do espaço é buscado através de uma imersão em si mesmo, em geral seguindo os pressupostos da fenomenologia. (NOGUÈ, 2011, p. 30-31, tradução nossa)5

O espaço não é, portanto, simplesmente sensitivo ou sensorial; ele é vivido. E sendo vivido deve haver tantos espaços quanto experiências espaciais. Ele é também intersubjetivo. Essa é a pedra de toque da abordagem fenomenológica. O fundamento, portanto, não seria percepção, mas sim experiência.

O existencialismo também deu sua contribuição, pois postula que a essência está intimamente ligada à existência. Assim, primeiro existimos e só depois somos. Ou, como postulam Heidegger e outros autores, existimos enquanto somos. Em outras palavras: a essência está na existência. A união entre Fenomenologia e Existencialismo proporcionou à primeira um “objeto de análise”, a existência. De fato, a associação entre Existencialismo e Fenomenologia se deu de tal maneira: o Existencialismo proporcionou um material de análise, a existência com suas particularidades e singularidades, à Fenomenologia que, por seu turno, concedeu aos existencialistas um método necessário para investigar a essência da existência (PETRELLI, 2004). Esta associação é importante

5 A partir de 1970 la geografía humanística resalta de nuevo el papel del sujeto como centro de la construcción geográfica, pero ahora yendo más allá de la pura percepción. Entramos de lleno en una geografía del mundo vivido centrada en los valores (....). Se persigue un conocimiento holístico, vivido, empático del espacio a través de una inmersión en el mismo, en general siguiendo los supuestos de la fenomenologia. (Tradução livre do autor)

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para compreender a contribuição fenomenológico-existencial ao campo das ciências humanas em geral e, em especial, à Geografia.

Efetivamente, como argumenta Holzer (2016), os primeiros geógrafos a se utilizarem da fenomenologia encontraram, a princípio, dificuldades devido a pluralidade que a própria corrente filosófica possuía. O encontro com o Existencialismo também foi importantíssimo nesse aspecto, pois, na concepção do autor, os existencialistas não estavam preocupados com questões de conhecimentos ou da mente humana como os filósofos da “fenomenologia pura”6. Aqueles se preocupavam, na verdade, com questões da vida cotidiana e não davam prioridade a questões eminentemente cognitivas da experiência.

Dessa maneira, a união entre a Fenomenologia e o Existencialismo adaptou o método fenomenológico a dimensão do mundo da vida ou mundo vivido (Lebenswelt), enfatizando os aspectos pré-reflexivos dos fenômenos, tais como a imaginação e a experiência. Geografizando esse postulado, o geógrafo deve se interrogar sobre “lebenswelt”, tomando consciência dele. Tal ato decorreria no debruçar-se nas experiências de mundo, sejam elas comuns ou extraordinárias, mas que agora se tornam conscientes (HOLZER, 2016; SEAMON, 2000).

Assim, essa combinação Fenomenologia-Existencialismo foi vital para a Geografia, posto que proporcionou o seguinte entendimento: o ser humano só pode ser compreendido – e compreender e/ou compreender-se – existencialmente, caso esteja no mundo. A noção de ser-no-mundo de Heidegger, portanto, colaborou demasiadamente para uma Geografia fenomenológica-existencial (MARANDOLA & HOLZER, 2014). De fato,

Encontra-se em Heidegger o tema da Terra como mundo no qual a humanidade existe, assim como o pensamento da Terra como lar originário a partir do qual a humanidade se realiza. A Terra é efetivamente apresentada por Heidegger como Heimat, quer dizer, como lar que cotidianamente se habita. (BESSE, 2015a, p. 124)

6 O arquiteto Wether Holzer (2016) e os geógrafos Anne Buttimer (1979) e David Seamon (2000) explicam que a Geografia se deparou com três posições distintas na Fenomenologia: a) fenomenologia pura; b) fenomenologia existencial; c) fenomenologia hermenêutica. Desse modo, mesmo sabendo da diversidade epistêmica que o termo evoca, optamos por utilizar “Fenomenologia” no singular e com maiúscula para se referir àquela corrente filosófica que foi incorporada ao corpus geográfico no século XX. Mesmo sendo diversa, seu rebatimento foi único na Geografia: valorização do mundo vivido e da experiência geográfica, como pontua Marandola (2013).

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Isso se deve ao fato que, estando no mundo, o ser humano tem dele uma experiência própria, uma experiência de vida. Marandola e Holzer (2014) chegam a afirmar que a noção heideggeriana de ser-no-mundo está intimamente ligada à Geografia já que esse pensar filosófico tem aprofundado o sentido de lugar como essência da experiência geográfica.

