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CAPÍTULO 4: A ESCOLA E O BAIRRO NAS TRAMAS DA HISTÓRIA

4.1 A entrada no campo: Jardim da vitória/Vila dos pequenos

4.1.4 A área servida pela escola

A EMEF Jardim da vitória está localizada em área um pouco afastada do aglomerado de residências do Jardim da vitória/Vila dos pequenos. Isso ocorreu porque não existiam terrenos disponíveis no interior do bairro e pela opção do poder público de não desapropriar as áreas ocupadas irregularmente. Dessa forma, o prédio escolar foi construído no ano de 200854 em um terreno afastado do bairro. Somente depois da inauguração do prédio escolar a administração municipal providenciou em regime emergencial a infra-estrutura necessária ao seu funcionamento: vias de acesso, rede elétrica e de água e esgoto, etc.

Apesar dos problemas mencionados os moradores do bairro consideram que a implantação da escola representou uma grande conquista, pois a maioria dos seus 1.113 alunos matriculados do 1º ao 8º anos do ensino fundamental estuda na escola sem que

52 Idem. 53 Ibdem. 54

O prédio antigo da escola estava situado no núcleo do bairro e era uma construção modular. Esta e outras escolas congêneres são denominadas pela imprensa de “escolas de latinha”. A edificação atendia cerca de 400 alunos em condições precárias.

seja preciso se deslocar para outros bairros para estudar como ocorria antes da existência da escola. 55

A área abordada possui certa homogeneização quanto ao padrão das residências, renda familiar e carência de infraestrutura adequada às necessidades dos seus moradores. Por outro lado, florescem no bairro pequenos estabelecimentos comerciais e residências passam por reformas e ampliação, o que caracteriza um início de diferenciação sócio-econômica entre as famílias56.

A esse respeito, Torres et all (2005, p. 10-11) afirmam,

que a estrutura geral da metrópole continua a ser caracterizada pela existência de inúmeros espaços homogêneos, social e espacialmente separados entre si, configurando uma intensa segregação entre áreas ricas e pobres. Ao mesmo tempo, entretanto, espaços igualmente pobres por vezes apresentam características muito diferentes entre si no que diz respeito ao acesso a equipamentos públicos ou a características relativas a diferentes intensidades de mazelas urbanas como desemprego e violência.

Por meio dessa caracterização é possível perceber que o aumento da complexidade do espaço urbano e a heterogeneidade da pobreza impossibilita o enquadramento dessas questões em modelos explicativos que não levam em conta as suas características históricas específicas. A existência de espaços segregados, territórios que constituem uma dimensão peculiar da situação social em que se encontram os diversos grupos sociais na cidade, em especial os mais pobres, contribui para isolá-los dos circuitos sociais e econômicos mais amplos, reduzindo significativamente as possibilidades de interação e mobilidade social. Na esfera da educação, estudos desenvolvidos por Barros (2001), e César & Soares (2001) acerca dos

55Atualmente, a Secretaria Municipal da Educação, adota o critério de proximidade da escola para o preenchimento das vagas disponíveis. Por essa razão os alunos da escola pesquisada residem na área delimitada para esse estudo.

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Durante minha estada no bairro foi possível perceber a existência de um circuito econômico interno ao bairro, caracterizado por relações econômicas monetizadas (pagamento à vista), e mercado interno baseado na venda de mercadorias de pequeno valor econômico e prestação de serviços: O comércio é constituído por armazéns/bares, lojas de produtos a R$ 1,99, lojas de roupas, entrega de gás; os serviços são prestados por profissionais da construção civil como pedreiros e eletricistas. Há ainda o dinheiro trazido pelos moradores que trabalham fora do bairro como domésticas, babás, funcionários de lojas e supermercados, por exemplo, e o dinheiro vindo de Programas Assistenciais do governo como a “bolsa família”. Esse circuito de circulação do dinheiro no bairro ajuda a explicar o atual processo de dinamização da economia interna local. É também possível que parte desse processo de circulação não esteja apreendida pelas estatísticas oficiais devido às características peculiares do lugar – será que poderíamos afirmar que a economia do Jardim da Vitória/Vila dos pequenos é uma economia semi- clandestina, à medida que boa parte do comércio não se encontra regularizado por não atender às diretrizes postas pela legislação municipal e estadual quanto ao uso do solo, por exemplo.

determinantes de escolaridade e de desempenho escolar no Brasil, enfatizam que crianças e jovens das áreas metropolitanas que residem e estudam em espaços segregados tendem a ter resultados escolares inferiores aos de alunos de melhor nível socioeconômico e que residem em espaços não segregados57.

