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USOS DO TERRITÓRIO, SISTEMAS DE ENGENHARIA E POLÍTICAS DE IRRIGAÇÃO: construindo uma hipótese e definindo os objetivos.

definindo as mediações.

Mapa 01. Brasil: delimitação do semiárido (2005).

1.2 USOS DO TERRITÓRIO, SISTEMAS DE ENGENHARIA E POLÍTICAS DE IRRIGAÇÃO: construindo uma hipótese e definindo os objetivos.

O processo de construção desse trabalho foi marcado por uma preocupação constante em revelar a indissociável relação existente entre a configuração territorial, a execução das ações políticas e a emergência dos sistemas de engenharia. Nesse sentido cabe aqui ressaltar que não há uma hierarquia dentre os elementos da tríade apresentada, pois estes possuem uma relação simbiótica, o que nos leva a pensar que o entendimento mínimo da realidade, só poderá ser atingido a partir de uma análise totalizante, formulada por meio de uma visão processual.

Análises preliminares, realizadas através de visitas de reconhecimento das áreas de estudo, revelam que os perímetros irrigados do estado possuem características e dinâmicas que os particularizam. Neste sentido, as observações exploratórias permitem-nos inferir que as áreas próximas ao Distrito Irrigado do Baixo-Açu foram fortemente apropriadas pelo agronegócio, sobretudo pelas empresas produtoras de frutas irrigadas, a exemplo da Del Monte Fresh, Frunorte e Agrícola Formosa. Já os demais encontram-se ocupados basicamente por concessionários de terras do DNOCS (rendeiros/colonos).

Diante desta realidade questiona-se a (in)eficácia das políticas públicas de convivência com o semiárido, no que se refere à sua capacidade/possibilidade de gerar transformações territoriais, sociais, políticas e econômicas e levantam-se as questões que estruturam este trabalho, sejam elas:

I. Quais os impactos causados pela emergência das estruturas materiais (objetos geográficos) provenientes da operacionalização das políticas de “combate à seca” na configuração territorial do Rio Grande do Norte?

II. Quais os rebatimentos territoriais do edifício normativo que rege o uso e o gerenciamento dos recursos hídricos no Rio Grande do Norte?

III. De que forma a instalação dos perímetros irrigados tem contribuído para a dinamização da agropecuária e para redefinições nos usos do território potiguar?

IV. Qual a situação atual dos perímetros irrigados existentes no estado do Rio Grande do Norte? Quais as tendências da fruticultura irrigada instalada em perímetros irrigados apropriados pelo agronegócio no Rio Grande do Norte, particularmente no Perímetro Irrigado do Baixo-Açu e no Perímetro Irrigado Santa Cruz do Apodi? Qual a realidade e as perspectivas dos colonos (agricultores familiares) que ocupam terras contidas nas

áreas pertencentes aos perímetros irrigados construídos pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS, no Rio Grande do Norte?

A investigação ora realizada, bem como a busca por respostas para as perguntas problematizadoras que norteiam a construção da pesquisa, permitiu comprovar a hipótese de que a construção dos açudes públicos e a instalação de perímetros irrigados, têm se constituído ao longo do tempo, e de modo particular no período histórico atual, em elementos redefinidores das possibilidades de usos do território no semiárido potiguar, bem como em mecanismos de controle e regulação social. Não obstante ao fato de serem também frações do território que pelo seu uso singular expressam lógicas hegemônicas, mecanismos de sujeição e movimentos de resistência.

Preliminarmente entende-se que a criação dos perímetros se constitui também em um mecanismo de controle do território, pois desde a sua gênese coube ao Estado à delimitação dos lotes de terras e a distribuição destes junto a agricultores, empresas, técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos. Na formação inicial dos perímetros públicos foram destinados lotes irrigados a trabalhadores rurais sem-terra, como forma de minimizar as pressões sociais e lutas pelo direito de acesso e permanência a terra. Outro sim, a delimitação destas áreas possibilitou ao Estado e as suas instituições um maior controle sobre a produção agrícola irrigada, bem como um melhor conhecimento sobre os agentes que atuam diretamente com o desenvolvimento de tal atividade produtiva.

A princípio se pensa também que as materialidades resultantes da implementação das políticas que tinham como intuito viabilizar a prática da agricultura irrigada erguem-se como elementos indutores de renovações quanto aos usos do território no semiárido potiguar, especialmente no que se refere aos usos agrícolas, uma vez que a instalação dos perímetros irrigados e a difusão dos sistemas de irrigação inauguram no território potiguar a prática da agricultura considerada moderna e alinhada com as lógicas comerciais e tipicamente capitalistas, ainda que resguardando relações de produção que lhe são próprias.

Os processos que regem os perímetros irrigados são conduzidos por lógicas nitidamente hegemônicas, ora conduzidos pelo Estado e por vezes impostos pelas empresas e pelo mercado, quando não resultam das alianças entre os setores públicos e privados. Uma evidencia da ação hegemônica do Estado nos perímetros irrigados é a indução ao uso dos sistemas de irrigação já existentes e a realização de fiscalização nos lotes irrigados, nas quais observa-se especialmente o cumprimento das normas impostas pelos manuais de boas práticas agrícolas.

