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“Ser é estar a caminho”: a existência envolve uma dinâmica extática e peregrina. Gabriel Marcel

Há ainda os que não se sentem enraizados, não mantêm uma relação parental com a terra ou tampouco se sentem enraizados. Estes, por diversos motivos, possuem outras ligações com a terra e se sentem sempre convocados ao movimento, ao mobilismo. Estes últimos, almejam a aventura, possuem o desejo de se expor às desventuras e aos riscos da vida. Para eles, ser é estar sempre a caminho; suas existências são construídas no seio de uma consciência de itinerância, nas dinâmicas do peregrinar, de um universo extático (MARCEL, 2005). Esse outro modo de ser e estar no mundo já não pode ser chamado de geograficidade originária.

Aqui, denominamos esse afã pelo prazer do perigo frente à natureza de geograficidade épica. Trata-se daquela “[...] compreensão da Terra em que o espaço geográfico é considerado como um espaço a descobrir, apelo à aventura, ampliação da morada terrestre fixada.” (DARDEL, 2015, p. 71). De fato, em muitos momentos, para personagens como Legolas, Aragorn e Gimli, o desejo de aventura se traduz em percorrer o espaço, em atravessar campos, desfiladeiros, florestas densas e rios. Eles se insinuam para o perigo (Figuras 39 e 40), a pé ou a cavalo, correndo ou caminhando, o desejo é por uma aventura épica.

Essa vontade intrépida de percorrer o mundo, de aventurar-se, está relacionada ao entendimento do maravilhoso. Com efeito, quem enxerga o mundo ávido por realizações de façanhas ainda está se relacionando com ele numa perspectiva que une o desenraizamento a uma visão mítica da realidade. Nela, é preciso salientar, a estrutura mágico-mítica não fundamenta de forma integral essa geograficidade, mas o maravilhoso e o fantástico ainda sustentam essa geograficidade (DARDEL, 2015).

Com efeito, a relação destes personagens afeitos à aventura, mesmo não sendo sob uma perspectiva mítica, não se baseia numa natureza que segue leis invariáveis e demonstradas pela razão. Nesta relação de geograficidades, “[...] o fantástico e o prodigioso penetram a imaginação e a vontade dos homens de se lançar por novas rotas”

(DARDEL, 2015, p. 77). Isso proporcionaria uma visão do mundo ainda presa, embora não totalmente, às metamorfoses inexplicáveis da natureza, justamente por unir, na mesma relação, a aventura e o teor imaginário no vinculo homem-Terra (DARDEL, 2015).

Figura 39 – Percorrendo desfiladeiros

Fonte: Jackson (2002)

Nesta geograficidade que privilegia os fluxos, há o início do processo de racionalização progressiva da concepção religiosa do mundo. Há, portanto, uma mescla de fantasia e postura objetiva. Ao explicar os fundamentos dessa mescla, Jaeger (2010) parece descrever essa forma de se relacionar com o mundo ao pontuar que, nela, “é tão estreita interpenetração do elemento racional e do pensamento mítico, que mal se pode separá-los.” (JAEGER, 2010, p. 191).

Nas paisagens acima, é notória a presença da inquietação de desfraldar o mundo, ser o primeiro a adentrar territórios outrora inacessíveis e vislumbrar novos lugares. Esse desejo de aventurar-se não é um fim em si mesmo. O encontro com a sobrenaturalidade do natural e o vislumbre estético do que é exótico e se mostra como novos aspectos da Terra não se encerra em si mesmo. Esses movimentos não são sustentados apenas por um desejo de conhecer os mistérios e os enigmas da terra, mas por um esforço heroico, como parte de uma missão. Essa geograficidade também é épica porque o espaço é visto como um palco para atitudes heroicas, para façanhas do heroísmo. Aqui, o espaço geográfico é lócus do fabuloso.