Mas qual a grande preocupação de Heidegger? E qual é a sua colaboração efetiva para a Geografia, diante dessa preocupação? Vale a pena se debruçar brevemente sobre isso para melhor entender o que é a noção de ser-no-mundo. No entendimento de Dal Gallo & Marandola (2016) e Belo (2011), a grande questão heideggeriana não é, a priori, espacial, mas acaba por chegar na espacialidade. No caminho aberto por Heidegger, “presenciamos nascer a chamada filosofia do espaço, que tem entre seus temas principais a relação ontológica ser-lugar” (MARANDOLA & HOLZER, 2014, p.15). Heidegger, na verdade, está preocupado com a questão do ser, a qual seria, segundo o filósofo alemão, a grande preocupação da Filosofia. Mais especificamente, a questão heideggeriana seria a do ocultamento do ser. Em seu entendimento, várias instâncias da cultura ocidental proporcionaram o que ele denomina ocultamento do ser. A técnica, a metafísica e as ciências modernas impediram de enunciar a verdade, esta entendida como o sentido do ser, e o ser permanece “velado”. Heidegger, então, propôs pensar a existência a partir do Dasein7, que pode ser traduzido por presença ou ser-aí, e não de forma idealista (SEAMON, 2000).

Esse ser-aí tem a espacialidade como dado constitutivo, ou seja, o ser-aí necessariamente, como já dito, precisa do mundo para existir. Estar no mundo é uma necessidade ontológica: “O ser, para sê-lo, necessita do espaço” (NOGUERA & ARIAS, 2014, p. 27, tradução nossa)8. De fato, a essência do ser-aí está em sua existência e esta, por sua vez, se ancora ao mundo, se espacializando e abrindo lugares. Existir, então, é espacializar o ser. Buttimer (1979) explica de modo mais direto essa compreensão heideggeriana: “‘A essência da existência humana’, disse Heidegger, é ‘habitar’ (Wohnen), ou seja, viver em um estado de diálogo com todo o seu ambiente.”

7 Na língua alemã, Dasein indica um termo para a existência. Para uma leitura mais acurada, ver o artigo “O Dasein que somos no pesquisar em Geografia” de Antônio Bernardes (2016) no volume 6 da Revista Geograficidade.

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(BUTTIMER, 1979, p.247). Assim, o ser-aí, em sua estrutura ontológica, é ser-no-mundo (BELO, 2011). De tal modo,

a partir de uma abordagem heideggeriana na Geografia, o mundo recebe um sentido preponderante, não mais como algo a ser apenas descrito categorialmente como conjunto de entes circundantes, mas em seu modo mais fundamental de existir. (DAL GALLO & MARANDOLA, 2016, p. 552)

Daí a pertinência de compreender o conceito de ser-no-mundo para a Geografia, posto que “o pensamento de Heidegger tornou se solo fértil para uma aproximação a uma ontologia da espacialidade humana.” (GERALDES, 2011, p. 63). A noção de ser-no-mundo não está ligada a um objeto no ser-no-mundo, mas a uma ligação unívoca, inescapável que o ser humano possui com o mundo. O ser no mundo, também, não se refere a uma localização geometricamente posta no planeta, mas, de fato, implica necessariamente na espacialidade inerente à existência humana, condição do ser humano no mundo. Este por sua vez não é apenas um conjunto de coisas que cercam o ser humano. Ele “não é um mero mundo de fatos e negócios, mas de valores, bens e ações.” (MELLO, 2005, p. 35). O mundo é, na realidade, sua base da existência, o único modo de existir. E existir, como já elucidado, está intimamente ligado à experiência do mundo, objeto dos geógrafos ligados à Fenomenologia.

O fato é que a própria expressão ser-no-mundo, sendo com e em no mundo (BERNARDES, 2016), já atesta, por si, essa indissociabilidade entre o homem e o mundo. Ambos só existem mutuamente. Um instaura o outro e vice-versa. Há, portanto, essa unidade entre o ser e o mundo, uma co-pertença, uma espécie de elo. Este elo não é simplesmente físico, no sentido que o homem apenas está sobre a terra como peças estão sobre um tabuleiro de xadrez. O elo a que se refere essa concepção é que o homem, além dessa ligação física, também tem consciência que a possui e faz parte dela (ROUX, 1999). Geografizando esse entendimento, é totalmente compreensível a perspectiva que julga essencial pensar o espaço geográfico como o lócus da existência humana, privilegiando a experiência humana sobre a Terra e as inúmeras formas de falar sobre ela, pois

[...] a Geografia tem uma afinidade fundamental ou vital com a concepção de mundo, visto que o conhecimento geográfico não se trata da adequação a um objeto, mas da compreensão do mundo desde a compreensão do ser-no-mundo. (DAL GALLO & MARANDOLA, 2016, p. 551).

