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usos capitalistas da água SEÇÃO

Mapa 03. Brasil: localização geográfica dos açudes (2016)

No que tange especificamente a localização dos açudes no território potiguar, percebe- se que estes encontram-se difundidos na porção do estado onde aparecem com maior intensidade afloramentos rochosos geneticamente associados ao embasamento cristalino e espacialmente concentrados nas regiões do Seridó potiguar e Alto Oeste.

A região do Seridó potiguar, historicamente caracterizou-se como uma das áreas com maior presença de açudes no estado do Rio Grande do Norte. Conforme Silva (2012), na referida região a construção de reservatórios tem início antes da criação de uma política oficial de açudagem e irrigação. Nesse sentido destaca o referido autor

Antes mesmo da chegada da “inspituria”, como dizia o sertanejo”, a edificação de pequenos reservatórios já se fazia presente, sem técnica e sem cálculo correto, sem tecnologia, mas com boa vontade e esperança do homem do sertão em busca de dias melhores com a presença de água para alimentar o seu gado e a sua família (SILVA, 2012, p. 35-36).

Essa necessidade premente de reservatórios de água faz com que o Seridó potiguar desponte como uma das áreas pioneiras na criação de corpos d’água artificiais no contexto do Rio Grande do Norte. Como já destacado o uso da água armazenada nestes reservatórios destinava-se em certa medida a manutenção dos rebanhos bovinos, uma vez que conforme aponta Azevedo (2005), a pecuária historicamente constitui-se como importante atividade econômica para a região.

Sobre esse caráter pioneiro é válido ressaltar que “em 1915, a região do Seridó (RN) já contava com 710 açudes. Este crescimento perdurou até os dias de hoje, verificando-se taxas de crescimento particularmente altas depois dos anos de estiagem mais críticos” (MOLLER e CADIER, 1992, p. 15), fato que reforça a premissa de que a instalação desses objetos técnicos constituía-se numa estratégia para mitigação dos efeitos nefastos das estiagens, especialmente sobre a dinâmica da agricultura e da pecuária.

É valido ressaltar que a construção de açudes, pequenos e particulares, na referida região, em boa medida antecede e se prolonga para além da política pública de açudem responsável pela construção dos grandes reservatórios públicos, a exemplo do Itans situado em Caicó, do Marechal Dutra, popularmente conhecido como açude Gargalheiras em Acari, o açude Passagem das Traíras localizado em São José do Seridó, Zangarelhas em Jardim do Seridó, dentre outros.

Nesse sentido ressalta-se que em 1965, verifica-se nessa porção do território potiguar uma predominância dos açudes com área inferior a 5 km², assim como daqueles que não abrangiam uma superfície superior a 10km². Os açudes com espelho d’água entre 10km² e

30km² ocorriam pontualmente na área que atualmente corresponde aos municípios de Equador, Carnaúba dos Dantas, Parelhas e Currais Novos, conforme registrado na figura 02.

Figura 02. Brasil: densidade dos açudes na região Nordeste (1965)

Sobre a presença preponderante de açudes com reduzida capacidade de armazenamento de água, cabe destacar que tal realidade possui relação estreita com a área dos estabelecimentos agropecuários existentes na região, esta última fortemente marcada pela notória presença de pequenas unidades rurais17, nas quais historicamente estabeleceram-se relações de trabalho familiar, nível técnico rudimentar e diversificação das atividades produtivas agrícolas, majoritariamente associadas com a prática da pecuária.

De acordo com Gomes (1988) a construção desses pequenos açudes concentrados na região do Seridó potiguar realizava-se sobremaneira pelos proprietários dos estabelecimentos agropecuários, havendo casos em que estas edificações eram concretizadas totalmente com recursos próprios ou com pequenas contrapartidas dos governos municipais e estaduais.

Conforme a autora, na referida região a difusão dos pequenos açudes ocorreu de forma mais expressiva a partir do momento em que iniciou-se a construção de reservatórios em propriedades rurais pertencentes às oligarquias políticas e econômicas, consistindo desse modo em um mecanismo de fortalecimento da figura do coronel e consolidação das práticas coronelistas (GOMES, 1988).

