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POR UMA GEOGRAFIA FÍLMICA DE CONFLUÊNCIAS E MISTURAS: O VIÉS ESPRAIANTE VIÉS ESPRAIANTE

O FILME E A GEOGRAFIA: ESPRAIAMENTOS QUE NARRAM O MUNDO

2.2 POR UMA GEOGRAFIA FÍLMICA DE CONFLUÊNCIAS E MISTURAS: O VIÉS ESPRAIANTE VIÉS ESPRAIANTE

A concepção de filme como narrativa, como uma escrita, está presente na ideia do cineasta Robert Bresson (2005). Para este, o Cinema é uma linguagem epifânica e o filme, uma cosmofania, uma epifania do mundo. Dessa maneira, o filme não é uma reprodução do real, mas uma emanação do próprio “real”. De fato, Bresson (2005) foge do jogo mimético e sugere que o trabalho de montagem gera inescapavelmente uma criação, uma concepção de algo totalmente novo (AUMONT, 2012). O próprio Bresson (2005) explica isso ao enfatizar que “criar não é deformar ou inventar pessoas e coisas. É estabelecer entre pessoas e coisas que existem e tais como elas existem novas relações” (BRESSON, 2005, p. 21). Dessa maneira, o autor opõe reprodução a criação, posto que o filme não é uma imitação vulgar do mundo, mas uma maneira de falar dele, ou usando os termos do próprio Bresson (2005), um evidenciar de novas relações do mundo.

Ademais, Bresson (2005) concebe a obra cinematográfica como uma maneira de escrever, de “falar visível”. Para Bresson, de fato, explica Rancière (2012) ao analisar Mouchette (1967), a linguagem cinematográfica não permite, entre outras coisas, que a imagem seja apenas uma cópia destinada à semelhança, negando assim uma postura mimética; para o cineasta francês, a imagem seria autônoma, capaz de revelar a verdade. Bresson fazia até comque o “vento invisível” ganhasse uma aparência ao ser traduzido pela superfície da água a ser movimentada pelo vento (RANCIÈRE, 2012).

Daí o entendimento de uma linguagem de revelação, de epifania, na qual a imagem possuía uma autonomia em si e não dependente de discursos que lhes são exteriores. O autor, de fato, nega toda a postura mimética ou de mera reprodução. Assim, o filme evidenciará

a beleza, ou a tristeza, ou etc, que encontramos numa cidade, numa paisagem campestre, numa casa, e não a beleza, ou a tristeza, ou etc.,

que encontramos na fotografia de uma cidade, de uma paisagem campestre, de uma casa. (BRESSON, 2005, p. 58).

Assim sendo, o cineasta francês reafirma que o filme revela o mundo e não as “representações” do mundo. É preciso levar em conta também que Bresson (2005) se encontra num contexto de negação de comparação do filme com outras expressões artísticas e, por isso, afirma incisivamente a distinção entre o filme e a fotografia. Contudo, é interessante notar que esta distinção está fundada numa ontologia do cinema, numa concepção da natureza do filme como elemento revelador do mundo, como uma epifania do mundo e não meramente reprodutor.

Figura 7 – Lago em movimento

Fonte: Bresson (1967)

Aumont (2012) recorda também que Bresson é filho de seu tempo e, em seu contexto, com a eclosão das leituras de Heidegger e outros autores, é compreensível a opção de pensar o filme como experiência de verdade, como uma revelação veritativa. É igualmente interessante perceber que Bresson (2005), ao estabelecer a supracitada distinção, utiliza elementos geográficos tais como o espaço urbano e a paisagem do campo. Esse dado demonstra a compreensão de que o filme, ao evidenciar o mundo via a categoria da paisagem, é uma geografia, uma maneira de falar sobre o mundo.

Este pensamento, contudo, não se encontra apenas em Robert Bresson (2005). Outros autores que se debruçam sobre o Cinema, quer sejam cineastas ou não, têm o mesmo entendimento sobre as obras cinematográficas. Pode-se citar o exemplo de Jacques Rancière, filósofo francês que se dedicava, entre outras coisas, ao estudo das

imagens. O autor, tal como Morin (2014), reconhece a condição do Cinema enquanto arte, como algo que excede a pura técnica, ao lembrar que ”limitar-se aos planos e procedimentos que compõem um filme é esquecer que o cinema é arte contanto que seja um mundo” (RANCIÈRE, 2012, p. 15), isto é, o fato do filme ser um mundo que ali se instaura, de nada ter a ver com a reprodução da realidade é o que possibilita o filme ser considerado arte.