Quanto maiores são as feições geográficas, mais elevadas são as atitudes heroicas dos personagens: este é o discurso presente nas paisagens de cinema. Rios caudalosos e de grande extensão; as montanhas enormes, vales profundos a serem atravessados; grandes afloramentos rochosos, transpostos; florestas densas e plenas de perigo. A vastidão do espaço é diretamente proporcional aos bravos feitos.

Figura 40 – O transpor montanhas

Fonte: Jackson (2002)

Figura 41 – O franquear das florestas densas

Nesse sentido, a questão das escalas das paisagens não pode passar despercebida. Em diversos pontos de nossa narrativa, o tamanho vultuoso dos elementos naturais (ampliado pela fotografia panorâmica em cinemascope) denota o tamanho das ações de heroismo. Não é à toa, lembra Bachelard (2001), o cenário majestoso reclama, demanda dos personagens gestos heroicos. A montanha trabalha nos seres com força de elevação. Nas montanhas, os personagens são submetidos à íngreme verticalidade de seus cumes. Subindo a montanha, participam da vida desta (BACHELARD, 2001). De fato, as montanhas, como espaço telúrico, podem se abrir a visitas:

O relevo, a altitude, as escarpas despertam o desejo de escalada como libertação, a impaciência de vencer o obstáculo, de pisar na neve intocada, de dominar [...] o vale com uma visão panorâmica. A montanha responde a uma geografia ascensional da alma, a uma vocação pela “elevação” [..] (DARDEL, 2015, p. 16-17).

As montanhas, em sua imagem majestosa, denotam um convite à exploração maravilhada da terra, que só será alcançada depois que se vençam os obstáculos impostos pelo ambiente acidentado e pouco acessível. É o vislumbre por novos lugares, por novas perspectivas de mirar o mundo, portanto, que orientam as jornadas pela superação destes obstáculos.

O mesmo pode ser dito sobre as experiências da geograficidade épica com as águas. Estas aludem, quase sempre, ao risco de aniquilamento, ameaça do perigo, que pode estar sempre à espreita, recorrente, presente. Nas águas, comenta Brandão (2016), o risco de perder-se, perder a vida, é sempre evocado. Daí a concepção de que transpassar as águas, dos rios ou dos mares, é um ato de heroísmo.

Com efeito, o espaço aquático é uma espécie de espaço que é em si mesmo vago e volátil, o que impossibilita qualquer geometrização; ele é sempre fluido. A água, de fato, é algo que escapa a nossa ânsia de mensuração, classificação, repartição, por isso mesmo constitui (simbolicamente) um desafio (BRANDÃO, 2016). De fato, relembra Dardel (2015), é diante dos espaços das águas que se percebe a insuficiência da atividade puramente racional, do saber, instrumentado pela razão que pretende reificar os fenômenos; para o geógrafo francês, o espaço aquoso nos dá uma lição de filosofia a este respeito.

Não há experiência de lugaridade nas águas. É inegável que há uma transitoriedade na água; ela se metamorfoseia incessantemente (FERREIRA, 2013). Se

relacionar com as águas é ser lembrado pelo mobilismo heraclitiano65 (BACHELARD, 1991).

Figura 42 – Fazendo dos rios uma aventura

Fonte: Jackson (2001)

Aqui, o corpo aquático é a inexistência da pausa e a presença sempre perene do convite a não ficar estático, é o chamado à ação – quase sempre conflituosa. É vivenciada nesta geograficidade, um avançar, um desafiar e atravessar as águas. Nesta compreensão, Por sua mobilidade, pelo salto soletrado da corrente ou pelo movimento ritmado das vagas, as águas exercem sobre o homem uma atração que chega à fascinação. Há uma palavra que encanta, uma substância que atrai (DARDEL, 2015, p. 21).