Nesse contexto ressalta-se que no Rio Grande do Norte a instalação dos açudes com maior capacidade de armazenamento de água só ocorreu partir do início do século XX com a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas – IOCS, ocorrida em 1909. É a partir desse momento que se inicia a construção dos grandes açudes públicos no estado, dentre estes estão os reservatórios que viabilizaram a instalação de outros sistemas de engenharia hídrica, tais como as adutoras.

A partir dos dados expostos na tabela 03, constata-se que a maior parte dos açudes públicos existentes no Rio Grande do Norte foram construídos a partir da década de 1920. Dentre estes estão o açude de Cruzeta, os açudes Itans e Sabugi localizados no município de Caicó, o açude público de Pau dos Ferros, a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves18, e a recentemente construída Barragem de Santa Cruz do Apodi, os quais são responsáveis pelo provimento de água para abastecimento dos perímetros públicos de irrigação existentes no Estado.

17 Para aprofundamento das reflexões sobre a formação territorial, econômica e social da região do Seridó Potiguar,

recomendamos as leituras de Morais (2005), Azevedo (2007) e Araújo (2003).

18 De acordo com os estudos da ANA (2016a) sobre a classificação dos corpos d’água artificiais, a Barragem

Tabela 03. Rio Grande do Norte: ano de inauguração e situação volumétrica dos açudes públicos com capacidade superior a 5.000.000m³ (2016-2017)

ANO AÇUDE MUNICIPIO BACIA

HIDROGRÁFICA CAPACIDADE (m³) VOLUME ATUAL (m³) VOLUME ATUAL (%) DATA DA MEDIÇÃO

1915 Santana Rafael Fernandes Apodi/Mossoró 7.000.000 0 0,00 % 05/06/2015

Santo Antônio de Caraúbas Caraúbas Apodi/Mossoró 8.538.109 0 0,00 % 01/12/2016

1923 Malhada Vermelha Severiano Melo Apodi/Mossoró 7.537.478 0 0,00 % 02/11/2016

1929 Cruzeta Cruzeta Piranhas/Assú 23.545.745 0 0,00 % 01/12/2016

1932 Morcego Campo Grande Apodi/Mossoró 6.708.331 37.260 0,56 % 12/12/2016

1934 Lucrécia Lucrécia Apodi/Mossoró 24.754.574 0 0,00 % 10/10/2016

1935 Itans Caicó Piranhas/Assú 81.750.000 1.083.500 1,33 % 19/01/2017

1937 Inharé Santa Cruz Trairi 17.600.000 656.800 3,73 % 14/12/2016

1954 Pataxó* Ipanguaçu Piranhas/Assú 15.017.379 2.577.103 17,16 % 17/01/2017

Trairi Tangará Trairi 35.230.000 0 0,00 % 26/10/2016

1955 Bonito II São Miguel Apodi/Mossoró 10.865.000 0 0,00 % 01/12/2016

1957 Riacho da Cruz II Riacho da Cruz Apodi/Mossoró 9.604.200 0 0,00 % 20/12/2016

1957 Zangarelhas Jardim do Seridó Piranhas/Assú 7.916.000 402.795 5,09 % 17/01/2017

1958 Alecrim Santana do Matos Piranhas/Assú 7.000.000 0 0,00 % 07/06/2016

1959

Poço Branco Poço Branco Ceará-Mirim 136.000.000 11.623.203 8,55 % 07/12/2016

Marechal Dutra* Acari Piranhas/Assú 44.421.480 183.758 0,41 % 18/01/2017

Mendubim Assú Piranhas/Assú 76.349.500 5.290.200 6,93 % 17/01/2017

Santa Cruz do Trairi Santa Cruz Trairi 5.158.750 0 0,00 % 26/10/2016

1963 Apanha Peixe Caraúbas Apodi/Mossoró 10.000.000 0 0,00 % 14/06/2016

1965

Japi II São José do

Campestre

Jacú

20.649.000 0 0,00 % 01/12/2016

Sabugi São João do Sabugi Piranhas/Assú 65.334.880 2.557.938 3,92 % 18/01/2017

1967 Pau dos Ferros Pau dos Ferros Apodi/Mossoró 54.846.000 0 0,00 % 09/10/2016

Caldeirão de Parelhas* Parelhas Piranhas/Assú 9.320.657 1.115.054 11,96 % 17/01/2017

1976 Brejo* Olho-d'Água do

Borges

Apodi/Mossoró

6.450.554 0 0,00 % 29/09/2016

1977 Pilões Pilões Apodi/Mossoró 5.901.875 0 0,00 % 10/10/2016

Continuação da tabela 03.