O autor, ainda, relembra que o Cinema nasceu sob o signo da não representação. Nasceu para ser verdade, explica ele ao citar o cineasta Jean Epstein. O Cinema, portanto, nascera para ser a arte da não representação, da presença. Os discursos sobre o mundo, portanto, estão presentes e não alhures. O filme simplesmente não resgata conteúdos, mas eles já estão presentes no próprio filme. Hollywood, seus processos de decupagem, de esquemas psicológicos e de promoção de identificação dos espectadores é que mudaram esse caráter original do Cinema, argumenta o autor. Contudo, esse caráter original foi retomado por Robert Bresson e outros cineastas. Tal caráter originário, ao qual Rancière (2012) denomina poeticamente de vocação justamente por ser aquilo que o filme é chamado a fazer, seria revelar sua verdade nas próprias aparências (RANCIÈRE, 2012). Para exemplificar o seu entendimento, Rancière (2012) evoca os exemplos dos cineastas Dziga Vertov38 e Jean Epstein39. Para estes, explica o filósofo francês:

o cinema se opõe às histórias como a verdade à mentira. Para eles, o visível já não é a sede das ilusões sensíveis que a verdade deve dissipar; é o lugar de manifestação das energias que constituem a verdade um mundo. (RANCIÈRE, 2012, p. 39)

Assim, as imagens contidas nas obras cinematográficas não eram, de fato, frutos de um aparelho mágico que produziam ilusões, miragens e aparências mentirosas. Pelo contrário, no entendimento dos cineastas supracitados, a imagem cinematográfica era a manifestação de uma realidade própria. Trata-se de dar às aparências um estatuto de verdade, a exemplos de outros autores como se verá mais a frente. Assim, as imagens fílmicas ali presentes não seriam enganadoras, mas desveladoras do mundo. Para Rancière (2012), inclusive, nem a ligação de Vertov com o materialismo histórico dialético e com o regime soviético o fez pensar diferente:

38 Cineasta e documentarista russo, foi autor de O Homem com uma câmera na mão e fazia parte da escola Cinema Verdade (Kinopravda).

39 Cineasta e teórica francês de origem polaca. Com vasta produção cinematográfica, foi considerado diretor importante no movimento impressionista francês.

O marxismo de Dziga Vertov parece ignorar qualquer oposição entre o movimento real das energias produtoras e as aparências da sociedade de classes e de seus espetáculos. [...] Não há aparências e o real. Há a comunicação universal dos movimentos que não deixa qualquer lugar para uma verdade escondida nas aparências (RANCIÈRE, 2012, p, 41). De tal modo, ainda sob uma inspiração de uma cosmovisão marxista, Vertov compreendia o filme não como uma máscara do mundo, uma realidade em que a aparência seria necessariamente mentirosa, ou para ser fiel à terminologia marxista, alienante. Pelo contrário, o aparente, o visível não seria uma oposição ou negação da realidade. O filme, então, teria aspectos revelativos, epifânicos, posto que sua aparência seria, essencialmente, reveladora. Os significados comunicados estão no visível, no filme e não aquém ou além dele. Aqui, como cantou uma banda de folk rock, a máscara e o rosto trocam de lugar (GESSINGER, 2008). O filme não é uma máscara que esconde o mundo, mas o seu rosto em epifania. Os discursos sobre o mundo estão no próprio filme e não fora dele.

Michaud (2014), professor visitante do Departamento de Artes de Harvard, historiador da arte e curador do Musée National d'Art Moderne, também possui a mesma compreensão sobre as obras cinematográficas ao categorizá-las dentro de uma arte da presença, negando toda visão mimética e arqueológica do filme. Este último, na realidade, “já não pode ser definido como uma arte da representação, ou ainda uma ficção, mas é reclassificado como uma arte da presença.” (MICHAUD, 2014, p. 25). O autor francês, ainda, entra em consenso com os autores já comentados ao atribuir ao filme uma dimensão de “ineditismo”, ao argumentar que a obra cinematográfica é um mundo instaurado no momento da exibição e não uma simples cópia da realidade. Sendo instaurado naquele momento, os seus conteúdos e discursos não podem estar em outro lugar a não ser nele mesmo. É uma compreensão parecida com a de Queiroz Filho (2009, 2011), que relembra que as imagens fílmicas não são um eco de um passado, não buscam uma “semântica” do que já passou, mas, encontram, no instante da exibição, os significados das próprias imagens.