Ao atravessarem os rios de grande volume, mesmo que diminutos, os personagens manifestam essa geograficidade épica do desejo pela aventura, pelo vivenciar peripécias e façanhas terrestres (Figura 42). Sem dúvida, o desafio de se opor ao rio majestoso torna a conquista mais heroica.

Além das montanhas e dos espaços aquáticos, mas também comportando estes, a geograficidade épica se revela também nos ambientes abertos, “espaçosos”. Com efeito, são nos campos abertos e repletos de gramíneas, nas vastas planícies quase desnudas, nos afloramentos rochosos com uma amplitude de horizontes, que o épico e o heroico se

65 Referência bachelardiana a Heráclito de Éfeso, um dos principais filósofos pré-socráticos e famoso por ter iniciado o pensamento dialético bem como por defender que o mundo e a natureza em geral estão em constante movimento, em fluxo perpetuo. Para comprovar isso, Heráclito usou o exemplo de um rio.

manifestam. Tuan (2013) nos ajuda a compreender o porquê disso: “Espaciosidade está intimamente ligada associada com a sensação de estar livre. Liberdade implica espaço, significa ter poder e espaço suficientes em que atuar.” (TUAN, 2013, p. 70). De fato, explica o geógrafo sino-americano, um espaço permanentemente aberto, a vastidão, a grandiosidade dos elementos naturais, convida à ação, sugerem aventura ao propor o desfraldar desses elementos.

Figura 43 – Espaciosidade no interior da floresta

Fonte: Jackson (2002)

Figura 44 – Árvores alinhadas a extrapolar o infinito

Seja por desespero ou pela oportunidade de liberdade, a imensidão e a amplitude do espaço encoraja uma ação humana sob um aspecto heroico, corajoso (TUAN. 2013). Aliás, até mesmo florestas podem ser consideradas áreas de espaciosidade e, consequentemente, lócus da ação heroica. Como explica o próprio Tuan (2013, p. 75):

As árvores, que de um ponto de vista fecham o espaço, de outro são meios pelos quais se cria uma consciência peculiar de espaço, porque as árvores estão alinhadas até onde a vista alcança, elas levam a mente a extrapolar até o infinito [...], parece ilimitada para quem está perdido dentro dela. (TUAN, 2013, p. 75).

É exatamente essa a experiência de Aragorn, Gimli e Legolas na floresta (Figura 43). Elas, as florestas, são expressões, revelações desse caráter aventuresco. Aqui,

Pode-se falar aqui de uma poética do descobrimento geográfico, no sentido que foi a realização de uma visão que abarcava a totalidade do mundo e de que foi uma criação, criação de espaço, abertura, para o mundo de uma extensão do homem, ímpeto por um porvir e fundação de uma nova relação entre o homem e a Terra. (DARDEL, 2015, p. 79). É uma poética, pois é criação66. É uma forma única de se relacionar com a Terra. Difere, sobremaneira, das relações de enraizamentos já comentadas e instiga um interesse pelo percorrer a/na terra. O indivíduo ainda volve seu olhar para a “natureza”, mas se reconhecendo como um ser à parte dela. Dardel (2015), então, comenta esta busca humana pela natureza que lhe é sempre exterior e não mais vinculada ao ser humano.

Nestas aventuras, os personagens mantêm uma relação específica com a terra. Devido ao seu modo de viver repleto de fluxos, eles se utilizam dos fenômenos naturais para se localizarem, para orientar o caminho, para prever suas estratégias. De fato, eles calculam suas andanças através dos ciclos da natureza. Gimli, Aragorn e Legolas se orientam pelo sol e pelas estrelas, pelas constelações e trajetórias do astro do céu. Contam o tempo por passos e as distâncias pelo tempo: “São três dias de caminhadas até lá” ou “São quatros dias a cavalo até as minas”. O âmbito natural é presente constante nestas aventuras andantes:

Grandes distâncias são avaliadas a partir dos ritmos da natureza, particularmente pela alternância dos dias e das noites. Distâncias entre lugares são medidas em pernoites, dias, ou “luas”, despendidos durante o percurso. O ciclo diário tem proeminência na estimativa de distância, porque compete a ele regular o ritmo biológico humano de despertar e dormir, e porque a alternância dos dias e noites é o drama mais visível. As dimensões lineares da natureza que não se refiram ao corpo humano, como a altura de uma árvore ou a largura de um rio, raramente são

utilizadas para designar distâncias: a periodicidade da natureza, mais que sua extensão, fornece o modelo de comparação. (TUAN, 2011, p. 12)

Viver uma aventura andante não pressupõe enraizamento. Contudo, também não propõe uma quebra da ligação com a natureza. Pelo contrário, a ligação com os ciclos naturais permanece. Ligação nunca obliterada, nunca oculta, mas sempre efetiva.

Figura 45 – Olhares que decifram o espaço a percorrer

Fonte: Jackson (2002)

Outro exemplo claro que delineia bem esta conexão dos andarilhos com o espaço em que estão inseridos é a possibilidade de encontrar, nos elementos e fenômenos da natureza, mensagens, recados. É como se as sinuosidades da superfície ou as condições atmosféricas ensinassem aos indivíduos, indicassem-lhes como e por onde exercer sua mobilidade. Aliás, como dito, o caráter mítico, apesar de não ter a mesma força, ainda permanece nessa geograficidade. Legolas (Figura 45), como um andante, possui uma relação toda especial com os elementos naturais, tendo uma visão aguçada e conhecimentos específicos sobre como atravessar os “acidentes geográficos” e demais espaços desfraldados. Em suma, o fato de enveredar-se por aventuras andantes promove a aptidão de, cada vez mais, repetir tais aventuras. Numa linguagem figurada, essa aptidão é dom de ter

[...] um olho animal apto para distinguir as auroras, o amanhecer, as tempestades que se formam e se dissipa, os crepúsculos, os eclipses, os comentas, as cintilações estelares; sabe ler a matéria das nuvens e decifrar suas promessas, interpreta o vento e conhece seus hábitos. O

capricho governa seus projetos relacionados com os ritmos da natureza. (ONFRAY, 2009, p. 15).

A esta aptidão Tuan (2013) chama de habilidade espacial. Trata-se de uma capacidade de amplitude e velocidade na mobilidade, desvencilhando-se daquilo que prende o indivíduo a um lugar determinado. Conhecimentos astronômicos e geográficos são inerentes a essa habilidade. Esses conhecimentos e essas capacidades, de fato, pontua o geógrafo, constituem uma forma própria de se relacionar com o espaço. Na linguagem dardeliana, aqui apropriada, a habilidade espacial é inerente a uma geograficidade que privilegie os fluxos, o mobilismo.

Ademais, essa ânsia de adentrar outros territórios e vislumbrar novos lugares, de percorrer o mundo, também é encontrada em Gandalf. Num diálogo entre Gandalf e Frodo, é possível compreender não só o caráter autóctone do segundo, mas também o caráter andarilho do primeiro. Para tanto, é necessário, portanto, estabelecer a distinção entre uma “metafísica sedentária” e uma “metafísica nomádica” no pensamento vigente do Ocidente (CRESSWELL, 2006). Na primeira, havia uma espécie de culto à cultura da imobilidade, do enraizamento. Nela, aquele que caminha, o andarilho, é um “sonhador”, não tem os pés no chão (BERQUE, 2013). É um mero errante, um ser a vaguear. Na segunda, por sua vez, há uma clara compreensão de que a mobilidade é liberdade, progresso, ascensão cultural. Apesar de serem compreensões opostas, aponta Cresswell (2006), elas convivem nas mais diversas imaginações geográficas, inclusive nas obras cinematográficas.

