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África do Sul – um pequeno gigante

2. Capítulo II – O Protagonismo dos BRICS na Cena Internacional

2.5 África do Sul – um pequeno gigante

2.5.1 O papel da África do Sul nos BRICS: uma relevância essencialmente regional

A entrada da África do Sul no grupo dos BRICS não seguiu os mesmos parâmetros que definem as atuais potências emergentes. Desde logo, a África do Sul não se enquadra totalmente no conceito de potência emergente: não possui uma projeção económica de grandes dimensões e fruto de uma grande abertura ao mercado internacional e ao investimento estrangeiro, como o caso da China ou da Índia; não expressa o mesmo protagonismo político dos restantes BRICS; e possui um território e população claramente inferiores ao dos grandes países emergentes. Em termos económicos e militares, a África do Sul encontra-se inclusivamente abaixo de países como a Turquia, a Indonésia ou a Venezuela, e no fim do ranking dos vinte países em análise no capítulo seguinte. Se, de facto, os BRICS são considerados como o grupo das potências emergentes, seria mais justificável o alargamento a países como o México, a Argentina ou a Turquia93. A verdade é que, com o convite endereçado à África do Sul para integrar o grupo em 2011, os BRICS já não são apenas representativos das potências emergentes, mas também, e cada vez mais, do crescimento do regionalismo. Ora, neste contexto, importa ter em conta que a África do Sul está inserida num complexo regional unipolar onde usufrui de um lugar de liderança que, segundo

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Segundo o general Loureiro dos Santos, a China já se substituiu ao FMI em alguns países, ao conceder um empréstimo em melhores condições a Angola (e até ao Brasil e à Argentina), o que serve como instrumento de influência chinesa nos países onde atua. José Alberto Loureiro dos Santos, O Império Debaixo de Fogo: Ofensiva Contra a Ordem Internacional Unipolar, Europa-América, Mem Martins, 2006 p. 101

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A questão da força do acrónimo, já abordada no capítulo I, é uma das razões que justificam a entrada da África do Sul, em detrimento de outras potências que desvirtuariam o significado e força do acrónimo BRICS.

Buzan94, é único quando comparado com todos os restantes complexos regionais. Este facto confere, evidentemente, um estatuto de grande relevância internacional à África do Sul, mas é ao nível regional que o seu poder deve ser avaliado.

No complexo regional onde se insere, a África do Sul detém um estatuto de gigante económico, com cerca de um quarto do PIB do continente africano e um terço do PIB da África subsariana95. O seu papel nas organizações regionais é preponderante para atingir o desenvolvimento de organizações como a União Europeia ou o Mercosul, embora ainda longe da grandeza destes espaços económicos. Além da União Africana, a África do Sul é especialmente crucial em duas organizações subregionais: a SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), com catorze Estados membros e onde o PIB da África do Sul representa três quartos do PIB total da organização96; e a UAAA (União Aduaneira da África Austral), uma organização essencial à livre circulação de capitais entre a África do Sul e os países fronteiriços, e cuja criação – em 1910 – antecedeu a ideia do projeto de integração europeia. Embora se trate de organizações com um peso diminuto no comércio mundial, são essenciais ao desenvolvimento económico da África do Sul enquanto potência regional.

Paralelamente, o governo sul-africano tem-se empenhado numa maior abertura e modernização da economia, através, fundamentalmente, de programas como o GEAR (Growth, Employment and Redistribution) e o ASGISA (Accelerated and Shared

Growth Initiative for South Africa), cujo objetivo assenta numa estratégia de maior

liberalização e até desregulação do mercado sul-africano com vista à aceleração do crescimento97. Os conceitos da geoeconomia e do turbocapitalismo, desenvolvidos por Edward Luttwak, constituem, portanto, o centro do tipo de crescimento da África do Sul. O seu crescimento anual, na última década, situou-se sempre na casa dos 3%, e atingiu 6% em 200698 (em 2009, porém, sofreu uma enorme queda na sequência da crise financeira mundial, contrariamente à China e à Índia).

