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Brasil: Localização geográfica das UHE, CGH e PCH com reservatórios de dimensão igual ou superior a 20ha (2016)

usos capitalistas da água SEÇÃO

Mapa 07. Brasil: Localização geográfica das UHE, CGH e PCH com reservatórios de dimensão igual ou superior a 20ha (2016)

De acordo com Mello (2011), a construção de unidades hidrelétricas no território brasileiro inicia-se no final do século XIX, a partir de experiências pontuais ocorridas nos estados de Minas Gerais e São Paulo, assumindo maior expressividade no início quando do século XX, quando “a primeira usina da Light20 entrou em operação em 1901, no rio Tietê, para

suprimento de energia elétrica à cidade de São Paulo” (MELLO, 2011, p.20).

Ainda hoje, mesmo com a dispersão geográfica das materialidades associadas à produção de energia elétrica, percebe-se uma concentração de represas e hidrelétricas nas bacias hidrográficas dos rios Tietê e Paraná, as quais pertencem, sobretudo, as empresas estaduais de produção de energia, sejam elas a Companhia Paranaense de Energia – COPEL e a Companhia energética de São Paulo – CESP.

Na atualidade existe no Brasil um total de 495 sistemas de engenharia diretamente vinculados ao processo direto de produção de energia elétrica, e seus respectivos reservatórios somatizam 37,6 mil km² inundados, o que representa 0,4% da área total do território brasileiro (MME, 2015). As maiores hidrelétricas em operação no Brasil estão distribuídas nas diferentes regiões do país e são responsáveis por 36% da capacidade total de geração de energia hidrelétrica no Brasil (MME, 2015).

Ao refletir sobre a instalação das grandes hidrelétricas e dando especial atenção ao caso da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, Germani (2003) destaca que esse é sempre um processo marcado por conflitos de naturezas diversas, dentre os quais destacam-se o político, o econômico e o fundiário, sendo este último o que mais impactos produz na escala do lugar.

De modo mais específico, pode se anunciar que comumente a instalação de grandes reservatórios provoca a desestabilização sociopolítica dos grupos afetados pela construção dos barramentos e reservatórios, sujeição à tirania do dinheiro por meio do pagamento de indenização abaixo do valor real das propriedades, rompimento dos círculos de proximidade e vizinhança, não obstante as inevitáveis desapropriações das terras, sendo este último processo o principal causador do “caos fundiário”21 que se instala no entorno imediato e nas áreas

circunvizinhas aos locais onde se construiu grandes corpos d’água artificiais (GERMANI, 2003).

20 A BrazilianTraction, Light & Power (LIGHT), juntamente com a American Foreign Power Company

(AMFORP) controlaram até o ano de 1940 a produção e distribuição de energia elétrica no Brasil, momento em que se verifica um aumento no número e uma maior concorrência com as companhias estaduais (MENDES, 2005).

21 Caos fundiário é a expressão utilizada por Germani (2003) para tratar da “desorganização territorial”

desencadeada pela implantação dos grandes sistemas de engenharia hídrica, os quais para a sua construção provocam um duplo processo de desapropriação de extensas áreas para edificação do barramento e delimitação do reservatório, assim como de uma valorização das terras do entorno após a conclusão das obras.

Buscando compreender os impactos decorrentes da implantação dos grandes objetos e sistemas técnicos, Santos (2008b) adverte que

quando nos dizem que as hidrelétricas vêm trazer, para o país e para uma região, a esperança da salvação da economia, da integração do mundo, a segurança do progresso, tudo isso são símbolos que nos permitem aceitar a racionalidade do objeto que, na realidade, vem exatamente destroçar a nossa relação com a natureza e impor relações desiguais (SANTOS, 2008b, p.107).