Assim, na compreensão anti mimética de Michaud (2014), a imagem cinematográfica “não é uma janela através da qual o mundo ou reflexo do mundo se estendem em profundidade” (MICHAUD, 2014, p. 12). Desta forma, o filme não pode ser concebido como o reflexo do mundo, uma duplicação da realidade. A obra cinematográfica, então, “revela-se no momento da projeção.” (MICHAUD, 2014, p. 33).

De tal modo, só podemos compreender os filmes e seus significados nesta exibição. Mas, o que o autor quis dizer ao afirmar que o filme revela-se? Na verdade, o crítico de cinema francês chama atenção para o viés espraiante do filme, para a consciência de que aquele diante da imagem fílmica está diante de uma experiência epifânica, na qual encontra, ao mesmo tempo, a imagem e seus discursos, um mundo todo novo. Michaud (2014) também cita Méliès para sustentar o chamado ao teor cosmogênico, já aludido por Rancière (2012), que a obra cinematográfica sempre teve, mas que foi perdido devido ao tempo de fervor documentarista, de filme como janela para o mundo graças ao realismo cinematográfico. Para o autor francês, de fato,

Desviando a câmera de sua vocação documentária, ele [Méliès] a utilizou como instrumento demiúrgico, não mais para observar a realidade, mas para recriá-la. (MICHAUD, 2014, P. 157).

De tal modo, usando uma metáfora baseada na mitologia grega e na filosofia platônica do demiurgo, Michaud (2014), coadunado com Morin (2014), nega a função do cinematógrafo como observador do mundo, da realidade.

Figura 8: O caráter demiurgo de Viagem à Lua

Fonte: Méliès (1902)

Para Méliès, explica Michaud (2014), a obra cinematográfica não copia a realidade ou tampouco possui a função de representá-la; o filme, efetivamente, recria o

mundo e está completamente longe de uma compreensão de arte de representação. É exatamente sobre isso que Morin (2014) comenta ao se referir a uma presença objetiva.

Figura 9: Méliès recriando a realidade

Fonte: Méliès (1902)

O filme, então, possui essa presença, cuja a realidade transcende o subjetivismo, isto é, não pode ser considerada única e simplesmente como uma mera projeção cultural de uma outra realidade, mas que existe factualmente. O filme e suas paisagens, portanto, possuem os aspectos subjetivo e objetivo. O que está em jogo, portanto, não é uma representação de algo exterior, mas sim uma revelação do mundo. O filme, também, não seria uma operação ilusória, mas intenta unicamente revelar o mundo, posto que não se propõe a emitir discursos extrafilme, mas evidenciar as próprias coisas, comunicar significados naquele e daquele instante.

Dito isto, fica manifesto o caráter eipfânico dos filmes. Mas o que o filme revela? O que ele evidencia? Tal como a geografia, o filme, como explicado anteriormente, revela o mundo, a experiência do homem sobre o mundo, a geograficidade. Na trilogia do Anel, por exemplo, é perceptível que a geograficidade é expressa. Um caso pertinente é do já citado Aragorn (Viggo Mortensen), que se relaciona com o mundo de forma direta e “harmônica”, conversando com ele, lendo as fibras da superfície terrestre ou até mesmo escutando-a. De fato, em meio a um afloramento rochoso que corta um dos inúmeros vales levemente ondulados apresentados no filme, o personagem ausculta a rocha como se a crosta terrestre lhe fosse uma amiga que lhe conta segredos, se relaciona com ela tal qual uma companheira na existência numa espécie de reencantamento do mundo (NOGUERA & ARIAS, 2014). Ele parece, pois, conhecer os dialetos da terra.

Figura 10: Aragorn escutando a Terra

Fonte: Jackson (2002)

Figura 11: Aragorn se concentrando na escuta da Terra

Fonte: Jackson (2002)

Com efeito, a Trilogia do Anel revela os diversos modos de como se pode se relacionar com a Terra, de ser e estar no mundo. O exemplo de Aragorn é icônico, pois, como se elucidará posteriormente, revela uma geograficidade que, contemporaneidade, não é tão comum; revela uma relação de cumplicidade com a Terra, de conivência. Aliás, essa relação, apesar de teor de reciprocidade e de escuta, possui um fim: o de orientação.

Figura 12: Aragorn lendo a terra com os dedos

Fonte: Jackson (2002)

A paisagem expressa que o personagem lê a terra com as mãos, com a suavidade do deslize dos dedos a acariciar o solo. Tal carícia permite uma escuta do solo, quase como um geógrafo, a fim de saber para onde ir, na busca de pistas. O que está escrito no solo conta, narra, o paradeiro dos companheiros de Aragorn e a leitura deste permite que a própria terra lhe indique o caminho a seguir. O rosto da terra, assim, funciona como mapa, como bússola.