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Nesse sentido, como postula Claval (2014), quando se trata do aporte fenomenológico-existencial da Geografia o que se leva em consideração “não são as referências a Heidegger, mas a ideia que a disciplina deve ser centrada na experiência humana do espaço.” (CLAVAL, 2014, p. 249). Essa ideia é vital para a Geografia Humanista, pois valoriza a essência humana, posto que essa ligação com a Terra é parte da essência humana e, de certo modo, é o que a constitui como tal. Um exemplo da abordagem fenomenológica-existencial é a concepção de Augustin Berque. Para Berque (2017), o objeto da Geografia é “a Terra enquanto que humanizada” e o papel do geógrafo, então, seria “[...] perguntar pelo ‘enquanto que’, onde o físico e o social só valem em relação um com o outro” (BERQUE, 2017, p. 8). Desse modo, o autor francês segue a noção de Geografia da Escola Francesa e tal como Dardel (2015), como se explicará posteriormente, reatualiza a concepção de que é a relação entre o ser humano e a Terra o escopo da ciência geográfica. As semelhanças não acabam aí: ambos – Berque (2017) e Dardel (2015) – encontram em Heidegger uma referência valiosa para a Geografia e, exatamente por isso, pensam na indissociabilidade entre o ser humano e a Terra, como exposto. De fato, para ambos, o fator humano e o social imbricados é o cerne da questão geográficas; não é apenas a Terra, mas esta última “humanizada”. Desse modo, a Geografia, nessa abordagem, não se preocuparia simplesmente com a mera descrição da terra ou com inventariar os diversos tipos de paisagem e explicar as formas de organização do espaço. Trata-se, agora, de

[...] interrogar os homens sobre a experiência que tem daquilo que o envolve, sobre o sentido que dão à sua vida e sobre a maneira pela qual modelam os ambientes e desenham as paisagens para neles afirmar sua personalidade, suas convicções e suas esperanças. (CLAVAL, 2001). Ou, como explica de modo resumido Joan Nogué na introdução de Geografía Romántica de Yi-Fu Tuan (2015), essa perspectiva geográfica:

[...] devia facilitar ao geógrafo e a geógrafa uma maior e melhor abordagem para o estudo das relações que os seres humanos mantêm com o entorno que nos rodeia. Se buscava compreender muito melhor como os seres humanos se relacionam com seu entorno, como criam lugares e o imbuem de significado ao espaço geográfico e se gera o sentido de lugar. Os lugares não serão considerados a partir de agora como simples localizações nem nós sem formas ou pontos estruturadores do espaço geográfico que, muitas vezes, se concebe como espaço quase geométrico, topológico. O espaço geográfico será

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concebido como espaço existencial. (TUAN, 2015, p. 2, tradução nossa)9

Dito isto, é possível chegar ao que se postulou no início: a Geografia é uma narrativa. Os geógrafos se utilizam de várias ferramentas, discursos orais e escritos, cartas, croquis, fotografias e filmes para tornar viva a descrição e explicação do mundo, fazendo uma ciência geográfica mais ligada ao mundo da vida, ao mundo vivido, posto que era a experiência do ser humano sobre/com a Terra o grande objeto da Geografia. Aqui se valerá tanto das ideias de Gomes (2017), Besse (2014a; 2014b) e Dardel (2015) para explicar essa concepção de Geografia.

Para Gomes (2017), a Geografia é uma apresentação do mundo. Essa ideia, contudo, não é nova. Desde a Antiguidade, a Geografia, explana o autor, se preocupa com procedimentos que possam auxiliar na descrição e compreensão da Terra (GOMES, 1997; 2017). Mais especificamente, a Geografia é responsável, desde os primórdios da cultura ocidental, pela criação de uma imagem do mundo e, consequentemente, a sua tarefa é apresentar o mundo. É interessante notar, inclusive, que, para o autor, a Geografia não nasce de discursos unicamente racionais sobre o espaço. Segundo o geógrafo brasileiro,

é provável que a Geografia tenha, na verdade, nascido nos cantos dos aedos gregos que declamavam sobre a aventura dos deuses, das potencias naturais vivas, sobre suas origens e sobre suas relações com o devenir da vida cotidiana. As cosmogonias da Antiguidade seriam, assim, os primeiros relatos geográficos gerados por este gênero de curiosidade sobre a ordem das coisas do mundo. (GOMES, 1997, p. 34). Assim, o princípio da Geografia, nos dois sentidos do termo, é anunciar o mundo, é narrar a experiência humana sobre/com a Terra. Seja falando de como os homens se relacionam com as forças sagradas/naturais ou como se deslocam entre reinos, evidenciando as feições fisiográfica da superfície terrestre, a narração foi o modo que os primeiros “geógrafos”, os aedos gregos, utilizaram para apresentar o mundo. Esses relatos constituíram as primeiras obras geográficas. Este é o mesmo entendimento de Claval (2010) ao comentar sobre as geografias espontâneas, aquelas baseadas em narrativas, sejam orais, escritas ou visuais, que eram transmitidas de inúmeras maneiras e eram

9 [...] debía facilitar al geógrafo y la geógrafa um mayor y mejor acercamiento al estúdio de las relaciones que los seres humanos mantenemos con el entorno que nos reodea. Se perseguía compreender mucho mejor como los seres humanos se relacionan com su entorno, cómo crean lugares e imbuyen de significado al espacio geográfico y como se genera el sentido de lugar. Los lugares no serán considerados a partir de ahora como simples localizaciones ni amorfos nodos o puntos estructuradores de um espacio geográfico que, demasiado a menudo, se concibe, a su vez, como espacio casi geométrico, topológico. El espacio geográfico será concebido como um espacio existencial. (Tradução livre do autor)

Referências

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