Em termos evolutivos, a África do Sul passou de uma economia fechada e fundamentalmente centrada na exploração mineira e agrícola, para uma economia aberta, semelhante às economias ocidentais e muito centrada no setor dos serviços, que

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“The Southern African RSC is unipolar. South Africa is dominant to an unusual degree compared with other standard regions.” Barry Buzan, Regions and Powers: The Structure of International Security, Cambridge University Press, Cambridge, 2003, p. 235

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Dominique Darbon, “L’Afrique du Sud: une puissance au seul regard des autres?”, in L’enjeu mondial: les pays émergents, Presses de Sciences Po-L’Express, Paris, 2008, p. 137

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Dominique Darbon, op. cit. p. 137

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Dominique Darbon, op. cit. p. 139

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representa já dois terços do PIB sul-africano99. A África do Sul é ainda um forte investidor no continente africano – rivalizando com a China – e transformou-se num importante intermediário entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, situados, em grande parte, em África. Em termos mundiais, a sua visibilidade tem sido crescente, sobretudo no grupo dos IBSA (Índia, Brasil e África do Sul), criado em 2003; e no G20, onde é a única representante do continente africano. Acresce ainda que, contrariamente a grandes potências emergentes como a Rússia, a Índia e a China, a África do Sul não enfrenta conflitos internos ou regionais que ameacem a sua credibilidade internacional e a estabilidade mundial, o que constitui uma vantagem considerável no seu reconhecimento enquanto potência mundial. Ora, perante estes elementos, existem razões suficientes para considerar a África do Sul como o maior ator no continente africano, o que justifica a sua ascensão regional e, em consequência, o convite para se tornar parte dos BRICS.

A sua prestação económica não é, contudo, livre de constrangimentos económicos e sociais. Desde logo, cerca de 50% da população é pobre e enfrenta graves problemas sociais, como a Sida – que atinge cerca de 31% da população – ou como os elevados níveis de violência e de criminalidade100. Paralelamente, a África do Sul é também o segundo país do mundo com maiores desigualdades sociais, pior inclusivamente do que o Brasil ou do que a Índia101. Enfrenta igualmente um constrangimento económico de grandes dimensões – a China – com quem compete diretamente no investimento em África. Além disso, e contrariamente a outros blocos económicos no mundo, a SADC e a UAAA permanecem ainda bastante fracas, embora essenciais ao desenvolvimento da África do Sul que, por ter um mercado interno relativamente pequeno, precisa de um bloco económico para desenvolver a sua economia. Neste aspeto, nenhum dos restantes BRICS precisa de um bloco económico forte, pois a sua dimensão já lhes oferece um mercado interno suficientemente grande para expandir a sua economia.

Com efeito, as características da África do Sul classificam-na fundamentalmente como uma potência dominante na sua região, mas bastante longe do crescimento demonstrado pelos restantes BRICS. Tem a vantagem de não enfrentar grandes constrangimentos regionais, mas em contrapartida está inserida num complexo regional

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Dominique Darbon, op. cit. p. 139

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Dominique Darbon, op. cit. p. 137 e p. 143

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Dados do ranking do World Factbook da CIA, baseado no índice GINI, uma fórmula que mede a desigualdade e a distribuição de riqueza num país. Ranking disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2172rank.html, acedido no dia 02/07/2011.

bastante fraco economicamente e com grandes problemas sociais. O seu desenvolvimento económico e militar não é comparável ao de países como a China, a Índia ou mesmo o Brasil.

Neste sentido, o caso concreto da África do Sul é um excelente exemplo da ideia, introduzida por Barry Buzan, de que a forma como um Estado é considerado pelos restantes é mais importante do que a forma como esse Estado se considera a si próprio. A classificação da África do Sul enquanto grande potência ou potência emergente advém, quase em exclusivo, da classificação atribuída pelas restantes potências emergentes. O que justifica esta classificação é a crescente importância do regionalismo na ordem internacional, e não a ação da África do Sul no contexto global. Por conseguinte, o título do capítulo de Dominique Darbon – sob a forma de afirmação – sintetiza bem o motivo da ascensão da África do Sul: L’Afrique du Sud: une puissance

au seul regard des autres102.