ANO AÇUDE MUNICIPIO BACIA

HIDROGRÁFICA CAPACIDADE (m³) VOLUME ATUAL (m³) VOLUME ATUAL (%) DATA DA MEDIÇÃO

1982 Tourão* Patu Apodi/Mossoró 7.985.249 0 0,00 % 18/10/2016

Dourado Currais Novos Piranhas/Assú 10.321.600 1.607.442 15,57 % 17/01/2017

1983

Flechas José da Penha Apodi/Mossoró 8.949.675 0 0,00 % 11/10/2016

Eng. Armando Ribeiro

Gonçalves Assú Piranhas/Assú 2.400.000.000 345.846.000 14,41 % 18/01/2017

Campo Grande* São Paulo do Potengi Potengi 23.139.587 411.289 1,78 % 17/01/2017

1984 Jesus Maria José Encanto Tenente Ananias Encanto Apodi/Mossoró Apodi/Mossoró 9.639.152 0 0,00 % 11/10/2016 5.192.538 2.550.233 49,11 % 18/01/2017

Rio da Pedra* Santana do Matos Piranhas/Assú 13.602.215 52.555 0,39 % 17/01/2017

1987 Beldroega Paraú Piranhas/Assú 8.057.520 20.460 0,25 % 17/01/2017

1988 Boqueirão de Parelhas* Parelhas Piranhas/Assú 84.792.119 10.849.997 12,80 % 19/01/2017 1989 Boqueirão de Angicos Afonso Bezerra Piranhas/Assú 16.018.308 150.635 0,94 % 08/12/2016 1994 Passagem Rodeador Rodolfo Fernandes Umarizal Apodi/Mossoró Apodi/Mossoró 8.273.877 0 0,00 % 01/12/2016 21.403.850 1.450.620 6,78 % 18/01/2017 Passagem das Traíras* São José do Seridó Piranhas/Assú 49.702.394 301.206 0,61 % 18/01/2017 2002

Santa Cruz do Apodi Apodi Apodi/Mossoró 599.712.000 111.623.590 18,61 % 18/01/2017

Umarí Upanema Apodi/Mossoró 292.813.650 27.762.876 9,48 % 27/12/2016

Carnaúba São João do Sabugi Piranhas/Assú 25.710.900 93.106 0,36 % 18/01/2017

Esguicho Ouro Branco Piranhas/Assú 27.937.310 267.553 0,96 % 18/01/2017

2011 Tabatinga Macaíba Potengi 89.835.678 6.700.576 7,46 % 28/12/2016

Fonte: SEMARH/RN (2017).

NOTA: (1) Os dados apresentados nesta tabela fazem menção somente aos açudes públicos monitorados pela Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Norte – SEMARH.

(2) Registra-se aqui o reconhecimento do Açude Bodó, localizado no município de Tenente Ananias com capacidade máxima para armazenar 9.475.907 m³ de água, para o qual nos obtivemos maiores informações. O mesmo ocorreu com o Açude Prata situado no município de Goianinha. Este último reservatório tem capacidade para armazenar 9.321.194 m³ de água e segundo informações dos órgãos oficiais foi construído e pertence a Usina Estivas, unidade agrícola especializada na produção e processamento da cana-de-açúcar. Supõe-se aqui que o referido reservatório é destinado ao armazenamento de água para irrigação do cultivo da cana-de-açúcar.

Os açudes com elevada capacidade de armazenamento de água estão localizados nas maiores bacias hidrográficas do estado, sejam elas, as bacias hidrográficas do Rio Piranhas- Assú e do Apodi-Mossoró, nas quais, respectivamente, registra-se a presença de um total de 18 e 21 açudes públicos com capacidade igual ou superior a 5.000.000m³ de água.

Com relação ao período cronológico no qual foram inaugurados estes reservatórios, percebe-se que no território potiguar a difusão de tais sistemas de engenharia deu-se sobremaneira a partir do ano de 1954, constituindo-se nesse contexto como uma resposta dos governos federais e estaduais aos reclames da população residente no semiárido do Nordeste por infraestruturas de armazenamento e abastecimento de água.