Michael Onfray (2009) faz eco ao pensamento de Cresswell (2006) ao elencar essas duas posturas, a do nômade e a do sedentário. São uma espécie de arquétipos. Eles se opõem, são diametralmente opostos, mas também se afirmam. Existem um por causa do outro. Das narrativas mitológicas, passando pelas literaturas diversas até os objetos da cultura audiovisual, esses dois mundos convivem no nosso imaginário e agitam nossas questões metafísicas e político-ideológicas67. Neste embate,

Os andarilhos, os vagabundos, os errantes, os que correm, viajem, vagueiam, flanam, palmilham, já e sempre em oposição aos enraizados, aos imóveis, aos petrificados, aos erigidos em estatua. (ONFRAY, 2009, p. 11).

67 Michael Onfray (2009) elege o pastor de rebanhos e o agricultor (o camponês lavrador) como os modelos desse mundo: o homem dos animais em movimento contra o do campo que permanece.

Por vezes, de fato, aqueles que são nômades, amante dos fluxos, são associados a aspectos negativos, são tidos como impertinentes, inassimiláveis pela comunidade, amaldiçoados até. Assim, podem até ser obrigados ao sedentarismo ou marcados para terem o direito da existência negado, como aconteceu e ainda acontece com os ciganos em alguns locais. Por outras vezes, relembra Onfray (2009), são vistos como manifestação de uma independência e de uma autonomia, um culto a liberdade, modelo de herói e representante da paixão pela improvisação diante do enrijecimento da vida, posto que possuem uma existência lúdica (ONFRAY, 2009). Gandalf (Figura 46), conhecido como o “Peregrino Cinza”, está inserido nessa segunda compreensão, na qual mobilidade é liberdade, autonomia (CRESSWELL, 2006; TUAN, 2013).

Figura 46 – Gandalf chegando no Condado

Fonte: Jackson (2001)

Contudo, até para os andejos mais resolutos, há um lugar para descansar, conversar, fumar, comer e pensar. Há sempre a possibilidade do lar se estender e se estabelecer em outro ponto; o lar também pode ser rizomático (RELPH, 2012). É assim que Gandalf se comporta em diversos pontos da narrativa. Ser um andarilho não transforma Gandalf num sem-lugar, mas em alguém cuja noção de lugar é ampla (TUAN, 2012). É a mobilidade que proporciona isso.

Nas imaginações geográficas, então, há essa presença dupla. Para alguns, o ser nômade foi compreendido como uma ameaça, um desvio, uma transgressão. O “homem de bem” era sempre gente de lugar, enraizado. No Condado, onde prevalece a geografia

originária, esta compreensão é nítida. O diálogo de Frodo e Gandalf evidencia isso. De fato, “imaginações da mobilidade tem informado julgamento sobre pessoas e suas práticas” (CRESSWELL, 2006, p. 2, tradução nossa)68. É interessante notar, então, que a mobilidade possui significados diversos em obras de imaginações geográficas como os filmes.

Figura 47 – Gandalf e parte da Sociedade do Anel em Edoras

Fonte: Jackson (2002)

A mobilidade de Gandalf, realmente, nos faz perceber essa duplicidade. Ora bem-vindo; ora, um incômodo, Gandalf é sempre o “forasteiro” que se sente em casa, que lugariza as terras por onde passa. É quase sempre um estrangeiro, mas, devido a sua intensa mobilidade, nunca é um estranho. É o viajante sempre aberto à possibilidade de uma nova jornada, desfrutando o desfraldar.

As aventuras andantes não se resumem ao heroísmo do desfraldar o espaço, mas também se revelam nas paisagens de guerra. O saber percorrer o espaço e todas as combinações geográficas (montanhas, demografia dos povos, planícies, solos arenosos, localização das cidades e de cidadelas, lagos, florestas, etc.) é algo comum nessa narrativa fílmica. As paisagens de guerra em O Senhor dos Anéis, com efeito, nos permitem

68 imaginations of mobility have informed judgments about people and their practices (Tradução livre do autor)

visualizar os exércitos em movimentos e relembrar, com Yves Lacoste (2005), que a geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.