A afirmação de Santos (2008b) traz consigo motes que extrapolam os limites geométricos das áreas diretamente afetadas pelos barramentos e remete a relações desiguais não somente entre o Estado, as empresas do setor elétrico, e os sujeitos sociais, mas também entre os lugares, pois na maioria das vezes a produção direta de energia é comandada pela lógica de agentes e eventos exteriores ao local, o que só torna-se possível por meio da difusão dos sistemas de engenharia hídrica e da dispersão das redes técnicas, que possibilitam a devida articulação entre os lugares. Pois

graças às novas bases materiais, o sistema elétrico nacional torna-se progressivamente integrado, e ao mesmo tempo seu comando político e uma parcela de seu comando técnico separam-se dos lugares aptos para a produção. Essa desterritorialização dos comandos opõe-se as necessidades das populações regionais, circunscritas ao uso local do território e alheias aos imperativos do funcionamento dos grandes objetos técnicos (SANTOS e SILVEIRA, 2008, p. 72).

Como já destacado, muitos dos objetos técnicos e sistemas de engenharia hídrica funcionam de forma complementar, sendo solidários uns aos outros. Esse é nitidamente o caso das eclusas, estruturas materiais empregadas com a finalidade de corrigir desníveis naturalmente presentes no leito dos rios, em decorrência das feições estruturais e morfológicas do terreno, bem como os resultantes de intervenções humanas para a instalação de grandes reservatórios e hidrelétricas. No Brasil as esclusas22 estão localizadas em rios navegáveis que represados para instalação de hidrelétricas, a exemplos dos casos de Tucuruí, Sobradinho e Ilha Solteira, dentre outros.

22 Eclusa “é uma espécie de “elevador de água” utilizada para a navegação em cursos d’água com desnível.

Consiste em um corredor fechado nas duas extremidades por comportas, que são enormes e pesadas para suportar a força e a pressão das águas do rio. Quando a embarcação está dentro do corredor, a água entra por tubos embaixo do leito do rio e começa a erguer a embarcação. Quando o nível da água dentro da eclusa chega ao nível da represa do rio acima, a comporta de saída é aberta e o navio segue seu destino” (IGAM, 2008, p. 29).

No território brasileiro existe hoje um total de 21 eclusas, das quais 13 são compostas por estruturas simples, possuindo uma única câmara de inundação, 4 são eclusas duplas, formadas por duas estruturas paralelamente posicionadas, sejam elas as eclusas de Tucuruí, Nova Avanhandava, Três irmãos e boa esperança (RABELLO, 2011). É válido ressaltar que juntamente com a Eclusa de Tucuruí, projetou-se a Eclusa de Lajeado, também localizada no estado do Tocantins, mas esta última teve suas obras paralisadas, sendo considerada ainda em fase de execução.

Cabe ressaltar que 14 das eclusas existentes no Brasil estão localizadas na região concentrada do país, estando 9 delas cravadas no complexo hidroviário dos rios Tietê-Paraná, como é possível se observar a partir do mapa 08. De modo particular o Rio Tietê caracteriza-se pela “existência de diversas obras infra-estruturais, casos de barragens, eclusas e terminais intermodais, que permitem o aproveitamento múltiplo das águas dos dois rios (produção de energia elétrica e navegação)” (FELIPE JÚNIOR, 2008, p. 13). No referido rio estão localizadas as eclusas de Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Avanhandava, Três Irmãos e Promissão.

As demais eclusas estão localizadas no rio Paraná, onde estão fixadas as eclusas de Jupiá e Porto Primavera. No Rio São Francisco está a eclusa de Sobradinho, no Rio Tocantins a eclusa de Tucurui, no Rio Taquari a eclusa de Bom Retiro e no Rio Jacuí as eclusas de Amaropolis, Anel de Dom Marcos e Fandangos.

A presença de eclusas na bacia hidrográfica dos rios Tietê-Paraná, justifica-se pelo fato desta compor um dos mais importantes complexos hidroviários do Brasil, sendo utilizado para transporte de cargas e mercadorias de baixo valor agregado, servindo, sobretudo para o escoamento de commodities agrícolas, produzidas no interior do estado de São Paulo ou advindas do Sul do Brasil, via Rio Paraná. Ainda que hoje os estados brasileiros que despontam na produção de commodities agrícolas sejam Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.