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ÁGUA É TERRITÓRIO: normas e regulação no uso dos recursos hídricos no Rio Grande do Norte.

dimensões normativas e institucionais

3. AS AÇÕES DO ESTADO NO CONTEXTO DA AGRICULTURA IRRIGADA E FRENTE AO GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HIDRICOS: uma análise das

3.2 ÁGUA É TERRITÓRIO: normas e regulação no uso dos recursos hídricos no Rio Grande do Norte.

Em nível mundial a preocupação com as problemáticas inerentes ao consumo da água e as inquietações quanto às possibilidades de colapso alardeadas pelos noticiários internacionais e por pesquisadores de diferentes países do mundo, não obstante a outras questões de cunho ambientalista, culminaram na realização inúmeros encontros científicos e convenções internacionais, dentre as quais destacam-se a Conferência de Mar del Plata (1977), Conferência de Dublin (1992), Conferência do Rio (1992), Conferência de Noordwijk (1994), Convenção de Helsinque (1992), Convenção de Cursos D’Água Internacionais (1996), Conferência de

Paris (1998), Conferência de Boon (2001), Conferência de Johannesburgo (2002) e o Fórum Mundial da Água, criado em 199734 (RIBEIRO, 2001).

Como Resultado dos encaminhamentos deliberados durante os eventos anteriormente mencionados, criaram-se organismos internacionais como o Conselho Mundial da Água35, fundando em 1996 na Itália e a formação da Parceria Global da Água, criada em 1996 a partir dos diálogos e convergências de interesses existentes entre o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento – ONU, que a partir de então passaram a orientar, assessorar e apoiar estados nacionais quanto ao gerenciamento e manejo da água (RIBEIRO, 2008).

Em linhas gerais as discussões e orientações advindas dessas conferências e organizações internacionais, balizaram a construção dos marcos normativos de diversos países. No Brasil a primeira normatização quanto ao uso da água data do final do período colonial (1500 - 1822), sendo conhecida como Alvará 1804, o qual confere caráter de oficialidade aos mecanismos de regulação quanto à apropriação, exploração e uso da natureza (DOMINGOS NETO e SILVESTRE, 2011).

De acordo com Finkler at al (2015, p. 34) esta alvará

determinava que os rios navegáveis e os que se faziam navegáveis, eram caudais e corriam intermitentes eram de propriedade e direito real e sua utilização dependia de concessão regia. Ainda, os recursos hídricos foram tutelados, principalmente quanto aos direitos de navegação e pesca, levando em conta a importância dessas atividades para a economia da época (FINKLER at al, 2015, p. 34).

Esta norma definia como sendo livre o uso da água dos rios e ribeiras, por parte de particulares, para fins de desenvolvimento da agricultura, sendo permitida a edificação de pequenos canais (POMPEU, 2011). Este marco normativo regulou as condições de uso da água no Brasil até o ano de 1934, quando foi promulgado o Código de Águas do país. Informa-se aqui que por meio do Código Civil de 1916, em seu artigo nº 68, confere caráter de oficialidade

34 O VIII Fórum Mundial da Água ocorrerá em 2018 e será sediado em Brasília.

35 O Conselho Mundial da Água apresenta como objetivos: “a) fornecer uma plataforma para visão a visão

estratégica comum sobre o manejo de serviços e recursos hídricos de modo sustentável e promover, mundialmente, a implantação de políticas efetivas e estratégicas; b) fornecer conselho e informação relevante para instituições e tomadores de decisão sobre o desenvolvimento e implantação de políticas em prol de pobres, estratégias para recursos aquíferos sustentáveis e para o manejo de serviços de água, com o devido respeito ao meio ambiente, à equidade social e de gênero; c) contribuir para a resolução de questões relacionadas às águas transfronteiriças” (RIBEIRO, 2008, p. 90).

a instauração da cobrança pelo direito de uso e exploração dos recursos hídricos, sem alterar as condicionalidades estabelecidas no Alvará 1804 (POMPEU, 2011).

O Código de Águas de 1934, decretado em 10 de Julho de 1934, apresenta como grande mudança a necessidade de concessão formal como prerrogativa ao direito de uso e exploração da água para uso na agricultura e nas demais atividades produtivas, segundo registrado no

Art. 43. As águas públicas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa, no caso de utilidade pública e, não se verificando esta, de autorização administrativa, que será dispensada, todavia, na hipótese de derivações insignificantes (BRASIL, 1934).

Em concomitância com o exposto, o referido instrumento normativo determina ainda que toda autorização concedida para fins de exploração da água a ser utilizada na agricultura, indústria e mineração determinará um intervalo de tempo fixo para exploração, o qual sobre nenhum pretexto será superior a 30 anos (BRASIL, 1943). No mesmo fica também acordado que o favorecido pela outorga, perderá direito de concessão e exploração, caso viesse a passar três anos ininterruptos sem fazer uso privativo da água (BRASIL, 1943).

O Código de Águas de 1934 permaneceu em vigência até o final do século XX, quando por meio do decreto Lei Nº 9.433, de 8 de Janeiro de 1997, deu-se a oficialização da Política Nacional de Recursos Hídricos e da criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. É válido destacar que o princípio básico utilizado para destinação de água para agricultura é mantido, ainda que salvaguardada as especificidades da Política Nacional de Irrigação lançada em 1979.