As empresas agropecuárias, sobretudo as especializadas na produção de frutas tropicais irrigadas, também impõem as suas lógicas e exercem de modo contundente sua hegemonia, por exemplo, quando em regime de integração estabelecem as técnicas de produção a serem utilizadas no processo produtivo e determinam o preço a ser pago pela produção. Ainda que esta seja uma prática negada pelas firmas do setor.

Nos perímetros irrigados também são latentes diversos mecanismos de sujeição, desde a sua forma mais perversa, expressa pelo assalariamento dos agricultores familiares que vendem sua força de trabalho as empresas atuantes nos projetos de irrigação, caracterizando o que Oliveira (2007) define como um mecanismo formal de sujeição do trabalho ao capital, ou de outros mecanismos mais sutis, mas igualmente violentos, como as parcerias, os arrendamentos e a comercialização direta entre agricultores familiares e empresas, ou entre os primeiros e os atravessadores.

Ao se admitir que o uso do território é sempre resultante da ação de distintos agentes é preciso que se abordem os conflitos e oposições decorrentes deste processo. No caso da pesquisa em tela os mecanismos de resistência serão trabalhados a partir da conflitualidade posta na instalação do Distrito Irrigado do Baixo-Açu e no Perímetro Irrigado Santa Cruz do Apodi.

A implantação dos referidos projetos públicos de irrigação é sumariamente marcada pela ocorrência de desapropriações de terras pertencentes a agricultores assentados de reforma agrária, remoção de comunidades rurais e dizimação de atividades como a apicultura, esta última se dando em decorrência do uso crescente dos agrotóxicos.

Esse conjunto de eventos suscitou uma maior organização dos agricultores familiares do município do Apodi e a mobilização conjunta com os agricultores familiares que residem e trabalham na Chapada do Apodi em sua porção situada no estado do Ceará, que unidos tem feito frente ao que tem se chamado de “Projeto de Morte” (PESQUISA DE CAMPO, 2015).

Expostas estas questões, ressalta-se que o presente trabalho tem como objetivo principal compreender como no período histórico atual as materialidades provenientes da operacionalização das políticas públicas que visam minimizar os efeitos das secas, têm se constituído em um elemento (re)definidor dos usos agrícolas do território potiguar.

Como desdobramentos do objetivo principal, temos como objetivos específicos:

I. Investigar os impactos causados pela construção dos açudes e instalação dos perímetros irrigados públicos na configuração territorial brasileira, bem como do estado do Rio Grande do Norte;

II. Discutir a normatização do território potiguar a partir do edifício normativo que regem a prática da agricultura irrigada, assim como o uso e o gerenciamento dos recursos hídricos no estado;

III. Analisar em que medida a instalação dos perímetros irrigados tem contribuído para a dinamização da agropecuária e para redefinições nos usos agrícolas do território potiguar;

IV. Caracterizar os elementos e eventos que condicionam as dinâmicas socioeconômicas e espaciais, que particularizam os perímetros irrigados existente no Rio Grande do Norte; V. Problematizar a situação atual dos perímetros irrigados, destacando as tendências para os perímetros apropriados pelo agronegócio, onde se instalou a produção de frutas irrigadas, bem como evidenciando as perversidades sistêmicas que predominam nos perímetros irrigados ocupados, maiormente, pelos colonos de terras do DNOCS no território potiguar.

Por fim ressalta-se que a motivação para a realização desta pesquisa, emana de um estímulo pessoal e do interesse acadêmico em compreender as lógicas e dinâmicas que caracterizam os usos agrícolas do território brasileiro e de modo particular os processos em curso nas áreas rurais do estado do Rio Grande do Norte. Na mesma direção reconhece-se que a realização da pesquisa em tela traz elementos substanciais que contribuir para o resgate e aprofundamento de leituras pautadas nos efeitos sociais e no conteúdo político das secas, a exemplo das já realizadas por Andrade (1989, 1999, 2004), Moura (1989) e Azevedo (2005, 2007), esta tendo como particularidade evidenciar os rebatimentos de tal fenômeno sobre a prática da agricultura irrigada.

A realização de estudos geográficos desta natureza justifica-se pela necessidade de desvelamento das novas e complexas dinâmicas territoriais que marcam o período histórico atual, independente do seu local de ocorrência e escala de abrangência. Ademais, espera-se que a realização desta pesquisa contribua para construção de uma leitura mais aprofundada e crítica sobre a realidade vivenciada pelos sujeitos sociais que residem e desenvolvem suas atividades produtivas nas áreas irrigadas do estado do Rio Grande do Norte, sob a revelia de um Estado que não tem como foco de suas ações a oferta de melhores condições de vida e trabalho para homem do campo.

1.3 O ESPAÇO GEOGRÁFICO ENQUANTO TOTALIDADE: incursões em uma teoria