Embora a construção dos açudes e pequenos reservatórios fosse uma prática recorrente no semiárido do Nordeste, e de modo particular no Rio Grande do Norte, a efetividade na instalação de açudes públicos, só ganhou reconhecimento e respaldo institucional a partir das ações sistematizas do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS, que tinham como frentes de atuação a criação de infraestruturas, o incentivo a prática da irrigação como elemento para modernização das atividades agrícolas, propagação de sistemas agroindustriais e colonização de terras no semiárido nordestino (GOMES, 1988;POMPONET, 2009).

Ao refletir sobre a importância das políticas hídricas e seus rebatimentos no processo de inserção do Nordeste na divisão territorial do trabalho, é preciso que se compreenda que parte significativa destas, tinham como finalidade a

criação de uma infraestrutura, permitindo alcançar três objetivos: transformação ecológica do espaço árido em terras cultiváveis; a conversão econômica da produção agrícola tradicional em uma economia capitalista moderna e, criação de uma mentalidade empresarial entre os pequenos produtores (ALMEIDA, 1993, p. 01).

Nesse sentido ressalta-se que no Rio Grande do Norte, bem como em outros estados do Nordeste brasileiro, a criação de perímetros irrigados públicos só se tornou possível a partir da instalação dos açudes, o que evidencia a inseparabilidade entre estas ações forjadas pelo estado e referenda a premissa de que sistemas de objetos se comportam como macroestruturas materiais que possibilitam a concretização e continuidade da ação.

É também verdade que a emergência de novos objetos ou sistemas de engenharia, assim como o surgimento de novos edifícios normativos, pode impor-se a um só tempo como limite as ações em cursos, cominando desse modo em redefinições nos processos e relações já existentes, ou suscitando o surgimento de novas ações.

Com estrutura similar a dos açudes, mas dotadas de finalidades técnicas e funcionais diferenciadas, as barragens ou sistemas de barramentos são tecnicamente definidas como

Estrutura construída em um curso d’água transversalmente à direção de escoamento de suas águas, alterando as suas condições de escoamento natural, objetivando a formação de um reservatório a montante, tendo como principal finalidade a regularização das vazões liberadas à jusante, por meio de estruturas controladoras de descargas. O reservatório de acumulação pode atender a uma ou a diversas finalidades como abastecimento de água para cidades ou indústrias, aproveitamento hidrelétrico, irrigação, controle de enchentes, regularização de curso de água etc. (IGAM, 2008, p. 14).

À luz da definição apresentada observa-se que o principal elemento diferenciador entre açudes e barragens, é o fato deste último apresentar como característica central o papel de estrutura reguladora da vazão de água para as áreas situadas a jusante do reservatório. Uma similitude importante diz respeito ao fato da água armazenada nas barragens também poder ter como principais usos o consumo por sistemas de irrigação ou a dessedentação animal, ambos, modos basilares de dispêndio das águas debeladas nos açudes.

Quanto à distribuição espacial, as barragens também estão distribuídas em diferentes porções do território nacional, conforme se visualiza no mapa 04. A presença de tais sistemas de engenharia hídrica concentra-se nas regiões Sudeste e Sul, onde parte dos barramentos integra de modo total, ou complementar, o sistema de produção de energia hidrelétrica, dada a elevada necessidade de geração e consumo de energia na região concentrada do país19.

De acordo com a classificação da Agência Nacional de Águas, existe no Rio Grande do Norte 13 barragens com área com igual ou superior a 20ha, sejam elas: Barragem Poço da Pedra, Barragem Pedro Targino Sobrinho, Barragem São Roque, Barragem Lagamar, Barragem de José Líbano, Barragem do Rio Sabugi, Barragem de Dadá, Barragem do Sítio Ipueira, Barragem Fazenda Vinagre, Barragem Umari, Barragem de Tabatinga, Barragem da Ema e Barragem Pajuçara (ANA, 2016a).

19 A região concentrada é aqui compreendida como a fração do território nacional na qual verifica-se a ocorrência

de densidades técnicas expressivas, intenso processo de produção das informações e concentração de pessoas, mercadorias e capital (SANTOS e SILVEIRA, 2008). A referida região abarca os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, a porção sul dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo e áreas do Mato Grosso do Sul, especialmente as situadas nos limites com os estados de São Paulo e Paraná (SANTOS e RIBEIRO, 1979).