Figura 13: Aragorn lendo a Terra

O que importa frisar é como o filme, elucidando uma relação de escuta e de diálogo com a fisionomia da terra, ainda que instrumentalizada para a finalidade de orientação. O filme, então, expressa uma geograficidade, uma maneira de se relacionar com a Terra que implique numa relação quase fraterna, de cooperação e não de dominação, de subjugação.

A obra cinematográfica, de fato, evidencia o mundo. Não só cineastas e teóricos do Cinema que podem auxiliar a pensar o filme sob um viés espraiante, mas também geógrafos e outros estudiosos que discutem as dimensões socioespaciais em obras cinematográficas. Entre estes, pode-se enumerar Teresa Castro, professora da Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle). Castro (2015), de fato, corrobora a nossa tese ao explicar que o filme é responsável por criar uma imagem do mundo, uma cosmovisão. Assim sendo, o filme, enquanto um mundo que ali é instaurado e “manifestado”, expressa o mundo através das paisagens de cinema.

Com efeito, explica a autora ao usar o exemplo emblemático dos filmes de Charles Urban, as obras cinematográficas foram entendidas “como a atualização da forma que durante mais de trezentos anos tinha contribuído para criar uma imagem do mundo.” (CASTRO, 2015, p. 24). Ou seja, o que, por muito tempo, foi utilizado para evidenciar o mundo, mapas e outros objetos geográficos, foi substituído pelas obras cinematográficas (CASTRO, 2015; BRUNO, 2002)40. Não é à toa que o slogan da companhia de Mèlies era le monde a portee de main – o mundo inteiro a disposição, em português. Tal slogan denota que o filme possuía a missão de anunciar o mundo. Castro (2015) corrobora a tese não apenas por isso, mas também por apresentar uma concepção de filme que vai de encontro com a concepção mimética, negando toda “imitação do mundo” nas obras cinematográficas. Os filmes, explica a autora ao citar Tom Gunning41, não são imitações, mas formas de possuir o mundo, ou seja, tê-lo ao seu alcance.

Não é à toa, pontua Castro (2015) num entendimento idêntico ao dos autores supracitados, o filme, dentro dessa ideia de evidenciar, mostrar o mundo, é um produto de uma arte da presença e não de discursos ausentes ou tampouco uma arte da cópia, da mimese.

40 Para Giuliana Bruno, os filmes são cartografias modernas: “film is modern cartography” (BRUNO, 2002, p.71).

41 Tom Gunning é um ator e crítico de cinema. Atualmente, é professor do Departamento de História da Arte do Departamento de Cinema e Estudos da Mídia da Universidade de Chicago.

Mas, exposto tudo isso, o que significa dizer que o filme está relacionado à presença? Georges Didi-Huberman, filósofo e crítico de arte, explica isso ao dedicar-se sobre objetos visuais e, entre eles, o filme. Este último, explica o autor francês, “[...] não representa nada como imagem de outra coisa [...], não joga com alguma presença suposta alhures” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 61). Isto é, ali está sendo dado, instaurado, posto que não é imitação ou representação de algo exterior ou, nas palavras do autor, alhures, de outro lugar.

É por isso, continua a explicar Didi-Huberman (2010), é algo específico em sua própria presença e não por ser presença de outra coisa que, no caso do filme, é o mundo extrafílme. Assim, o filme, nesta perspectiva de presença, não entra num jogo de significações fora do filme, mas nele mesmo, posto que a obra cinematográfica não representa algo exterior. Bulcão (2013), retomando e ressignificando Bachelard para o universo cinematográfico, reforça esta concepção ao propor que, para compreender uma imagem fílmica, não é preciso buscar significados no mundo extrafílmico; o sentido está na própria imagem.

Ao postular paisagens de cinema, o movimento será o de dar enfoque na própria paisagem, no que ela expressa, no que ela evidencia. E, porquanto, não recair em subjetivismos ao trazer discursos fora do filme, tolhendo a potencialidade da paisagem de cinema ao, numa postura autoritária, “silenciá-la” em sua possibilidade de dizer algo bem como prendendo-a a reverberações de possíveis discursos exteriores à paisagem, como se explicará a posteriori. A preocupação, de fato, será como a paisagem expressa o mundo e, mais precisamente, a maneira pela qual o ser humano habita e se relaciona com o mundo, a geograficidade. É isso que se ressalta ao se propor uma significação da presença, dos elementos presentes na paisagem de cinema e não a representação de discursos alhures.