Percorrer o espaço e dele ter uma experiência é pertinente, posto que faz da experiência geográfica um saber de caráter estratégico. As aventuras de desfraldar o mundo são essenciais para a guerra, posto que se tornam também um instrumento de poder umbilicalmente ligado às práticas militares (LACOSTE, 2005). Os próprios personagens estão certos disso:

Gandalf: O tabuleiro da guerra está posto. As peças se movem. Figura 48 – Exército em movimento

Fonte: Jackson (2003)

De fato, o exército avança, se pondo em movimento. A espaciosidade é um convite para o marchar dos combatentes, para o progredir do curso do exército e, por consequência, da guerra. Poucas rochas, ondulações leves no terreno, a relva parcialmente queimada pelo sol bem como a ausência de árvores e arbustos para impedir o prosseguir: aqui, como em outros pontos da narrativa, o espaço aberto é uma convocação para o avanço dos passos, para o se lançar no terreno e atravessá-lo rumo ao confronto.

O mover das tropas, encontrar o lugar certo para desferir o ataque, ocupar o território inimigo, transpor uma companhia militar para um flanco da montanha, se colocar na retaguarda adversária, deslocamentos, marítimos e terrestres, dos aliados, evacuações de cidades, alinhar-se ou realinhar-se diante dos movimentos adversários,

utilizar as sinuosidades da superfície terrestre, as informações topográficas para ludibriar o oponente: a aventura da guerra é sempre uma aventura andante.

O atravessar as veredas pedregosas, as terras com solos arenosos, os leitos de rios ou os campos abertos com vegetação verde-acinzentada são também movimentos de guerra. Na nossa narrativa, a evacuação (Figura 49), por exemplo, é um mover de um local frágil para outro que ofereça maior proteção – geralmente, com feições geográficas que auxiliam no ideário de defesa.

Figura 49 – Evacuação de Rohan

Fonte: Jackson (2002)

Os personagens não estabelecem uma ligação com o ambiente, que é somente de passagem. Andam, persistem no caminhar e avançam todos juntos, seguindo o passo dos líderes da cidade, rumo a um ponto seguro diante do ataque inimigo. Desse jeito, saem de sua cidade em direção a outro ponto. Não há relação parental com a terra; total ausência de uma geograficidade originária. De fato, nenhum indício de manifestação de topofilias ou de paisagem de medo (TUAN, 2005, 2013). Nas referidas cenas de evacuação, as paisagens de cinema revelam uma relação de lugar-sem-lugaridade (RELPH, 2014). Isto é, há uma experiência existencial e corpórea daquele espaço, mas ela não possui conexões fortes. É um simples passar, um mero atravessar, um caminho para outro lugar. Mas, ainda assim e justamente por isso, é um movimento de guerra, uma aventura andante.

As aventuras andantes, então, não se dão unicamente pelo desejo do perigo ou pelo afã de desbravar o mundo, mas por necessidade, por receio. A motivação do

deslocamento é a proteção, é a sobrevivência. São expressões de uma estratégia, da natureza contingente dos conflitos e das guerras, de uma “imposição” totalmente alheia. Nestas paisagens da guerra, as aventuras errantes são motivadas por uma vulnerabilidade, por uma fragilidade.

Figura 50 – No território da guerra

Fonte: Jackson (2002)

Para pensar nessas estratégias de guerra e, consequentemente, analisar como os exércitos se movem no mundo imaginário, mapas são utilizados abundantemente. Cidades sitiadas, planícies e pradarias abertas para a luta, movimentos do inimigo, trajetos para recuperar espaços perdidos no campo de batalha, localização dos aliados – tudo é apreendido pelo olhar do mapa.

Aqui, os movimentos dos dedos sobre o mapa metaforizam o movimento das