Frisam-se aqui mudanças significativas com relação aos marcos normativos anteriores à expansão do tempo máximo concedido para o direito de exploração da água, que passa de 30 para 35 anos, a prioridade dada ao abastecimento da população e dessedentação animal em contextos de estiagens prolongadas ou secas extremas. A terceira está associada ao fato dessa política ter sido elaborada em concordância com a Constituição Federal de 198836, adotando desse modo o princípio da descentralização institucional e da participação dos entres federados na execução das políticas públicas.

Um avanço de natureza conceitual e operacional observado na Política Nacional de Recursos Hídricos diz respeito à definição das bacias hidrográficas como unidades de gestão e

36 De acordo com Pompeu (2011) a Constituição Federal de 1988 não foi a única a tratar de forma direta sobre o

uso da água e gestão dos recursos hídricos. Observa-se registro desses temas também nas constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 (POMPEU, 2001).

planejamento do uso da água, fato correlato e indissociado ao uso do território. Desse modo as bacias hidrográficas podem ser entendidas como “uma unidade espacial com finalidade operacional, um território concebido para gestão, aplicação de uma política setorial e de negociação entre os agentes que usam o mesmo recurso e aqueles que concedem a outorga de uso desse recurso natural” (RIO e EGLER, 2003, p. 817).

A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) trouxe consigo também novos instrumentos de gestão da água, dentre os quais se sobressai os planos estaduais de recursos hídricos, o enquadramento dos corpos d’água em classes de uso preponderantes, a exigência das outorgas de direito de exploração e uso dos recursos hídricos, a licitude da cobrança pelo uso da água e a criação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (RIO, PEIXOTO e MOURA, 2002).

Aponta-se aqui que as constituições estaduais também abordam as questões inerentes ao uso, exploração e gerenciamento dos recursos hídricos. Ao examinar como o tema da água comparece nas legislações estaduais, Pompeu (2011) assevera quanto a Constituição do estado do Rio Grande do Norte, promulgado em 3 de outubro de 1989 e atualizado por meio da Emenda Constitucional nº 4, de 14 de novembro de 2000, que

Embora dedique capítulo ao meio ambiente e aos recursos hídricos, a Constituição do Rio Grande do Norte não aborda a gestão das águas. Ao tratar dos princípios gerais das atividades econômicas, apenas declara que o Estado, por intermédio de órgão especializado, elaborará nos tempos da lei, o “Plano Estadual de recursos hídricos”, de modo a garantir a racional utilização de tais recursos e a preservação do meio ambiente (POMPEU, 2011, p. 697).

Outro fato a ser destacado diz respeito à Política Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, formalizada através da Lei nº 6.908, de 01/07/1996 ser anterior a promulgação da política nacional. De acordo com a referida lei

Art. 1º. A Política Estadual de Recursos Hídricos tem como objetivos: I - planejar, desenvolver e gerenciar, de forma integrada, descentralizada e participativa, o uso múltiplo, controle, conservação, proteção e preservação dos recursos hídricos; II - assegurar que a água possa ser controlada e utilizada em padrões de quantidade e qualidade satisfatórios por seus usuários atuais e pelas gerações futuras (RIO GRANDE DO NORTE, 1996).

A Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado não faz menção direta ao uso da água para fins agrícolas ou de irrigação, enfatizando somente que a água é um bem econômico e que seu uso e exploração para fins produtivos se dará por meio da emissão de outorga, emitida por órgão estadual ou pela autarquia da união. Na referida lei menciona-se também que questões

específicas sobre o uso, exploração e gerenciamento da água serão tratadas no Plano Estadual de Recursos Hídricos.

Os planos estaduais de recursos hídricos possuem conteúdo técnico e operacional, direcionando as prioridades e estratégias adotadas pelos governos estaduais para cumprimento do determinado na Política Nacional de Recursos Hídricos. Sendo, portanto uma espécie de “planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos” (BRASIL, Art. 6º, 1997).

Hoje, a quase totalidade das unidades da federação já possuem planos estaduais de recursos hídricos, estejam eles já em execução ou em processo de revisão, com exceção dos estados de Santa Catarina, Rondônia, Pará, Maranhão, Espirito Santo e Amazonas, tal como evidenciado no mapa 15.

Nesse panorama merece especial atenção, a ausência dos planos estaduais de recursos hídricos e gestão de águas dos Estados do Amazonas, Goiás e Maranhão. No caso do primeiro em virtude da importância da água e rios na estruturação do território na região Norte do país e de modo particular no Amazonas, onde se encontra a maior e mais complexa rede hidrográfica do país.

Enfatiza-se então que para além de sua importância ambiental e ecossistêmica, a bacia do Amazonas condiciona as possibilidades reais de uso do território no Norte do país, onde o rio para além de seu de exploração econômica por meio da pesca, artesanal ou de cunho empresarial, ainda configura-se como um elemento fundamental na estruturação do território, no desenvolvimento do processo de industrialização, na composição da rede urbana e no modo de organização social, política e cultural da população amazônida, sobretudo quando em se tratando dos povos ribeirinhos (BECKER, 2009).

Alerta-se aqui também para urgência da finalização e implementação do Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado de Goiás, sobretudo em face do processo de expansão da produção de grãos irrigados, particularmente da soja, por meio da adoção dos sistemas de pivôs centrais. Atualmente todas as questões referentes à exploração e uso da água são geridas a partir da Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei Estadual nº 13. 583 de 11 de Janeiro de 2000) e da Resolução n° 09, de 04 de maio de 2005, que regimenta a emissão das outorgas pelos órgãos estaduais.

Mapa 15. Brasil: situação das unidades da federação quanto à elaboração do Plano Estadual