O que importa frisar é que, com Castro (2015), negando-se a cultura mimética, postula-se o entendimento de que o filme retrata o mundo – é preciso salientar, aliás, que o termo retratar está relacionado com as ideias de criar imagem do mundo. Não obstante isso, Castro (2015), fazendo coro a tese aqui postulada, nega tanto o viés arqueológico como o mimético e opta por uma visão de filme como revelação, como expressão, como epifania.

Azevedo (2007) também explica como há a compreensão de que o filme revela, anuncia discursos próprios, está presente em diversos cineastas bem como esse prisma

revelativo não pode ser descartado em interpretações geográficas de filmes, mas, pelo contrário, incorporado aos trabalhos que se dediquem à geografia fílmica. Assim, na explicação da geógrafa portuguesa sobre Robert Bresson e Bela Balázs, o filme é responsável por revelar o espaço, o mundo. É a ideia de Bresson comentada anteriormente que a autora associa a Bela Balázs, cujo o pensamento considerava a fisionomia da paisagem como elemento vital no cinema posto que ela tem a capacidade de exprimir um certo tipo de atmosfera. O uso da palavra exprimir é interessante, pois coaduna perfeitamente com a concepção de paisagem elencada anteriormente que nega a máscara que esconde.

Azevedo (2007), ainda, chega a citar o cineasta polaco-francês Jean Epstein, o qual dava ênfase nas dimensões fisionômicas, atribuindo a estas uma potencialidade retórica ao argumentar que a fisionomia do filme, a paisagem cinemática possui significações: “As montanhas (...) têm significado.” (AZEVEDO, 2007, p. 400 APUD EPSTEIN, 1974, p. 134). A autora portuguesa, com efeito, compreende a paisagem, nas obras cinematográficas, como construção cultural e como experiência. Reconhece, então, dados subjetivos e objetivos em jogo. Daí a necessidade de refletir a acerca de proposições que privilegiam apenas um destes aspectos. Aliás, em seu entendimento, “[...] o repensar de uma tradição de estudo passa agora por flexibilizar as próprias fronteiras dos modelos clássicos de análise e interpretação da paisagem” (AZEVEDO, 2007, p. 89). Este movimento rompe com a dicotomia existente nas abordagens do viés mimético e do viés arqueológico.

Há a necessidade, agora, de um elemento que integraria ambos aspectos. Esse o desejo de fundamentar a produção do conhecimento nas Geografias fílmicas nos leva a uma postura diferente daquela que a objetividade quis legar, ou melhor, legou ao Ocidente. Essa postura é igualmente distinta do primeiro esforço de superar a objetivação e que caiu num subjetivismo, através do apelo ao simbólico que aviltou a fisionomia, os aspectos materiais. Ela nos leva a perspectivas de integração, de união, de coincidência, da interpenetração – numa palavra, ao espraiamento. De fato, sem negar o aspecto simbólico tão bem definido pelo viés arqueológico, Azevedo (2007, 2015) também enxerga a paisagem nas obras cinematográficas como uma experiência, fugindo da dicotomia de observador/observado, sujeito/objeto. Desse modo, na experiência da paisagem, não há alguém que observa a paisagem “afastado”, mas uma relação.

Diante disso e da trilogia O Senhor dos Anéis, como não se recordar dos espaços fílmicos da Terra-Média – suas florestas, seus campos, suas montanhas, suas relvas, suas cidades, seus afloramentos rochosos, etc. – e seus significados a serem comunicados com aqueles que se encontram com as suas paisagens de cinema?

Dessa maneira, as significações dos filmes não estariam por trás das paisagens, longe do filme, presas no espaço extrafilme, em textos exteriores ao espaço diegético do filme, mas, sim, no próprio filme, nas paisagens de cinema. Estas possuem significações em si mesmas. Assim sendo, o viés espraiante proposto aqui partilha da ideia do viés arqueológico de que há significações no filme (METZ, 1980), nas imagens cinematográficas, mas se distancia desse último viés ao compreender que as imagens fílmicas, as paisagens nos filmes possuem as significações em si mesmas e não fora delas. Esse distanciamento é fruto da compreensão de que é preciso se desvencilhar da dicotomia moderna que separa o sentido do sensível (MERLEAU-PONTY, 2004). Desse modo, o filme potencia uma revelação, um acontecer epifânico, negando o reino infindável do sentido além-paisagem que acaba por negligenciar a própria paisagem de