Dados obtidos nessa pesquisa58 indicam que a instalação no bairro representa o final de um processo de migração rural-urbano e urbano-urbano de famílias com pouca tradição de escolarização e baixa escolaridade dos seus membros.

Estudo desenvolvido por Girardi (s/ data) mostra a intensidade do processo migratório no Brasil entre as décadas de 1950 e 2000, no qual destaca o deslocamento de grandes contingentes populacionais das áreas rurais para os centros urbanos em busca de melhores oportunidades econômicas e educacionais pelos migrantes. No caso de São Paulo, entre as décadas de 1950 a 1980 esses contingentes eram formados em sua maioria por mineiros e nordestinos59, que inicialmente se empregaram nas indústrias localizadas nos bairros industriais como o Brás, a Barra Funda e a Lapa ou em centros de produção têxtil como o Bom Retiro. Esses migrantes foram acomodar-se em bairros periféricos, num processo de deslocamento contínuo em busca de estabelecer residência em local de custo compatível com suas possibilidades econômicas. Essa mobilidade no espaço se caracterizou pela busca de melhores condições de existência da população.

As residências do Jardim da vitória/Vila dos pequenos não possuem um padrão definido quanto ao tamanho dos lotes e características das edificações; o traçado das ruas também é irregular. A ocupação territorial sem que houvesse qualquer planejamento deixou como seqüelas a inexistência de áreas de lazer, espaços para recreação ou áreas verdes no bairro. A ausência de calçadas na maioria das ruas desfaz a delimitação entre a rua e o casario, pessoas circulam pela denominada “Rua Principal”, desviando-se dos automóveis e microônibus, que por sua vez têm que aguardar a passagem “de um veículo por vez” pela via estreita.

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Nesse mesmo estudo é detectado que crianças e jovens que habitam esses espaços segregados conseguem melhorar seus resultados escolares quando estudam em escolas localizadas em espaços não segregados. No entanto, como a grande maioria dos alunos residentes nos espaços segregados estudam em escolas próximas de seu domicílio, a segregação sócio-espacial (e cultural), tende a ter continuidade de uma geração para outra.

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Vide anexo 1: Entrevista com o Sr. Moraes.

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Ao caminhar pelo bairro ou entrar em algum estabelecimento comercial reparamos que o sotaque predominante entre os presentes é o “nordestino”, o que denuncia a origem dos seus moradores. Segundo o Diretor da EMEF Jardim da vitória, nos finais de semestre é comum os pais pedirem “dispensa das aulas para os filhos”, a fim de que estes os acompanhem em viagem aos parentes em Minas Gerais ou nordeste. Uma hipótese plausível é de que também deve ocorrer um fluxo populacional inverso: a vinda de “mineiros” e “nordestinos” para a casa dos seus parentes no bairro.

No bairro, as fronteiras entre o público e o privado não aparecem tão demarcadas quanto nos condomínios ou bairros onde o arruamento define o lugar que cada um ocupa na paisagem. Assim o processo de socialização das crianças e jovens no bairro, além das formas tradicionais como o grupo familiar, abrange também redes formadas pelas relações de vizinhança em que mecanismos de solidariedade intracomunitária buscam suprir em parte a carência de equipamentos públicos que promovam experiências de socialização entre essa faixa da população.

Nesse contexto, a escola representa uma instância privilegiada de socialização, atuando em complementaridade ou contraponto ao processo de socialização familiar e de grupos de vizinhança. Em seu interior coexistem traços culturais provenientes de grupos familiares e de vizinhança com baixo capital cultural e de escolarização com as exigências postas pela organização escolar e que se inscrevem na história da própria instituição, cuja principal marca é o processo de aculturação por que passam as crianças e jovens.

4.2 A escola e sua cultura: organização das escolas da rede municipal de ensino de